Justiça Restaurativa: uma mudança de paradigma e o ideal voltado à construção de uma sociedade de paz



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Transcrição:

Justiça Restaurativa: uma mudança de paradigma e o ideal voltado à construção de uma sociedade de paz O mundo e as sociedades de todos os países atravessam os tempos pósmodernos e, neste âmbito, enfrentam novos problemas e desafios em todos os campos das relações humanas, daí emergindo a violência e a criminalidade que tanto assuntam as pessoas. E, dentro deste panorama, crescem os apelos populares e os debates em busca de uma solução eficaz a combater o crime, que, no mais das vezes, acabam por concluir pela necessidade de punições mais severas aos transgressores. Mesmo acreditando que as mudanças são possíveis muito mais a partir do fazer do que do pedir, e, ainda, que a solução para a problemática não virá com propostas simplistas como a mudança das leis, não pretendo, aqui, deixar críticas àqueles que pugnam pela ampliação do poder estatal de punir, mesmo porque, tenho que as pessoas, preocupadas com o atual quadro de desestrutura social, legitimamente estão se esforçando para pensar sobre instrumentos capazes de defender a própria sociedade contra o crime. E, como há milênios, seguimos sempre a mesma fórmula, ou seja, responder ao delito com uma violência estatal, aquela da pena prevista na lei, mostra-se natural que a população deposite suas esperanças e sua fé nesse caminho tão conhecido de todos. Ocorre que o paradigma punitivo não vem apresentando, nesses novos tempos, os resultados que dele se espera, quais sejam, impedir, por um lado, que pessoas ingressem no mundo da criminalidade, e, por outro, promover a ressocialização daqueles que já cumpriram suas penas, de forma que não voltem para a vida delituosa. Assim porque, desde 1990 até o presente momento, ao passo em que a população brasileira pouco mais do que dobrou, o número de aprisionados nas cadeias observou aumento de cerca de 480%, ou seja, quase cinco vezes. Ademais, os índices de reincidência condenados que cumprem suas penas e tornam a praticar delitos gira em torno de 70% a 80%. É chegada a hora, portanto, de deixarmos a discussão fundada sobre mais ou menos do mesmo e repensarmos o caminho trilhado até então, discutindo a própria eficácia do sistema punitivo para fins de combate da criminalidade e, ao mesmo tempo, buscarmos novas formas de pensar e agir que, efetivamente, possam resolver o problema da violência, sem retroalimentá-la, o que passa necessariamente pela busca da compreensão, pelo atendimento das necessidades, pela oportunidade e pela responsabilização consciente.

Todos nós, enquanto seres humanos, acreditamos necessitar de reconhecimento, tanto por parte de nossa comunidade e de nossa família como no íntimo de cada indivíduo, e, assim, precisamos ocupar um espaço e um lugar na sociedade que nos faça reconhecer a nós próprios com alguma utilidade e finalidade, como alguém. Todavia, muitas pessoas não encontram os desejados poder e reconhecimento social a partir de um caminho do bem e da paz nas artes, no esporte, nos estudos, em uma profissão, e é compreensível mas não aceitável que assim aconteça dentro das suas circunstâncias de vida, nas quais, muitas vezes, sofrem agressões desde o útero materno, são privadas de oportunidades e desestimuladas pelos familiares e pela realidade a procurar por uma melhor situação. E, assim, não é difícil entender porque tantos jovens, principalmente, buscam o reconhecimento e o poder no caminho da transgressão e da violência. A propósito, ser violento é a forma mais antiga do homem de se reconhecer com poder, desde o tempo das cavernas, em que o líder era aquele que impunha a sua vontade e subjugava os demais. Esse jovem que se entende como um ninguém, que tem uma autoestima baixa, transgride as normas tão-somente para ser reconhecido, para mostrar aos outros e a si próprio que ele existe no mundo e que ostenta algum poder, sobre as demais pessoas, mas, principalmente, sobre si próprio. Provavelmente, nunca tenha ele experimentado tal atenção quando não fazia coisas ruins e era mais um dentre tantos, ou, na sua concepção, um menos em meio a tantos mais do que ele. Por outro lado, o transgressor cria uma série de verdades e desculpas para se entender correto em ter feito aquilo que fez, como forma, inclusive, de apagar a culpa que lhe é imputada e que, por vezes, sente, o que, em não raras oportunidades, gera o ódio contra aqueles a quem prejudica, raiva essa que bloqueia a compaixão e o reconhecimento do erro. Quando o transgressor é submetido a um procedimento judicial, seja o da Justiça Criminal, ou, ainda, aquele da Vara da Infância e Juventude o que, resguardadas as devidas proporções, também se verifica nos demais procedimentos de natureza punitiva instaurados em outras instituições, em primeiro lugar, esse ofensor não se responsabiliza por nada. Ele é chamado em uma audiência apenas para contar sobre o que aconteceu, mas, durante todo o tempo, outros profissionais falam por ou para ele, o advogado, o promotor e,

