Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha: estudo comparativo entre surdos e ouvintes em idade escolar

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Transcrição:

Artigo Original Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha: estudo comparativo entre surdos e ouvintes em idade escolar Balance and gait evaluation: comparative study between deaf and hearing students Renato de Souza Melo 1, Polyanna Waleska A. da Silva 2, Rafael Miranda Tassitano 3, Carla Fabiana S. T. Macky 4, Lícia Vasconcelos C. da Silva 5 RESUMO Objetivo: Avaliar o equilíbrio corporal e a marcha de escolares surdos e ouvintes e comparar os dados entre os grupos, considerando o sexo e a faixa etária da amostra. Métodos: Estudo de corte transversal que avaliou 44 escolares surdos e 44 ouvintes, na faixa etária de sete a 17 anos. A avaliação do equilíbrio e das características da marcha foi realizada por meio da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, e a velocidade da marcha, pelo teste Timed Up and Go. Para a análise dos dados foram utilizadas duas abordagens estatísticas: para o equilíbrio (teste t de Student) e para a marcha (teste do qui-quadrado ou exato de Fisher). Resultados: A avaliação do equilíbrio não demonstrou diferenças significativas entre os grupos, os sexos e as faixas etárias, apesar de os escolares surdos apresentarem menor desempenho clínico nas categorias avaliadas. Na avaliação das características da marcha, os resultados apontaram diferenças significativas entre os grupos (p), os sexos (p) e todas as faixas etárias: 7-10 anos (p=0,022) e 11 17 anos (p). Com relação à velocidade da marcha, os resultados demonstraram diferenças entre os grupos apenas para o sexo feminino (p=0,027) e na faixa etária entre 7 10 anos anos (p). Conclusões: Escolares surdos apresentaram alterações na marcha e maior risco para quedas quando comparados aos ouvintes. Palavras-chave: criança; equilíbrio postural; marcha; perda auditiva neurossensorial; surdez. ABSTRACT Objective: To evaluate the body balance and gait of deaf and hearing students and to compare data between groups, considering the gender and the age of the sample. Methods: This cross-sectional study evaluated 44 deaf students and 44 hearing ones aged seven to 17 years-old. The evaluation of balance and gait characteristics was performed using the Tinetti Balance and Mobility Scale and the gait velocity with the test Timed Up and Go. For data analysis, two statistical approaches were applied: the Student s t-test to evaluate balance and the chi-square or Fisher s exact test to evaluate gait. Results: The results from the balance evaluation did not show significant differences between groups, genders or age groups; however, the deaf scholars had worse performance on clinic balance in all categories. In the evaluation of gait characteristics, there were significant differences between groups (p<0.001), genders (p<0.001), and age groups: 7 10 years-old (p=0.022) and 11 17 years-old (p<0.001). With respect to gait speed, results showed significant differences between groups only for female students (p=0.027) aged 7 10 years-old (p<0.001). Instituição: Associação Caruaruense de Ensino Superior (ASCES), Caruaru, PE, Brasil 1 Mestrando em Fisioterapia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil 2 Especialista em Fisioterapia Traumato-Ortopédica pela Faculdade Integrada do Recife, Recife, PE, Brasil 3 Doutorando em Nutrição pela UFPE; Docente do Curso de Educação Física da ASCES, Caruaru, PE, Brasil 4 Mestre em Ciências Biológicas pela UFPE; Docente do curso de Fisioterapia da ASCES, Caruaru, PE, Brasil 5 Doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFPE; Docente do curso de Fisioterapia da ASCES, Caruaru, PE, Brasil Endereço para correspondência: Renato de Souza Melo Rua Antônio Falcão, 482 apto. 604 Boa Viagem CEP 51020-240 Recife/PE E-mail: renatomelo10@hotmail.com Conflito de interesse: nada a declarar Recebido em: 17/9/2011 Aprovado em: 22/2/2012

Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha: estudo comparativo entre surdos e ouvintes em idade escolar Conclusions: Deaf students presented changes in gait and higher risk of falls compared with the hearing ones. Key-words: child; postural balance; gait; hearing loss, sensorineural; deafness. Introdução O sistema vestibular é um órgão que detecta as sensações do equilíbrio corporal, sendo importante no relacionamento espacial do corpo humano com o ambiente que o cerca (1). Para obter um equilíbrio corporal satisfatório, é necessário que os sistemas sensoriais apresentem perfeita integração e regulação (2,3). Situado na orelha interna, o sistema vestibulococlear apresenta dupla função, sendo a cóclea responsável pela audição e o vestíbulo, pelo equilíbrio (4). No entanto, a capacidade de ouvir é, na verdade, uma característica secundária, visto que a responsabilidade primária do órgão auditivo é manter o equilíbrio corporal (5). Quando o sistema vestibular apresenta algum tipo de distúrbio, o equilíbrio corporal humano pode ser afetado, como é o caso de alguns indivíduos com perda auditiva sensorioneural (6). Uma vez que o sistema vestibular e a cóclea são órgãos anatomicamente muito próximos e podem ser suscetíveis aos mesmos agentes nocivos, é razoável presumir que muitas crianças surdas passam apresentar problemas vestibulares concomitantes à perda auditiva sensorioneural (7-9). Além disso, estudos têm demonstrado que a hipoatividade do sistema vestibular é um achado frequente em avaliações otoneurológicas de crianças com perda auditiva sensorioneural, o que poderia causar, nestas crianças, transtornos vestibulares (10,11). Os distúrbios vestibulares na infância não são tão raros e podem afetar a aquisição de habilidades motoras ou interferir, principalmente, na integração sensorial do sistema vestibular. Crianças com distúrbios vestibulares podem referir sensação de desequilíbrio, dificuldades na marcha e apresentar manifestações como quedas, tonturas, vertigens e esbarrões, dificultando, assim, a aquisição de habilidades típicas da idade, tais como: andar de bicicleta, pular corda ou amarelinha e, até mesmo, utilizar brinquedos do parque infantil (12). Diante do exposto, as crianças com perda auditiva sensorioneural parecem apresentar alterações nas informações sensoriais provenientes do sistema vestibular, como consequência da lesão na orelha interna. Isso pode favorecer a presença de alterações de equilíbrio, de dificuldades para coordenação motora e da realização de tarefas e funções que dependem do equilíbrio para serem executadas, como a marcha. Apesar de tais evidências, são escassos os dados na literatura sobre o equilíbrio e, sobretudo, a marcha de escolares surdos quando comparados aos ouvintes, justificando a realização do presente estudo. Este teve como objetivo avaliar o equilíbrio corporal e a marcha de escolares surdos e ouvintes na faixa etária entre sete e 17 anos e comparar os dados entre os grupos, considerando o sexo e a faixa etária da amostra. Método Trata-se de um estudo de corte transversal desenvolvido de fevereiro a julho de 2009. Para a delimitação do tamanho amostral, realizou-se um levantamento prévio junto à gestora do Centro de Reabilitação e Educação Especial Rotary, que é uma escola voltada ao ensino de crianças e adolescentes com necessidades especiais, com o intuito de identificar o número de escolares surdos matriculados na faixa etária pretendida pelo estudo e os que se enquadravam nos critérios de inclusão e de exclusão. Desse modo, observou-se que a possibilidade de pareamento, de acordo com o sexo e a faixa etária, só seria possível em 44 escolares, visto que existia uma maior predominância de um gênero e de algumas faixas etárias, dificultando a ampliação da amostra deste estudo. A mesma quantidade de escolares foi estipulada para a formação do grupo de ouvintes e o pareamento entre os