A complementaridade das abordagens à estratégia e o ciclo de vida das competências Resumo: 1. Introdução



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Transcrição:

A complementaridade das abordagens à estratégia e o ciclo de vida das competências Resumo: A literatura de estratégia tem fornecido debates entre duas correntes de pensamento em estratégia, a de posicionamento de Porter e a visão baseada em recursos. Aliás, as escolhas e vantagens estratégicas têm sido classificadas dentro de uma ou outra escola. Todavia, nem sempre é demonstrado as possíveis ligações ou complementaridades delas. Neste sentido, este artigo apresenta as razões das escolhas estratégicas e como são utilizadas estas duas escolas neste processo para uma grande empresa de telecomunicações. É verificado como as mesmas são complementares e servem uma a outra na vida das organizações. Além disso, trás uma alternativa para a evolução dos recursos e competências, contribuindo para o entendimento do seu ciclo de vida. Abre-se a possibilidade de um novo campo de estudos estratégicos, procurando afirmar ou refutar a hipótese de complementaridade entre estas duas correntes de pensamento estratégico. 1. Introdução A literatura sobre a Estratégia das Organizações vem apresentando uma crescente evolução ao longo dos anos, ampliando cada vez mais o campo de conhecimento existente. Nesta área, as razões e motivações que conduzem as organizações às decisões e caminhos que ela irá seguir passam pela definição estratégica da organização e têm sido alvo de estudos na área de Estratégias Organizacionais (Penrose, 1959; Guimarães, 1982; Rosário e Barbosa, 2002; Pires e Prates, 2003; Omaki e Florêncio, 2003). Normalmente os estudos analisam qualitativa ou quantitativamente as organizações, dos quais destacam-se duas correntes de pensamento estratégico. A partir da Visão Baseada em Recursos (VBR) que advoga que os recursos e as capacitações acumuladas ao longo do tempo determinam as atividades que desenvolvidas, definem os níveis de custo ou diferenciação (Collis e Montgomery apud Hexsel e Toni, 2002). Porter (1986) também faz referências a análise interna da organização quando destaca a cadeia de valor. Ele argumenta que atividades específicas da empresa são responsáveis pela contribuição a uma estratégia de custo ou diferenciação. No que concerne a VBR, Helfat e Peteraf (2002) bem como Teece et al.(1997) contribuem ao questionar a evolução das competências ao longo do tempo, evidenciando seu dinamismo. Entretanto, deixam uma lacuna no que se refere a um entendimento maior sobre as motivações e razões para a evolução destas competências. Outra corrente do pensamento estratégico é a voltada para análise ambiental, representada principalmente pelas escolas de posicionamento de Porter e as decorrentes da organização industrial (Mintzberg et al., 2000). A essência da formulação de uma estratégia competitiva é relacionar uma companhia ao seu meio ambiente (Porter, 1986, pág. 22). Ele destaca a análise ambiental e a perspectiva macroeconômica para a formulação estratégica, voltando a atenção para o ambiente. Os estudos empíricos, sobre a análise ambiental e as estratégias genéricas de posicionamento, foram realizados de forma consistentes, fornecendo diversos exemplos empíricos da aplicação desta linha de pensamento no cotidiano das organizações. Contudo, esta corrente de pensamento ainda que bem fundamentada, explica parcialmente as razões de obtenção de vantagem competitiva e, por conseqüência, das escolhas estratégicas. 1

Assim é possível que as escolas de estratégia derivadas da análise ambiental, que levam em conta o ambiente competitivo, não expliquem totalmente as razões pelas quais as empresas obtêm resultados econômico-financeiros. Ainda que diversos trabalhos na área de estratégia avaliem as organizações sob uma ou outra ótica, é necessário que se busque a integração de ambas as correntes de pensamento, de tal forma, que se possa obter uma visão mais sistêmica e panorâmica sobre a dinâmica estratégica nas organizações. Collis e Montgomery (1995) fazem uma consistente relação entre as duas correntes de pensamento, buscando uma complementaridade entre elas. Para os autores a VBR combina a análise interna com a análise externa do ambiente proporcionado uma perspectiva mais ampla de uma análise estratégica. Desta forma, este caso procura demonstrar: Como ocorre o processo de escolhas estratégicas dentro de uma organização de telecomunicações e apresentar a complementaridade da abordagem baseada em recursos e a baseada em posicionamento competitivo para as escolhas estratégicas. 2. Metodologia de Trabalho A metodologia utilizada para a obtenção das respostas a estas questões de pesquisa é a do Estudo de Caso. Neste trabalho utiliza-se de várias ferramentas da pesquisa histórica, contudo acrescentam-se duas fontes de dados: a observação direta e a série sistemática de entrevistas (Yin, 2001; Eisenhardt, 1989). Uma vez necessário considerar um grande número de variáveis ambientais inter-relacionadas e diversas possibilidade de posicionamento empresarial, Porter (1991) recomenda a utilização desta metodologia. Isto ocorre também pela necessidade de se evitar reducionismos e para capturar melhor a realidade (Summer et al., 1980, p. 369) em que os fatos ocorreram. Assim, foram realizados entrevistas via contatos telefônicos com as pessoas envolvidas diretamente no desenvolvimento deste novo ramo de atuação da Brasil Telecom. Para consolidar estas informações foram enviados e-mails para pessoas envolvidas em menor escala, mas que tinham algum tipo de contato com o desenvolvimento, para que as mesmas fornecessem informações de fora do núcleo decisório de implantação. Adicionalmente, dois dos autores, e pesquisadores, desenvolvem suas atividades profissionais há mais 5 anos na empresa, mas não diretamente neste objeto de estudo, o que facilita o poder de observação deste desenvolvimento. Para triangulação das fontes de informações (Yin, 2001), utilizou-se entrevistas via telefone com as chefias envolvidas diretamente na implantação. Estes dados foram submetidos a diversas validações através das triangulações e através da verificação das ações práticas da Brasil Telecom no mercado. Após a validação este documento foi confrontado com outras fontes para que se validam as percepções dos pesquisadores com a realidade. Isto é necessário, pois a realidade do outro é deformada pelas lentes e referenciais teóricos que estão nos pressupostos e na forma de ver dos pesquisadores (Chalmers, 1982). Além disto, o processo rigoroso de triangulação das informações com os atores acima mencionados, dados históricos e documentos necessários, compõem uma triangulação em segundo nívelfazendo que ocorressem enlaces entre os dados originais e os resultados pesquisa. A condução das entrevistas deu-se de forma semi-estruturada, não sendo a mesma apresentada as pessoas submetidas a pesquisa, através disto consegue-se manter uma certa linha de raciocínio entre as perguntas, além de permitir que os pesquisados tenham liberdade 2

