GÁS NATURAL E ENERGIA ELÉTRICA: FLUINDO EM MONOPÓLIO. Edvaldo Alves de Santana



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Transcrição:

GÁS NATURAL E ENERGIA ELÉTRICA: FLUINDO EM MONOPÓLIO 1. Anotações iniciais Edvaldo Alves de Santana As anotações aqui delineadas têm como foco a avaliação de um aspecto de certa forma negligenciado no custo da energia elétrica, que é formação do custo do combustível utilizado pelas termelétricas. Termelétricas, a propósito, sem as quais, não tenho a menor dúvida, já teríamos há meses entrado em um racionamento de grandes proporções, o que mostra a grande importância estratégica de tais empreendimentos e da constituição dos seus custos. A principal conclusão das anotações é que o custo do combustível para a produção da energia elétrica é fortemente associado com práticas monopolistas, algumas motivadas em razões históricas, que são agravadas com a previsibilidade da demanda residual, aquela que para ser atendida é essencial o uso de combustíveis fósseis. Além disso, a dinâmica de evolução do uso desses combustíveis no setor elétrico brasileiro (SEB), sempre de utilização não prioritária, ajuda a explicar um certo desprezo na determinação de parâmetro tão relevante para a eficiência na operação do sistema elétrico e, consequentemente, para as tarifas. São tantos e tão graves os problemas por que passa o SEB que poucos se dão conta de que boa parte dos seus elevados custos de operação decorre de um aparato regulatório que convive bem com os danosos efeitos do poder de monopólio. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, com mercados razoavelmente competitivos, o custo médio de uma usina termelétrica (UTE) a gás natural gira entre US$ 45/MWh e US$ 50/MWh, e este valor incorpora investimento (50%), combustível mais operação e manutenção (outros 50%). No Brasil, se for tomada por base a Nota Técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que fundamentou a revisão do Programa Mensal de Operação da semana operativa que começou em 08 de agosto de 2014, existem 22 UTE, de um conjunto de 37, em que apenas o Custo Variável Unitário (CVU) já ultrapassa de R$ 200/MWh, e uma delas, a ciclo combinado, tem CVU maior do que R$ 578/MWh. E não fica apenas nisso: outra UTE, dessa vez a ciclo simples, tem CVU de R$ 733/MWh, o que me parece um enorme exagero dado que não tenho outro adjetivo para qualificar a prática. Mas por que isso acontece? Uma das explicações tem razão histórica, isto é, estaria relacionada à evolução do uso de combustíveis fósseis no SEB. Nos primórdios, as UTE eram tidas como complementares às hidrelétricas, portanto com muito pouca relevância em termos de custo, dado que o sistema era predominantemente hidrelétrico. Neste contexto, pouco se dava importância ao valor do CVU, tendo em vista que as UTE eram pouco acionadas e, quando o eram

(e já chegamos à segunda explicação), os custos correspondentes eram repartidos entre todos os consumidores, em uma modalidade tarifária denominada de custo médio ou custo do serviço. Naquela época, e foi assim até o final dos anos 1990, o custo do combustível, mesmo no sistema interligado nacional (SIN), era titulado na Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC), que antes era utilizada para subsidiar o consumo do carvão natural do sul do Brasil. Em outras palavras, como o objetivo era o fomento ao uso do carvão natural, importante para o setor siderúrgico até os 1990, o custo do combustível era negligenciado para efeitos da busca de custos eficientes para o sistema elétrico, um costume que, inexplicavelmente, se consolidou. Depois disso, com a introdução da livre comercialização no início dos anos 2000, e do que se pensou seria um mercado, o preço spot, ou o preço do mercado à vista da energia elétrica, passou a ter como base o custo marginal de curto prazo, ou