DETECÇÃO DE EPIDEMIA E A CURVA EPIDÊMICA

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Transcrição:

7.1 Introdução 7.2 Notificação compulsória 7.3 Critérios de identificação de epidemia 7.3.1 Índice endêmico e diagrama de controle 7.4 Conclusão Referências 7 DETECÇÃO DE EPIDEMIA E A CURVA EPIDÊMICA Dirce Maria Trevisan Zanetta Licenciatura em Ciências USP/ Univesp

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 85 7.1 Introdução Na aula anterior, você estudou como a descrição da distribuição de ocorrência do agravo à saúde permite identificar quem está ficando doente, onde as doenças estão ocorrendo e a sua relação com o tempo, isto é, verificar se existe algum padrão dessa ocorrência, como variação cíclica, sazonalidade ou se existe tendência temporal. Esse conhecimento é importante para levantar hipóteses sobre a etiologia da doença e auxiliar o planejamento de intervenções em saúde para a prevenção ou tratamento de doenças, além de permitir avaliar o impacto dessas intervenções. Nesta aula, você vai aprender como o acompanhamento da distribuição de ocorrência da doença com o tempo permite identificar uma epidemia. A evolução temporal dos casos durante a epidemia, a descrição das pessoas acometidas e os lugares onde as doenças acontecem auxiliam a identificar os determinantes das epidemias e, dessa forma, decidir ações para o seu controle. A vigilância em saúde é uma prática destinada a verificar, de forma sistemática, como se encontra a situação de determinada doença em um grupo populacional, por meio do levantamento contínuo de todos os aspectos relacionados com a manifestação e propagação de uma doença que sejam importantes para o seu controle eficaz (Waldman; Costa-Rosa, 1998). 7.2 Notificação compulsória A necessidade de vigilância surgiu principalmente em função de doenças infecciosas epidêmicas. Pela sua facilidade de transmissão e por sua gravidade, essas doenças sempre foram tidas como uma ameaça à segurança da população. Para se adotarem medidas e impedir a sua propagação, é necessário obter informações rápidas da ocorrência de casos ou infecções. Para isso, existe uma lista de doenças que são de notificação compulsória quando se suspeita da ocorrência ou se faz o diagnóstico. Essa lista não é fixa, podendo variar no tempo e no espaço. Cada território deve definir quais doenças representam ameaça e, portanto, devem ser vigiadas. Meningites, hepatites, dengue, febre amarela, malária, leishmaniose, esquistossomose são alguns exemplos de doenças incluídas como de notificação compulsória. Isso significa que qualquer pessoa que esteja atuando na área da Saúde (médico, enfermeiro, fisioterapeuta etc.), ao identificar um caso suspeito ou confirmado dessas doenças, deve obrigatoriamente passar a