para expor seus pontos de vista. Estas perguntas são estruturadas com base na literatura e do grau de envolvimento das pessoas no processo de decisão e análise para a criação deste novo ramo de produtos da Brasil Telecom. Com isto garante-se a consistência entre a questão de pesquisa e o referencial teórico que sustenta a pesquisa. Este procedimento garante um nível mínimo de base comparativa das respostas, pois todas estão embasadas na teoria e focadas no problema de pesquisa formulado. Cabe ressaltar que uma das fontes de dados secundários que reforça, valida e refuta as informações coletadas vias as entrevistas, é a análise dos e-mails encaminhados entre as pessoas envolvidas. Neste sentido solicitou-se que os entrevistados encaminhassem os e-mails que haviam remetido a uma lista de pessoas fornecida pelos pesquisadores, após análises, diversos pontos puderam ser revistos, validados e entre outros refutados. 3. Referencial Teórico 3.1. Análise de Posicionamento de Porter Dentro da discussão sobre estratégia há diversas linhas de pensamento sobre quais as melhores formas de atuação que as empresas devem ter para obter melhores resultados em termos de lucratividade. Neste sentido, uma das teorias consolidadas, aceita e contestada, mas que permite um determinado grau de explicação para a razão do sucesso (ver tabela 1) e do fracasso das empresas, é a abordagem de posicionamento de Porter. Os estudos envolvendo a abordagem de posicionamento para o desenvolvimento de estratégia têm sua fundamentação nos conceitos e idéias advindas da organização industrial (OI). Porter (1981) destaca as contribuições da OI para a formulação das estratégias, tais como barreiras de entrada, de mobilidade e de saída, curva de aprendizado, influência da empresa na estrutura da indústria, relações na cadeia de produção entre fornecedores e clientes, etc. Dentro desta linha Porter (1979) teoriza sobre as forças competitivas da indústria que afetam a competição e o ambiente em que uma indústria está inserida. Segundo ele existem cinco forças competitivas básicas que irão influenciar a lucratividade da indústria. Sendo assim, é proposto que as empresas busquem interagir, dominar e utilizar estas forças a seu favor. A dinâmica das cinco forças competitivas (Porter, 1986) apresenta diversos fatores internos e externos a empresa como agentes diretos na dinâmica destas forças. Entre os principais fatores podemos citar: Internos a empresa: economias de escala, curva de aprendizado, diferenciação de produto, capital, acesso a canais de distribuição, custos fixos, etc. Externos a empresa: política governamental, barreiras de saída elevadas, taxa de crescimento da indústria, quantidade de concorrentes, custos elevados de mudança, ausência de diferenciação, similaridade de produtos substitutos, informação e importância da indústria para fornecedores e compradores, etc. De acordo com Porter (1986) uma empresa pode influenciar o equilíbrio da indústria agindo nestas forças, argumentando que é importante realizar escolhas estratégicas de posicionamento, pois existem dois tipos básicos de vantagem competitiva que uma empresa pode possuir: baixo custo ou diferenciação (Porter, 1985, pág. 11). Assim, a teoria advogada por Porter baseia-se em uma análise ambiental das forças competitivas da indústria. A 3

