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/ /2015 FOLHETO DE GEOGRAFIA (V.C. E R.V.)

/11/00 2:12 AM

Transcrição:

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ponta de lança A pre sen te co le ção pre ten de dar a co nhe cer aos lei to res bra si lei ros vo zes no vas, ou ain da pou co co nhe cidas, al gu mas ge ra das mui to per to de si, ou tras vin das de lon ge, de África, da Ásia, da Europa, to das, po rém, ex pressan do -se no nos so idio ma. Vozes que são tes te mu nho da vita li da de das cul tu ras de lín gua por tu gue sa, e em par ti cu lar das li te ra tu ras des ses paí ses, e tam bém da ex traor di ná ria ri que za da nos sa lín gua e do mui to que nos apro xi ma. Não se en ten de o Brasil sem a África ou Portugal, da mes ma ma nei ra que não se en ten de Angola ou Cabo Verde sem a par ti ci pa ção do Brasil. Venha par ti lhar co nos co es ta aventu ra. A por ta es tá aber ta. A ca sa é sua. no silencio de Deus v9.indd 7 03/05/11 01:22

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Para quem tem o meu coração. no silencio de Deus v9.indd 9 03/05/11 01:22

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Agora não se di ga mais en tre nós dei xa-me, e ne nhum dos nos sos co ra ções se afaste. Eu irei pa ra on de fores e da tua mo ra da fa ço tam bém a minha. Os teus ir mãos e com pa nhei ros ho je re ce bo co mo meus, o Deus da tua ju ven tu de, eu o amo profundamente. E quan do por fim a mor te nos visitar que ro mor rer na ter ra em que morreres e ser se pul ta da per to de ti O Senhor sa be: a vi da me tra ta rá com tris tes rigores se ou tra coi sa que não a morte es con da de meus olhos a gra ça do teu rosto tão amado Livro de Rute no silencio de Deus v9.indd 11 03/05/11 01:22

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a pequenez do mundo no silencio de Deus v9.indd 13 03/05/11 01:22

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Era um al mo ço de tra ba lho. Nada mais. Ela e ele e um gra va dor, o ba ru lho dos ta lhe res, vo zes ao fun do, tal vez uma mú si ca a brin car com as me mó rias. No car ro le va va os li vros de le, al gu mas edi ções an ti gas, o no vo roman ce, coi sas por di zer. Estacionou vin te mi nu tos an tes da ho ra com bi na da pa ra ter a cer te za de que o gra va dor es ta va a gra var; pa ra se olhar no es pe lho, mí ni mo, na pa la que pro te ge do sol; pa ra res pi rar fundo. Quando en trou não per ce beu de ime dia to o sí tio on de ele se sen ta ra. Estava es cu ro e ha via de ma sia das coi sas pen dura das no teto, pre sun tos, ma ça ro cas de mi lho, uma má qui na de es cre ver em equi lí brio pre cá rio, ca pas de dis cos an ti gos, um cha péu de abas lar gas. Sorriu e o em pre ga do in di cou com a ca be ça o lu gar elei to pe lo es cri tor. Fê -lo com um gesto de ca be ça a de nun ciar um com por ta men to ha bi tual e, na ver da de, ao te le fo ne ti nha exis ti do es sa confidência. É um dos meus poi sos. Come -se bem. no silencio de Deus v9.indd 15 03/05/11 01:22