86 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 informação adiante, ou seja, notificar. Isso é feito com o preenchimento de uma ficha ou formulário para cada caso detectado, com dados que incluem diagnóstico, idade, sexo, local de residência, ocupação etc. Assim, são colhidas as informações básicas associadas ao evento. Para ilustrar, imaginemos uma pessoa que se sente mal, procura um serviço de saúde e o profissional que a atende suspeita de que seja um caso de meningite (doença de notificação compulsória). Mesmo que o caso seja apenas suspeito, sem diagnóstico definitivo, o profissional deverá fazer a notificação, preenchendo o formulário apropriado. Essa notificação chega ao serviço de vigilância para análise dos dados. Se for necessário, uma equipe de profissionais do serviço de vigilância vai investigar o caso. A investigação é feita para identificar a etiologia da doença quando ela é desconhecida, as fontes e modos de transmissão, e os grupos de pessoas expostas a maior risco para orientar as medidas de prevenção que devem ser adotadas. No vídeo Sistema de Vigilância, disponível no endereço http://www. aids.gov.br/pagina/vigilancia-epidemiologia-e-sinan, é mostrado um dia de trabalho em um Serviço de Vigilância e as medidas tomadas após a notificação de doenças. É interessante assistir a esse vídeo. A notificação é registrada no Sistema Nacional de Agravos Notificáveis (SINAN), um banco de dados que contém os dados da notificação e aqueles obtidos com a investigação posterior, por exemplo, outras informações colhidas na investigação e o seu resultado final, isto é, se o caso inicialmente suspeito foi confirmado ou se os exames posteriores descartaram o diagnóstico. Os dados das doenças armazenados no banco de dados (SINAN) permitem a sua análise rápida, o mapeamento da localização dos eventos notificados, a geração de tabelas, gráficos etc. Assim, a descrição estatística dos dados notificados permite acompanhar a ocorrência das doenças que são de notificação compulsória. 7 Detecção de epidemia e a curva epidêmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 87 7.3 Critérios de identificação de epidemia A análise da frequência de ocorrência das doenças com o tempo permite conhecer sua tendência e identificar se as doenças acontecem fora do que é esperado, como é o caso da detecção de surtos e epidemias. Uma epidemia é a ocorrência de casos de uma doença em excesso em relação ao esperado. São exemplos atuais a AIDS, a influenza, a dengue e muitas outras doenças. O Gráfico 7.1 mostra os casos de infecção pelo vírus influenza A H1N1 (gripe), que ocorreram durante a epidemia em 2009, no Estado de São Paulo. Esse tipo de gráfico é denominado curva epidêmica temporal e é construído com o tempo na abscissa e o número de casos novos na coordenada. A semana epidemiológica é uma padronização internacional para descrição do tempo de ocorrência das doenças, que permite a comparação dos dados. As semanas epidemiológicas iniciam-se no domingo e terminam no sábado, sendo a primeira semana epidemiológica de cada ano aquela que contém o maior número de dias do novo ano. Por isso, elas não coincidem, necessariamente, com o calendário. O tipo de curva descrito pela ocorrência dos casos fornece muitas pistas sobre a evolução da epidemia, mostrando as fases de progressão (ascensão da curva), pico e regressão (declínio da curva). A duração da epidemia é variável, podendo ser de alguns dias a meses, dependendo da doença e das variáveis que determinaram a sua evolução. Quando os casos têm um aumento brusco, que decai também rapidamente, deve-se suspeitar de que a fonte de contaminação foi comum, isto é, que ocorreu em um único momento, por exemplo, um alimento contaminado em uma refeição. Esse tipo de epidemia é denominado explosivo ou por fonte comum.

88 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 Se os casos têm um aumento gradual, ocorre a epidemia por propagação ou progressiva, que pode ocorrer por transmissão direta, de pessoa a pessoa, ou ser transmitida por meio de vetores, como é o caso da dengue. Gráfico 7.1: Distribuição dos casos e óbitos, confirmados para influenza A (H1N1), segundo semana epidemiológica. Estado de São Paulo, 2009. / Fonte: modificado de Sinan Web, 2011. Em geral, quando ocorre uma epidemia localizada em uma determinada região ou local (por exemplo, quando os casos acometem alunos de uma escola, crianças de uma creche, um asilo etc.), ela é chamada surto. Quando ocorre um surto, para poder adotar as medidas de controle, é importante caracterizar os casos de doenças por tempo e lugar em que acontecem e as pessoas acometidas, identificando as suas características e como elas diferem daquelas que não ficaram doentes. As informações colhidas permitem levantar hipóteses em relação à identificação da fonte de infecção, como está sendo a sua disseminação entre as pessoas e ao modo de transmissão. Essas hipóteses são testadas com realização de culturas a partir de amostras biológicas coletadas, testes diagnósticos ou por estudos que comparam um grupo de pessoas acometidas com um grupo de pessoas não acometidas (controle) para verificar se existe diferença entre os grupos e decidir se ela pode ser aceita ou deve ser rejeitada. 7 Detecção de epidemia e a curva epidêmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 89 Por exemplo, se ocorrem casos diarreicos em pessoas que participaram de um jantar, na investigação procura-se saber quantas das pessoas que participaram do jantar apresentaram sintomas, quais foram esses sintomas e o dia e hora em que apareceram. Procura-se também identificar, por meio da aplicação de um questionário, o que cada pessoa comeu. A comparação dos alimentos ingeridos por quem teve sintomas e por quem não teve auxilia na identificação do alimento que foi a fonte de contaminação da doença. Para investigar surtos epidêmicos, logo que surgem e durante sua vigência, é calculada a taxa de ataque, que é a incidência da doença que ocorre em uma população específica ou um grupo definido de pessoas, limitada a um período de tempo de dias ou semanas e localizada em uma área restrita. Taxa de ataque = Pessoas sob o risco que desenvolvem a doença Total de pessoas sob risco No exemplo anterior, para o cálculo da taxa de ataque, o número de pessoas que tiveram quadro diarreico seria dividido pelo número de pessoas que participaram do jantar. Há doenças que não se restringem a uma determinada área geográfica. Podem ocupar extensas regiões do planeta com relativa rapidez, estendendo-se por vários continentes. Nesse caso, ocorre uma pandemia. Pandemia é a ocorrência de uma epidemia com ampla distribuição espacial, atingindo mais de um país ou de um continente. A circulação do vírus da influenza A, H1N1, que ocorreu em 2009 é um exemplo recente, tendo sido confirmados casos em vários continentes no período de poucos meses. Vimos que uma epidemia é a ocorrência de casos de uma doença em excesso em relação ao esperado. Portanto, para que se possa identificar uma epidemia, é necessário conhecer o comportamento da doença na população e saber qual a ocorrência esperada.