empresa deve gerir estrategicamente estas forças a seu favor, influenciado-as e ao ambiente, e para isso propõe a utilização de estratégias genéricas de posicionamento atuação. A estrutura da cinco forças amplia a análise para cadeias verticais de três estágios (fornecedor concorrente comprador) e para as considerações explícitas de substituição (Ghemawat, 2000, pág. 55). Diversos autores têm procurado evidenciar os fatores ambientais aos resultados econômico-financeiros obtidos pelas organizações. Schmalensse (1985) e Rumelt (1991) analisando empresas de manufatura observaram que uma parcela significativa dos resultados das organizações não era explicada pelas variáveis ambientais, senão pela própria unidade de negócios. McGahan and Porter (1997), publicaram um trabalho baseado em dados de 1981-1994, com 72.742 observações. Ao contrário de estudos anteriores incluía também outros setores da economia. A Tabela 1 apresenta resumidamente os trabalhos anteriores, sendo que neles uma parcela significativa do modelo não pode ser explicada pelo ambiente. Tabela 1 - Comparativo entre estudos de Análise Ambiental Schmalensee Rumelt Roquebert et al. McGahan e Porter, Modelo de Rumelt McGahan e Porter Ano n.a. 0% 0.5% 0.40% 2.34% Setor industrial x ano n.a. 7.84% 2.3% 4.44% n.a. Setor industrial, fixado n.a. 8.32% 10.2% 7.20% 10.81% Setor industrial, total 19.59% 16.16% 12.5% 11.64% 10.81% Corporação n.a. 0.80% 17.9% 2.05% n.a. Corporação covariância da indústria -0.62% 0% n.a. -1.42% -2.27% Market share 0.62% n.a. n.a. n.a. n.a. Unidade de negócio/segmento n.a. 46.37% 37.1% 33.79% 35.45% Modelo 19.59% 63.33% 68.0% 46.46% 46.33% Variância inexplicada, erro 80.41% 36.67% 32.0% 53.54% 53.67% Fonte: Vasconcelos e Brito (2003) Deve-se destacar a contribuição de Porter para a literatura estratégica organizando e sistematizando o conhecimento existente sobre análise ambiental e econômica para as organizações. Assim, a análise do ambiente e do contexto de competição irá influenciar as decisões estratégicas direcionado investimentos e ações da empresa. Para Guimarães (1982), as empresas irão investir em função da taxa esperada de retorno da indústria. Caso ela ocorra dentro da indústria de atuação, a empresa continuará investindo, caso contrário, ela procurará novos produtos, mercados ou mesmo novas indústrias para investir. Sendo assim, pode-se imaginar uma situação hipotética onde duas empresas localizadas em um mesmo segmento de mercado, com condições semelhantes em termos de investimento inicial e caixa, escolham a mesma estratégia genérica. Supondo que ambas tenha escolhido a diferenciação como forma de obter melhores resultados em termos de rentabilidade em relação ao setor previamente escolhido. Após alguns anos de operação é possível especular que uma das empresas estará em melhores condições financeiras e em termos de retorno do que outra Nesta linha de pensamento o que explicaria o maior sucesso de uma do que de outra? Quais fatores podem ser significantes para determinar o sucesso de uma outra? Quais as 4

razões levam duas empresas em mesmas condições obterem resultados diferentes? Estas questões procuram ser respondidas através da teoria da resource-based view (RBV), que defende a vantagem competitiva e a escolha da estratégia em função da posse de recursos e competências centrais de uma empresa. 3.2. Análise dos Recursos e Competências A teoria da visão baseada em recursos (VBR) busca uma análise introspectiva da organização, focalizando seus recursos e competências únicos e que dificilmente são copiados. A VBR usa essa análise interna para descobrir, construir, utilizar e modelar as escolhas estratégicas que guiaram a organização.um dos pioneiros a destacar o papel das competências nas organizações foi Selznick (1971). Para ele as organizações desenvolviam estruturas e formas, configurando competências únicas em torno de características próprias. Neste sentido, diversos autores têm utilizado a VBR como base para a diversificação e desenvolvimento de novos negócios, evidenciando uma relação entre recursos e competências e os produtos e mercados que uma organização produz e atua. Penrose (1962) analisa os recursos e competências relacionadas com a teoria de crescimento das organizações. Segundo ela, a empresa possui recursos tangíveis e intangíveis que devem ser geridos pela administração e que, combinados, geram diferentes produtos e serviços. Na mesma linha Wernerfelt (1984) defende a utilização estratégica dos recursos para otimização das atividades produtivas, atingindo uma melhor combinação de produtos x recursos. Hamel e Prahalad (1990) argumentam a favor da construção de competências centrais que servirão para o desenvolvimento de diversos produtos em diferentes mercados. Porter (1991), destaca que o maior valor da VBR será a avaliação de oportunidades para diversificação. A decisão de entrar em um novo mercado, ampliar uma determinada linha de produtos ou desenvolver uma nova unidade de negócios é influenciada pela capacidade que uma empresa tem de utilizar seus conjuntos de recursos e desenvolver produtos comercializáveis. Na definição de recursos, Wernerfelt (1984), define-os como ativos (tangíveis e intangíveis) que a empresa possui. Para Grant (1991) os recursos são os inputs no processo produtivo, tais como equipamentos, patentes, marcas, etc., enquanto competência é a capacidade de um conjunto de recursos criarem uma atividade ou uma tarefa dentro da empresa. Do mesmo modo, Hamel e Prahalad (1990) destacam as competências centrais de uma empresa como a capacidade de coordenar múltiplas habilidades em função das necessidades impostas pela competitividade, gerindo o desenvolvimento de produtos, tecnologia, recursos humanos, clientes, canais de distribuição, etc. Além disso, diversos autores destacam o papel das rotinas organizacionais na determinação das competências e capacidades (Grant, 1991; Teece et al., 1997; Helfat e Peteraf, 2002; Proença, 2003). As rotinas são as atividades realizadas por um conjunto de recursos para o desenvolvimento de uma tarefa, seja ela estática ou dinâmica, seja ela parte do processo atual da organização ou uma nova tarefa que nasce ou emerge. Ao mesmo tempo, os recursos e competências evoluem ao longo da história da empresa, e, mesmo, da indústria, alterando-se, modificando-se, configurando-se em novos formatos, influenciadas pela competição, e, logo, pelo ambiente. Teece et al. (1997) definem as capacidades dinâmicas como a habilidade da empresa em integrar, construir e reconfigurar as competências internas e externas em ambientes de rápidas mudanças. Convergindo com esta linha de raciocínio Helfat e Peteraf (2002) apresentam a idéia de ciclo de vida das competências. Para elas, as competências seguem um padrão geral de 5

