Como explicar a Morte às Crianças?

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Daniela Anéis Psicóloga Clínica Como explicar a Morte às Crianças? Guia para Pais, Professores e Avós Falar de Morte não é fácil em nenhuma idade. Mas quando se trata de crianças pode ser ainda mais difícil. Como se explica a uma criança a inevitabilidade da morte e o acaso da vida? Que coisas más acontecem às pessoas boas? Mais importante: Como se ajuda uma criança a lidar com o luto? Espero que este pequeno guia para Pais, Professores e Avós possa ajudar a clarificar algumas questões, através de situações que têm acontecido na minha prática privada. E que permita de alguma forma ajudar a minimizar o sofrimento das crianças e das suas famílias. Nornalizar a Morte: Como? Daniela Anéis Deseja marcar consulta? Envie email para: Daniela.aneisgmail.com www.danielaaneis.wordpress.com Para reflectir Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós. Amado Nervo Talvez lhe possa parecer estranho, mas caso tenha à vontade para isso e encontre uma oportunidade, fale de morte abertamente com as crianças tal como falaria da vida. Faz tudo parte do processo. Se por exemplo, a criança tiver um peixinho dourado ou uma plantinha que morreu, aproveite para falar do sítio para onde o peixinho vai, faça um pequeno funeral, deixe o seu filho colocar flores. Page 1 of 5

Explicar a Morte: Como? Na minha prática clínica, aquilo que melhor funciona é explicar a Morte às crianças usando a metáfora da estrelinha. As metáforas do dormir para sempre causam medo de ir dormir nas crianças e terrores nocturnos e a metáfora da viagem dá a impressão à criança de que o ente querido poderá voltar e se não volta é porque abandonou a criança e já não gosta dela. O que não é verdade! Existe conforto em imaginar que a pessoa está no céu, é agora uma estrela que está lá em cima a brilhar e que se pode falar com ela quando queremos. Terá de explicar que a pessoa não vai voltar mas que está sempre ali, a ver-nos e a proteger-nos. Dar a Notícia Por muito que lhe custe, terá sempre de explicar à criança (de forma a que ela entenda) o que está a acontecer. Não saber é ainda pior. Sentir-se abandonado e não amado é dos piores sentimentos. É preferível saber que a pessoa não está connosco porque não pode, do que não quer estar connosco. Como dar a notícia? Encontre um sítio calmo onde não será interrompido para explicar à criança o que aconteceu. Deixe-a fazer as perguntas que quiser. Deixe-a chorar e exteriorizar os sentimentos. É comum em vez de chorar, haver reacções de raiva e zanga. As Fases do Luto (Kubler-Ross) Segundo a investigadora Kubler-Ross existem 5 fases do luto que podem ocorrer de forma não sequencial: Choque a pessoa não tem reacção. Parece que não consegue processar o que lhe foi dito Negação a pessoa não acredita no que acabou de ouvir. Tenta arranjar uma explicação alternativa Histórias de Vida (relatada por uma colega de profissão) Maria (nome fictício) tinha 3 anos e passava os seus dias com os avós. Passava muito tempo com eles, inclusivamente viajava com frequência na sua autocaravana. Um dia os avós partiram de fim-de-semana e deixaram a Maria com os pais. Uma tragédia aconteceu na estrada e os avós faleceram. Os pais de Maria em choque, não foram capazes de lhe contar o que acontecera. O tempo passou e Maria perguntava pelos avós. Voltou a fazer chichi na cama, chorava muito e perguntava pelos avós. Quando foi à psicóloga revelou sentimentos de abandono. Na sua mente de criança achava que os avós já não gostavam dela porque ela tinha feito algo de mal e a tinham abandonado. Page 2 of 5

Zanga a pessoa pergunta porquê?. Afasta os outros, pode ter comportamentos agressivos Depressão A pessoa chora muito, está apática, sem energia, não quer fazer nada, está distraída. Aceitação A tristeza torna-se em saudade e a pessoa aceita que o ente querido não voltará. Começa a fase de adaptação em que se aprende a viver sem a outra pessoa. Depois da fase da aceitação, nada impede que a pessoa tenha uma recaída e em aniversários e datas especiais não possa estar mais sensível. FAQ Questões Frequentes Quando devo começar a falar de morte com as crianças? Se tiver esse à vontade, introduza esse tema a qualquer idade. Se falamos de como se fazem os bebés porque não contamos o final da história? O que se pode considerar um luto normal? Num luto normal observamos as 5 fases de Kubler-Ross com alguns avanços e recuos. Um luto normal em média demora 1 a 2 anos. Sendo que o primeiro ano é o mais difícil, especialmente com o aproximar de datas importantes (aniversários, Natal, aniversário de morte). O que é um luto patológico? Podemos considerar um luto patológico quando parece que a pessoa não quer aceitar a perda que viveu e está presa no tempo (o quarto dessa pessoa permanece igual), recusa-se a fazer determinadas actividades sem aquela pessoa, reage emocionalmente como se a perda fosse recente, etc. Embora cada pessoa tenha o seu timing a partir dos 5 anos de um luto em que parece que a pessoa ainda não chegou à fase de aceitação, podemos começar a falar de um luto patológico. Devo evitar chorar em frente à criança? Só se estiver a chorar copiosamente e de forma descontrolada, o que poderá assustar a criança. De outro modo, é sempre positivo que expresse os seus sentimentos e ajude a criança a expressálos também. A criança tem o direito de estar triste e não podemos fingir que nada aconteceu. Devo falar da pessoa que faleceu? Não só deve falar da pessoa que faleceu, como deve falar abertamente dos seus sentimentos (das saudades que sente, da tristeza). Fale de memórias felizes em conjunto. Não falar da pessoa que já não está entre nós é como tentar apagá-la das nossas vidas, o que só causa à criança mais sofrimento. E a si também. Page 3 of 5