seja, o custo unitário do último recurso energético a ser acionado para atender à carga. Assim, se, em uma determinada semana, é necessário o acionamento, por ordem de mérito, de 13.000 MW médios de UTE e a última delas é a UTE Araucária, o custo marginal de curto prazo será R$ 578,08/MWh. Perdão por uma primeira e rápida digressão teórica, mas o custo marginal é uma relação entre a variação do custo total quando se varia a quantidade. Contudo, se separarmos o custo total em fixo e variável, não é difícil descobrir que, como o custo fixo total não varia com a quantidade (senão não seria fixo), então o custo marginal pode ser entendido como a simples variação do custo variável em relação à variação na quantidade de energia, o que explica o uso do CVU como uma proxy do custo marginal de cada UTE. Adicionalmente, em uma UTE, o combustível responde por mais de 90% do total dos custos variáveis, razão pela qual o CVU é sinônimo de custo do combustível. Volto à dinâmica de evolução do SEB. Dentro dessa nova circunstância, o custo do combustível passou a ser variável-chave para a definição do preço da energia no mercado spot, mas nem por isso sua fixação deixou de ter um caráter simplista, sendo apenas mais uma informação elementar prestada pelo proprietário da usina, que, na maioria das vezes é o mesmo fornecedor do combustível, em uma verticalização que, sem qualquer controle do poder de monopólio, pode resultar em condutas prejudiciais à eficiência na operação do sistema elétricas, dados os custos disso decorrentes. É exatamente isso que tento mostrar nestas anotações. 2. CVU e poder de monopólio um costume nem um pouco razoável Inicio a segunda parte destas anotações com mais uma análise numérica. Suponha-se que em um determinado mês seja necessário o despacho de 1.300 MW médios, além dos 11.000 MW médios que já estavam acionados. Fariam parte da geração adicional as UTE Mário Covas (520 MW), Araucária (480 MW) e Camaçari (345 MW), cujos CVU são, respectivamente, R$ 463,79/MWh, R$

578,06/MWh e R$ 732,99/MWh. Para atender à ordem de despacho dos 13.000 MW médios, o último recurso acionado teria sido a UTE Mauá B3, cujo CVU é igual a R$ 411,92/MWh, que seria o custo marginal de curto prazo e, por causa disso, definiria o preço de liquidação das diferenças (PLD). Todos esses dados foram retirados da Nota Técnica do ONS que sustentou a última revisão do PMO. Com as UTE adicionais, o PLD passaria para R$ 732,99/MWh, levando o custo total do despacho térmico de R$ 3,8 bilhões para R$ 7,5 bilhões, quase o dobro do custo do despacho anterior. Ou seja, um acréscimo de menos do que 10% na geração térmica provocaria um aumento de quase 100% no montante de custos. Os efeitos disso são bastante perversos na situação atual, de severa escassez de água e de descontratação de parte da carga. Primeiro porque a geração hidrelétrica poderia ser deslocada pelas UTE adicionais, o que implica vultosos custos por tal exposição, tendo em vista que as hidrelétricas teriam que comprar energia no mercado de curto prazo para atender seus contratos. Segundo porque toda a carga descontratada também teria que buscar energia no mercado spot, com custos semelhantes aos dos geradores hidrelétricos. E terceiro porque, depois da MP nº 579/2012, o risco hidrológico dos geradores quotistas aqueles que aderiram às regras da MP são repassados para os consumidores, em valor, obviamente, também relevante. Não é preciso qualquer estudo aprofundado para mostrar que a gigantesca alteração no valor do custo total de geração termelétrica é explicada pela mudança no valor do custo marginal, que passou a ser o CVU da UTE Camaçari, que é 78% superior ao seu correspondente na UTE Mauá B3. Mas faz sentido tamanha variação de CVU? Antes disso: faz sentido tamanho valor apenas para a cobertura do custo combustível? Respondo imediatamente