estágios e de possíveis caminhos evolucionários. Tal qual o ciclo de vida de um produto, o ciclo de vida das competências; nascem, evoluem, atingem a maturidade e neste ponto seguem um dos possíveis caminhos evolucionários: morrem, renovam-se, replicam-se, reempregam-se ou recombinam-se. A Figura 1 apresenta os possíveis caminhos evolucionários que as competências podem seguir. Caminhos do ciclo de vida das competências Evento Nível de capacidade por unidade de atividade Renovação, reemprego, reorganização Declínio Quantidade de atividade acumulada Figura 1 Ciclo de vida das competências Fonte: Helfat e Peteraf (2002) Voltando a situação hipotética formulada, em que duas empresas tenham surgido com iguais condições, elimina-se a possibilidade de haver uma diferenciação em relação aos recursos, uma vez que se admite que os recursos foram os mesmos para ambas empresas. Entretanto, caso se considere as pessoas como recursos, há de se pensar que não foram os seres humanos o fator para a diferenciação de uma ou outra. Neste sentido há que se considerar o fator humano como uma capacidade de gerenciar os recursos e as contingências que se apresentam. Assim, podemos argumentar que a evolução das competências explica tal diferenciação, pois demonstra que com o avanço do tempo e com a acumulação de experiências obtém-se mais capacidades e especialidades e, desta forma, a empresa consegue uma maior vantagem competitiva. Através desta revisão teórica, procurou-se evidenciar como ambas teorias se tornam complementares uma vez que conseguem explicar o mesmo fato de formas diversas. Além disso, e ao mesmo tempo, ambas conseguem servir uma a outra, de forma a preencher lacunas teóricas e práticas que uma sozinha não consegue lidar. Explicar as decisões estratégicas, ou mesmo as fontes de vantagem competitiva, com apenas uma das teorias é olhar a vida organizacional com uma visão simplista e distorcida da realidade. 4. A Organização e o Cenário A Brasil Telecom opera no setor de telecomunicações. Ela surgiu do programa brasileiro de privatização do sistema de telecomunicações brasileiro (Telebrás) em 1998, constituindo-se de nove operadoras de telecomunicações que eram empresas estatais. Hoje é 6

uma empresa que atua nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Acre, Tocantins e Rondônia, uma área que corresponde a 24% da população (aproximadamente 41 milhões de habitantes), 25% do PIB (aproximadamente R$280 bilhões) e 33% do território nacional (aproximadamente 2,8 milhões de quilômetros quadrados). Em sua região de atuação existem, ainda, quatro áreas metropolitanas com população acima de um milhão de habitantes e faz fronteira com Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, podendo ser considerada um corredor para o Mercosul. A empresa obteve em 2002 uma receita operacional líquida de quase 7.071 bilhões de reais, com um crescimento de 16,3%. A Tabela 2 apresenta alguns indicadores financeiros da empresa nos últimos exercícios. Tabela 2 - Indicadores Financeiros R$ milhões 2002 2001 2000 1999 Receita Operacional Líquida 7.071 6.158 3.810 977 Lucro Líquido 440 281 451-46 Margem Líquida 6,20% 4,60% 11,80% -4,70% Retorno sobre o Ativo Total Médio 3,00% 2,10% 6,00% -1,80% Retorno sobre o Patrimônio Líquido Médio 6,40% 4,00% 10,20% -2,60% Dívida Total 5.082 4.035 3.213 473 Caixa 1.423 331 802 41 Dívida Líquida 3.659 3.704 2.411 433 Divida Líquida / Patrimônio Líquido 52,50% 54,00% 33,70% 25,40% Fonte: Brasil Telecom (2004) Essa receita advém de um portfólio de produtos diversificado. A Tabela 3 apresenta as famílias de produtos e a contribuição de cada uma delas para a receita da Brasil Telecom. Contudo, é importante destacar que grande parte da receita ainda provém dos serviços prestados com telefonia fixa, conta com mais de 10 milhões de assinantes. Entretanto, deve-se observar os serviços com telefonia fixa vem apresentando reduzidas taxas de crescimento ao longo dos anos (ver Tabela 3 e Figura 2). Tabela 3 - Composição Receita da Brasil Telecom R$ milhões 2002 % 2001 Variação Serviço Local 4.121,10 41,88% 3.725,10 10,60% Serviço de Longa Distância 1.363,70 13,86% 1.085,10 25,60% Chamadas Fixo-Móvel 2.176,80 22,12% 1.805,30 20,60% Interconexão 785,80 7,99% 789,60-0,50% Cessão de meios 235,50 2,39% 204,80 15,00% Telefônia Pública 341,80 3,47% 274,20 24,60% Comunicação de Dados 505,00 5,13% 324,70 55,50% Serviços Suplementares e de valor adicionado 278,80 2,83% 216,50 28,80% Outros 31,20 0,32% 33,20-6,10% Receita Operacional Bruta 9.839,70 100% 8.458,40 16,30% Deduções -2.768,30-2.300,10 20,40% Receita Operacional Líquida 7.071,40 6.158,40 14,80% Fonte: Brasil Telecom (2004) Todavia, outros segmentos apresentam elevadas taxas de crescimentos, como os de comunicação de dados e de internet data centers, que estão no item Comunicação de Dados da Tabela 3. Esses serviços são utilizados pelas empresas para ligarem suas diversas unidades 7

