A deterioração da qualidade das águas continentais brasileiras: o processo de eutrofização

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Transcrição:

P&D ARTIGO TÉCNICO A deterioração da qualidade das águas continentais brasileiras: o processo de eutrofização Marcelo Luiz Martins Pompêo Sheila Cardoso da Silva e Viviane Moschini-Carlos Da esquerda para a direita: Marcelo, Sheila e Viviane eutrofização é um dos mais graves problemas associado à redução da qualidade das A águas superficiais. A falta de ações e medidas concretas no curto prazo visando conter e reduzir o processo de eutrofização contribuirá para o agravamento da deterioração da qualidade das águas, em particular na região metropolitana das grandes cidades brasileiras. Sem políticas públicas eficazes, programas de educação ambiental e a participação de toda sociedade em fóruns de discussões e decisões, não é possível atingir metas de melhoria da qualidade de vida e restaurar a qualidade das águas dos rios Tietê, Pinheiros e represas Billings e Guarapiranga. É imprescindível que o poder público aplique os instrumentos legais disponíveis e que a continuidade de projetos e ações de melhoria do meio ambiente seja garantida (Kakinami et al., 2004). Causas da eutrofização O processo de eutrofização é caracterizado pelo aporte excessivo, permanente e contínuo de nutrientes, em lagos, reservatórios, rios, estuários e ecossistemas marinhos costeiros. Pode ocorrer de maneira natural, pelo envelhecimento do lago, em geral no período de milhares de anos, decorrente do aporte de nutrientes da chuva e águas superficiais. A problemática está relacionada à aceleração da eu- trofização pelo crescimento populacional, urbanização e industrialização crescentes e também ao uso de fertilizantes (Goldman e Horne, 1983; Henderson-Sellers e Markland, 1987). Em geral, a chave do processo de eutrofização está relacionada com a disponibilidade de nutrientes, particularmente nitrogênio e fósforo, essenciais para o crescimento vegetal e considerados a principal causa desse processo (Henderson-Sellers e Markland, 1987; Smith et al., 1999). Outros fatores, como a luz, temperatura, turbidez, regime de fluxo da água e substâncias tóxicas, também são importantes (Leaf e Chatterjee, 1999). Conseqüências da eutrofização A eutrofização não se resume ao enriquecimento por nitrogênio e fósforo. Provoca profundas alterações em todo o sistema, afetando as comunidades biológicas e os ciclos biogeoquímicos (Moss, 1998a). Partindo-se de uma condição ultra-oligotrófica à hipereutrófica, podem ocorrer as seguintes mudanças no corpo d água (Henderson- Sellers e Markland, 1987; Vezjak et al., 1998; Smith et al., 1999): aumento da biomassa ocorre particularmente na comunidade dos produtores, em menor grau nos produtores secundários - em ambos os casos há diminuição na riqueza de espécies; diminuição na concentração de oxigênio no hipolímnio, devido à decomposição bacteriana da matéria orgânica; aumento da concentração de nutrientes e do material sólido em suspensão, especialmente matéria orgânica, nestas circunstâncias, a decomposição anaeróbia e a redução de compostos de ferro provocam odor de enxofre; progressão de uma população de diatomáceas para cianobactérias e clorofíceas; diminuição da penetração de luz; liberação de toxinas por cianobactérias as to- USP, IB, Depto de Ecologia, R. do Matão, Travessa 14, 321, São Paulo, SP, Brasil, 05508-900, mpompeo@ib.usp.br 24 Saneas / agosto 2005

