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Transcrição:

POR ATABAQUES, MARACÁS, CRUCIFIXOS E MESAS BRANCAS: A CONTRIBUIÇÃO DA UMBANDA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA NA PROCLAMAÇÃO DA REPUBLICA. Yasmin Falcão 1 Orientador (a): Dilza Pôrto Gonçalves 2 Este texto é parte de uma pesquisa inicial sobre a relação do nascimento da umbanda no dia dos festejos da Proclamação da República, em 1908, e o processo de construção de uma identidade brasileira. Para se entender melhor essa relação propõe-se uma análise do mito fundador da Umbanda. A umbanda é uma religião que busca o sincretismo com elementos afroameríndios e influências europeias, oriundas do catolicismo e do kardecismo. Segundo NEGRÃO, a umbanda é caracterizada como religião brasileira enquanto sincretismo nacional a partir de matrizes negras (macumba, candomblé) e ocidentais (catolicismo, kardecismo), é a Umbanda também recente. (NEGRÃO, apud FERNANDES, 2013, p. 4). Ela emerge no começo do século XX, em uma data expressiva devido ao seu cunho histórico: a comemoração do aniversário da Proclamação da República, em 1908. É por demais significativo, que o mito de fundação da alva nação umbandista tenha a mesma data. Isso coloca a fundação da Umbanda associada ao nascimento da republica. Essa associação está contida em produções dos intelectuais umbandista ( SÁ JUNIOR, 2004, p. 74.). A significação do nascimento da umbanda ser no aniversário da proclamação da república dá a essa religião um cunho de aproximação com os ideais republicanos, com as lutas de ressignificação social dos novos cidadãos brasileiros, num contexto pós abolição da escravidão e alvorecer de um novo estado republicano. 1 Graduanda em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/ UFMS; Bolsista do Programa Institucional de Iniciação a Docência/ PIBID. 2 Doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ PUCRS; Professora na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/ UFMS.

O presente trabalho insere-se no campo da História Cultural, buscando aporte nos escritos sobre a umbanda, seu mito fundador e sobre o imaginário da proclamação da republica. O mito fundador da umbanda e sua representação cultural A umbanda tem um marco inicial, o seu mito fundador data o dia 15 de novembro de 1908, e a partir deste, segundo alguns intelectuais umbandista e adeptos dessa religião, se iniciou uma nova religião tipicamente brasileira. No mito fundador, verificamos alguns discursos que legitimam a intensão da umbanda de ressignificação das representações no contexto histórico e social vigente, sua aproximação e distanciamento do kardecismo, o rompimento das práticas das macumbas e candomblés, e intrínseco em seus discursos, a sua intenção de resgatar elementos da cultura afroameríndia e sincretizar com elementos advindos da cultura europeia. O mito encontra-se difundido no meio acadêmico com algumas variações, em pequenos detalhes, como o mal que atingira Zélio. No todo, é exposto dessa forma, como nos apresenta Saulo Fernandes, no seu artigo Entre linhas e Falanges ( 2013): Zélio Fernandino de Moraes nasceu em 1891, no município de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Aos 17 anos, quando se preparava para ingressar nas Forças Armadas, começou a falar de uma forma estranha, em tom manso e sotaque diferente, semelhante a um senhor de bastante idade. A família desconfiou que era algum tipo de distúrbio mental, e o encaminhou a um tio psiquiatra. No entanto, não foi encontrado os sintomas de Zélio em nenhuma literatura médica, até que seu tio sugeriu à família que o encaminhasse a um padre, para que fosse feito um ritual de exorcismo. Procuraram, então, um padre da família, que após fazer o tal ritual de exorcismo não conseguiu nenhum resultado. De repente, Zélio foi acometido por uma estranha paralisia, a qual os médicos não conseguiram encontrar a cura. Até que, num ato surpreendente, ele levantou do leito e afirmou: amanhã estarei curado. Ao ser levado pela mãe a uma curandeira, Zélio ouviu que tinha o dom da mediunidade, e que deveria trabalhar pela caridade. Seu pai, apesar de não freqüentar nenhum centro espírita, era um leitor assíduo das obras de Allan Kardec e adepto do espiritismo. Foi quando, no dia 15 de novembro de 1908, por sugestão de um amigo de seu pai, Zélio foi levado à Federação Espírita de Niterói. Lá chegando, foi convidado a sentar-se na mesa. Logo em seguida, contrariando as normas do culto realizado, Zélio levantou-se e disse que ali faltava uma flor. Foi até o jardim, apanhou uma rosa branca e