90 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 Quando uma determinada doença acomete uma população no decorrer de um longo período de tempo com uma incidência relativamente constante, dizemos que essa doença é endêmica. Uma doença endêmica pode apresentar variações cíclicas ou sazonais ao longo do tempo. Portanto, é somente quando se conhece o comportamento passado da curva de ocorrência de uma doença ao longo do tempo que se pode afirmar, no presente, se estamos ou não diante de uma epidemia. O Gráfico 7.2 mostra os coeficientes de incidência por 100 mil habitantes de poliomielite no município de São Paulo no período de 1924 a 1995. No primeiro período, que vai até cerca de 1950, a doença foi endêmica na população, com as oscilações da incidência dentro de um padrão definido. A partir de então, ocorreu um grande aumento, consistindo em um período de epidemia. Após a introdução da vacina na rotina vacinal, a doença voltou aos níveis endêmicos e, após a década de 80, quando começaram as campanhas de vacinação em massa, a doença foi erradicada em nosso país. Gráfico 7.2: Mortalidade por poliomielite. Município de São Paulo (1924-1995). / Fonte: Fund. SEADE. 7 Detecção de epidemia e a curva epidêmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 91 7.3.1 Índice endêmico e diagrama de controle Há diferentes métodos utilizados para saber se o número de casos notificados de uma determinada doença que são notificados está dentro do esperado ou se representa um valor acima do que normalmente se espera. Os valores esperados são o índice endêmico da doença e sua representação gráfica é o diagrama de controle. Existem diferentes métodos que utilizam técnicas estatísticas para a confecção do diagrama. Vamos ver um dos métodos, que consiste na representação gráfica da distribuição da média mensal e desvio-padrão das incidências (ou número de casos) observadas em um período de tempo (em geral, de pelo menos 10 anos). Para a construção desse diagrama, é calculada a média aritmética e os desvios-padrão das incidências registradas em cada um dos meses do ano, observadas nos anos anteriores, após excluir os dados referentes aos anos endêmicos. O limite de variação esperada para cada mês compreenderá os valores que ficam no intervalo que corresponde à média ± 1,96 desvios-padrão. Esse intervalo corresponde ao nível endêmico da doença e é representado graficamente. Os limites inferior e superior do intervalo definem o diagrama de controle. As incidências que ocorrem dentro desse intervalo são consideradas dentro dos valores esperados. Quando a incidência da doença ultrapassa o limite superior da variação esperada, diz-se que está ocorrendo uma epidemia. Vamos ver o exemplo que é apresentado no Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, 2010. Na Tabela 7.1 é mostrada a incidência mensal da doença meningocócica por 100 mil habitantes no Brasil, de 1983 a 2000.