xinas podem causar reações alérgicas e irritações na pele e problemas gastro intestinais nos animais e no homem; mudanças na produtividade, biomassa e composição de espécie; perda dos aspectos estéticos da água como cor e odor; problemas no tratamento da água como a filtração; danos à saúde; alterações no ph e redução na concentração de CO 2 ; aumento da mortandade e na composição de peixes no ecossistema. Outros problemas associados à eutrofização são: os peixes e o zooplâncton podem ser substituídos por espécies mais tolerantes às condições limitantes ou desaparecerem (Esteves, 1988b); o excessivo crescimento de macrófitas aquáticas pode prejudicar o uso recreativo da água e causar problemas de navegação, corrosão e entupimento de turbinas (Azevedo-Netto, 1988); ambientes com elevada carga orgânica, descartes sólidos e presença de macrófitas aquáticas propiciam a criação de mosquitos transmissores de doenças (Natal et al., 2004); as altas concentrações de nitrato podem levar à formação de compostos como nitrosaminas, que são carcinogênicos (Henderson-Sellers e Markland, 1987). É importante ressaltar que o aporte controlado de nutrientes, eleva a produtividade, refletindo no aumento de peixes pelo conseqüente aumento do alimento. Além disso a multiplicação de algas impede o crescimento de algumas bactérias patogênicas (Azevedo-Netto, 1988). Determinação do estado trófico Os corpos d água podem ser classificados em eutróficos, mesotróficos e oligotróficos, muito, medianamente e pouco produtivos, respectivamente. Os termos ultra-oligotrófico (produtividade muito pequena) e hipereutrófico (avançado estágio de eutrofização) também são empregados como limites inferior e superior, respectivamente. A tipificação do estado trófico de um corpo d água é realizado pela análise de critérios, como a concentração de oxigênio dissolvido, a análise da composição da fauna ou do fitoplâncton, a concentração de nutrientes, entre outros (Carlson, 1977; Cetesb, 2003). O índice de estado trófico (IET) de Carlson (1977), fundamentado nas concentrações de fósforo total, clorofila a e disco de Secchi, é muito utilizado. Este índice, modificado por Toledo et al. (1983), ajustado com base em estudos realizados em reservatórios tropicais, é adotado pela CETESB, sendo utilizados os seguintes critérios para enquadrar o corpo de água em determinado estado trófico (Cetesb, 2003): Oligotrófico: IET 44 - Corpos de água limpos, de baixa produtividade, em que não ocorrem interferências indesejáveis sobre os usos da água. Mesotrófico: 44 > IET 54 - Corpos de água com produtividade intermediária, com possíveis implicações sobre a qualidade da água, mas em níveis aceitáveis, na maioria dos casos. Eutrófico: 54 > IET 74 - Corpos de água com alta produtividade em relação às condições naturais, de baixa transparência, em geral afetados por atividades antrópicas, em que ocorrem alterações indesejáveis na qualidade da água e interferências nos seus múltiplos usos. Hipereutrófico: IET > 74 - Corpos de água afetados significativamente pelas elevadas concentrações de matéria orgânica e nutriente, com acentuado comprometimento nos seus usos, podendo inclusive estarem associados a episódios de florações de algas e de mortandade de peixes e causar conseqüências indesejáveis sobre as atividades pecuárias nas regiões ribeirinhas. Apesar de muito utilizado para inferir aspectos de qualidade da água, o IET é apenas um indicador de trofia, devendo ser aplicado com cautela. O pesquisador deverá considerar a dinâmica temporal e espacial das variáveis físicas, químicas e biológicas do ecossistema avaliado e os aspectos regionais de cada bacia (Mercante e Tucci-Moura, 1999; Esteves, 1988a). Sua utilização para a classificação trófica de reservatórios, muitas vezes é inapropriada, pois estes apresentam características únicas, não presentes em lagos naturais, tais como o variável e reduzido tempo de residência, a elevada turbidez não algal, os gradientes longitudinais e não lineares de relevantes variáveis limnológicas (Lind et al., 1990). Controle da eutrofização nos corpos d água lacustres A poluição difusa é um agregado de entradas ao longo de toda bacia hidrográfica, apresentando variabilidade espacial e relação aos usos do solo (León et al., 2001). Apenas disciplinando os usos e ocupação do solo, será possível reduzir o aporte de nutrientes pelas fontes Saneas / agosto 2005 25

