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Transcrição:

Karl Popper (Viena, 1902-1994) Texto 1: Os mundos 1,2 e 3 Por «mundo 1» entendo aquilo a que geralmente se chama mundo da física: o mundo das rochas, das árvores e dos campos físicos das forças. Incluo aí também os mundos da química e da biologia. Por «mundo 2» entendo o mundo psicológico. ( ). É o mundo dos sentimentos de medo e de esperança, das disposições para agir e de todas as espécies de experiências subjetivas, incluindo as experiências subconscientes e inconscientes. ( ). Por «mundo 3» entendo o mundo dos produtos do espírito humano ( ) obras de arte, bem como valores éticos e instituições sociais, ( ), problemas científicos e teorias ( ). Popper, Universo Aberto Texto 2: As fontes de conhecimento: crítica de Popper ao Empirismo e ao Racionalismo. (...) escolas empiristas e racionalistas (...) sustento que estejam erradas, embora eu mesmo seja um racionalista e um empirista. Mas acredito que, embora tanto a razão como a observação desempenhem funções importantes, essas funções pouco se assemelham às que os seus defensores clássicos lhes atribuíam. Mais precisamente, procurarei demonstrar que nem a observação nem a razão podem ser descritas como fontes do conhecimento, no sentido em que até hoje têm sido definidas. Mas quais são, nesse caso, as fontes do conhecimento? A resposta, creio, é a seguinte: (...). Não há fontes do conhecimento. Todas as fontes são bem-vindas; e todas as fontes estão abertas ao exame crítico. (...). (...) a mais importante fonte do conhecimento é a tradição ( ): todo o conhecimento tradicional está aberto ao exame crítico (...) Sem a tradição o conhecimento seria impossível. ( ). Nem a observação nem a razão são autoridades. A intuição intelectual e a imaginação são muito importantes (...) Popper, Conjecturas e Refutações

Texto 3: Crítica de Popper à teoria da indução A base da teoria da indução é a de que aprendemos através de informações que vêm de fora. A base da minha crítica à indução é a de que nós aprendemos através da nossa actividade que nos é inata, através de uma série de estruturas que nos são inatas e que estamos aptos a desenvolver... A indução torna-nos passivos (...) A aprendizagem autêntica não é indutiva, antes é sempre ensaio e erro (...) Popper, O Futuro está Aberto Texto 4: O Que é a Ciência? (...) a ciência não é a digestão dos dados sensoriais... e que combinamos de um modo ou de outro, que ligamos através de associações e depois transformamos em teorias. A ciência é constituída por teorias, que são obra nossa. Nós fabricamos as teorias, saímos com elas pelo mundo, analisamos o mundo activamente e vemos qual é a informação que lhe podemos extrair, arrancar do mundo (...) perguntamos ao universo se esta ou aquela teoria é verdadeira ou falsa. E em seguida tentamos analisar metodicamente estas questões (...) Na ciência podemos ambicionar atingir a verdade (...) a atitude crítica é essencial na ciência. Assim, primeiro criamos as teorias e depois criticamo-las. Popper, O Futuro Está Aberto Texto 5: Objetivo da ciência Sugiro que o objectivo da ciência é encontrar explicações satisfatórias para aquilo que consideramos precisar de uma explicação. A questão "Que tipo de explicação pode ser satisfatória?" conduz à seguinte resposta: uma explicação em termos de leis universais falsificáveis e testáveis e de condições iniciais. E uma explicação deste tipo será mais satisfatória quanto mais testáveis forem essas leis e quanto melhor tiverem sido testadas. (...) isto significa avançar para teorias com um conteúdo cada vez mais rico e com graus de universalidade e de precisão cada vez mais elevados. (...). Sugiro que as nossas leis ou as nossas teorias devem ser universais, isto é, devem fazer asserções sobre o mundo. Popper, Conhecimento Objetivo