distribuídas geograficamente através de sistemas de informação. A Figura 2 ilustra a evolução das receitas das operadoras de telecomunicações nas diversas famílias de produtos no setor. Crescimento das Receitas das Operadoras em 2003 Total 16% Outros 22% Satélites Voz Fixa Call center Voz, celular 9% 11% 14% 14% Dados 58% Internet data centers 72% 0 10 20 30 40 50 60 70 80 % Figura 2 Evolução das receitas em reais das operadoras de telecomunicações Fonte: Word Telecom (2003) Os serviços de internet data centers caracterizam-se por oferecer espaços físicos (servidores, energia elétrica, equipamentos, etc.) e lógicos (espaços em hardware e software, memória, transmissão de dados, etc.) destinados ao armazenamento e processamento de informações. O público-alvo deste produto é formado por empresas dos mais diversos tamanhos. As empresas interessadas podem contratar espaços de armazenamento e capacidade de processamento de suas informações, ganhando com isso redução de seus investimentos em imobilizados relativos a informática. Por exemplo, uma grande cadeia de lojas de varejo distribuídas nacionalmente necessita uma infra-estrutura de processamento de informações centralizadas que inclui: servidores, salas climatizadas, equipamentos (hub, modems, roteadores), segurança, energia, profissionais especializados, suporte técnico, etc. Toda esta infra-estrutura consome recursos financeiros, em uma atividade não fim da empresa. Os serviços de internet data centers proporcionam toda essa infra-estrutura com um custo mais baixo já que operam em maior escala. Em função da oportunidade de crescimento, a Brasil Telecom decidiu empreender esforços para diversificar seu mercado de atuação. Assim, em 2001 ela iniciou o processo de desenvolvimento do seu internet data centers. Em 2002, nasce o Cyber Data Center, a área de negócios da Brasil Telecom focada neste segmento.hoje ela funciona em toda a região de atuação da organização. Os espaços físicos destinados ao armazenamento e processamento de informações situam-se em Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Eles possuem capacidade para armazenar 48.000 servidores interligados por uma malha de conectividade de 16.000 m² (equivalente a 320 apartamentos de 50 m²) de fibras óticas em toda área de região de atuação da Brasil Telecom. 5. Análise da Decisão Estratégica sob a Luz da Análise Ambiental de Porter A Brasil Telecom possui áreas específicas de monitoramento do mercado com profissionais mapeando os movimentos da concorrência e das necessidades e demanda. Além do mais, as informações advindas de outras fontes, como das equipes de vendas, auxiliam no processo de análise do mercado. 8

