Sialólito gigante em ducto de Wharton: um caso distinto e revisão da literatura

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Recebido em 07/06/13 Aprovado em 01/08/13 V13N4 Sialólito gigante em ducto de Wharton: um caso distinto e revisão da literatura Giant sialolith in Wharton s duct: case report and literature review Pedro Everton Marques Goes I Valthierre Nunes de Lima II Francisco Samuel Rodrigues Carvalho III Sormani Bento Fernandes de Queiroz IV Igor Batista Camargo V RESUMO A sialolitíase é uma condição clínica relativamente comum, caracterizada pela obstrução da glândula salivar ou de seu ducto excretor por um cálculo, o qual recebe a denominação de sialolito. Pode ocorrer em qualquer faixa etária, apresentando leve predileção pelo gênero masculino e afeta, principalmente, a glândula submandibular. O diagnóstico é pela correlação entre achados clínicos e radiográficos, sendo as radiografias oclusal e panorâmica as mais adequadas para esse fim. Os sialolitos geralmente apresentam tamanho menor que 1 cm, embora raramente possam medir mais que 1,5 cm, os quais são denominados de sialolitos gigantes. O presente artigo relata um caso raro de sialolito gigante situado na região anterior do ducto de Wharton, o qual foi removido cirurgicamente por via intraoral, através de incisão no soalho bucal. O tratamento instituído mostrou-se adequado visto que, após 8 meses de acompanhamento, o paciente evoluiu de maneira satisfatória. Descritores: sialolitíase, cálculos das glândulas salivares, sialodenite. 71 ABSTRACT The sialolithiasis is a relatively common clinical condition characterized by obstruction of the salivary gland or its excretory duct by a calculus, which receives the name of sialolith. It can occur in any age group, with a slight predilection for masculine gender and affects mainly the submandibular gland. The diagnosis is made by the correlation between clinical and radiographic findings, and occlusal and panoramic radiographs are the most suitable for this purpose. The sialoliths usually feature size less than 1 cm, but can rarely measure more than 1.5 cm, which are called giant sialoliths. This article reports a rare case of giant sialolith located in the anterior region of Wharton s duct, which was removed surgically by intraoral via through of incision in the mouth floor. The treatment was adequate because after 8 months follow up, the patient progressed satisfactorily. Descriptors: sialolithiasis, salivary gland calculi, sialadenitis. I. Graduado em Odontologia pela UFC-CE II. Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial pela UNIPE-PB III. Residente em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial pela UFC-CE IV. Mestre em Patologia Oral pela UFRN-RN, Cirurgião Buco-maxilo-facial pela UNESP- Araraquara/SP V. Doutorando em CTBMF pela FOP/UPE, Capitão-Dentista Cirurgião BMF do Exército Brasileiro em Recife (HMAR) e no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena em João Pessoa (HETSHL) ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out./dez. 2013.