Devemos guardar coisas da pessoa? É sempre saudável tirar a maior parte dos pertences da pessoa que faleceu de sua casa. Isso permite-nos fazer um luto saudável porque arranjamos espaço para criar uma nova vida, uma rotina sem aquela pessoa. No entanto, devemos sempre guardar alguma coisa que tenha um significado especial para nós. Deixe a criança escolher qual o objecto que deseja guardar para que se possa recordar da pessoa. O mesmo se passa com as fotografias. Se tem fotografias expostas dessa pessoa na sua casa, não as tire nem as esconda. A criança deve ir ao funeral? Depende da maturidade da criança e da sua vontade. É sempre muito importante ver o corpo do velório. É o que nos permite passar da fase do choque e da negação, a prova irrefutável que a pessoa já não volta. No entanto se o ambiente estiver cheio de familiares a chorar e a gritar de forma muito intensa, poderá ser assustador para a criança. Tente levá-la numa altura em que esteja pouca gente e a criança possa ter alguma privacidade. O funeral na maior parte das vezes não é aconselhável pois é difícil prestar o apoio necessário às crianças devido ao momento tão emotivo. A criança passou a comportar-se mal na escola depois do falecimento. É um comportamento normal? Nem todas as crianças reagem da mesma forma. Por um lado as meninas são mais interiorizadoras, choram sozinhas e afastam-se dos outros. Mas por outro lado têm a vantagem de falar bastante com amigas e poderão mais facilmente pedir ajuda. No caso dos meninos, é comum eles exteriorizarem a sua tristeza com actos mais agressivos como portar-se mal, faltar às aulas, bater nos outros meninos, etc. Mas não existe comportamento padrão. O importante é você estar atento. Valorizar o sofrimento mas não desculpe tudo, lembre-se que os limites e as regras continuam a existir apesar do luto. O importante é ensinar a criança a lidar com os sentimentos e a adquirir estratégias saudáveis para lidar com as situações. A criança regrediu no seu comportamento (faz chichi na cama, não quer dormir sozinha, tem pesadelos). O que fazer? Os sentimentos de abandono (mesmo que você tenha explicado da melhor forma a morte) podem continuar lá. E se você também morre? Vou ficar sozinho para sempre? esta é a pergunta natural na cabeça da criança. Há que fazê-la sentir-se segura de novo. Poderá ser benéfico consultar um psicólogo para o ajudar. Quando devo considerar levar a criança a um psicólogo? Page 4 of 5

Quando o luto interferir com várias esferas da sua vida. Quando as notas descerem, quando alertarem para afastamento social, quando deixar de querer participar nas actividades que lhe davam alegria. Quando você sentir que poderá ajudar. Você também poderá estar a sofrer com a perda e para a criança ter conhecimento dos seus sentimentos e preocupação é importante. Sobre Daniela Anéis Daniela Anéis é Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde Núcleo de Sistémica pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa desde 2009. Tem desenvolvido projectos comunitários no âmbito do bem-estar dos idosos assim como prática clínica na área da saúde mental com adolescents e adultos. Tem um grande interesse pela psicoterapia existencial de Viktor GFrankl assim como pelos princípios da Psicologia Positiva. Preocupa-se com ajudar os seus pacientes a atingirem o seu máximo potencial enquanto seres humanos e poderem libertar-se das amarras e compreender o sofrimento enquanto fonte de crescimento. Não acredita que o propósito final das nossas vidas seja viver em sofrimento mas sim descobrir qual o nosso sentido de vida e missão. O tema do luto especialmente na infância, é algo em que gosta de ajudar as suas crianças como gosta de lhes chamar pois ela própria viveu um luto na sua infância e gostaria de ter recebido o apoio que presta aos mais novos. Page 5 of 5