patrícia reis O es cri tor le van tou -se com len ti dão, as mãos na mesa, a ca be ça pa ra bai xo, num ges to pre gui ço so ou es for çado. Ela não per ce beu. Não se tro ca ram pa la vras, ele de vol ta à ca dei ra, ela a ti rar a ga bar di na, o em pre ga do so lí cito, a ma la na ca dei ra do la do, o guar da na po, au to má ti co, a pou sar no co lo. Ele con ti nuou de olhos pa ra bai xo, a brin car com a mi ga lha de pão, uma bo la nos de dos; às ve zes ob ser van do os ges tos de la, a for ma co mo o cor po se me xia pa ra se li vrar da pe ça de rou pa, as mãos bran cas, as unhas ver me lhas, uns bri lhan tes mí ni mos no de do ane lar, uma alian ça mo der na no po le gar da mão es quer da. Por fim, fren te a fren te, hou ve ain da o ti rar dos ócu los es cu ros do al to da ca be ça, ar ru ma dos ao la do do cin zei ro, a meio da me sa, e só en tão, olhos nos olhos, se en ca ra ram. Ela pen sou que de ve ria ser ex pe di ta, di zer olá, apre sen tar -se, o no me, o ob jeti vo da en tre vis ta, re pe tir as pa la vras di tas ao te le fo ne, dis si mu lar a sua ad mi ra ção, mos trar um pro fis siona lis mo cheio de sa be do ria. Ele con si de rou co mo o ca belo de la es ta va es pe ta do atrás, a es prei tar a ore lha; co mo a fa ce co ra da do la do es quer do era mais ro sa da que a do la do di rei to, lem brou -se de um ver so de um poe ma an ti go e de uma ra pa ri ga. E com is to não dis se ram na da, es bo ça ram ape nas um sorriso. O em pre ga do trou xe a lis ta, um car dá pio emol dura do nu ma ca pa de ma dei ra, pe sa do, cas ta nho, a res pi rar 1 6 no silencio de Deus v9.indd 16 03/05/11 01:22

no silêncio de deus se rie da de. Os pra tos do dia eram qua tro e ha via as es pe ciali da des. O es cri tor re ti rou os ócu los pa ra exa mi nar a lis ta, mur mu rou qual quer coi sa im per cep tí vel, vol tou a pôr os ócu los e o em pre ga do, ajei tan do o ces to do pão num movi men to de es té ti ca des ne ces sá ria, pa ra se en tre ter, adiantou -se Temos ain da, se nhor dou tor, o ba ca lhau, co zi do ou na gre lha, e uma abró tea mui to fres ca, de ho je mes mo. Pode ser co zi da, com to dos, ou en tão com a fa mo sa maio ne se de to ran ja da Esperança. 1 7 Ainda era ce do pa ra o al mo ço. Pouco pas sa va do meio -dia. A co zi nhei ra, a que do mi na va a ar te da maio ne se de to ran ja, es prei ta va por um bu ra co na pa re de, des ses que os res tau ran tes têm, en tre a sa la e a co zi nha, co mo uma fron tei ra, uma por ta gem de pra tos e ta lhe res, pe di dos e recla ma ções. A co zi nhei ra pre pa ra va -se: al guém à es pe ra de uma or dem pa ra ini ciar a ba ta lha. Era o pri mei ro pe di do do dia. Quando o em pre ga do se re fe riu à maio ne se, Esperança sus pi rou e os olhos re vi ra ram de im pa ciên cia. Nisto a por ta da rua abriu -se e os qua tro, o es cri tor, ela, a co zi nhei ra e o em pre ga do, fi ca ram a olhar, sus pen sos, a ver quem vinha in ter rom per, quem se atre via a al mo çar tão ce do. Dois tu ris tas fi ze ram a sua en tra da com uma mo chi la e duas máno silencio de Deus v9.indd 17 03/05/11 01:22