Assim, a empresa verifica constantemente as projeções de receitas das vendas de seus produtos, bem como taxas de rentabilidade e crescimento. Ao longo do tempo ela concluiu que as vendas de serviços de telefonia tradicional (local e longa distância nacional) vêm apresentando reduzidas taxas de crescimento, sofrem mais com a concorrência e não apresentam grandes possibilidades de diferenciação, reduzindo as margens de lucratividade. Dentro deste contexto, em 2001, conforme a escola de análise ambiental, a empresa buscou analisar o cenário da indústria de telecomunicações objetivando encontrar nichos de mercado que apresentassem oportunidades de investimento, crescimento e rentabilidade. Ainda neste processo analítico, ela buscava um mercado que permitisse o desenvolvimento de maior valora agregado aos clientes. Uma alternativa que apresentava-se era o segmento de internet data center que estava em processo de expansão acelerada, já que estava no seu início. A maioria dos clientes potenciais no mercado possuía grandes investimentos em informática e processamento de informações, atividades fundamentais hoje em qualquer ramo empresarial. Desta forma, de acordo com a visão de Porter (1979; 1986) sobre as forças competitivas, havia um grande mercado para ser explorado, evidenciando uma rivalidade ainda incipiente entre os concorrentes. Além disso, era um mercado onde havia poucos competidores posicionados de forma sólida. Nenhum possuía uma considerável carteira de clientes, nem mesmo poderia se apontar um líder no segmento. O desenvolvimento de produtos e serviços permitia a diferenciação através de diversos fatores tais como garantias, qualidade de serviços, pós-venda, atendimento, velocidade na entrega, preços, entre outros, caracterizando uma importante barreira de entrada e elevando os custos de mudanças para os clientes. Outra característica importante, e em sintonia com a proposta de Porter (1979; 1986) sobre vantagem competitiva, é o fato de a empresa ter a possibilidade de conseguir economias de escala com uma grande carteira de clientes em mãos para explorar. Em função do seu tamanho e da possibilidade de comercializar para mais de 20.000 empresas, que já são seus clientes, a empresa consegue poder de barganha com fornecedores e escala para reduzir custos. Adicionalmente, a empresa possui uma considerável experiência, de pelo menos 30 anos, em gerenciamento de informações em grandes volumes (PORTER, 1979, 1986). A operação da Brasil Telecom requer a capacidade de gerenciar 1,5 bilhão de chamadas todos os meses, computando, armazenando e processando estas informações instantaneamente (um cliente da Brasil Telecom teria que levantar o fone do gancho 50 milhões de vezes por dia para alcançar tal valor em um mês). Sua curva de aprendizado pode ser comparado, talvez, com as outras grandes operadoras de telecomunicações como Telefonica, Telemar e Embratel. Essa análise ambiental e seu posicionamento permitiam à Brasil Telecom um elevado poder de influência nas forças competitivas que dirigem a indústria, mostrando-se uma importante oportunidade. Desta forma, a lógica econômica e da busca pelo lucro conduziu a Brasil Telecom ao desenvolvimento de um planejamento estratégico consciente após uma consistente análise do cenário competitivo dentro da indústria de telecomunicações. O resultado é o surgimento de um conjunto de novos produtos voltados especificamente para um segmento que apresenta as melhores condições para diversificação, considerando barreiras de entrada, competição, posicionamento, potencial de crescimento, retorno do investimento e lucro. 9

6. Análise da Decisão Estratégica sob a Luz dos Recursos, Competências e o Dinamismo das Capacitações Ao mesmo tempo em que a Brasil Telecom faz uma análise ambiental da indústria de telecomunicações, ela encontra base dentro de sua própria empresa para direcionar suas ações estratégicas rumo a um novo produto. A Brasil Telecom possuía diversos recursos e competências organizacionais que estavam ligados diretamente às necessidades requeridas por um serviço como o internet data center. Como exemplo, pode-se citar: prédios com energia e segurança, grandes equipamentos de armazenamento e processamento de dados, profissionais especializados, capacidade para transmissão de informações a altas velocidades, sistemas funcionando ininterruptamente, entre outros. O funcionamento de uma operadora de telecomunicações requer uma capacidade de gerenciamento de uma significativa quantidade de informações, de estrutura e infra-estrutura e recursos humanos. Por exemplo, mensalmente trafegam pelas redes da empresa 5 bilhões de minutos de conversação (equivale a uma pessoa falando ininterruptamente durante mais de 9 mil anos), informações que têm que ser tarifadas de forma correta. Todas estas informações são geradas de alguma de suas 15 mil centrais telefônicas, aproximadamente. São mais de 10 milhões de telefones instalados, mais de 295 mil telefones públicos em todas localidades de sua região de atuação. Toda essa operação requer rotinas, atividades, sub-atividades, organização e sistemas altamente especializados ligados diretamente à área de tecnologia da informação. A empresa possui uma desenvolvida capacidade de atendimento às mais diversas e variadas empresas, desde as menores e mais simples até as maiores e mais complexas. A experiência dos anos de atendimento, especialmente depois da privatização, foi auxiliando-a na organização e gerenciamento de seus recursos humanos e técnicos para um modelo de atendimento específico para este público-alvo. Não somente áreas de vendas, mas também de suporte técnico e pós-venda foram melhorando seu desempenho, contribuindo para agregarem valor aos produtos e serviços. Verifica-se que a acumulação de conhecimento, experiência, recursos e competências da Brasil Telecom está ligada diretamente aos conceitos e teorias desenvolvidas pelos diversos trabalhos sobre VBR (WERNERFELT, 1984; HAMEL e PRAHALAD, 1990; GRANT, 1991). Adicionalmente, pode-se destacar que ela tinha adquirido uma significativa experiência em gerenciamento de grandes redes de comunicações de dados. Para que todo este sistema funcione diariamente é necessária uma grande equipe de profissionais dedicados à manutenção das atividades rotineiras e de procedimentos padrões de monitoramento de equipamento, de sistemas computadorizados e uma complexa gama de atividades diárias. Esse know-how pode ser reabsorvido e reconfigurado dentro do internet data center, seguindo a linha de pensamento desenvolvida por Helfat e Peteraf (2002). Além disso, procedimentos tecnológicos de segurança, utilizados nos serviços prestados pelo novo produto, são oriundos da telefonia. São processos que garantem alimentação de energia ininterruptamente, prevenção de incêndio, acesso restrito de pessoas, garantia de privacidade de informações, sistemas de proteção lógicos, e, principalmente redundância e replicação das informações em outro local seguro. As unidades encontram-se dispostas em três localidades: Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Toda e qualquer informação de um cliente, em algum destes pontos, é automaticamente replicada em outro local para garantir a segurança e redundância das informações. 10