92 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 Tabela 7.1: Coeficiente de incidência da doença meningocócica. Brasil, 1983-2000. Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 1983 0,08 0,08 0,1 0,08 0,12 0,11 0,11 0,11 0,09 0,08 0,09 0,06 1984 0,08 0,07 0,07 0,08 0,11 0,09 0,11 0,1 0,08 0,1 0,09 0,07 1985 0,06 0,05 0,05 0,06 0,07 0,06 0,07 0,07 0,06 0,07 0,06 0,05 1986 0,11 0,08 0,1 0,07 0,1 0,11 0,17 0,15 0,12 0,13 0,12 0,1 1987 0,15 0,11 0,17 0,15 0,17 0,16 0,17 0,12 0,13 0,15 0,13 0,11 1988 0,12 0,11 0,14 0,18 0,17 0,22 0,3 0,29 0,17 0,15 0,17 0,17 1989 0,14 0,13 0,15 0,17 0,24 0,27 0,31 0,27 0,2 0,2 0,19 0,15 1990 0,24 0,16 0,2 0,18 0,25 0,26 0,3 0,28 0,32 0,28 0,24 0,22 1991 0,22 0,17 0,18 0,19 0,21 0,23 0,3 0,28 0,28 0,3 0,21 0,2 1992 0,2 0,19 0,25 0,22 0,23 0,25 0,29 0,29 0,28 0,29 0,2 0,21 1993 0,22 0,23 0,29 0,36 0,36 0,31 0,36 0,34 0,3 0,29 0,24 0,22 1994 0,29 0,21 0,27 0,28 0,31 0,41 0,49 0,44 0,4 0,32 0,31 0,27 1995 0,27 0,23 0,37 0,28 0,39 0,47 0,49 0,45 0,43 0,37 0,32 0,27 1996 0,28 0,28 0,33 0,31 0,36 0,43 0,53 0,5 0,38 0,38 0,3 0,26 1997 0,34 0,26 0,31 0,31 0,36 0,43 0,48 0,42 0,4 0,3 0,28 0,29 1998 0,28 0,22 0,29 0,25 0,35 0,43 0,45 0,33 0,31 0,31 0,27 0,23 1999 0,23 0,22 0,24 0,25 0,29 0,36 0,33 0,28 0,24 0,23 0,2 0,19 2000 0,24 0,16 0,2 0,18 0,25 0,26 0,3 0,28 0,32 0,28 0,24 0,22 Fonte: Brasil, 2010. Com os dados da tabela, após excluir os dados referentes aos anos epidêmicos, são calculados a média mensal e os limites superiores do diagrama de controle. Esses resultados estão mostrados na Tabela 7.2 a seguir. Tabela 7.2: Média mensal e limites máximo e mínimo esperados do diagrama de controle. Meses Média Desvio-padrão 7 Detecção de epidemia e a curva epidêmica Limite máximo esperado Limite mínimo esperado Jan 0,1472727 0,0638891 0,2724954 0,0220501 Fev 0,1254545 0,0562785 0,2357605 0,0151486 Mar 0,1545455 0,073941 0,2994698 0,0096211 Abr 0,1380000 0,0873863 0,3092771 0,0332771 Mai 0,1845455 0,0844232 0,3500149 0,019076 Jun 0,1881818 0,0850668 0,3549128 0,0214509 Jul 0,2263636 0,1015158 0,4253346 0,0273927 Ago 0,2090909 0,0982298 0,4016213 0,0165605 Set 0,1845455 0,0963705 0,3734316 0,0043407 Out 0,1854545 0,0902622 0,3623685 0,0296413 Nov 0,1581818 0,0633748 0,2823964 0,0339672 Dez 0,1418182 0,0664557 0,2720714 0,011565 Fonte: Brasil, 2010.

