O EXERCÍCIO DA CURADORIA DE DEFESA PELA DEFENSORIA PÚBLICA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL UM REFLEXO DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE NECESSITADO E DA INCLUSÃO DA INSTITUIÇÃO COMO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL Heitor Teixeira Lanzellotti Baldez 1 A Lei nº 12.313/10 alterou a Lei de Execução Penal para prever a assistência jurídica ao preso dentro do presídio e atribuir competências à Defensoria Pública. A nova legislação, de forma expressa, incluiu a Defensoria Pública como órgão da execução penal: Art. 61. São órgãos da execução penal: (...) VIII - a Defensoria Pública. A dita alteração legislativa inaugura uma nova fase na atuação da Defensoria Pública no âmbito das execuções penais. Tal medida se coaduna com a onda legislativa que vem acrescentando atribuições à Instituição, como já ocorreu com a Lei nº 11.448/07, que concretizou a legitimidade ativa da Defensoria Pública para ingressar com ações civis públicas, e com a Lei Complementar Nacional nº 132/09, que, dentre outras medidas, consolidou as atuações atípicas da Defensoria. A inclusão da Defensoria Pública como órgão da execução penal atribui à Instituição a atuação em duas vertentes, a primeira, no exercício estrito da defesa daqueles que não possuem condições de contratar advogado sem prejuízo de seu sustento, e, a segunda, no exercício de uma novel: curadoria de defesa. É certo que tal proposta, como tudo que é novo, causará certo espanto e inquirições da comunidade jurídica. No entanto, a atuação encontra amparo legal e doutrinário, além de dar efetividade à Constituição da República. 1 Defensor Público do Estado de Minas Gerais.
Heitor Teixeira Lanzellotti Baldez A Carta Magna estabelece em seu artigo 134 que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. É certo que o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição se refere aos que comprovarem insuficiência de recursos. O exame literal e, concessa venia, açodado das normas Constitucionais invocadas, pode gerar interpretações equivocadas no sentido de que a atuação da Defensoria Pública se restringe à hipótese de defesa daqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Conforme ressalta Frederico Rodrigues Viana de Lima, a interpretação das normas previstas nos artigos 134 e 5º, LXXIV, deve ser feita não a partir de um exame literal, mas sim consoante um enfoque jurídico-teleológico 2. À luz da finalidade das normas, se verifica o surgimento das atribuições não tradicionais ou funções atípicas da Defensoria Pública, que são aquelas exercidas em virtude de necessidades diversas da financeira, como a necessidade técnica-jurídica ou organizacional. Nitidamente, a atuação em prol dos necessitados financeiros consubstancia a principal atribuição da Instituição, pelo que a doutrina especializada a denomina de atribuição tradicional ou função típica da Defensoria Pública 3. A breve normatização constitucional da Defensoria Pública, restrita às normas abordadas, é dotada de diversas cláusulas abertas, que determinam, notadamente frente às premissas neoconstitucionalistas, a interpretação ora perpetrada. A emérita doutrinadora Ada Pellegrini Grinover, em parecer elaborado sobre a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ações civis públicas, sustenta o seguinte: 2 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 164. 3 SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções institucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/09 a visão individualista a respeito da instituição? In, SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede Passagem. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011, pp. 38).
O EXERCÍCIO DA CURADORIA DE DEFESA PELA DEFENSORIA PÚBLICA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL UM REFLEXO DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE NECESSITADO E DA INCLUSÃO DA INSTITUIÇÃO COMO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL O que o art. 134 da CF indica, portanto, é a incumbência necessária e precípua da Defensoria Pública, consistente na orientação jurídica e na defesa, em todos os graus, dos necessitados, e não sua tarefa exclusiva. E continua: A exegese do termo constitucional não deve limitar-se aos recursos econômicos, abrangendo recursos organizacionais, culturais, sociais 4. Da necessidade técnica-jurídica surge, a título de exemplo, a atuação da Defensoria Pública: (i) em favor do acusado indefeso no processo penal; (ii) na atividade da curadoria especial (art. 4º, XVI, da Lei nº 80/94); (iii) na atuação em prol de toda criança ou adolescentes (art. 141, ECA); e, (iv) em favor de toda e qualquer mulher vítima de violência (art. 28, da Lei nº 11.340/06). A necessidade organizacional impõe a atuação da Instituição na tutela de direitos coletivos, conforme amplamente consagrado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e consolidado na Lei nº 11.448/07. A atuação da Defensoria Pública na qualidade de curadora de defesa na execução criminal tem como pressuposto a necessidade técnica-jurídica daqueles que estão em cumprimento de pena, haja vista a notória hipossuficiência destes indivíduos, que é, inclusive, reconhecida pela legislação pátria, que estabelece no artigo 9º, inciso II, do Código de Processo Civil, que: Art. 9º O juiz dará curador especial: (...) II - ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa. 4 GRINOVER, Ada Pellegrini. Legitimidade da Defensoria Pública para ação civil pública, Revista de Processo, nº 165, p. 307-308.