difusas. Diferentemente, as fontes pontuais são facilmente identificadas e quantificadas, permitindo a aplicação de métodos de tratamento dos efluentes domésticos e industriais para remoção das cargas de nitrogênio e fósforo. Para o controle da eutrofização artificial é necessário tratar as causas do problema e não apenas os sintomas (Vallentyne, 1978; Moss, 1998b). Tratar os sintomas é uma medida de baixo custo no curto prazo. Analisando no longo prazo, a remoção das causas, limitando o estoque de nutrientes, resolve o problema e torna-se economicamente viável (Moss, 1998a). Há exemplos de recuperação de ambientes eutrofizados, como o lago Maggiore na Itália, onde ocorreu uma diminuição de 67% no aporte de fósforo (Smith et al., 1999). O estoque de nutrientes pode ser limitado pela redução do consumo de fertilizantes agrícolas, de detergentes com fósforo em sua composição e eliminação dos aditivos fosfóricos presentes nos alimentos (Forsberg, 1998). Os compostos de nitrogênio são muito solúveis, podendo entrar na água por fontes não pontuais e pelo suprimento atmosférico através dos organismos fixadores de nitrogênio (Moss, 1998a). A remoção de nitrogênio pode ocorrer por métodos biológicos, mediante processos naturais microbiológicos do ciclo do nitrogênio. Os processos físicos e químicos são mais dispendiosos. O reservatório Billings: um ecossistema eutrofizado O reservatório Billings localiza-se a oeste da cidade de São Paulo, abrangendo áreas dos municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Sua bacia de drenagem apresenta 560 km 2, cerca de 120 km 2 de espelho d água e um volume estimado em 1,20x10 9 m 3. Idealizado pelo engenheiro americano Asa Billings em 1927, visou aproveitar as águas do Alto Tietê para gerar energia elétrica. Pode receber as águas da bacia do rio Tietê através da estação de recalque de Pedreira, situada no rio Pinheiros, seguindo através da barragem reguladora do canal das Pedras (Summit Control) e aduzidas para a Hidrelétrica Henry Borden (Cetesb, 1996, 2002; Emae, 2002). Em 1981, o reservatório foi secionado junto à Via Anchieta pela construção da Barragem Anchieta, resultando nos compartimentos Pedreira e Rio Grande. Visou preservar a qualidade da água no braço Rio Grande, local de captação de água para abastecimento público, de cerca de 1,2 milhões de habitantes (Emae, 2002). A partir de 1992 a Resolução Conjunta SMA/SES n 3, de 04/09/92 disciplinou o aporte das águas poluídas provenientes dos rios Pinheiros e Tietê lançado no compartimento Pedreira. O bombeamento das águas do rio Pinheiros é permitido nas seguintes situações de emergência (Kakinami et al., 2004): quando houver aumento da vazão do rio Tietê, no ponto de sua confluência com o rio Pinheiros, próximo ao Cebolão, igual ou superior a 160 m 3 /s, ou previsão de enchentes na região metropolitana de São Paulo; queda da cota de água a níveis insuficientes para assegurar o fornecimento de energia elétrica em situações de emergência pela Usina Henry Borden; formação de espumas no rio Tiete, depois da barragem Edgard de Souza, que venham extravasar o espelho d água; proliferação de algas nos rios e reservatórios da região metropolitana de São Paulo e Médio Tietê, que comprometa a qualidade do abastecimento público; ocorrência de intrusão salina ou queda do nível, na bacia do rio Cubatão, comprometendo o funcionamento das indústrias que usam suas águas no processo industrial. Esta Resolução define que o controle de enchentes, nas bacias do Alto Tietê é prioritário em relação a qualquer outro uso da água (Kakinami et al., op cit.). De 1992 a 1995, observou-se ligeira intensificação da ocupação na região, em especial entre os braços Pedra Branca e Taquacetuba e à margem direita do braço Alvarenga (Cetesb, 2002). A região atualmente caracteriza-se por grandes contrastes, associando chácaras de recreio com favelas e loteamentos irregulares e clandestinos. A CETESB monitora bimestralmente o grau de eutrofização dos corpos de água pertencentes à sua rede de monitoramento, a partir das concentrações de fósforo total e clorofila a. São 52 pontos distribuídos entre 17 rios e 16 reservatórios do Estado de São Paulo, sendo quatro pontos no reservatório Billings (Tab. 1). Apesar da melhoria da qualidade da água verificada após a aplicação da Resolução SMA/SES, o IET médio calculado sugere que a represa Billings apresenta condições eutróficas. A elevada concentração de fósforo total pode ser atribuída, em grande parte, ao aporte de esgoto doméstico (Cetesb, 2003). A polêmica construção do Rodoanel tem a potencialidade de contribuir com a degra- 26 Saneas / agosto 2005