dois grupos. Assim, participaram 88 voluntários, sendo 44 escolares com perda auditiva sensorioneural e 44 ouvintes, entre sete e 17 anos. Os escolares foram recrutados a partir de uma amostra de conveniência, pareados por sexo e idade e selecionados por meio de um sorteio realizado por suas professoras, as quais não tinham conhecimento das características do estudo. Os sorteios foram realizados na própria sala de aula, diante dos alunos e dos pesquisadores. Os escolares surdos foram recrutados do Centro de Reabilitação e Educação Especial Rotary, e os ouvintes, da Escola Duque de Caxias, ambas pertencentes à rede estadual de ensino, situadas no mesmo bairro no município de Caruaru, em Pernambuco. Os escolares foram divididos em dois grupos: Grupo O (ouvintes) e Grupo S (surdos). Os critérios de inclusão no estudo para ambos os grupos foram: estar regularmente matriculado em uma das escolas colaboradoras 386

Renato de Souza Melo et al com a pesquisa; apresentar a faixa etária pretendida pelo estudo; ter o termo de consentimento livre e esclarecido devidamente assinado pelo pai ou responsável do voluntário; e, exclusivamente para os surdos, dominar a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e possuir laudo médico com diagnóstico clínico de perda auditiva do tipo sensorioneural. O Grupo O foi composto por 44 escolares ouvintes, sendo 22 do sexo masculino e 22 do feminino, com dois representantes de ambos os sexos por idade. Os critérios de exclusão adotados para este grupo foram: presença de deficiência neurológica, física, auditiva, visual ou mental e a discrepância em membros inferiores maior que 2 cm, obtida por meio dos testes de medida real e medida aparente de membros inferiores. O Grupo S, formado por 44 escolares surdos, sendo 22 do sexo masculino e 22 do feminino, também incluiu dois representantes de ambos os sexos por idade. Os critérios de exclusão para este grupo foram: presença de deficiência neurológica, física, visual ou mental e valor maior que 2 cm de discrepância em membros inferiores, durante os testes de medida real e medida aparente dos membros inferiores realizados previamente pelos avaliadores. Para a aquisição dos dados dos critérios de inclusão e exclusão do presente estudo foram consideradas as informações relatadas pelos pais dos escolares, durante a entrevista com os pesquisadores, além daqueles obtidos na ficha escolar do aluno, cedidos aos pesquisadores pelas gestoras das escolas. Os procedimentos que antecederam a avaliação do equilíbrio corporal e da marcha foram previamente explicados pelos pesquisadores: aos voluntários ouvintes, de forma oral, e aos voluntários surdos, por meio da LIBRAS. Os escolares de ambos os grupos foram avaliados pelos fisioterapeutas deste estudo utilizando a Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti (13) e o teste Timed Up and Go (14). A Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti (13) compreende duas escalas, sendo uma para a avaliação do equilíbrio corporal e outra para as características da marcha. A escala de equilíbrio possui nove itens, os quais contêm componentes do equilíbrio estático e dinâmico e avaliam a função de equilíbrio isoladamente, a partir das seguintes observações: o equilíbrio sentado, levantando, tentativas de levantar, equilíbrio em pé, teste dos três tempos, olhos fechados, girando 360 e voltando a sentar. Já a escala de marcha apresenta sete itens que avaliam o início da marcha, o comprimento e a altura dos passos, a simetria e a continuidade dos passos, a direção, o posicionamento do tronco e a distância dos tornozelos. A escala completa possui um escore total de 28 pontos, sendo 16 referentes ao equilíbrio corporal, e 12, à marcha. Dessa forma, a escala permite avaliar o desempenho do voluntário considerando as funções do equilíbrio corporal e da marcha associadamente, estabelecendo o nível de mobilidade e o risco para quedas. Nesse sentido, indivíduos que atingem escores