GOES et al. 72 Introdução A litíase salivar é uma condição relativamente comum, caracterizada pela obstrução da glândula salivar ou de seu ducto excretor por um cálculo, o qual recebe a denominação de sialólito. Na maioria dos casos, essa condição está associada com edema, dor e infecção da glândula afetada, resultando em ectasia salivar e posterior dilatamento glandular. 1 Do ponto de vista epidemiológico, a sialolitíase pode ocorrer em qualquer idade, embora raramente afete crianças. Apresenta, ainda, ligeira predileção pelo gênero masculino. O sítio mais frequentemente afetado é a glândula submandibular, seguida da glândula parótida, da glândula sublingual e das glândulas salivares menores que representam localizações mais raras, pouquíssimos casos ocorrem com manifestação bilateral (Tabela 1). O tamanho do cálculo apresenta ampla variação, podendo ocorrer tamanhos inferiores a 1mm até alguns centímetros de comprimento. 10 A grande maioria dos sialólitos apresenta dimensões inferiores a 10 mm, comprimentos superiores a 15 mm são raros, e, quando tal condição é vista, denomina-se sialólito gigante. 11 Diversas hipóteses e fatores etiológicos têm sido relatados acerca de sua gênese, como fatores mecânicos, inflamatórios, químicos, neurogênicos, infecciosos, etc. De qualquer forma, parece que a combinação dessa variedade de fatores leva à precipitação de fosfalto tricálcico amorfo, que, uma vez cristalizado e transformado em hidroxiapatita, resulta no foco inicial. 12 Sialólitos localizados nos dois terços anteriores do ducto de Wharton são facilmente palpados intraoralmente, e, frequentemente, em um exame radiográfico complementar poderá ser confirmado o diagnóstico. 1 No entanto, outros exames de imagem podem ser utilizados de forma complementar, como a ultrassonografia, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada. 13 O tratamento padrão consiste na remoção do cálculo por acesso intraoral quando este estiver localizado no sistema ductal ou extirpação da glândula quando da localização intraglandular. 13 Todavia, existe uma série de tratamentos alternativos que têm dado resolutividade a essas alterações, dentre os quais podemos citar litotripsia por ondas de choque intra ou extracorporal, remoção com sialoendoscopia, intervenção com aparato radiológico e remoção cirúrgica conservadora. 14 Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo relatar um caso de um sialólito gigante, situado na região anterior do ducto de Wharton, procurando discutir os diversos aspectos do diagnóstico e tratamento. Tabela 1 - Séries de casos Autor (ano) N de casos M (%) F (%) Sm (%) Par (%) SI (%) D (%) E (%) Bilateral (%) Levy (1962) 2 180 58,9 41,1 80 19 1 48,9 48,9 2,2 Defabians (1969) 3 78 58,7 41,3 79,5 14,1 6,4 48,7 51,3 0 Antognini (1971) 4 396 69,2 30,8 91,4 8,3 0,3 51,4 48,6 0 Yoel (1975) 5 481 54,9 45,1 87 12 1 50,9 47,2 1,9 Pizzirani (1985) 6 102 66,7 33,3 92,2 7,8 0 39,2 59,8 1,1 Mela (1986) 7 215 64 36 100 0 0 47,4 52,1 0,5 Lustman (1990) 8 245 49,4 50,6 94,3 4,5 0,4 50,2 47,7 1,2 Kevin (2011) 9 153 49 51 125 28 0 54,8 43,1 2,1 Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out/dez. 2013 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online).

Relato de Caso Paciente do sexo masculino, feoderma, 60 anos de idade apresentou-se ao serviço de Prótese do CEO Regional do município de Russas-CE, buscando reabilitação oral. A anamnese permitiu identificar doença de chagas e hipertensão como comorbidades e, ainda, o uso corrente dos medicamentos Losartana de Potásssio, Anlodipino e Hidroclorotiazida. O exame inicial realizado pelo protesista revelou glândula submandibular direita palpável e endurecida; logo o paciente foi encaminhado ao Setor de Cirurgia Oral. O exame físico extraoral não apresentou alterações dignas de nota, no entanto, ao exame intraoral, observou-se a presença de aumento de volume no soalho de boca, do lado direito, na região do ducto da glândula submandibular, com diminuição da salivação em manobra de ordenha, porém sem a presença de secreção purulenta (Figura 1). O exame de palpação revelou a presença de nódulo duro, móvel, situado na região anterior do soalho bucal. Realizou-se, então, exame radiográfico, panorâmico o qual revelou uma massa radiopaca, de formato cilíndrico, medindo aproximadamente 27,7 mm de comprimento por 15,6 mm de largura (Figura 1). A correlação dos achados clínico-radiográficos levou ao diagnóstico de sialólito gigante no ducto de Wharton. Após avaliação médica relativa às suas doenças de base, o paciente foi submetido a procedimento cirúrgico, sob anestesia local, para remoção do cálculo. Fezse incisão no soalho bucal, seguida de dissecção romba, a qual possibilitou a visualização direta do espécime que foi prontamente removido por pinçamento. Após a remoção, observou-se que o sialolito tinha o comprimento semelhante à lâmina de bisturi número 15 (Figura 2). Seguiu-se, então, procedimento de síntese através de sutura com pontos interrompidos utilizando fio de seda 3.0. Fez-se prescrição de anti-inflamatório e analgésico para controle da pós-operatória. O paciente foi avaliado 07 dias após a cirurgia (Figura 3). Atualmente, o paciente encontra-se com 08 meses de acompanhamento clínico e apresenta quadro estável. Figura 1 - Aspecto Clínico e radiográfico. Observar tamanho e localização do cálculo. Figura 2 - Remoção cirúrgica. Figura 3 - Pós-operatório de 07 dias. Discussão A sialolitíase representa a maior causa das doenças obstrutivas das glândulas salivares, estando envolvida em, aproximadamente, dois terços dos casos. 14 Os sinais e sintomas relacionados costumam ser a dor, edema, xerostomia e, devido ao processo obstrutivo, sialoadenite de cunho infeccioso. GOES et al. 73 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out./dez. 2013.