por fim, o juiz julga qual é a pena ou a medida socioeducativa adequada para o caso de acordo com a lei. Mesmo porque, no paradigma punitivo, as perguntas feitas são: Quem fez? Transgrediu a lei? Teve culpa? Em caso positivo, qual a pena merecida? Nesse cenário, não importa o que teria levado o infrator a se enveredar pelo caminho da transgressão, tampouco como seria possível atender às necessidades causadoras da violência para fins de que o ofensor tome um caminho diferente. Em assim sendo, o infrator vem condenado no seio de um procedimento do qual pouco ou nada compreendeu, o que reforça a sua autoimagem negativa, a sensação de ser um nada, e, ainda, garante lastro às desculpas antes formuladas, pois, agora, em sua imaginação, também passa a ser uma vítima do juiz e do gigantesco sistema. Uma vez submetido ao encarceramento, o condenado terá um longo tempo para petrificar tais verdades e aprender que, como acontece ali dentro, tudo se resolve por meio da violência e da força. Não é à toa que as facções criminosas vêm se fortalecendo tanto nos últimos anos e a explicação para isso é justamente o fato de seus integrantes se valerem exatamente dessa verdade com que chega o apenado, dizendo a ele nós todos somos vítimas da sociedade e do sistema, então, venha conosco que nós daremos proteção e, aqui, você será reconhecido. Uma vez condenado, o infrator recebe esse carimbo de criminoso, um estigma que dificilmente ou nunca se apaga, não lhe sendo oportunizado, durante o procedimento penal, voltar atrás em seus passos errados. E, uma vez alcançado o lugar social de criminoso, muito provavelmente o transgressor fará por merecer esse reconhecimento, que, de qualquer forma, garante-lhe uma posição como alguém. A vítima, por sua vez, não encontra espaço, no procedimento penal, para falar sobre o que sente, como ficou a sua vida, por conta do trauma sofrido, e, ainda, não obtém as respostas de que tanto necessita para superar e não apagar o dano psíquico causado pelo crime, o que se mostra fundamental a possibilitar que aquele fato negativo passe a integrar a sua biografia e, assim, a vida siga em frente. A Justiça Restaurativa, portanto, traz uma nova forma de resposta aos conflitos com a lei, uma verdadeira mudança de paradigmas, daquele retributivo (punitivo) para aquele restaurativo, pois, tomando como foco central os danos e consequentes necessidades, tanto da vítima como também do ofensor e da comunidade, trata das obrigações decorrentes desses prejuízos de ordem material e moral, valendo-se, para tanto, de procedimentos inclusivos e