colocou-a no centro da mesa na qual se realizava o trabalho. Iniciou-se, então, uma estranha confusão no local, ele e outros médiuns começaram a apresentar incorporações de caboclos e preto-velhos. Ao ser advertido, a entidade incorporada no rapaz perguntou por qual motivo as mensagens de pretos e índios eram repelidas.o médium vidente perguntou por que a entidade falava como um índio, de cultura claramente atrasada, já que estava enxergando vestes jesuítas e uma aura de luz. Ele responde: Se julgam atrasados espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho, para dar início a um culto em que estes pretos e índios poderão dar a sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o Plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber meu nome que seja este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim. Afirmou também que tinha sido um padre jesuíta em Portugal, por isto o vidente enxergava as vestes jesuítas, mas na última encarnação este tinha vivido com um caboclo brasileiro. No outro dia, na casa de Zélio, sob os olhares de membros da Federação Espírita de Niterói, parentes, amigos, e uma multidão de curiosos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas desceu e usou as seguintes palavras: Aqui inicia-se um novo culto em que os espíritos de pretos africanos, que haviam sido escravos e que ao desencarnar não encontram campo de ação nos remanescentes das seitas negras, já deturpadas e dirigidas quase que exclusivamente para os trabalhos de feitiçaria, e os índios nativos da nossa terra, poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno, será a característica principal deste culto, que tem base no Evangelho de Jesus e como mestre supremo Cristo. A entidade também disse que os participantes deveriam estar vestidos de branco e o atendimento a todos seria gratuito. Disse também que estava nascendo uma nova religião e que se chamaria Umbanda. Neste mesmo dia, Zélio incorporou um preto-velho chamado Pai Antônio, que em poucas palavras, mostrou sabedoria e humildade. Foi também Pai Antônio que solicitou os primeiros elementos de trabalho da religião: o tabaco e uma guia. No outro dia formou verdadeira romaria em frente a casa da família Moraes. Cegos, paralíticos e médiuns que eram dados como loucos foram curados. A partir destes fatos redescobriu-se a Corrente Astral de Umbanda, na atualidade. 1 ( OLIVEIRA, 2007, Apud FERNANDES, 2013, p. 1) Segundo o mito, no dia 15 de novembro de 1908 seria o dia em que o jovem Zélio, atormentado por problemas que nem a medicina, nem os rituais de exorcismo na igreja católica conseguiram expurgar, procurou um centro kardecista para tentar resolver os seus males, que demonstravam ser advindos de alguma patologia psicológica. Esse dia 15 de novembro que segundo o mito seria o dia da fundação da umbanda, comemorava-se 19 anos da proclamação da república. Esse fato ocorrer no

dia histórico de comemoração do começo da república, mostra que, a fundação da umbanda está, de alguma forma, ligada com a representação da proclamação da república. Segundo Sá: A sua invenção está associada a este momento histórico e a uma busca de identificação dos intelectuais umbandistas com esse modelo sócio- político, proposto pelos intelectuais da alva nação Brasil, que se propuseram a inventar um passado imaginado (...), onde os membros dessa nação, cada qual ocupando o seu lugar, pudessem desenvolver um sentimento de pertença em seu passado e presente históricos (SÁ, 2012, p.3). O mito fundador, assim como outros símbolos difundidos na cultura umbandista, carregam incutidos em sua forma, traços que mostram a sua significação no período histórico de sua formação. Em seus escritos, Geertz teoriza: No que concerne ao padrões culturais, isto é, os sistemas ou complexos de símbolos, o traço genérico de primordial importância para nós, aqui, é que eles representam fontes intrínsecas de informações (GEERTZ, 2008,p.68). Portanto, remete as matrizes culturais que compõem a noção de identidade brasileira. São elas a tradição indígena e a cultura afro-brasileira, Não é incomum ouvirmos dizer que o povo brasileiro é formado pela mistura de três valorosas raças: índios, negros e portugueses. (...) A repetição de afirmativas como essa, que expressam uma visão extremamente ufanista sobre o Brasil (...) (PINHEIRO, 2009, p. 38) E, sincretiza, no âmbito de seu nascimento, com o catolicismo, que era a religião predominante na sociedade brasileira, e com uma religião que surge com uma nova leitura do conceito de espiritualidade: o Kardecismo. O Kardecismo surge na Europa no período em que o cientificismo vivia o seu auge. A identificação com essa matriz, na produção dos textos dos intelectuais kardecista, os colocariam dentro dessa modernidade proposta pelos porta vozes do cientificismo. (SÁ JUNIOR, 2004, p.42) Especialmente a presença do Kardecismo, no sincretismo constituidor da Umbanda, é um elemento diferenciador dessa religião nascente. Com padrões do cientificismo europeu, propunham uma certa organização que acreditavam ser necessária aos cultos afro-brasileiros.