GOES et al. 74 A glândula submandibular representa o sítio de ocorrência mais comum, e isso não ocorre por acaso: existem, pelo menos, cinco fatores que interligados explicam essa alta frequência: o ducto de Wharton apresenta trajeto longo e sinuoso; a drenagem de saliva na glândula submandibular ocorre contra a gravidade; a secreção salivar apresenta ph mais alcalino que a produzida na parótida. Trata-se de uma glândula com secreção predominantemente mucosa, e as taxas de fosfato e cálcio da saliva submandibular são maiores que nas outras glândulas. 15 Apesar de a sialolitíase ser uma doença relativamente comum, sialólitos gigantes são de ocorrência rara. Em revisão literária, considerando-se publicações entre os anos de 1942 e 2007, foram relatados apenas 16 casos, sendo que um deles apresentava um sialólito de 70 mm de comprimento, o qual mostrava forma semelhante a um ovo de galinha. 1 Os sialólitos gigantes são mais prevalentes no gênero feminino e localizam-se, principalmente, no sistema ductal (Tabela 2). Sialólitos de grande extensão geralmente estão associados à dor e possível sialodenite infecciosa. 22 No presente caso, o cálculo apresentava 27,7 mm, porém se mostrava assintomático. O que explica essa ausência de queixa álgica é que, durante a manobra de ordenha, observou-se diminuição do fluxo salivar e não completa interrupção, visto que a dor está associada aos casos de obstruções completas que acabam evoluindo para um processo infeccioso com consequente drenagem de material purulento. A exata etiopatogênese do cálculo salivar permanece incerta, embora a literatura apresente uma ampla variedade de hipóteses. Sabe-se que sua ocorrência resulta de deposição de sais de cálcio ao redor de complexo orgânico inicial, que consiste de mucinas salivares alteradas, bactérias e células epiteliais descamadas. Na formação do cálculo, a estase intermitente produz uma troca dos elementos mucoides da saliva, que forma um gel. Esse gel reproduz um ambiente ideal para deposição de sais e substâncias orgânicas, criando o sialólito. Teorias tradicionais sugerem que o processo ocorre em duas fases: a formação de um núcleo central e, depois, a gênese das camadas periféricas. O núcleo central é formado por sais precipitados, os quais são unidos por certas substâncias orgânicas, e, uma vez formado, servirá como base para deposição de material orgânico e inorgânico, que, compactados, formarão as camadas periféricas. 23 Assim como ocorre no diagnóstico da maioria das afecções, para a sialolítiase, a clínica é soberana. Portanto, um exame clínico criterioso e uma anamnese descritiva são importantíssimos para a identificação e o planejamento do tratamento. Du- Tabela 2 - Relatos de Sialólitos Gigantes Autor (ano) Gênero Idade Glândula Localização Tamanho (mm) Isacsson (1982) 15 Masculino 48 Sm Ducto 36 Tinsley (1989) 16 Masculino 48 Sm Parênquima 50 Hubar (1990) 17 Masculino 65 Sm Ducto 52 Akin (1991) 18 Masculino 45 Sm Parênquima 45 Paul (1995) 19 Masculino 45 Sm Ducto 45 Bodner (2002) 12 Masculino 50 Sm Ducto 50 Raveenthiran (2004) 20 Feminino 10 Sm Ducto 35 Ledesmma (2007) 1 Masculino 34 Sm Ducto 36 Rai (2009) 21 Masculino 60 Sm Ducto 72 Serrano (2009) 22 Masculino 69 Sm Ducto 20 Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out/dez. 2013 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online).