cooperativos, nos quais serão envolvidos todos aqueles que têm interesse na resolução do problema vítima, ofensor, comunidade, Poderes Públicos e sociedade, tudo de forma a corrigir os males e dar um rumo correto àquele caminho que nasceu errado (cf. ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre crime e justiça. São Paulo: Editora Palas Athena, 2008, p. 257. Esta obra escrita pelo norte-americano Howard Zehr é um dos grandes nortes doutrinários da Justiça Restaurativa). Para a Justiça Restaurativa, o ponto fundamental é a busca de novas atitudes diante do erro cometido, a partir do reconhecimento, por parte do ofensor, quanto ao mal praticado, responsabilizando-se ele pela reparação dos danos causados à vítima e à sociedade, e, por outro lado, atendendo-se, também, às necessidades psíquicas, sociais e culturais tanto da vítima quanto do ofensor, de forma a promover a conscientização e responsabilização como orientadores para uma outra cultura de convivência e a possibilidade de um novo caminho pautado pela ética e pela cidadania. Tudo com a participação de famílias e representantes da comunidade, de forma a envolver as partes conflitantes, os respectivos familiares e a sociedade na responsabilidade pela solução dos conflitos e pela busca da paz. Os trabalhos voltados à Justiça Restaurativa desenvolvem-se no âmbito dos chamados círculos de construção da paz, que são espaços seguros de conversação, coordenados por facilitadores preparados a tanto, no qual as pessoas poderão ouvir e serem ouvidas, tranquila e respeitosamente, e, assim, contar as suas histórias e tratar de sentimentos profundos, tais como dor, angústia, tristeza, medo, privação, injustiças. Participam dos círculos, para além dos facilitadores, ofensor, eventual vítima, familiares de cada qual, pessoas da comunidade e representantes de entes públicos e privados. A partir de técnicas próprias que possibilitam a fala e a escuta, o ofensor poderá narrar toda a sua trajetória de vida e expor as necessidades que o levaram a cometer aquele mal. Por outro lado, a vítima também terá espaço para dizer sobre os seus sentimentos e o trauma relacionado ao crime. As pessoas ali presentes contarão suas histórias, o que proporciona ao infrator dois momentos de reflexão. O primeiro deles ocorre quando o ofensor se dá conta de que, mesmo tendo praticado algo ruim, as pessoas não estão ali querendo seu mal, como esperava ele, mas, sim, falando sobre suas próprias vidas e procurando ajuda-lo, o que constrói um canal efetivo de comunicação. Em segundo, ao ouvir sobre a biografia de tais pessoas, e, ainda, a narrativa da própria vítima acerca do trauma e da angústia causados pelo delito, o

infrator poderá compreender que, apesar de tudo o que passou durante a sua história, não tinha o direito de fazer o que fez e, assim, reconhecer o erro. A partir da assunção do erro e da conscientização da responsabilidade, os representantes de entidades ali estarão para estender a mão ao ofensor rompendo-se com a lógica do encaminhamento obrigatório, atendendo às suas necessidades das mais diversas naturezas que, de certa forma, motivaram o comportamento violento, inclusive no que toca ao desejo de reconhecimento, por meio de programas voltados à saúde, à alimentação, ao esporte, às artes, aos estudos e à qualificação profissional. Para maiores detalhes sobre os círculos, confira-se PRANIS, Kay. Processos circulares. São Paulo: Editora Palas Athena. Não nego que essa missão restaurativa seja trabalhosa e difícil, demandando tempo, empenho e a assunção, por parte dos Poderes Públicos e de toda a sociedade, da responsabilidade pela solução dos males. Todavia, dessa forma, restituindo à sociedade parcela do poder que é seu, aquele de fazer justiça, em parceria com o Sistema Judicial, mostra-se possível resolvermos os problemas relativos à violência e à criminalidade, formando jovens conscientes de seus direitos e deveres, e, assim, construirmos uma sociedade justa, voltada para a paz. Muitas vezes, ouço as pessoas dizendo que a Justiça Restaurativa não passa de um sonho, uma utopia inatingível. Todavia, onde foi implementada, na Nova Zelândia, Austrália, Japão, Estados Unidos da América, Canadá, bem como, em algumas localidades do Brasil, a Justiça Restaurativa vem se mostrando apta a garantir novos caminhos de futuro às pessoas, voltados à cidadania e à paz, em um sem número de situações de conflito com a lei. Não é por outro motivo que a do Tribunal de Justiça de São Paulo, da qual faço parte, está implementando a Justiça Restaurativa em alguns pontos do Estado. Mas, a pergunta a ser feita por cada um de nós, de forma a promover a reflexão, é a seguinte: o que é realizado há tanto tempo, ou seja, responder à transgressão com uma punição pura e simples, vem se mostrando capaz de debelar a atual situação de violência que atualmente observamos em nossa sociedade? Marcelo Nalesso Salmaso é Juiz de Direito da Comarca de Tatuí e membro da do Tribunal de Justiça de São Paulo.