Ao recorrer as tradições indígenas e a cultura afro-brasileira para compor os pilares fundamentais dessa nova religião, a umbanda realiza um trabalho de resgate de aspectos culturais que deveriam compor a noção de cidadão brasileiro. A seleção e a ressignificação desses conceitos atenderam a demanda desse projeto politico-social onde, em boa parte desse p eríodo (1840-1930), identificado o atraso brasileiro a sua miscigenação, viu a questão racial um problema central a ser solucionado nesse novo Brasil que se desenhava no novo horizonte futurista (SÁ JUNIOR, 2012, p. 19) A Umbanda propõem o resgate da cultura afro brasileira através de algumas representações, na forma das entidades, como os pretos velhos. Cantigas e atabaques também estão presentes representando a cultura afro-brasileira. Na atualidade, observase que cada terreiro de umbanda trabalha de uma forma, alguns aceitando e outros não a presença desses elementos culturais. Importante frisar que, mesmo com essa apropriação de elementos da cultura e das outras religiões afro-brasileiras, houve sempre o distanciamento com os candomblés e as macumbas, como diz Renato Ortiz, Há a (...) divisão [da Umbanda] em dois pólos: o mais ocidentalizado e o menos ocidentalizado. O pólo menos ocidentalizado estaria mais próximo das práticas afro-brasileiras enquanto que o pólo mais ocidentalizado estaria mais afastado de tais; porém, nos dois pólos, se verifica uma ruptura em relação ao Candomblé. (ORTIZ, 1999, p. 97). As tradições indígenas e afro-brasileiras já eram sincretizadas, na forma de culto em diversas outras religiões de matriz afro-brasileira. A manifestação de espíritos negros e de índios, tão comuns na Umbanda, já ocorria espontaneamente em rituais de macumba desde meados do século XVIII (OLIVEIRA, José Henrique Motta de. 2007, p. 2). Essas formas religiosas também sincretizavam em sua formação elementos do catolicismo, como a associação de orixás africanos com os santos católicos. Um fato diferenciador, de qualquer religião conhecida é o sincretismo com o Kardecismo. Assim, vinculou a cultura afro-brasileira as tradições indígenas, num contexto cultural em que o catolicismo era a religião vigorante e o espiritismo cientificista do kardecismo, da forma em que a Umbanda anexou elementos de varias esferas religioso-culturais em sua constituição como religião: o candomblé e as demais religiões africanas que

existiram no Brasil, num contexto onde a relação/conexão com o sagrado era a principal forma de resistência na vida dos escravos; a religiosidade indígena, onde o Pajé curava com as plantas e era forte o culto aos antepassados; o catolicismo, uma religião obrigatória na América Portuguesa e no Brasil Império; o espiritismo de Allan Kardec, que veio explicar, num propósito cientifico positivista, o transe e o mundo dos espíritos. ( FERNANDES, 2011, P. 15) A umbanda é uma cultura que sofre diversas outras influências externas quando em sua formação sincretiza elementos culturais advindos de outras tradições. Desta forma, em termos antropológicos, suas culturas são irremediavelmente impuras. Essa impureza, tão frequentemente construída como carga e perda, é em si mesma uma condição necessária a sua modernidade. (Hall, 2003, p.34) A apropriação da Umbanda de outros elementos culturais, redefinindo-os e sincretizando para formar o seu culto, é devido a uma necessidade a sua sobrevivência, e das tradições que a compõem. E, assim, buscando a sua afirmação como religião em um cenário de preconceitos religiosos, afirmou a sua importância para a formação da identidade no Brasil. A Umbanda surge buscando a ressignificação do que ser negro, ter uma religião afro-brasileira em um contexto de mudanças sociais. É nesse intervalo de tempo que ocorrem mudanças importantes como a abolição da escravatura, a proclamação da republica e o inicio do processo de relativa integração dos negros a uma sociedade urbana e de classes nascente. ( ROHDE, s/d. p.1) A Umbanda nasceu em um contexto em que o negro era um problema público, por se fazer um tempo relativamente pequeno da assinatura da lei que abolia legalmente a escravidão. Porém, socialmente, as lutas pela abolição ocorriam diariamente, há muito tempo. Dar-se-ia um processo de integração, de aceitação da burguesia aos negros que viviam a margem da sociedade. A Umbanda, em sua formação, e atualmente em suas diversas linhas, procurou desde a sua fundação o rompimento com o Candomblé. A procura por esse rompimento, na sua formação, se deu pelo motivo da diferenciação com as práticas da