rante a inspeção intraoral, o aspecto mais frequente é de um aumento de volume em regiões que alojam glândulas salivares ou seu sistema ductal, sobre esse aumento de volume a mucosa apresenta-se com cor e textura dentro dos padrões de normalidade, embora, em alguns casos, possam ser vistos áreas de hiperemia. 24 É necessário que seja feito um diagnóstico diferencial desse aumento de volume, visto que essa alteração é também característica do diabetes, síndrome de Sjögren e nos casos em que há grande atrofia mandibular, pois a glândula submandibular pode tornar-se superficializada, mostrando aumento de volume relativo facilmente, confundido com patologias. O exame de palpação bimanual do assoalho bucal representa uma manobra importante no diagnóstico. 10 O que se espera encontrar é um nódulo de consistência endurecida que apresenta certo grau de mobilidade. No momento desse ato, pode ser realizada a manobra de ordenha da glândula para avaliar o nível de obstrução do fluxo salivar. Por se tratar de uma alteração calcificada, o estudo radiográfico é imprescindível para a conclusão diagnóstica. O exame radiográfico convencional é o método mais simples e mais utilizado. A radiografia panorâmica e, principalmente, a radiografia transoral oclusal fornecem as melhores imagens para a identificação. Nos casos de sialólitos radiotransparentes, pode ser usada a sialografia, que consiste de uma tomada radiográfica convencional realizada após injeção de contraste na área a ser insvestigada. 10 A ultrassonografia tem sido usada com sucesso, na detecção de sialólitos. A capacidade de detecção é maior nas localizações intraglandulares do que para os cálculos que se encontram nos ductos salivares, principalmente os de menores dimensões. Em estudo clínico realizado com 19 pacientes que apresentavam cálculo salivar (12 na glândula submandibular e 7 na parótida), esse exame mostrou grau de acurácia maior que 90%. A imagem sialográfica por ressonância magnética é um método diagnóstico não invasivo, relativamente novo, que tem sido usado na detecção de cálculos. A imagem é obtida após a injeção de contraste, sem utilizar radiação ionizante. Uma importante vantagem dessa técnica é apresentação da anatomia estrutural correta da glândula, permitindo o localização exata do cálculo. 13 O tratamento de escolha é a remoção cirúrgica do cálculo ou da glândula afetada (cálculo intraglandular) por acesso intraoral, e, na maioria das vezes, sob anestesia local. A técnica consiste de incisão no assoalho, seguida de dissecção romba para acesso direto. Uma manobra que facilita a remoção dos cálculos ductais e deve ser realizada antes da incisão é a utilização de um ponto de reparo posteriormente ao sialólito. Isso impedirá que, durante a manipulação cirúrgica, este venha a deslocar-se acidentalmente, para o interior da glândula, o que implicaria tratamento mais agressivo. Após a remoção, deve ser suturada a mucosa, mas de forma não oclusiva, para que a drenagem salivar não seja interrompida. Nos casos de sialólitos pequenos, o paciente pode ser aconselhado a fazer uso de dieta estimulante da salivação, como alimentos cítricos, associada com massagens periódicas, as quais podem gerar a saída espontânea do cálculo. Algumas técnicas menos agressivas têm sido citadas no tratamento da sialolitíase, como litotripsia por ondas de choque intra ou extracorporal, remoção com sialoendoscopia, intervenção com aparato radiológico e remoção cirúrgica conservadora. A mais utilizada é a litotripsia por ondas de choque. A técnica consiste na aplicação de ondas de choque intra ou extracorporalmente, para que ocorra uma partição do cálculo em fragmentos menores que serão expelidos de forma conservadora. Na técnica extracorpórea, as ondas são geradas de modo piezoelétrico ou eletromagnético. Entretanto, na técnica intracorpórea, são utilizados instrumentos GOES et al. 75 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online) Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out./dez. 2013.