Heitor Teixeira Lanzellotti Baldez Ademais, as alterações introduzidas na Lei de Execução Penal, estabelecem que a Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança (art. 81-A), poderá requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo (Art. 81-B, I, a ) e representará ao Juiz da execução ou à autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas referentes à execução penal. Dentre as alterações legislativas impostas pela Lei Nacional Complementar nº 132/09, consolida-se a transmudação da Defensoria Pública, em virtude da Instituição passar a ser considerada como expressão e instrumento do regime democrático e de se consagrar, definitivamente, que à Defensoria Pública cabe a promoção dos direitos humanos. Não se está aqui a defender que a Defensoria Pública abandone a sua atividade precípua a assistência aos necessitados financeiros -, mas sim que esta intensifique e expanda sua atuação para abarcar indivíduos que se encontram, igualmente, em situação de necessidade, como ocorre com aqueles que estão submetidos ao cumprimento de penas impostas pelo Estado. A curadoria de defesa atuação como órgão da execução penal - se propõe à equalização da defesa no âmbito das execuções penais, face à notória hipossuficiência frente ao Estado, de todos aqueles que estão sob sua custódia. Tal forma de ação não se destina a diminuir a valorosa atuação dos advogados constituídos por aqueles que detêm condições financeiras. Muito pelo contrário, tem a finalidade de propiciar maior amplitude de defesa técnica. A experiência prática demonstra que os órgãos de execução da Defensoria Pública lotados nas atribuições de execução penal, em virtude da presença constante nas unidades prisionais, possuem amplo acesso aos custodiados, a documentos e informações. Além do fato de, por serem agentes públicos, possuírem prerrogativas legais diferenciadas e acesso a sistemas restritos do Estado. A atuação aqui proposta de curadoria de defesa é defendida pelo Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão, vejamos:
O EXERCÍCIO DA CURADORIA DE DEFESA PELA DEFENSORIA PÚBLICA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL UM REFLEXO DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE NECESSITADO E DA INCLUSÃO DA INSTITUIÇÃO COMO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL A segunda condição concerne à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. Uma igual equiparação só é possível se ao lado do defensor de confiança é instituído um defensor público, isto é, um magistrado destinado a funcionar como Ministério Público de Defesa, antagonista e paralelo ao Ministério Público de Acusação. A instituição dessa "magistratura" ou "tribuna de defesa" como uma ordem separada tanto da judicante como da postulação foi propostas por Filangieri, por Bentham, e depois Carrara e por Lucchini, sob pressuposto de que a tutela dos inocentes e a refutação das provas de culpabilidade integram funções de interesses não menos público de punição dos culpados e da colheita das provas a cargo da acusação. É claro que apenas desse modo seria eliminada a disparidade institucional que de fato existe entre acusação e defesa, e que confere ao processo, ainda mais que o segredo e que a escritura, caráter inquisitório 5. O ilustre doutrinador, na sequência, adianta que tal figura encontrará sempre a oposição corporativa da categoria dos advogados. Mas sem ela resulta comprometida a paridade de partes, que forma um dos pressupostos essenciais do contraditório e do direito de defesa. Mais uma vez, cumpre destacar que a curadoria de defesa não tem por finalidade excluir ou diminuir a importante atuação dos advogados contratados, mas sim de incrementar o efetivo exercício da defesa. Ademais, é importante esclarecer que a curadoria de defesa não ceifa ou se imiscui nas atribuições do Ministério Público, que atua como fiscal da lei. A curadoria de defesa se presta à equalização da defesa, e não na fiscalização realizada pelo Ministério Público. Apesar do ilustre doutrinador acima citado utilizar a expressão Ministério Público de Defesa, tal denominação não deverá ser adotada no direito pátrio, pois o defensor público referido pelo autor, integra uma Instituição autônoma e com denominação própria: DEFENSORIA PÚBLICA. 5 FERAJOLI, LUIGI. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. 3ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010. p. 537.
Heitor Teixeira Lanzellotti Baldez A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, desde o ano de 2011, em diversas comarcas, vem, mediante entendimento com os juízes, atuando no exercício da curadoria de defesa, inclusive em processos em que há advogado constituído, o que tem gerado diversos frutos na execução penal destas comarcas. Frente aos resultados alcançados, um grupo de 33 juízes mineiros, dentre os quais estão aqueles das comarcas com maior número de pessoas presos em Minas Gerais, editaram, em 14 de setembro de 2013, a carta de Belo Horizonte. O primeiro ponto que obteve consenso entre os participantes é o de que: A Defensoria Pública, como órgão da execução penal, tem legitimidade para postular interesse de qualquer pessoa em cumprimento de pena no Estado de Minas Gerais. 6 Conforme demonstrado, a atuação proposta de curadoria de defesa decorrente da inclusão da Defensoria Pública como órgão de execução penal, tem por finalidade acrescentar com a equalização da defesa técnica, e não diminuir a atuação dos advogados constituídos ou de se imiscuir na atribuição prefixada do Ministério Público. A finalidade é expandir a defesa, sempre em busca de justiça. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BURGER, Adriana Fagundes. BALBINOT, Christine. A nova dimensão da Defensoria Pública a partir das alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 132 na Lei Complementar nº 80/94. In, SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede Passagem. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011, pp. 38 FERAJOLI, LUIGI. Direito e razão. Teoria do garantismo penal. 3ª edição. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010. p. 537 GRINOVER, Ada Pellegrini. Legitimidade da Defensoria Pública para ação civil pública, Revista de Processo, nº 165, p. 307-308 LIMA, Frederico Rodrigues Viana de. Defensoria Pública. Salvador: JusPODIVM, 2010, p. 164. 6 Documento referido no sítio eletrônico: http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/juizeselaboram-carta-de-belo-horizonte.htm#.ukwqzj-arqu.
O EXERCÍCIO DA CURADORIA DE DEFESA PELA DEFENSORIA PÚBLICA NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO PENAL UM REFLEXO DA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE NECESSITADO E DA INCLUSÃO DA INSTITUIÇÃO COMO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO PENAL SOUSA, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções institucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido sobretudo após a edição da Lei Complementar 132/09 a visão individualista a respeito da instituição? In, SOUSA, José Augusto Garcia de. Uma nova Defensoria Pública pede Passagem. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2011, pp. 38.