que NÃO, para as duas questões, e explico. Foi destacado no início dessas anotações que, em mercados razoavelmente competitivos, o custo geração com gás natural pode chegar a US$ 50/MWh, ou cerca de R$ 115/MWh, para US$ 1,00 igual a R$ 2,30. Neste padrão, o custo do combustível seria R$ 57,50/MWh, valor só encontrado em um dos blocos da UTE Norte Fluminense, que possui CVU que variam de R$ 37,80/MWh a R$ 346,62/MWh, e nas duas usinas nucleares, o que totalizaria cerca de 2.400 MW. Posso admitir que nossa ineficiência (sinônimo aqui de incompetência) tolere um custo que é o dobro do competitivo, o que levaria o custo aceitável do gás natural (apenas o combustível) para R$ 115/MWh. Neste caso, abrangeríamos uma parte relevante das usinas a carvão mineral e mais oito UTE a gás natural, totalizando mais 3.600 MW, sendo 1.690 MW de térmicas a carvão e 1.910 MW a gás natural, isto porque considerei no conjunto a UTE Termofortaleza, cujo CVU é de R$ 118,51/MWh. Logo, apenas 7.000 MW de UTE (de um total de quase 18.000

MW) seriam enquadrados como empreendimentos com custos competitivos, sendo que delas apenas 4.000 MW seriam usinas que utilizam gás natural. Diversas são as razões para tal resultado na formação do preço do combustível, no caso o gás natural, e uma delas, a histórica, destaquei nas anotações iniciais. Passo a destacar duas outras. Com um pouco mais de conhecimento da matriz de contratação do SEB, percebe-se que as UTE de menores CVU são aquelas que, em 2004, já possuíam contratos de venda de energia com distribuidoras, nos famosos contratos entre partes relacionadas, que até já motivaram duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), uma em Pernambuco e outra na Câmara dos Deputados, e diversas auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Esses contratos foram firmados ainda na época do não menos famoso e criticado Valor Normativo (VN), definido pela ANEEL. Por exemplo, a Norte Fluminense tem CVU entre R$ 37,80/MWh e R$ 102,80/MWh para o bloco 700 MW (de um total de 870 MW de capacidade instalada), enquanto a Termopernanbuco e a Termofortaleza possuem CVU de, respectivamente, R$ 70,16/MWh e R$ 118,51/MWh. Mas há também UTE que no início tinham seus contratos configurados como entre partes relacionadas, como a UTE Juiz de Fora, cujo CVU é R$ 213,84/MWh, mas que tem hoje como característica o fato de pertencer à Petrobrás. A Petrobrás é hoje o principal player na geração de energia por meio de termelétricas, papel que assumiu desde 2000, com o programa prioritário de termeletricidade (PPT), sendo extremamente importante para a viabilidade econômica de tal programa de governo. Sem a Petrobrás, parece-me, talvez tivéssemos a metade do que hoje existe de capacidade instalada de UTE a gás natural. São cerca de 11.000 MW, sendo mais de 6.500 sob controle da Petrobrás, distribuídos em 19 plantas, de um total de 33. De qualquer forma, excluindo-se as UTE L.C. Prestes L1 e Governador Leonel Brizola, todas as demais termelétricas da Petrobrás possuem CVU acima de R$ 213,18/MWh, chegando a R$ 578,06/MWh, como é o caso, repita-se, da UTE Araucária, e grande parte dessas usas usinas já vende energia por meio de leilões regulados. Isto é, os custos estariam muito acima do que chamei no começo de competitivo, dado que uma renda atrativa é obtida só com os contratos regulados. Com efeito, entre 2007 e 2008, quando, por intermédio de um teste, foi constatado que o gás existente nas regiões Sul e Sudeste/Centro Oeste não seria suficiente para gerar a energia que teria sido autorizada para diversas UTE, a Petrobrás, estimulada por uma Portaria do MME, foi obrigada a celebrar Termo de Compromisso com a ANEEL, que contemplava metas rigorosas para comprovação de aumento de garantias físicas, do contrário a empresa sofreria pesadas penalidades, como aconteceu em uma ocasião.