GOES et al. 76 eletro-hidráulicos, pneumáticos ou laser endoscópico. Uma dieta rica em proteína e líquidos e, principalmente, alimentos e bebidas ácidas têm sido indicados na prevenção da formação dos cálculos. Considerações Finais A pesquisa literária realizada demonstra que a sialolitíase é uma afecção comum, de patogênese incerta, que tem os achados clínico-radiográficos como determinantes para o diagnóstico e apresenta tratamentos variados, dentre os quais o mais utilizado é a remoção cirúrgica por acesso intraoral. Os sialolitos gigantes são de ocorrência rara, e, devido aos aspectos inerentes à sua forma, não podem ser tratados de modo conservador, sendo a remoção cirúrgica o tratamento de escolha. No presente caso, o plano de tratamento mostrou-se adequado considerando que o paciente apresenta acompanhamento clínico de 8 meses e, durante esse período, evoluiu de maneira satisfatória. Referências 1. Ledesma-Montes C, Garcés-Ortìz M, Salcido- Garcìa JF, et al. Giant sialoloth : case report and review of the literature. J Oral Maxillofac Surg 2007; 65: 128-30. 2. Levi DM, Remine WH, Devine KD. Salivary gland calculi. JAMA 1962; 181:1115-9. 3. Defabianis E, Roccla GM. Considerazioni clinico-statistiehe su 78 casi di calcolosisalivate. Minerva Stomatol 1969; 18;682-93. 4. Antognini F, Giuliani R, Magagnoli PP, Romagnoli D. Clinical Statystical Study of sialolithiasis Mondo Odontostomatol Mondo Odontostomatol 1985ç 27:41-51. 5. Yoel J. Pathology and surgery of the salivaryglands. Springfield IL: Charles C. Thomas, 1975; 364-83, 854-901, 1148. 6. Pizzirani C, Capuano A, Gemesio B, Simondi R. Considerazioni clinico-statistiche su 102 casi di calcolosi salivare. Mondo Odontostomatol 1985; 27: 41-51. 7. Mela F, Berrone, Giordano M. Considerazioni clinicostatistiche sulla scialolitiasi sottomandibolare. Minerva Stomatol Minerva Stomatol 1986: 35: 571-3.1986: 35: 571-3. 8. Lustmann J,Regev E, Melamed. Sialolithiasis. A survey on 245 patients and a review of the literature. Int. J. Oral Maxillofac. Surg 1990; v. 19; 135-138. 9. Kevin C, David WE. Etiologic Factors in Sialolithiasis Head and Neck Surgery 2011;145(6): 935 939. 10. Giacomo O,Rosa MP, Marco C. Giant Salivary Gland Calculi (GSGC): Report Of Two Cases Op Dentistry J 2011; 5: 90-95. 11. Paolo B, Cesare G. Surgical Treatment of a Giant Sialolith of the Wharton Duct J Craniofac Surg 2010;21: 134-135. 12. Bodner L. Parotid sialolithiasis. J Laryngol Otol 1999; 113: 266-67. 13. Andretta M, Tregnaghi A, Prosenikliev V, Staffieri A. Current opinions in sialolithiasis diagnosis and treatment Acta Otorhinolaryngol Ital 2005; 25: 145-149. 14. Capaccio P, Torretta S, Ottaviani F, Sambataro G,Pignataro L.Modern management of obstructive salivary Diseases Acta Otorhinolaryngol Ital 2007;27:161-172. 15. Isacsson G, Nils-Erik P.The gigantiform salivary calculus. Int J Oral Surg 1982;11;135. 16. Tinsley G. An extraordinarily large asymptoma- Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac., Camaragibe v.13, n.4, p. 71-78, out/dez. 2013 ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online).

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