ABORTO E O PROFANO Prof.Dr.HC João Bosco Botelho O juramento de Hipócrates, do século 4 a.c., líder da Escola de Cós, na Grécia, mostra a tendência anti-aborto: Não darei venenos mortais a ninguém, mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho e, igualmente, não darei às mulheres pessário para provocar aborto. Essa parte do texto parece não estar relacionado com o ato abortivo em si mesmo, mas à proibição de todos os procedimentos médicos que pudessem determinar a morte do doente, o aborto entre outros. Na mesma época, houve certa indulgência em Aristóteles (Política, VII, 4) que aconselhava a interrupção da gravidez frente às necessidades médicas, desde que o embrião não tivesse recebido o sentimento e a vida, sem que tenhamos precisão exata do tempo gestacional. Após mais de dois mil anos de discussões, ora nas relações com o sagrado, ora com o profano das relações sociais, é comprovado o impressionante número de abortos provocados por ano no mundo. A tendência favorável ao aborto como método anticoncepcional, na gestação em até 13 semanas, iniciada na Europa, nos anos setenta, é indiscutível. Nos últimos trinta anos, muitos países modificaram as leis. Na Itália, o mais católico dos países da Europa, a legalização do aborto provocou muito conflito, mas o plebiscito realizado no papado de João Paulo II evidenciou que 70 % dos italianos aprovaram a lei. No mundo, em casa ano, aproximadamente 18 milhões de mulheres abortam de forma clandestina e cerca de 13% da mortalidade materna no planeta são atribuídos aos abortos clandestinos.
No Brasil, o aborto é considerado crime, exceto: gestação como produto de estupro e risco de vida materna e, mais recentemente, quando constatada anomalias fetais incompatíveis com a vida, sendo a anencefalia a mais comum. Um dos estudos mais importantes identificando o perfil das mulheres que usam o aborto, no Brasil, como método anticoncepcional, foi realizado pela Universidade Federal de Pelotas. Alguns dados mostram a gravidade da questão, entendida como problema de saúde pública: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Mais frequente entre mulheres com idade entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas e com pelo menos um filho; A maior parte é adolescente; Um determinado medicamento, nos últimos anos, de venda controlada é indicado como o principal método abortivo; Mais de 1 milhão de gestações foram interrompidas em 2005; Cerca de 200 mil mulheres, em 2005, foram hospitalizadas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência de tentativas de aborto; Em 2005, 3,7 milhões de brasileiras entre 15 e 49 anos realizaram aborto; Até 82% dos abortos são realizados por mulheres entre 20 e 29 anos e 10% são adolescentes; A curetagem após aborto foi a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 1995 e 2007, segundo levantamento do Instituto do Coração, da Universidade de São Paulo. Em 1.568 tipos de cirurgias, as curetagens predominaram com 3,1 milhões de registros. Ao contrário dos países desenvolvidos que permitem, sob controle, o aborto como método anticoncepcional, nos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, inclusive no Brasil, não existem estatísticas do número de mulheres pobres (as ricas fazem abortos em clinicas especializadas ou nos
países que permitem o aborto) que morrem ou são gravemente mutiladas pelos aborteiros criminosos, inclusive impossibilitando nova gravidez, após perfurarem os útero com estiletes metálicos contaminados. DEVER DO MÉDICO: MANTER A VIDA Prof.Dr.HC João Bosco Botelho No livro Das Epidemias, produzido na Escola de Cós, no século 4 a.c., a estrutura sustentadora da Medicina, como especialidade social, mantendo a vida, está clara: A arte do médico consiste em eliminar o que causa dor e em sarar o homem, afastando o que o faz sofrer. A natureza pode por si própria conseguir isto. Se sofro for estar sentado, não é preciso mais que levantar-se; se sofre por se mover, basta descansar. E tal como neste caso, muitas coisas da arte do médico a natureza as possui em si própria.. Existem outros relatos, o século 4 a.c. associando a adequada ação médica com a noção de global da natureza, inclusive com recomendações da qualidade e quantidade da dieta, da prática de esportes e de atividades culturais. No livro Das Epidemias é reafirmado a relação da boa prática médica com os conceitos de harmonia e medida: O esforço físico é o alimento para os membros e para os músculos, o sono é para as entranhas. Pensar é para o homem o passeio da alma. Alguns filósofos gregos cuidaram para sistematizar o discurso
sobre a manifestação da natureza com suficiente coerência para que permanecesse válido mesmo quando aplicado sobre a infinita manifestação da multiplicidade das formas no mundo percebido. Aqui também brotaram, com maravilhosas facetas, as contradições entre o particular e o universal, o invisível e o visível, contribuindo para a questão fundamental do conhecimento: a reprodução do saber médico como verdade. Neste caso, o médico representava o homem que nunca separava a parte do todo. Daí, surgiu a consciência para conceituar a medida na prática médica. O médico passou a ser chamado para recompor a justa medida, oculta dos não médicos, quando a doença alterava. Ao mesmo tempo, utilizando essa compreensão como instrumento de leitura da natureza, como a justa medida da saúde. Hipócrates e os seguidores da Escola de Cós já possuíam a consciência desse fato e afirmaram no livro Da Medicina Antiga que nenhum médico pode tratar os doentes sem conhecer a natureza do homem. Essa harmonia pressuporia que sendo a natureza harmônica em si mesma, preenchendo na medida exata e com simetria adequada as necessidades de cada um, a saúde deve ser procurada neste contexto de normalidade. É nessa compreensão que Platão entendeu a saúde como a ordem do corpo ( Fédon, 93e; Leis, 773a; Górgias, 504c) e Aristóteles ( Ética a Nicômaco, X 1180b 7) ao analisarem o comportamento moral utilizou os exemplos de dietas prescritas pelos médicos para as febres, mas não para todas as febres. A tendência do pensamento grego de agrupar em classificações gerais o todo e as partes, estimulou as tentativas de ordenar as doenças em grupos que apresentassem alguma semelhança no diagnóstico, no tratamento e no prognóstico. A literatura médica destinada ao público letrado com recomendações específicas das normas que deveriam ser obedecidas para obter a saúde e evitar a doença, iniciou outra
importante contribuição para consolidar da Medicina como paidéia: a manutenção da saúde pela dieta adequada, pelo exercício físico contínuo e pela higiene do corpo. Foi aberto um novo espaço nas relações da Medicina com o público, os médicos passam a atuar também como educadores. O novo espaço da Medicina, voltado à educação profilática está atado as mais importantes obras médicas destinadas ao público não médico: Da Dieta, De um Regime de Vida Saudável e Da Natureza do Homem contendo fantásticas recomendações para a conservação da saúde incluindo o exercício físico.