macumba do século XIX e anteriores. Buscavam essa diferenciação porque queriam compor uma religião que fosse mais facilmente aceita pela sociedade. Assim, procuraram um outro sincretismo importante, o Kardecismo, que trazia uma nova forma de espiritualidade, com a sua formação na França. Carregada assim de elementos da cultura europeia, do iluminismo, e do novo conceito de modernidade. Considerações finais O mito fundador claramente tenta explicar o momento do surgimento da Umbanda. Nas entrelinhas do mito, intrínseco em suas palavras, interpretamos alguns discursos subtendidos em sua clara função, e a partir destas interpretações profundas elucidamos sobre a importância do mito fundador da umbanda em seu contexto social. Embora seja diverso e controverso os estudos sobre o momento fundador, o mito é uma tentativa de explicar a fundação da Umbanda, e adequá-la aos ideais da República. Em toda as suas formas, as diversas linhas da Umbanda buscam alcançar a espiritualidade através de uma religião sincrética, com suas raízes nas tradições indígenas e cultura afro-brasileira, procurando sincretismos com o catolicismo e o kardecismo. Legitimou-se, assim, no âmbito de sua formação a identidade brasileira. As diversas explicações, sejam elas englobando o mito, o momento histórico, o surgimento da Umbanda como um processo na história; são validas. Na esfera de pensamento em que todas trabalham para a conquista do espaço da Umbanda nas religiões brasileiras. E, as religiões, são aportes importantes para as conquistas sociais. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, FLORESTAN. Tiago Marques Aipobureu: um bororo marginal. Trabalho escrito para o seminário dos índios no Brasil. 1945. FERNANDES, SAULO CONDE. Entre linhas e falanges: a diversidade da umbanda na contemporaneidade. In: Primeiro Simpósio Sudeste da ABHR / Primeiro Simpósio Internacional da ABHZ, São Paulo. Anais do Primeiro Simpósio Sudeste da ABHR / Primeiro Simpósio Internacional da ABHR, p. p. 620-p. 631. 2013. Salvos por cacique Tartaruga: Umbanda, Mito e Cura em Campo Grande MS. Trabalho de conclusão de curso. UFMS. 2011. GEERTS, Clinfford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003 NEGRÃO, Luzias Nogueira. Umbanda, entre a cruz e a encruzilhada. Revista social, USP. São Paulo. 1993 OLIVEIRA, José Henrique Motta de. Eis que o caboclo veio a Terra anunciar a Umbanda. História, imagem e narrativa. 2007. ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999. PINHEIRO, André de oliveira. Revista espiritual de Umbanda: Mito fundador, Tradição e Tensões no Campo Umbandista. Dissertação de mestrado. UFSC. 2009) SÁ JUNIOR, Mario Teixeira. A invenção da alva nação umbandista: Uma analise da relação entre a produção historiográfica brasileira na invenção da alva nação do Brasil (1840-1930) e a sua influencia na produção dos intelectuais da Umbanda (1930-1960). Dissertação de Mestrado, UFMS. 2004.. A invenção do Brasil no mito fundador da Umbanda. Revista Eletronica História em Reflexão, UFGD. Dourados, 2012. ROHDE, Bruno Faria. Umbanda, uma religião que não nasceu. UFBA, s.d.