abaixo de 19 pontos apresentam alto risco para quedas; entre 19 e 24, moderado; e, acima de 24, não apresentam risco para quedas (15). A velocidade da marcha foi avaliada segundo o teste Timed Up and Go (14). Por meio de um cronômetro digital, marcou-se o tempo gasto (segundos) para o avaliado levantar-se de uma cadeira sem braços, andar por uma distância de 3m em direção à outra cadeira, dar a volta em torno dela, voltar em direção à inicial e sentar-se novamente, sem qualquer assistência de outra pessoa, realizando o teste com os pés descalços. De acordo com o teste, os voluntários que conseguem realizar todo o percurso em dez segundos são classificados como independentes para a marcha. Já os que realizam o teste em um tempo acima de dez segundos são considerados dependentes para a marcha. Os dados foram analisados por duas abordagens estatísticas. Para a análise dos dados da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, utilizou-se o teste t de Student. Já para a análise dos dados do teste Timed Up and Go foram aplicados o qui-quadrado ou o Exato de Fisher, adotando o nível de significância estatística de p<0,05. Para análise estatística dos dados, utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.5. Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Caruaruense de Ensino Superior (ASCES), de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Resultados O estudo avaliou o equilíbrio corporal e a marcha de 44 escolares surdos e 44 ouvintes, com média de idade de 12±3 anos em cada grupo. Considerando os componentes de equilíbrio e de marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, os resultados apontaram que os escolares surdos apresentaram desempenho no equilíbrio semelhante aos ouvintes. Por outro lado, as características da marcha diferiram entre os grupos (Tabela 1). 387

Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha: estudo comparativo entre surdos e ouvintes em idade escolar Na comparação do equilíbrio, de acordo com o sexo, os resultados não demonstraram diferenças significativas, embora o grupo de escolares surdos tenha apresentado menor média no desempenho do equilíbrio do que o de ouvintes (Tabela 2). Tabela 1 - Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti entre os escolares surdos e ouvintes da amostra n Média DP Escala de equilíbrio Surdos 44 13,6 1,0 0,470 Ouvintes 44 14,8 0,9 Escala de marcha Surdos 44 9,9 1,3 Ouvintes 44 11,8 0,5 Escala completa Surdos 44 23,6 1,9 Ouvintes 44 26,7 1,2 DP: desvio padrão Quando a avaliação do equilíbrio considerou a faixa etária da amostra, a maior diferença na média entre os grupos ocorreu entre 11 e 14 anos (Tabela 3), porém, os resultados não apresentaram significância estatística entre os grupos em nenhuma faixa. Na avaliação da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, os escolares surdos demonstraram desempenho inferior quando comparados aos ouvintes, apresentando diferenças significativas (Tabela 1). Considerando a variável sexo na avaliação da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, os escolares ouvintes masculinos apresentaram média mais elevada quando comparados aos surdos, com significância estatística. O mesmo ocorreu com o sexo feminino (Tabela 2). Comparando-se a avaliação da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, de acordo com a faixa etária, o grupo dos escolares surdos apresentou o pior desempenho entre os grupos etários, mostrando diferenças entre as médias em todas as idades (Tabela 3). Tabela 2 - Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti entre os escolares surdos e ouvintes, de acordo com o sexo Escala de Equilíbrio Escala de Marcha Escala Completa Média DP Média DP Média DP Masculino Surdos 13,5 0,9 9,5 1,1 23,0 1,7 0,691 Ouvintes 14,6 0,9 11,9 0,5 26,5 1,2 Feminino Surdos 13,7 1,1 10,3 1,3 24,1 1,9 0,469 Ouvintes 15,0 0,9 11,8 0,5 26,9 0,9 DP: desvio padrão. 0,025 0,056 Tabela 3 - Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti entre os escolares surdos e ouvintes, de acordo com a faixa etária Escala de Equilíbrio Escala de Marcha Escala Completa Média DP Média DP Média DP 7 a 10 anos Surdos 13,4 0,9 9,8 1,2 23,4 1,4 0,403 0,022 0,254 Ouvintes 14,6 1,0 11,8 0,7 26,3 1,3 11 a 14 anos Surdos 13,3 0,9 9,7 1,3 23,0 1,9 0,549 0,002 Ouvintes 15,0 0,8 11,9 0,3 26,9 0,9 15 a 17 anos Surdos 14,2 1,1 10,4 1,3 24,6 2,0 0,296 0,002 Ouvintes 14,9 0,8 11,9 0,3 26,8 0,9 DP: desvio padrão 388

