Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática

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Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da Matemática Escola Normal da Corte e o Ensino das Matemáticas no Final do Século XIX em Transição para o Período Republicano no Brasil Court s Primary Teacher Training School and the Mathematics Teaching in the late 19 th century during the transition to Brazilian Republican Period Elenice de Souza Lodron Zuin 1 Resumo Neste artigo, apresentamos alguns dados e resultados de nossa pesquisa sobre o ensino das Matemáticas na Escola Normal da Corte, criada em 1880 no Rio de Janeiro, Brasil. Delimitamos o período entre a fundação da instituição e o ano de 1890, que contempla as primeiras luzes da República. Esta delimitação temporal está inserida em um período que é embalado pelos ideais positivistas e desejos de civilizar o país. Nosso objetivo foi verificar se esses signos deixaram suas marcas nas determinações regimentais e curriculares da Escola Normal da Corte; quais foram as mudanças ocorridas e como a Aritmética, a Álgebra, a Geometria e o Desenho estavam inseridos no projeto educacional. Utilizamos como fontes primárias decretos e regulamentos da legislação escolar. Constatamos que, no período estudado, a Escola Normal da Corte teve quatro currículos distintos, estando presentes elementos do ideário positivista, inclusive com a inclusão ou exclusão de determinadas disciplinas. Em relação às Matemáticas, verificamos a presença da Aritmética, da Álgebra, da Geometria, do Desenho Linear em todas as reformas, porém, com algumas diferenças de programas para cada um dos sexos, fato considerado comum e até necessário no século XIX. A Escrituração Mercantil, apenas para os rapazes, estava inserida na cadeira destinada às Matemáticas. Há uma valorização do Desenho na reforma ocorrida em 1890, contemplando uma carga-horária bem maior do que as Matemáticas em todas as séries. Embora os laços com os ideais positivistas sejam identificados nos regulamentos e decretos que embasaram a Escola Normal da Corte, não constatamos uma grande germinação da semente positivista nas Matemáticas, a não ser pela carga-horária destinada às disciplinas desta área e pela manutenção das mesmas desde a fundação da instituição. Os programas específicos, que puderam ser analisados, não registram diferenças significativas entre o que era proposto e a estruturação dos conteúdos nos manuais escolares publicados mesmo antes das reformas. Palavras-chave: Currículo. Matemática. Escola Normal da Corte. Século XIX. História da Educação Matemática. Abstract The results reported in this article represent some aspects of our research on the Mathematics curriculum of the Court s Primary Teacher Training School, created in 1880 in Rio de Janeiro, Brazil. We studied the period between the creation of the institution and the year of 1890, that contemplates the first lights of the Republic. This temporal delimitation is inserted in a period where the ideals of the positivism are strong and efforts were made to construct a civilized nation. Our objective was to verify the regimental determinations and the changes that occurred in the Primary Teacher Training School curriculum in Arithmetic, Algebra, Geometry and Lineal Drawing. Did those disciplines always stay in the school curriculum? We used as primary sources ordinances and regulations of the educational legislation. We can conclude that, in the period studied, the School had four different curricula, being present elements of the positivism as well either the inclusion or exclusion of some disciplines. In relation to Mathematics, we verified the presence of Arithmetic, Algebra, Geometry, Lineal 1 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais GHEMAT. E-mail: elenicezuin@gmail.com