Texto 6: Os Domínios da Ciência: o critério de demarcação. O critério da refutabilidade é a solução para o problema da demarcação, pois afirma que, para serem classificadas como científicas, as assertivas ou sistemas de assertivas devem ser capazes de entrar em conflito com observações possíveis ou concebíveis. Popper, Conjeturas e Refutações Texto 7: Critério para reconhecer uma boa hipótese Consideramos uma dada hipótese preferível a outra quando satisfaz três requisitos: quando explica todos os aspectos que a anterior explicara com êxito; quando evita algumas falhas da hipótese anterior, ou seja, resiste a alguns dos exames críticos que a anterior não resistira; quando explica os aspectos que a antiga hipótese não conseguiu esclarecer. Popper, Um busca de um mundo melhor Texto 8: Critérios para reconhecer uma boa teoria: Para Popper, uma boa teoria, ( ), deve satisfazer três exigências. Em primeiro lugar, é preciso que ela proceda de uma conjectura audaciosa, de uma «ideia simples, poderosa e unificadora» que estabeleça interacções entre os fenómenos que antes não tinham sido relacionados. Em seguida, esta conjectura deve ser «independentemente testável», ou seja, além dos dados que se propõe explicitamente explicar, deve poder produzir outras consequências, outras predições sobre fenómenos ainda não observados. ( ). Por fim, ( ), prescreve que a teoria seja empiricamente posta à prova, que resista a experiências e observações conduzidas com vista à sua falsificação. Carrilho, M. História e Prática das Ciências Uma justificação será objetiva se puder, em princípio, ser submetida a provas e compreendida por todos. Popper, Conhecimento objetivo

Texto 9: Os métodos científicos Começo (...) as minhas lições sobre Método Científico dizendo aos meus alunos que o método científico não existe. (...). O que eu quero dizer é o seguinte: os fundadores do assunto, Platão, Aristóteles, Bacon, Descartes (...) julgavam que existia um método para encontrar a verdade científica. (...). Afirmo que não existe método nenhum científico (...). Não há método científico para descobrir uma teoria científica; não há método para averiguar a verdade de uma hipótese científica, ou seja não há um método de verificação; não há um método para determinar se uma hipótese é provável ou provavelmente verdadeira. (...). Sou da opinião que o chamado método da ciência consiste neste tipo de crítica. As teorias científicas distinguem-se dos mitos unicamente por serem criticáveis. Para concluir, acho que só há um caminho para a ciência (...): encontrar um problema, ver a sua beleza e (...) casarmo-nos com ele ( ). K. Popper, O Realismo e o Objectivo da Ciência Texto 10: A questão da verdade e do progresso da ciência. O progresso contínuo é uma parte essencial (...) do conhecimento científico (...) Ao falar em expansão do conhecimento científico não me refiro à simples acumulação de observações, mas sim à reiterada substituição de teorias científicas por outras (...) mais satisfatórias. Haverá, contudo, algum perigo de que essa necessidade de expansão não seja satisfeita e o progresso científico chegue ao fim? Penso que não, porque a nossa ignorância é infinita. (...) no campo da ciência aprendemos muitas vezes com os nossos erros, por isso podemos falar (...) no progresso científico. Na maior parte dos outros campos de actividade do homem ocorrem mudanças, mas raramente há progresso. (...) critério de progresso: (...) caracteriza como preferível a teoria que nos diz mais (...) que contém mais informação (...) que é logicamente mais forte, que tem maior capacidade explicativa e poder de previsão (...).

Até aqui falei sobre a ciência, seu progresso e critério de progresso, mas não mencionei o conceito de verdade. A ideia de verdade (...) como correspondência com os factos parece ser aceite hoje (...) por todos os que a compreendem. (...) a função da ciência é a busca da verdade, (...), não queremos simplesmente a verdade (...) queremos verdades novas (...). O nosso objectivo como cientistas é descobrir a verdade: precisamos de ver as teorias como tentativas de encontrar a verdade. Ainda que não sejam verdadeiras são importantes aproximações da verdade. Sempre que escrevia ou dizia alguma coisa a respeito da ciência entendida como aproximação da verdade, achava que devia escrever verdade com V maiúsculo, a fim de deixar claro que se tratava de uma noção vazia e metafísica. Popper, Conjecturas e Refutações Texto 11: O progresso da ciência (2) A teoria de Newton unifica a de Galileu e a de Kepler mas, longe de ser uma mera conjunção dessas duas teorias, (...), corrige-as ao mesmo tempo que as explica. Sugiro que, sempre que nas ciências empíricas uma nova teoria com um nível de universalidade mais elevado explica com sucesso uma teoria anterior corrigindo-a, temos um indício seguro de que a nova teoria penetrou mais fundo do que as teorias anteriores. Popper, Conhecimento objetivo