Renato de Souza Melo et al Os resultados da pontuação total da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, que demonstram o desempenho da amostra referente aos componentes do equilíbrio e da marcha juntos, bem como o risco para quedas, apontaram diferenças entre os grupos estudados (Tabela 1). Considerando a variável sexo na pontuação total da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti, foi demonstrado que os escolares ouvintes de ambos os sexos obtiveram melhores médias durante as avaliações que os escolares surdos. No entanto, apenas o sexo masculino apresentou diferenças significativas e risco moderado para quedas (Tabela 2). De acordo com a faixa etária, os resultados da pontuação total da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti demonstraram um melhor desempenho dos ouvintes em relação aos surdos a partir dos 11 anos de idade. Com relação ao risco para quedas, os escolares surdos com idades entre 11 e 14 anos apresentaram risco moderado (Tabela 3). Quanto à avaliação da velocidade da marcha, mensurada pelo desempenho no teste Timed Up and Go, os resultados apontaram que 17 escolares surdos (38,6%) mostraram-se dependentes para a marcha, enquanto 10 ouvintes (22,7%) classificaram-se como dependentes. Apesar de os escolares surdos apresentarem um número maior de dependentes para a marcha, não houve diferenças entre os grupos (p=0,10). Considerando o sexo na avaliação da velocidade da marcha entre os grupos, o masculino apresentou o mesmo desempenho, entretanto, o desempenho do feminino apontou diferenças significativas (Tabela 4). Com relação à avaliação da velocidade da marcha e das faixas etárias entre os grupos, os resultados apontaram diferenças significativas apenas na faixa etária entre sete a dez anos. Outro dado importante observado nos resultados do desempenho do grupo dos surdos no teste Timed Up and Go, considerando a variável faixa etária, foi que quanto menor a faixa etária dos escolares surdos avaliados, maior o nível de dependência para a marcha apresentado. O nível de dependência para a marcha diminuiu à medida que a faixa etária aumentou (Tabela 5). Discussão Segundo Mauerberg-de-Castro (16), a perda auditiva sensorioneural afeta não somente a audição e, consequentemente, a fala, mas também compromete as vias sensoriais responsáveis pelo equilíbrio corporal humano. Entretanto, os resultados obtidos neste estudo referentes ao equilíbrio corporal de escolares surdos contradizem tal afirmação. Neste estudo, o desempenho do equilíbrio corporal de escolares surdos demonstrou pequena diferença do ponto de vista clínico Tabela 4 - Classificação dos escolares surdos e ouvintes na avaliação da velocidade da marcha do teste Timed Up and Go de acordo com o sexo Gênero Masculino Tabela 5 - Classificação dos escolares surdos e ouvintes na avaliação da velocidade da marcha do teste Timed Up and Go de acordo com a faixa etária Faixa etária 7 a 10 anos Teste Timed Up and Go Dependentes Independentes n % n % Surdos 11 68,8 5 31,2 Ouvintes 1 6,3 15 93,7 11 a 14 anos Surdos 4 25,0 12 75,0 Ouvintes 3 18,8 13 81,2 15 a 17 anos Dependentes n % Teste Timed Up and Go Independentes n % Surdos 6 27,3 16 72,7 Ouvintes 6 27,3 16 72,7 Feminino Surdos 11 50,0 11 50,0 Ouvintes 04 18,2 18 81,8 Surdos 2 16,7 10 83,3 Ouvintes 6 50,0 6 50,0 1,000 0,027 0,500 0.097 quando comparado ao dos ouvintes. Porém, essa diferença não foi estatisticamente significante, bem como não foi observada quando se comparavam os