TABELA 1 Índice do estado trófico (IET) em no reservatório Billings (Cetesb, 2003). Estações IET (Clorofila a) IET (fósforo total) Corpo central Bororé 66 58 Corpo central - Ponte da Rodovia dos Imigrantes 63 56 Braço do Taquacetuba Transposição 68 61 Braço Rio Grande - captação da SABESP 61 53 dação ambiental da região da represa Billings, seja pela ampliação do quadro de ocupação desordenada das áreas adjacentes ao reservatório sem a devida infra-estrutura de saneamento (Kakinami et al., 2004), pela ampliação das áreas desmatadas, agravando o processo de eutrofização na represa, particularmente na região de captação de água pela SABESP, no braço Rio Grande. Considerações finais O rio Pinheiros há muito tempo é utilizado como diluente de esgotos. Atualmente na sua bacia habitam cerca de 6 milhões de pessoas, produzindo 280 ton/dia de esgotos. Visando tratar estes esgotos está sendo implantado o Projeto Tietê. Na primeira etapa de tratamento, apenas 30% será coletado e tratado. O tratamento de 100% dos esgotos coletados, da ordem de 90%, deverá ocorrer na segunda parte do Projeto, iniciado em julho de 2000, reduzindo em 77% a carga de esgoto lançado no rio (Kakinami et al., 2004; Miguel et al., 2004). Assim, a qualidade das águas do rio Pinheiro deverá ser paulatinamente melhorada, no entanto, mantendo o rio na Classe 4 (Magalhães, 1992 apud Kakinami et al., op cit.), segundo os critérios estabelecidos pela Resolução Conama 357/2005. Caso as águas dos rios Pinheiros e Tietê apresentassem qualidade referente às Classes Especial, 1 e 2, de usos mais nobres, poderia ser ampliada a oferta de água para abastecimento público, retirada diretamente desses rios, além de ser repassada à represa Billings e gerar energia na potência máxima da Usina Henry Borden, em torno de 887 MW, que na atualidade gera cerca de 140 MW (Kakinami et al., 2004). Na última década um grande número de pesque pagues surgiram no Brasil. Este sistema de cultivo intensivo de peixes utiliza fertilizantes para enriquecimento artificial. Seus efluentes enriquecidos com nutrientes e lançados diretamente no corpo de água agravam o processo de eutrofização. A estimativa de nitrogênio e fósforo liberados pelas fazendas de criação de salmão em gaiolas na Suécia, para o ano de 1994, foi da ordem de 1900 e 15600 toneladas, respectivamente, representando o equivalente lançado por uma população de 1,7 milhões de habitantes para o fósforo e 3,9 milhões de habitantes para o nitrogênio (Folke et al., 1994). Desta forma, o efeito nocivo potencial dos pesque pague contribuindo para a redução da qualidade da água e elevação do grau de trofia deve ser considerado. O exemplo positivo de melhoria na qualidade da água da represa Billings, ocorrido após o término do lançamento das águas poluídas dos rios Tietê e Pinheiros em 1992, demonstrou a força da mobilização popular e que os técnicos e políticos não estão avessos à tomada de decisões positivas ao meio ambiente. No entanto, deve-se ressaltar que o término do lançamento das águas desses rios é uma medida emergencial e paliativa. O problema de redução da qualidade da água na represa Billings continua, associado ao lançamento de esgotos diretamente no corpo d água (Cetesb, 2003). Os investimentos públicos aplicados à coleta e tratamento dos esgotos são muito exíguos no Brasil. Não há previsão no curto prazo de ocorrer alteração no perfil de investimento dos estados e municípios visando à coleta e tratamento de 100% dos esgotos gerados. Da mesma forma, é necessário aplicar um plano de gestão da bacia hidrográfica, disciplinando o uso e a ocupação dos espaços, visando reduzir a carga pontual de nutrientes lançados nos corpos d água. Do contrário, espera-se agravamento do processo de eutrofização com elevação no grau de trofia dos ambientes já eutrofizados e ampliação da proporção das massas de água que passarão de mesotróficas a eutróficas e de oligotróficas a mesotróficas, reduzindo a oferta de água de qualidade e ampliando os custos de tratamento da água para múltiplas finalidades, com ônus para toda sociedade. Saneas / agosto 2005 27