Como boa parte da capacidade instalada da empresa ainda não possuía contratos de longo prazo para a venda de energia, toda sua receita (com o setor elétrico) viria do mercado de curto prazo, situação em que o CVU poderia agregar investimento, um custo fixo, e todos os custos variáveis, o que serviria de incentivo para que o gás natural aparecesse. Porém, mesmo que considerássemos como aceitável o custo de nossa ineficiência (e incompetência) na formação do custo do combustível (R$ 115/MWh), ainda assim o CVU ( brasileiro ) não poderia ultrapassar de R$ 172,50/MWh, que está muito longe do praticado pela Petrobrás (e outros). Retirando as famosas UTE dos contratos entre empresas do mesmo grupo econômico, existem oito usinas que possuem CVU menores do que R$ 172,50/MWh, que somam 3.057 MW, só que apenas duas delas são da Petrobrás e contribuem com 1.444 MW. Convém destacar que um CVU de R$ 172,5/MWh equivale a uma UTE cujo custo médio seria de US$ 75/MWh, ou seja, 50% maior do que o custo efetivamente competitivo. Com um detalhe importante: este valor é apenas 5% menor do que o preço cheio do contrato de venda de energia da Termofortaleza para a COELCE e da Norte Fluminense para a Light, mas é quase 20% maior do que o preço do contrato entre a Termopernambuco e a CELPE. Mais: é também um valor acima da faixa de preços dos leilões regulados (de UTE) realizados depois da Lei n 10.848, de 2004, portanto um valor dentro do praticável, com todas as gorduras. A situação atual é bastante perigosa (e grave), sobretudo quando se leva em conta uma visão do futuro. E aqui peço licença para mais uma digressão acadêmica, que é uma simples discussão entre a previsibilidade da demanda residual e seus efeitos sobre o poder do monopólio do agente verticalizado. Suponha-se a Figura 1 abaixo: R$/MWh D P* DR P S 0 MWh

Fig. 1: Efeitos da demanda residual Em tal figura, a curva S representaria a curva de oferta de energia, enquanto a D denotaria a demanda que seria atendida em situação normal, ou seja, na ausência de regimes hidrológicos muito desfavoráveis. A demanda é assumida como dada, por isso é paralela ao eixo das ordenadas, o que é bastante razoável, pois, no Brasil, o programa de operação é elaborado para atender a uma demanda também dada conhecida. A demanda DR, por outro lado, é aquela que só é atendida com o acionamento de UTE com custos maiores, o que resulta em um aumento relevante de preço, que passa de P para P*. A diferença, medida no eixo das abcissas, entre DR e D é a demanda residual, que aqui será denominada de D. Admitindo-se que os agentes de geração atuem em um mercado em que boa parte de suas receitas resulta da venda de energia no mercado de curto prazo do contrário o CVU, necessariamente, teria que ser muito baixo -, então eles teriam interesse em ser cada vez mais despachados, o que, de alguma forma, estimularia uma certa competição. Esta competição é ainda maior quando os ofertantes não sabem, ex-antes e com precisão, o valor de DR, ou seja, quando a D é estocástica. Sucede que, no Brasil, não só uma única empresa detém parcela significativa do mercado (60% das UTE a gás natural), como ela também é responsável pelo suprimento de quase 95% do combustível, mesmo considerando o gás natural liquefeito (GNL). Ou seja, são ínfimas as chances de que uma competição direta estimule preços eficientes. O mais grave de tudo isso é que, desde 2010, a carga não é atendida sem o acionamento de termelétricas, o que torna a demanda residual previsível. Em outras palavras, os geradores termelétricos já sabem com antecedência que a demanda total não será atendida sem uso de boa parte de suas usinas, o que lhes aumenta, de forma muito significativa, o poder de monopólio. Assim, na medida em que D se torna conhecida, maior tende a ser a área do grande retângulo da Figura 1, tendo em vista que maior tende a ser o valor do próprio D e, mesmo que isso não aconteça, maior tende a ser pressão por maiores CVU, portanto maior P*, que se afastará cada vez mais de P, o que é muito danoso para os consumidores e para os geradores hidrelétricos que serão deslocados. Traduzindo tudo isso em números, se, durante 2014, os CVU já fossem os competitivamente aceitáveis (que já incorporam um perdão pela ineficiência), o custo dos 11.000 MW médios de UTE a gás natural despachados ao longo de todo o ano seria R$ 16,6 bilhões, para um CVU de R$ 172,50/MWh, e não R$ 55,7 bilhões que se pode esperar para um CVU de R$ 578,06/MWh, da UTE Araucária.