Assim, a Brasil Telecom baseou-se em toda a disponibilidade, capacidade e competência que possuía no gerenciamento de informações para estruturar seu novo conjunto de produtos. Caso ela não tivesse desenvolvido toda essa capacitação dificilmente ela entraria neste segmento de mercado. Desta forma, a propriedade de tais recursos e competências também é primordial no processo de decisões estratégicas. Porém, é fundamental destacar que todos estes recursos e competências não foram desenvolvidos exclusivamente para esta nova unidade de negócios. Pelo contrário, eles pertenciam a atividade principal da organização, a prestação de serviços de telefonia. Todavia, seguindo uma linha de análise ambiental de Porter (1979; 1986), a empresa realizou uma análise do ambiente competitivo, e embasada em uma análise interna de recursos e competências, de acordo com a VBR, reconfigurou seus recursos e competências na busca de novos caminhos de desenvolvimento destes mesmos recursos e competências conforme as proposições de Helfat e Peteraf (2002) sobre o ciclo de vida das competências. Portanto, as capacitações, que durante muitos anos foram o negócio central da empresa, são reorganizadas para dar início a um novo ciclo de desenvolvimento. Logo, é possível verificar como se dá o início de uma nova etapa na vida da organização, sendo a diversificação um caminho viável para o dinamismo das capacitações. 7. A Relação entre a Análise Ambiental de Porter e a Análise dos Recursos e Competências: O Dinamismo e Renascimento das Capacitações Pode-se verificar que a Brasil Telecom seguiu os dois caminhos estratégicos dominantes na literatura, e não um ou outro de forma excludente. Na verdade, na prática, a empresa cercou-se de todos os recursos possíveis para avaliar sua decisão de entrar em um novo mercado e criar uma nova unidade de negócios. Talvez por desconhecer a teoria, ou por simplesmente ser pressionada pela competitividade crescente de seu ambiente, ela mesclou duas correntes de pensamento estratégico que muitas vezes parecem antagônicas. É possível perceber que a Brasil Telecom voltou-se para uma análise ambiental após estar galgada em uma legítima base de capacitações. Toda a gama de recursos e competências que ela possuía tornava relativamente baixo os investimentos que ela teria que fazer para começar sua nova unidade. Caso ela não tivesse todos estes recursos, seus investimentos poderiam ter tornado inviável sua prática, sem contar a experiência que teria que ser adquirida ao longo dos anos, já que não pode ser comprada da mesma forma que um gerador de energia ou um robô que opera grandes servidores. O papel das rotinas e procedimentos que a organização possuía também foi fundamental para que ela pudesse partir para uma análise do ambiente segura da possível operação que viria a ter. O know-how operacional e as capacitações adquiridas pelos colaboradores destacam-se no processo. Desse modo, uma análise do ambiente serviu como uma importante ferramenta de decisão já que pode proporcionar uma visão que a análise dos recursos não alcançava. Isto é, a análise ambiental do cenário competitivo permitiu que a empresa vislumbrasse oportunidades de investimento, taxas de retorno, de crescimento, de participação de mercado, diferenciação e produtos com maior valor agregado, ganhos de escala, barreiras de entrada relativamente fáceis de serem superadas para ela, mas difíceis para concorrentes, e maiores taxas de lucratividade. Somente olhando para fora da organização foi possível chegar a estas conclusões. 11

Contudo, a base de capacitações e a análise ambiental serviram ao propósito de, não apenas auxiliar nas escolhas estratégicas, mas, principalmente, ser o ponto de partida para o dinamismo dos recursos e competências. Ou seja, a convergência e ligação de duas visões estratégicas serviram ao desencadeamento de um novo ciclo de desenvolvimento de capacitações. A Figura 3 ilustra a interação entre as visões estratégicas. Capacitação por unidade de atividade Evento Análise Ambiental de Porter Novo ciclo de desenvolvimento das capacitações da Brasil Telecom Surgimento do CyberData Center Desenvolvimento das capacitações da Brasil Telecom Tempo Figura 3 Ciclo de vida dos recursos e competências na Brasil Telecom Fonte: os autores Assim, os recursos e competências da Brasil Telecom entram em um novo processo de reconstrução, reconfiguração, remodelagem em direção a um novo caminho de vida. Ao criar uma nova rede de produtos, ela reorganiza-os para que possam se desenvolver durante mais um período de evolução até a maturidade. Afinal, novos recursos financeiros foram alocados, novos colaboradores foram treinados, um novo modelo de gestão é focado para que o sucesso seja atingido. As correntes de pensamento, que na teoria parecem antagônicas, se mostram, empiricamente complementares e, da mesma forma, fundamentais para a estratégia da empresa. Ainda mais irônico é que o encontro destas duas correntes resulta no nascimento de um novo ciclo de desenvolvimento das capacitações, contribuindo de forma decisiva e elementar para o processo de dinamismo existentes nas capacitações da organização. 8. Conclusões O artigo analisou como ocorre o processo de escolhas estratégicas dentro de uma organização do setor de telecomunicações. Neste sentido ele demonstra, através de um caso empírico, como são utilizadas as visões decorrentes da análise ambiental, especificamente Porter, e da visão baseada em recursos e competências. Há possibilidade da complementaridade das duas correntes teóricas que, aparentemente, na maioria das vezes, são tratadas de formas muito distintas e distantes. É verificado que a análise ambiental e análise baseada em recursos estão possivelmente ligadas no gerenciamento das empresas. 12