grupos de acordo com o sexo e com a faixa etária, similar aos achados de Gayle e Pohlman (17). Estes autores avaliaram o equilíbrio estático e dinâmico de 40 escolares, sendo 20 surdos e 20 ouvintes, com média de idade de dez anos, e concluíram não existir diferenças no equilíbrio considerando as variáveis sexo e faixa etária entre os grupos. De acordo com Potter e Silverman (18), crianças surdas podem aprender a compensar possíveis déficits do sistema vestibular utilizando outros órgãos e sistemas responsáveis pela regulação do equilíbrio em um mecanismo de adaptação. Tal afirmativa poderia justificar o achado do presente estudo referente à semelhança no desempenho 389

Avaliação do equilíbrio corporal e da marcha: estudo comparativo entre surdos e ouvintes em idade escolar do equilíbrio corporal entre os grupos. Destaca-se, entretanto, que a função vestibular dos voluntários não foi avaliada. Por outro lado, alguns estudos, utilizando métodos diferentes, demonstraram diferenças significativas no equilíbrio corporal de escolares surdos e ouvintes (19,20). O grupo de escolares surdos deste estudo, embora não tenha apresentado prejuízo significativo no equilíbrio corporal analisado isoladamente, demonstrou desempenho inferior durante a avaliação da marcha. O desempenho da marcha dos escolares demonstrou diferenças significantes entre os grupos, os sexos e as faixas etárias. As alterações mais evidentes na marcha referem-se à altura dos passos e ao comportamento do tronco. Durante a avaliação da marcha, observou-se que a maioria das crianças surdas apresentava tendência à flexão de tronco, similar ao notado por Mauerberg-de-Castro (16), que analisou de forma qualitativa a locomoção de 20 crianças surdas por meio de filmagens e concluiu que elas apresentam flexão do tronco durante a locomoção, com passadas curtas e irregulares. Além das adaptações no tronco, grande parte dos escolares surdos deste estudo não retirava o pé do chão na marcha (fase de balanço), ou seja, não realizava as etapas da marcha consideradas normais (índice calcanhar-dedo). Durante a marcha, as crianças surdas arrastavam os pés no solo e apresentavam passadas curtas, permanecendo, sempre com apoio duplo (fase de apoio) na marcha. Perry e Burnfield (21) acreditam que indivíduos com déficits vestibulares necessitam de maior segurança na locomoção, representada pelo aumento do apoio duplo na marcha, como forma de melhorar a manutenção do equilíbrio. Apesar da semelhança no desempenho do equilíbrio corporal observada entre surdos e ouvintes neste estudo, os achados da Escala de Equilíbrio e Mobilidade de Tinetti completa sugerem que a função de mobilidade, que considera o equilíbrio associado à marcha, está prejudicada nos surdos, elevando o risco de quedas. Esses dados poderiam justificar os achados referentes à velocidade da marcha observada nos escolares surdos do estudo. Durante a avaliação da velocidade da marcha, notou-se que o grupo dos surdos apresentou menor desempenho comparado aos ouvintes. No entanto, apenas a faixa etária entre sete e dez anos contou com números significativos, o mesmo ocorrendo com o sexo feminino. Estudos relatam que indivíduos com disfunção vestibular andam em passos curtos, com a base de suporte alargada, viram em bloco e receiam movimentos repentinos (22,23) para evitarem o surgimento de sintomas indesejáveis, como tonturas e vertigens, devido à disfunção vestibular. Além disso, habilidades na posição de equilíbrio são prejudicadas e a velocidade da marcha é reduzida em pacientes com disfunção vestibular (24,25). Sendo assim, um aspecto que poderia contribuir para a elucidação das diferenças com relação à marcha no grupo de escolares surdos está nos achados encontrados por Gonçalves et al (26). Os autores avaliaram a atividade do sistema vestibular de 42 crianças surdas na faixa etária entre quatro e sete anos e verificaram que a diminuição da função vestibular pode variar de 49 a 95% nas