Acho que tamanha diferença não é desprezível, por isso o tema não pode mais ser negligenciado. Ressalte-se que ao volume de termelétrica a gás natural devem ser adicionados os cerca de 2.000 MW do parque nuclear e mais 2.300 MW do carvão competitivo, o que aumentaria (muito) mais ainda o total das despesas. É bem verdade que nem todo esse custo seria transformado em aumento de tarifas, uma vez que uma parte importante das termelétricas foram contratadas por disponibilidade, situação em que quando o PLD é maior do que o CVU esta diferença é revertida em prol da modicidade das tarifas. Outra parte relevante do custo total (entre 7 e 10%) é de responsabilidade dos geradores expostos, o que também reduz a conta para o consumidor final, mas dificilmente o custo total ficaria abaixo da casa das dezenas de bilhões de Reais, considerando os volumes de energia do exemplo aqui utilizado, que não são precisos, mas da mesma ordem de grandeza. Vejam que resultado interessante: como o despacho de termelétricas, de acordo com o algoritmo de otimização validado pela ANEEL, não depende só da função dos custos atuais, mas também de uma função de custo futuro (encerro aqui as teorias ), então menores CVU implicam mais termelétricas de custos bem menores acionadas com maior frequência, o que é uma importante contribuição para preservar mais água nos reservatórios, só que agora com custos totais sensivelmente inferiores. Na prática, o custo total de gerar 5.500 MW médios ao longo de 12 meses, com o uso de UTE com CVU de até R$ 115/MWh, é mais do que 3,7 vezes mais barato do que acionar 16.500 MW médios, uma vez que o CVU passaria para R$ 578,06/MWh, sem contar a estabilidade dos custos marginais durante o ano. Logo, não seria razoável se continuar a conviver com uma certa indulgência com CVU que nem de longe se aproximam de valores minimamente competitivos, o que requer mudanças urgentes. 3. Anotações finais As anotações aqui organizadas não têm a menor pretensão de ser uma crítica ao governo, à Petrobrás, à ANEEL ou à ANP, até porque seu autor foi diretor da ANEEL por oito anos e superintendente de mercado por mais de cinco. É, antes de tudo, uma análise sensata e independente, onde se assume com humildade que se há problemas os mesmos precisam ser equacionados. É fácil a solução do problema? Nem um pouco. Envolve uma situação que faz parte da dinâmica de evolução do SEB, em que sempre se acreditou que as termelétricas seriam complementares e que, portanto, seus custos variáveis poderiam ser desprezados ou de pouca importância. E seriam de pouca importância (também) porque a premissa prevista em lei é de os consumidores

estariam 100% contratados, logo nunca expostos aos custos marginais de curto prazo. Vê-se, agora, que nada disso é verdade: o sistema já não é mais hidrotérmico, mas sim quase que termohidro, como bem mencionou recentemente o Diretor-Geral do ONS, nem os consumidores sempre estarão 100% contratados, pois suas compras dependem da eficácia do governo e de uma sistemática de leilão. Também é complexa a equação porque há um grave problema de fronteira regulatória e até de conflitos de leis. O gás natural não é regulado pela ANEEL, mas sim pela ANP, e, o que é mais grave, é de livre comercialização a molécula do combustível, cabendo regulação apenas para seu transporte. Em apertada síntese, as condições são as ideais para condutas monopolistas, não só da Petrobrás, agravada pela previsibilidade na estimativa da carga que só ser atendida com uso das termelétricas. A rigor, a volatilidade dos custos marginais e as incertezas, até 2010, quanto ao uso da termeletricidade, podem ter influenciado os valores do CVU, dado que as empresas precisavam recuperar seus investimentos com a venda esporádica de energia no mercado spot. Outras explicações técnicas com toda certeza existirão, mas