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 93 Os valores calculados e a incidência mensal para a doença em 1994 são mostrados no Gráfico 7.3. Pode-se observar que, entre junho e setembro, ocorreu um período de epidemia da doença, uma vez que as incidências mensais foram acima dos valores esperados (com o limite superior demarcado pelo diagrama de controle). Gráfico 7.3: Diagrama de controle da doença meningocócica, no período 1983-1993. / Fonte: Brasil, 2010. Ao analisar os dados provenientes da notificação, sempre que o serviço de vigilância perceber alguma mudança no padrão da ocorrência de uma doença, devem ser imediatamente informados os serviços responsáveis pelas ações de controle das doenças. Dessa forma, são programadas rapidamente estratégias para impedir o avanço da doença. Por exemplo, vamos supor que a equipe de vigilância de uma cidade percebe, ao analisar os dados de notificação de doenças, o surgimento de casos de hepatite A em crianças de idade escolar, em um bairro periférico da cidade. A transmissão dessa doença pode ocorrer pela via fecal-oral ou por água contaminada. Informando o restante do sistema de saúde local, este pode implantar algumas ações, como avaliar e, se for preciso, melhorar a qualidade da água de beber e das condições de higiene nas escolas, incluindo o preparo e distribuição da merenda escolar. Também pode incluir temas em sala de aula ou palestras educativas, como a importância de lavar as mãos, para conscientizar os alunos sobre comportamentos de risco que facilitam o contato com o vírus.

94 Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 O serviço de vigilância também tem um papel importante na avaliação da efetividade das ações de controle adotadas. Por exemplo, a análise da incidência de uma determinada doença ao longo do tempo permite verificar se uma ação de controle realizada em um período definido resultou ou não na diminuição no número de casos da doença. 7.4 Conclusão Nesta aula, você viu que para a detecção e controle de uma epidemia, adotando-se medidas para impedir sua propagação, são necessárias informações rápidas da ocorrência de casos ou infecções. Para isso, existe uma lista de doenças que são de notificação compulsória e o acompanhamento dessas doenças permite que o serviço de vigilância analise os dados de notificação, por meio de tabelas, gráficos e mapeamento da localização dos eventos notificados. Assim, é possível a detecção de surtos e epidemias. A taxa de ataque é calculada para investigar surtos epidêmicos logo que surgem e o acompanhamento de sua evolução. Uma epidemia é a ocorrência de casos de uma doença em excesso em relação ao esperado. Portanto, para que se possa identificar uma epidemia é necessário conhecer o nível endêmico da doença. Um dos métodos para identificar uma epidemia consiste na representação gráfica da incidência da doença, comparando-a com os níveis endêmicos esperados, representados no diagrama de controle. A avaliação da efetividade das ações de controle é possível com a análise dos dados feita pela vigilância. A vigilância pode criar indicadores de monitoramento. Na próxima aula, você vai estudar o que são indicadores de saúde e para que são utilizados. Agora é a sua vez... Como parte importante desta aula, após leitura e compreensão do texto, realize as atividades propostas no Ambiente Virtual de Aprendizagem. Em caso de dúvida, entre em contato com o tutor pelo Fórum. 7 Detecção de epidemia e a curva epidêmica

Licenciatura em Ciências USP/Univesp Módulo 5 95 Referências Almeida Filho, N.; Rouquayrol, M. Z. Introdução à Epidemiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Série A Normas e Manuais técnicos, Brasília, 7. ed., 2010. Gordis, L. Epidemiologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. Jekel, J. F.; Katz, D. L.; Elmore, J. G. Epidemiologia, Bioestatística e Medicina Preventiva. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. Maletta, C. H. R. Bioestatística Saúde Pública. 3. ed. Belo Horizonte: Sografe, 2000. Waldman, E. A.; Costa-Rosa, T. E. Vigilância em Saúde. São Paulo: USP, 1998. Glossário Agente infeccioso: agente biológico, capaz de produzir infecção ou doença infecciosa. Controle de doenças: operações e programas desenvolvidos para reduzir a incidência e/ou prevalência a níveis baixos. Diagrama de controle de infecção: representação gráfica da distribuição da média mensal e desvio-padrão das incidências (ou número de casos) observadas em um período de tempo (em geral, de pelo menos 10 anos). Doença transmissível ou infecciosa: doença causada por um agente infeccioso ou pela toxina produzida por ele. Endemia: presença contínua de uma enfermidade ou agente infeccioso em uma zona geográfica determinada. Epidemia: ocorre quando o número de casos de uma determinada doença excede a incidência esperada. Pandemia: epidemia de uma doença que afeta pessoas em muitos países e continentes. Surto: epidemia localizada em uma determinada região ou local. Taxa de ataque: é a incidência de doença em um grupo particular de pessoas, observadas por um período limitado de tempo e em condições especiais, como em um surto.