Agradecimentos A Fapesp (02/13376-4, Projeto Billings) e Fundación Mapfre (sucursal Brasil). Referências Azevedo-Netto, J.M. Novos conceitos sobre a eutrofização. DAE, 48 (151):22-28, 1988. Carlson, R.E. A trophic state index for lakes. Limnol. Oceanog., 22 (2): 361-369, 1977. Ambiental, Avaliação do Complexo Billings: comunidades aquáticas (Out/92 a Out/93), DAH, 1996. Ambiental, Relatório de qualidade das águas interiores do estado de São Paulo 2001. São Paulo: CETESB, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2002. 227p. Ambiental, Relatório de qualidade das águas interiores do estado de São Paulo 2002, São Paulo: CETESB, Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2003. Emae, Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. 2002, http://www.emae.sp.gov. br/, 26/07/02. Esteves, F.A. Considerações sobre a aplicação da tipologia de lagos temperados e lagos tropicais. Acta Limnol. Brasil., 11:3-28, 1988a. Esteves, F. A. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: Interciência: INEP. 1988b, 575p. Folke, C.; Kautsky, N. e Troell, M. The costs of eutrophication from Salmon Farming: implications for policy. J. Environ. Manag., 40: 173-182, 1994. Forsberg, C. Which polices can stop large scale eutrophication? Wat. Sci.Tech., 37 (3): 193-200, 1998. Goldman, C.R. e Horne, A.J. Limnology. EUA, McGraw-Hill. 1983, 464p. Henderson-Sellers, B. e Markland, H.Z. Decaying lakes: the origens and control of cultural eutrofication. New York, Wiley. 1987, 254 p. Kakinami, S.H.; Santos, A.I.P.; Mendes, R;A;P; e Alvim, S.C. Rio Pinheiros: suas águas e suas margens. p. 191-223. In: Roméro, M.A.; Philippi Jr., A. e Bruna, G.C. (eds.) Panorama ambiental da Metrópole de São Paulo. São Paulo: USP/Signus Editora, 2004, 584p. Leaf, S.S. e Chatterjee, R. Developing a strategy on eutrofication. Wat. Sci. Tech., 39 (12): 307-314, 1999. León, L.F.; Soulis, E.D; Kouwen, N. e Farquhar, G.J. Nonpoint source pollution: a distributed water quality modeling approach. Wat. Res. 35(4): 997-1007, 2001. Lind, O.T. e Terrell, T.T. Trophic classification: some special problems of reservoirs. Arch. Hydrobiol. Beih. 33: 647, 1990. Mercante, C.T.J. e Tucci-Moura, A. Comparação entre os índices de Carlson e de Carlson modificado aplicados a dois ambientes aquáticos subtropicais, São Paulo, SP. Acta Limnol. Brasil., 11(1):1-4, 1999. Miguel, A.R.; Bevilacqua, N.; Guerra, P.A.D.V. e Baptistelli, S.C. Tratamento de águas residuárias domésticas. p. 77-111. In: Roméro, M.A.; Philippi Jr., A. e Bruna, G.C. (eds.) Panorama ambiental da Metrópole de São Paulo. São Paulo: USP/Signus Editora, 2004, 584p. Moss, B. The numbers of eutrification - errors, ecosystem effects, economics, ventualities, environment and education. Wat. Sci. Tech., 37 (3): 75-84, 1998a. Moss, B. Ecology of fresh water: man and medium, past to future. Oxford, Blackwell-Science. 1998b, 557p. Natal, D.; Araújo, F.A.A.; Vianna, R.S.T.; Pereira, L.E. e Ueno, H.M. O mosquito das águas poluídas. Saneas, 20 (19): 26-31, 2004. Smith,V.H.; Tilman, G.D. e Nekola, J.C. Eutrophication: impacts of excess nutrient inputs on freshwater, marine, and terrestrial ecosystems. Environ. Pollution, 100: 179-196, 1999. Toledo, A.P.; Talarico, M.; Chinez, S.J. e Agudo, E.G. A aplicação de modelos simplificados para a avaliação do processo da eutrofização em lagos e reservatórios tropicais. Anais XIX Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental, Camboriú, SC. 1983, 57p. Vallentyne, J.R. Introducción a la limnología los lagos y el hombre. Barcelona: Omega. 1978, 169p. Vezjak, M.; Savsek, T. e Stuhler, E.A. System dynamics of eutrofication processes in lakes. Eur. J. Oper. Res., 109: 442-451, 1998. 28 Saneas / agosto 2005