Collis e Montgomery (1995) já haviam apontado para uma possível ligação e relação entre estas duas correntes de pensamento estratégico. Corroborando com estas ligações, devese aprofundar os estudos e trabalhos envolvendo uma perspectiva mais ampla da visão estratégica, sendo factível uma abordagem que aproxime estas duas visões de pensamento estratégico. Indo além, especula-se que existam lacunas na compreensão sobre a possibilidade de uma corrente teórica reforçar a outra, num processo sem limites estabelecidos. A visão baseada em recursos mostrou-se servir de base para que uma visão ambiental emergisse e reforçasse a construção de novos recursos e competências. Essa renovação das competências conduz a empresa a outros caminhos que, novamente, necessitam de uma visão ambiental para guiar a alta administração em decisões importantes, que muitas vezes conduzem a um novo ciclo de desenvolvimento dos recursos e competências. Desta forma, essa relação existente, presente no pragmatismo gerencial, entre as duas visões estratégicas, onde uma serve a outra, pode ser uma resposta plausível para uma das dúvidas deixadas por Helfat e Peteraf (2002) sobre as evoluções da organização em torno de um novo ciclo de desenvolvimento das competências. Tanto uma escola de pensamento quanto a outra parecem não existirem de forma isolada. Mesmo os autores destas escolas mostram evidências de que elas carregam características umas das outras. Porter (1986) quando desenvolve a idéia de curva de experiência ou cadeia de valor volta-se para uma análise interna da organização. Wernerfelt (1984) utiliza conceitos de posicionamento no mercado e escassez de recursos para acrescentar conhecimento a VBR. As possibilidades de uma maior integração entre estas visões estratégicas podem trazer para o campo do conhecimento uma amplitude do poder de análise estratégica que isoladamente uma não consegue proporcionar. Além disso, a possível ligação entre elas pode revelar padrões de comportamento organizacional que o uso de uma visão única não revela. Por exemplo, as organizações na prática podem estar utilizando conceitos e idéias advindas das escolas de pensamento estratégico conjugadamente. Isso pode mostrar como áreas envolvidas com o desenvolvimento de competências, tais como produção e desenvolvimento de produtos, devem estar em sintonia com áreas de contato com o ambiente, tais como vendas e marketing. Uma dúvida que se interpõe é se isso ocorre dentro das organizações. Ou seja, o uso de uma ou ambas visões no gerenciamento diário implica de quê forma na estrutura organizacional? Como são as relações de poder, cultura e estrutura em organizações que utilizam estas visões conjugadamente? Quais áreas detém maior influência? Como isso repercute nas decisões estratégicas? Com isso especula-se sobre uma nova abordagem para o tratamento das questões estratégicas, onde prevaleceria essa possível relação entre estas duas visões. Seria uma área de intersecção onde prevalecem características de ambas. A Figura 4 ilustra essa possível área de intersecção e relação entre elas no mundo empírico e pragmático das organizações. 13

Utilização Empírica dos Pensamentos Estratégicos Resource Based View Análise Ambiental de Porter Possível relação entre as escolas estratégicas utilizada nas organizações Figura 4 Modelo de Relação entre as escolas estratégicas Fonte: os autores Portanto, isso abre a possibilidade de um novo campo de estudos sobre quais as razões e as formas que as estratégias são formuladas. Indo além, espera-se que futuras pesquisas na área estratégica revelem a profundidade da relação e as implicações sobre essa intersecção entre as duas correntes estratégias. As respostas para os questionamentos levantados neste trabalho são avenidas para a construção de novas estradas do conhecimento. O que foi percebido empiricamente é que a organização utilizou-se da relação entre as duas correntes de pensamento estratégico para conduzir suas decisões. Isso foi validado no presente trabalho, mas uma das dúvidas que emerge é o quanto outras organizações valem-se dessa mesma relação para guiar suas decisões e quais suas repercussões para a estratégia. Pesquisas vêm sendo desenvolvidas em um e outro campo estratégico. Porém pouco conhecimento foi desenvolvido sobre a possível relação entre elas. O saber neste campo não pode mais transitar de uma escola à outra sem compreender o quê pode estar por entre seus cruzamentos. Novas pesquisas devem realizadas para que afirmem, refutem ou abram novas oportunidades, questionamentos e perspectivas sobre a complementaridade destas duas formas de análise. 10. Referências Bibliográficas BRASILTELECOM. Disponível em: <http://www.brasiltelecom.com.brhome/framefixo.jsp? site=http://www.brasiltelecom.com.br/site/ajustefixa.jsp?purl=http://www.brasiltelecom.co m.br/site/inst_ri_br/index.jsp. Acesso em 29.11.2004. CHALMERS, A. What is this thing called science? Milton Keynes: Open University, 1982. COLLIS, David J.; MONTGOMERY, Cynthia A. Competing on resources: strategy in the 1990s. Harvard Business Review, Boston, v. 73, n.4, p.118-128, 1995. EISENHARDT, K. Building Theories from Case Study Research, Academy of Management Review, v. 14, n. 4, pp. 532-550, 1989. 14

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