Texto 1: Popper a propósito do cientista Sir John Eccles, Austrália, 1903 - Prémio Nobel da medicina em 1963 - Palavras de Eccles

POPPER, A Vida é Aprendizagem

in Chalmers A., O que é a ciência, afinal, cidade?, Editora Brasiliense, 1993 - Alan Francis Chalmers, Bristol (Inglaterra), 1939 Texto 1. O falsificacionista admite livremente que a observação é orientada pela teoria e a pressupõe. Ele também abandona com alegria qualquer afirmação que fazem supor que as teorias podem ser estabelecidas como verdadeiras ou provavelmente verdadeiras à luz da evidência observativa. As teorias são interpretadas como conjecturas especulativas ou suposições criadas livremente pelo intelecto humano no sentido de superar problemas encontrados por teorias anteriores e dar uma explicação adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo. Uma vez propostas, as teorias especulativas devem ser rigorosa e inexoravelmente testadas por observação e experimento. Teorias que não resistem a testes de observação e experimentais devem ser eliminadas e substituídas por conjecturas especulativas ulteriores. A ciência progride por tentativa e erro, por conjecturas e refutações. Apenas as teorias mais adaptadas sobrevivem. Embora nunca se possa dizer legitimamente de uma teoria que ela é verdadeira, pode-se confiantemente dizer que ela é a melhor disponível, que é melhor do que qualquer coisa que veio antes. Cf. p.56

Texto 2. Boas teorias científicas Uma boa lei ou teoria científica é falsificável porque faz afirmações decisivas sobre o mundo. Para o falsificacionista, quanto mais falsificável for uma teoria melhor ela será, num sentido bem elástico. Quanto mais uma teoria afirma, mais oportunidade potencial haverá para mostrar que o mundo de fato não se comporta da maneira como mostrado pela teoria. Uma teoria muito boa será aquela que faz afirmações bastante amplas a respeito do mundo, e que, em consequência, é altamente falsificável, e resiste à falsificação toda vez que é testada. (a) Marte se move numa elipse em torno do Sol. (b) Todos os planetas se movem em elipses em torno de seus sóis. Os falsificadores potenciais dessa teoria consistem em conjuntos de afirmações referentes a posições planetárias relativas ao Sol em períodos especificados. A teoria de Newton, uma teoria melhor que suplantou a de Kepler, é mais abrangente. Ela consiste nas leis do movimento de Newton mais sua lei da gravidade, esta última afirmando que todos os pares de corpos no universo se atraem mutuamente com uma força que varia inversamente ao quadrado de sua distância. Alguns dos falsificadores potenciais da teoria de Newton são conjuntos de afirmações de posições planetárias em períodos especificados. Mas há muitos outros, incluindo aqueles referentes ao comportamento de corpos em queda e pêndulos, a correlação entre as marés e as localizações do Sol e da Lua, e assim por diante. Existem muito mais oportunidades de falsificar a teoria de Newton que a de Kepler. E, no entanto, conforme a história falsificacionista, a teoria de Newton foi capaz de resistir às falsificações tentadas, estabelecendo assim sua superioridade sobre a de Kepler. Cf. p.61 Texto 3: Teorias audaciosas A teoria geral da relatividade de Einstein era audaciosa em 1915 porque naquela época o conhecimento prévio incluía a suposição de que a luz se desloca em linhas retas. Isto se chocava com uma consequência da relatividade geral, a saber, de que os raios de luz deveriam curvar-se em campos gravitacionais fortes. A astronomia de Copérnico era audaciosa em 1534 porque se opunha à suposição prévia de que a Terra é estacionária no centro do universo. Cf. p.76