provas calóricas e rotatórias. Outros estudos também relataram que a hipoatividade do sistema vestibular é um achado frequente em avaliações otoneurológicas em crianças com perda auditiva sensorioneural (27,28), o que poderia justificar o baixo desempenho na marcha dos escolares surdos deste estudo. Considerando esses dados, acredita-se que toda criança com diagnóstico clínico de perda auditiva sensorioneural deveria se submeter a exames vestibulares, independentemente da idade e do sexo, mesmo na ausência de vertigens ou tonturas (29). Uma das maiores contribuições deste estudo foi fornecer dados acerca das características da marcha de crianças surdas comparadas às ouvintes, visto que há uma escassez de dados na literatura. Vale ressaltar que não foi investigada a função do sistema vestibular na população, sendo esta uma limitação para qualquer conclusão sobre o acometimento do sistema vestibular no presente estudo. O equilíbrio corporal é indispensável para as etapas do desenvolvimento neuromotor infantil, está presente em toda interação da criança com o ambiente durante as atividades diárias e, principalmente, nas brincadeiras infantis. Desse modo, as crianças com perda auditiva sensorioneural podem apresentar atraso no desenvolvimento neuromotor e dificuldades em algumas habilidades motoras, referir desconforto em determinadas brincadeiras típicas da idade e, principalmente, apresentar dificuldades de equiparação e interação com outras crianças da mesma faixa etária e sexo. Esses dados ressaltam a necessidade de desenvolver programas preventivos e medidas terapêuticas adequadas, ainda no ambiente escolar, buscando adequar e/ou aprimorar o desempenho motor, a marcha e, assim, a qualidade de vida dos escolares surdos, prevenindo quedas e maiores morbidades nesta população. A fisioterapia pode intervir nos distúrbios vestibulares da infância, com atuação em escolas, instituições que atendem esta população e em equipes multiprofissionais, 390

Renato de Souza Melo et al o que reforça a importância do fisioterapeuta no ambiente escolar e no acompanhamento do desenvolvimento neuromotor de escolares surdos (30). Concluiu-se que os surdos em idade escolar não demonstraram diferenças significativas no equilíbrio corporal comparados aos ouvintes, apesar de apresentarem menor desempenho clínico em todas as categorias avaliadas. Tal dificuldade parece apresentar-se de modo mais significativo em atitudes dinâmicas, como, por exemplo, na marcha. Com relação à marcha de escolares surdos, observou-se que a mesma apresentava algumas alterações, principalmente em aspectos relacionados ao comprimento do passo, ao comportamento do tronco e à sua velocidade, podendo se associar ao aumento do risco de quedas nessa população. Tais alterações podem ter relação com o acometimento do sistema vestibular, possivelmente em decorrência da lesão na orelha interna. Agradecimentos Ao gestor da Gerência Regional de Educação do Agreste Centro-Norte Caruaru, Antônio Fernando Santos Silva, pelo consentimento para realizar a pesquisa; às gestoras e às professoras do Centro de Reabilitação e Educação Especial Rotary e da Escola Duque de Caxias, pelo espaço cedido aos pesquisadores para a coleta dos dados; aos pais, que concordaram com a participação dos seus filhos nesta pesquisa, e aos escolares que participaram do estudo. Referências bibliográficas 1. Wiener-Vacher SR. Vestibular disorders in children. Int J Audiol 2008;47:578-83. 2. Guyton AC, Hall JE. Tratado de fisiologia médica. 8 th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1992. 3. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MS, Ganança FF. Tonturas na criança e no adolescente. Rev Bras Med Otorrinolaringol 1995;2:217-42. 4. Mangabeira Albernaz PL, Ganança MM, Caovilla HH, Ito YI, Novo NF, Juliano Y. Aspectos clínicos e terapêuticos das vertigens. Acta AWHO 1986;5:49-109. 5. Northern JL, Downs MP. 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