é difícil que uma delas justifique um CVU, para uma UTE a gás natural e a ciclo combinado, igual a US$ 251/MWh, cinco vezes o custo total de uma termelétrica competitiva. O uso da termeletricidade deve ser ainda intenso ao longo de 2014 e também em 2015, pelo menos, e cuidados com os dados de entrada são essenciais. A julgar pela semana operativa que começou no dia 16/08/2014, com mais de 1.700 MW médias de UTE despachadas fora da ordem de mérito, outros aspectos devem ser examinados, como a indisponibilidade de usinas termelétricas de grande porte, de custos, ainda que muito elevados para padrões competitivos, menores do que o de diversas outras. Com efeito, na semana em referência verifica-se que as UTE A. Chaves (226 MW), M. Covas (480 MW), Santa Cruz 34 (436 MW) e P. Médice (126 MW), dentre outras, estavam indisponíveis por declaração do agente, o que é previsto nas normas. Porém, três dessas UTE, as de menores CVU (entre R$ 115,90/MWh e R$ 310,41/MWh), agregariam quase 800 MW médios à oferta e reduziriam o Custo Marginal de Operação (CMO) para menos de R$ 600/MWh, contra os mais de R$ 700/MWh da semana operativa. Parece-me uma redução que não deve ser desprezada, o que exige enorme rigor no exame dessas declarações de indisponibilidade, como sempre acontece (o rigor) com o parque nuclear, também indisponível na mesma semana. No mais, limitar o CVU de termelétricas a valores competitivos implicaria cutucar uma onça muito feroz com uma vara bastante curta, tendo em vista que já estão consolidadas as posições monopolistas para a fixação de tal parâmetro, o que tornaria os obstáculos à missão do regulador quase que intransponíveis,

sobretudo do ponto de vista político. No entanto, não tenho a menor dúvida de que vale à pena tentar e é muito mais coerente e consistente do que simplesmente procurar modificar a forma de cálculo do PLD. O custo marginal é a única maneira de alocação dos recursos energéticos (ou qualquer recurso) de forma eficiente, situação em que não se deve abandonar mais de 200 anos de fundamentos econômicos apenas para buscar um caminho fácil, por exemplo, do simples cálculo de uma média. Entendo que é muito mais efetivo a correção dos dados de entrada, isto é, trabalharmos com rigor na definição dos CVU, nem que para isso seja necessário o uso de dados de outras economias e, o que é extremamente prudente, uma transição, por exemplo, de 24 meses. Como havia limitação de espaço para estas anotações, deixei de lado o caso do carvão e dos combustíveis líquidos, também monopolizados, mas adianto que os resultados estariam na mesma direção, isto é, de que há espaço considerável para a economia de bilhões de Reais apenas com a definição de custos aceitavelmente competitivos, que também incorporariam uma boa parcela para nossa incompetência. Como a vara é curta e a onça é muito brava, recomendo o uso de luvas de aço e de proteção divina. Porém, se os pecados não dão certeza da ajuda das divindades e se as luvas não cabem nas mãos, uma boa dose de humildade (para reconhecer e negociar), de perseverança (para buscar o correto, ainda de forma árdua) e de independência (para dar consistência aos resultados) é um bom caminho a ser trilhado. Edvaldo Alves de Santana é Doutor, desde 1993, em Engenharia de Produção, Professor Titular (aposentado) da UFSC, já tendo orientado mais de 20 teses de doutorado sobre o setor elétrico. Na ANEEL foi um dos seus diretores por oito anos, sendo também superintendente de estudos do mercado entre 2000 e 2005, época em que o mercado foi estruturado e passou a funcionar. Sua publicação científica pode ser encontrada na internet, incluindo publicações em periódicos internacionais e nacionais de primeira linha, como a Estudos Econômicos, da USP, Revista Brasileira de Economia, da FGV, e a Pesquisa e Planejamento Econômico, do IPEA.