Texto 4: Hipóteses falsificáveis e não falsificáveis 1. Nunca chove às quartas-feiras. 2. Todas as substâncias se expandem quando aquecidas. 3. Objetos pesados, como um tijolo, quando liberados perto da superfície da Terra, caem diretamente para baixo se não forem impedidos. 4. Quando um raio de luz é refletido de um espelho plano, o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão. Uma hipótese é falsificável se existe uma proposição de observação ou um conjunto delas logicamente possíveis que são inconsistentes com ela, isto é, que, se estabelecidas como verdadeiras, falsificariam a hipótese. Eis aqui alguns exemplos de afirmações que não satisfazem este requisito e que, consequentemente, não são falsificáveis: 5. Ou está chovendo ou não está chovendo. 6. Todos os pontos num círculo euclidiano são equidistantes do centro. (não é falsificável, pois é logicamente verdadeira). 7. A sorte é possível na especulação esportiva. Cf. p.57/58 Texto 5: Pseudoteorias Um princípio da teoria de Adler é o de que as ações humanas são motivadas por sentimentos de inferioridade de algum tipo. Em nossa caricatura isto é corroborado pelo seguinte incidente. Um homem está parado na margem de um rio traiçoeiro no instante em que uma criança cai no rio, próximo a ele. O homem pode ou não mergulhar no rio numa tentativa de salvar a criança. Se ele mergulhar, o adleriano responde indicando como isso corrobora sua teoria. O homem obviamente precisou superar seu sentimento de inferioridade demonstrando que era corajoso o suficiente para saltar no rio, a despeito do perigo. Se o homem não mergulhar, o adleriano pode também aí reivindicar apoio para sua teoria. O homem estava superando seus sentimentos de inferioridade demonstrando que tinha a força para permanecer na margem, sem se perturbar, enquanto a criança se afogava. Cf. p.59/60

Texto 6: O progresso da ciência O progresso da ciência como o falsificacionista o vê pode ser resumido conforme se segue. A ciência começa com problemas, problemas estes associados à explicação do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo. Hipóteses falsificáveis são propostas pelos cientistas como soluções para o problema. As hipóteses conjecturadas são então criticadas e testadas. Algumas serão rapidamente eliminadas. Outras podem se revelar mais bem-sucedidas. Estas devem ser submetidas a críticas e testes ainda mais rigorosos. Quando uma hipótese que passou por uma ampla gama de testes rigorosos com sucesso é eventualmente falsificada, um novo problema, auspiciosamente bem distante do problema original resolvido, emergiu. Este novo problema pede a invenção de novas hipóteses, seguindo-se a crítica e testes renovados. E, assim, o processo continua indefinidamente. Nunca se pode dizer de uma teoria que ela é verdadeira, por mais que ela tenha superado testes rigorosos, mas pode-se auspiciosamente dizer que uma teoria corrente é superior a suas predecessoras no sentido de que ela é capaz de superar os testes que falsificaram aquelas predecessoras. Cf. P.64/65

Texto 7: Limites do falsificacionismo Se uma afirmação universal ou complexo de afirmações universais constituindo uma teoria, ou parte de uma teoria, entra em choque com alguma proposição de observação, ela pode estar errada. Nada na lógica da situação requer que deva ser sempre a teoria a ser rejeitada na ocasião de um choque com a observação. Uma proposição de observação falível pode ser rejeitada e a teoria falível com a qual ela se choca ser mantida. E exatamente isto que estava envolvido quando a teoria de Copérnico foi mantida e a observação a olho nu de que Vênus não muda de tamanho apreciavelmente no curso do ano, inconsistente com a teoria de Copérnico, foi rejeitada. Um segundo exemplo envolve um argumento por meio do qual o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe alegava ter refutado a teoria coperniciana poucas décadas depois de ela ter sido publicada pela primeira vez. Se a Terra orbita o Sol, argumentava Brahe, então a direção na qual uma estrela fixa é observada da Terra deve variar durante o curso do ano conforme a Terra se move de um lado do Sol para o outro. Mas quando Brahe tentou detectar essa paralaxe prevista com seus instrumentos, que eram os mais acurados e sensíveis na época, ele falhou. Isto levou Brahe a concluir que a teoria copernicana era falsa. A posteriori, pôde-se perceber que não era a teoria coperniciana a responsável pela previsão errada, mas uma das suposições de Brahe. O cálculo de Brahe da distância das estrelas fixas era demasiado pequeno. Quando seu cálculo é substituído por um mais realista, a paralaxe revela-se bastante pequena para ser detectável pelos instrumentos de Brahe. Cf. p. 85