patrícia reis qui nas fo to grá fi cas. Ele de cha péu, ti po pa na má, ela com uma ca mi so la de al ças que de nun cia va o pei to des caí do. A co zi nhei ra re co lheu co mo uma tar ta ru ga. O es cri tor disse Abrótea, não. Ela fi cou à es pe ra, exa mi nan do de for ma dis cre ta uma fa lha de ver niz na unha, um ruí do pro ve nien te do es tô ma go, fo me, ner vo sis mo, an sie da de. Considerou a forma bru tal da ne ga ti va do es cri tor, a re jei ção do pei xe e, por con se quên cia, o to tal des pre zo pe la maio ne se de toranja. Lembrou -se da pri mei ra vez que fi ze ra maio ne se, tinha no ve anos e a em pre ga da lá de ca sa ex pli ca ra -lhe que o óleo e o ovo pe dem um pou co de mostarda. Claro que quan do ti ve res o Chico não po des fa zer nada dis to que a maio ne se fi ca deslaçada. Quem é o Chico? Agora o em pre ga do do res tau ran te ten ta, num in glês ri sí vel, di zer que sim, al mo ços ti pi ca men te portugueses. Fish and fresh fish too. 1 8 no silencio de Deus v9.indd 18 03/05/11 01:22

no silêncio de deus Ela sor ri pe ran te a ten ta ti va. Calculou que a pri meira ver são se ria pei xe con ge la do. O es cri tor ad mi rou por mo men tos o sor ri so de la, um sor ri so torto. Ao te le fo ne não me pa re ceu triste. Eu? Sim. Houve um mo men to de si lên cio, uma pau sa qua se des con for tá vel por que ela não sa bia co mo res pon der e ele não di zia mais na da, olhan do ain da a lis ta. Depois, com uma voz gra ve, voz de quem sa be pe dir, man dar, en comen dar, o es cri tor op tou pe lo ba ca lhau no for no pol vi lhado com broa. Informou o em pre ga do e hou ve ou tra vez qual quer coi sa de au to ri tá rio na for ma co mo fa lou. Ela reco lheu -se na lei tu ra do car dá pio e, a meia -voz, foi len do o con jun to das es pe cia li da des. Por fim, en ca rou o em prega do, o ho mem que fi ca ra a sa ber, sem que ela es ti ves se pre pa ra da pa ra aqui lo, da sua tris te za, da for ma vi sí vel da sua tris te za. Sim, por que o em pre ga do po dia nem ter da do por na da, po dia ape nas con si de rar que ela era mais um almo ço, de tra ba lho, de con quis ta, de ga lan teio. Ele de via ter tan tos. O em pre ga do po dia até ter pen sa do, co mo ela, por 1 9 no silencio de Deus v9.indd 19 03/05/11 01:22

patrícia reis mo men tos, que era uma for ma de prin ci piar uma po ten cial con quis ta: um ho mem mais ve lho, fa mo so, a enal te cer a tris te za vi sí vel da jo vem mu lher. Nunca lhe te ria ocor ri do, mas com os es cri to res a ver bor reia de via ser ou tra. E enquan to, in de ci sa, pon de ra va no pei xe gre lha do ou no ca ril de lu las, a jor na lis ta cru zou as per nas de bai xo da me sa, obser va da pe lo es cri tor, por cer to pe lo em pre ga do, cons cien te de que não fo ra um prin cí pio auspicioso. Eu co mo o ca ril de lulas. Boa escolha. Com es ta sen ten ça, o em pre ga do afas tou -se, já a alcan çar ou tro ces to de pão e broa pa ra sa tis fa zer os tu ris tas. O es cri tor me xeu no ca sa co pen du ra do nas cos tas da cadei ra, re ti rou uma ci gar rei ra de pra ta e daí o ob je to do seu de se jo imediato. Fuma? Às vezes. Não é, por tan to, uma fumadora. 2 0 no silencio de Deus v9.indd 20 03/05/11 01:22

no silêncio de deus Tento evitar. E consegue. Podia ser uma in ter ro ga ção, mas ela en ten deu que não o era e dei xou -se es tar a ver o lu me a quei mar a pon ta do cigarro. Posso li gar o gravador? Sim. É o que se es pe ra, não é? Ela sor riu e ele ad mi rou ou tra vez o sor ri so tor to. Lembrou -se de ou tra mulher. 2 1 no silencio de Deus v9.indd 21 03/05/11 01:22