Texto 8: Limites do falsificacionismo: um caso paradigmático A história é sobre um caso imaginário de mau comportamento planetário. Um físico da era pré-einsteiniana toma a mecânica de Newton e sua lei da gravidade, N, como as condições iniciais aceitas, I, e calcula, com sua ajuda, o percurso de um pequeno planeta recentemente descoberto, p. Mas o planeta desvia-se do percurso calculado. Por acaso, nosso físico considera que o desvio era proibido pela teoria de Newton e portanto que, uma vez estabelecido, refuta a teoria N? Não. Ele sugere que deve haver um desconhecido planeta p, que perturba o percurso de p. Ele calcula a massa, órbita etc. de seu hipotético planeta e pede então a um astrônomo experimental que teste sua hipótese. O planeta p é tão pequeno que mesmo os maiores telescópios disponíveis não podem observá-lo; o astrônomo experimental pede uma verba de pesquisa para construir um ainda maior. Em três anos o novo telescópio está pronto. Se o desconhecido planeta p for descoberto será uma nova vitória para a ciência newtoniana. Mas não é. E nosso cientista abandona a teoria de Newton e sua idéia de um planeta perturbador? Não. Ele sugere que uma nuvem de poeira cósmica esconde-nos o planeta. Calcula a localização e as propriedades dessa nuvem e pede uma verba de pesquisa para mandar um satélite testar seus cálculos. Se os instrumentos do satélite (possivelmente de tipo novo, baseados numa teoria pouco testada) registarem a existência da nuvem conjetural, o resultado será visto como uma notável vitória para a ciência newtoniana. Mas a nuvem não é descoberta. O nosso cientista abandona a teoria de Newton, junto com sua ideia do planeta perturbador e a ideia da nuvem que o esconde? Não. Ele sugere que há algum campo magnético naquela região do universo que perturbou os instrumentos do satélite. Um novo satélite é enviado. Se o campo magnético for encontrado, os newtonianos celebrarão uma vitória sensacional. Mas ele não é. Isto é visto como uma refutação da física newtoniana? Não. Ou uma outra engenhosa hipótese auxiliar é proposta ou... a história toda é enterrada nos valores empoeirados de publicações periódicas e a história nunca mais será mencionada. Se esta história é vista como plausível, ela mostra como uma teoria pode sempre ser protegida de falsificação, desviando-se a falsificação para alguma outra parte da complexa teia de suposições. Cf. p. 86

In PAPINEAU, David, Methodology em A. C. Grayling (org.), Philosophy: A Guide Through the Subject, Oxford University Press, 1998 Texto 1: A indução. Segundo Popper Uma linha de resposta bastante diferente para o problema da indução devese a Karl Popper. Popper olha para a prática da ciência para nos mostrar como lidar com o problema. Segundo o ponto de vista de Popper, para começar a ciência não se baseia na indução. Popper nega que os cientistas começam com observações e inferem depois uma teoria geral. Em vez disso, primeiro propõem uma teoria, apresentando-a como uma conjectura inicialmente não corroborada, e depois comparam as suas previsões com observações para ver se ela resiste aos testes. Se esses testes se mostrarem negativos, então a teoria será experimentalmente falsificada e os cientistas irão procurar uma nova alternativa. Se, pelo contrário, os testes estiverem de acordo com a teoria, então os cientistas continuarão a mantê-la não como uma verdade provada, é certo, mas ainda assim como uma conjectura não refutada. Se olharmos para a ciência desta maneira, defende Popper, então veremos que ela não precisa da indução. Segundo Popper, as inferências que interessam para a ciência são refutações, que tomam uma previsão falhada como premissa e concluem que a teoria que está por detrás da previsão é falsa. Estas inferências não são indutivas, mas dedutivas. Vemos que um A é não-b, e concluímos que não é o caso que todos os As são Bs. Aqui não há hipótese de a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa. Se descobrirmos que um certo pedaço de sódio não fica laranja quando é aquecido, então sabemos de certeza que não é o caso que todo o sódio aquecido fica laranja. Aqui o facto interessante é que é muito mais fácil refutar teorias do que prová-las. Um único exemplo contrário é suficiente para uma refutação conclusiva, mas nenhum número de exemplos favoráveis constituirá uma prova conclusiva.

Texto 2: O falsificacionismo de Karl Popper Assim, segundo Popper, a ciência é uma sequência de conjecturas. As teorias científicas são propostas como hipóteses, e são substituídas por novas hipóteses quando são falsificadas. No entanto, esta maneira de ver a ciência suscita uma questão óbvia: se as teorias científicas são sempre conjecturais, então o que torna a ciência melhor do que a astrologia, a adoração de espíritos ou qualquer outra forma de superstição sem fundamento? Um não-popperiano responderia a esta questão dizendo que a verdadeira ciência prova aquilo que afirma, enquanto a superstição consiste apenas em palpites. Mas, segundo a concepção de Popper, mesmo as teorias científicas são palpites pois não podem ser provadas pelas observações: são apenas conjecturas não refutadas. Popper chama a isto o "problema da demarcação" qual é a diferença entre a ciência e outras formas de crença? A sua resposta é que a ciência, ao contrário da superstição, pelo menos é falsificável, mesmo que não possa ser provada. As teorias científicas estão formuladas em termos precisos, e por isso conduzem a previsões definidas. As leis de Newton, por exemplo, dizem-nos exactamente onde certos planetas aparecerão em certos momentos. E isto significa que, se tais previsões fracassarem, poderemos ter a certeza de que a teoria que está por detrás delas é falsa. Pelo contrário, os sistemas de crenças como a astrologia são irremediavelmente vagos, de tal maneira que se torna impossível mostrar que estão claramente errados. A astrologia pode prever que os escorpiões irão prosperar nas suas relações pessoais à quinta-feira, mas, quando são confrontados com um escorpião cuja mulher o abandonou numa quintafeira, é natural que os defensores da astrologia respondam que, considerando todas as coisas, o fim do casamento provavelmente acabou por ser melhor. Por causa disto, nada forçará alguma vez os astrólogos a admitir que a sua teoria está errada. A teoria apresenta-se em termos tão imprecisos que nenhumas observações actuais poderão falsificá-la.

Texto 3: Critério de demarcação: Ciência e pseudociência O próprio Popper usa este critério de falsificabilidade para distinguir a ciência genuína não só de sistemas de crenças tradicionais, como a astrologia e a adoração de espíritos, mas também do marxismo, da psicanálise de várias outras disciplinas modernas que ele considera negativamente como "pseudociências". Segundo Popper, as teses centrais dessas teorias são tão irrefutáveis como as da astrologia. Os marxistas preveem que as revoluções proletárias serão bem-sucedidas quando os regimes capitalistas estiverem suficientemente enfraquecidos pelas suas contradições internas. Mas, quando são confrontados com revoluções proletárias fracassadas, respondem simplesmente que as contradições desses regimes capitalistas particulares ainda não os enfraqueceram suficientemente. De maneira semelhante, os teóricos psicanalistas defendem que todas as neuroses adultas se devem a traumas de infância, mas quando são confrontados com adultos perturbados que aparentemente tiveram uma infância normal dizem que ainda assim esses adultos tiveram que atravessar traumas psicológicos privados quando eram novos. Para Popper, estes truques são a antítese da seriedade científica. Os cientistas genuínos dirão de antemão que descobertas observacionais os fariam mudar de ideias, e abandonarão as suas teorias se essas descobertas se realizarem. Mas os teóricos marxistas e psicanalistas apresentam as suas ideias de tal maneira, defende Popper, que nenhumas observações possíveis os farão alguma vez modificar o seu pensamento.