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 2 Drawing in all the reforms, with some differences of programs for men and women, something that was common and considered necessary in 19 th century. In Mathematics there is also the insert of Mercantile Bookkeeping, but only for the boys. There is a valorization of Drawing in the reform of 1890 contemplating a load-hourly larger than Mathematics. We identified the ideas of positivism in Governmental regulations; however we did not verify a great germination of positivism in Mathematics, except for the load-hourly destined to the disciplines of this area and its permanence since the creation of the institution. When comparing the specific programs for Arithmetic, Algebra, Geometry, Lineal Drawing and Geometrical Drawing do not register great differences among what was proposed in the reforms and the topics present in didactic books published even before 1880. Keywords: Curriculum. Mathematics. Court s Primary Teacher Training School. 19 th century. History of Mathematics Education. Considerações iniciais Este estudo se enquadra na História da Educação Matemática. Realizamos uma pesquisa sobre o ensino das Matemáticas na Escola Normal da Corte, criada em 1880, no Rio de Janeiro, com o propósito de formar profissionais com um perfil diferenciado para atuarem nas escolas primárias. Fixamos, para o presente artigo, o período entre a fundação da instituição e o ano de 1890, quando é decretado um novo regulamento para a Educação no país, já sob a égide da República. Utilizamos, como fontes primárias, documentos da legislação escolar. Em nossa análise de regulamentos e decretos, centramo-nos nos itens ligados às questões relativas à educação, de um modo geral e, ao ensino da Aritmética, Álgebra, Geometria e Desenho, que fizeram parte do currículo da Escola Normal, em particular. Selecionarmos, especificamente, alguns documentos com o objetivo de verificar qual foi o ensino das matemáticas prescrito para Escola Normal da Corte pouco antes da proclamação da República e logo após, uma vez que a educação na Corte era um modelo a ser seguido por outras províncias no país. Quais foram as mudanças curriculares? Quais saberes matemáticos e práticas foram propostos para serem executados no espaço educativo da Escola Normal da Corte? Os ideais positivistas 2 e desejos de civilizar o país, que circulavam naquela época, foram transferidos para as determinações regimentais e curriculares da Escola Normal da Corte? Aspectos históricos da Província do Rio de Janeiro na década de 80 do Oitocentos Anos finais do Império no Brasil; uma nova burguesia de comerciantes, fazendeiros e donos de fábricas das indústrias nascentes se firmara. A partir de meados dos Oitocentos, no país, já haviam chegado e se espalhado os ideais do positivismo, do republicanismo, principalmente nas cidades grandes e nos meios acadêmicos, vindo a ter ecos entre as 2 Não existe uma unanimidade em relação ao conceito de positivismo. Para Mora (1978), no seu sentido mais restrito e de acordo com o seu significado histórico, positivismo designa a doutrina e a escola fundadas por August Comte. Esta doutrina compreende não só uma teoria da ciência, mas também, e muito especialmente, uma reforma da sociedade e uma religião. Como teoria do saber, o positivismo nega-se a admitir outra realidade que não sejam os factos e a investigar outra coisa que não sejam as relações entre os factos. O positivismo, desenvolvido no século XIX, na Europa, obteve uma maior sistematização nas obras de Comte (1798-1857); para ele, a única forma de conhecimento verdadeiro é através do conhecimento científico. O espírito positivo tem a ciência como investigação do real, sendo o método positivo caracterizado pela observação, sem, contudo, se pautar em um método único para todas as ciências. A educação positivista visa formar o caráter do estudante.

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 3 camadas populares. No dizer de Rui Barbosa (1947): a política invadiu todos os colóquios, emudeceu todas as preocupações (p.243). A revolução Francesa e também a Americana repercutiu no país. Eram cada vez mais frequentes os movimentos pela libertação dos escravos e contra a monarquia. A ascensão da ordem republicana se fazia presente. O combate à mão de obra escrava estava igualmente nas mãos de muitos que carregavam a bandeira contra a monarquia. Na capital, Rio de Janeiro, muitas das discussões e dos movimentos políticos acontecem. É dentro desse contexto que vamos vislumbrar um cenário da educação na capital do Segundo Reinado brasileiro na sua eminência de tornar-se a capital da República. O processo de modernização que se instaurou no último quartel do Oitocentos no país e as propostas para se construir uma nação nos moldes dos países desenvolvidos iam ao encontro de ações para a instrução do povo. A preocupação com a educação popular deveria conduzir o Governo a investir também em uma escola que preparasse os futuros mestres para bem formarem os alunos das escolas primárias da capital da província do Rio de Janeiro. Muitos professores exerciam o magistério sem a formação adequada, encontrando-se na condição de substitutos ou adjuntos. A criação da Escola Normal da Corte estabeleceria um modelo de conformação da profissão docente naquela época. Uma tentativa do Governo Imperial de normalizar o quadro de professores na Corte condizente com as ideias de Julia: através de um conjunto de normas, define-se saberes a ensinar, incutem-se condutas e um conjunto de práticas, que permitem a transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas ordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p. 10). Primeiramente, é necessário apresentar algumas determinações oficiais em relação ao ensino primário e à formação de professores antes de 1880. Pela deliberação de 1º de agosto de 1876 e do Regulamento de 16 de dezembro do mesmo ano, as escolas de instrução primária públicas ou particulares subvencionadas deveriam ter no seu ensino: 1 - a Instrução Moral e Religiosa; 2 - Leitura e escrita; 3 - Noções de Gramática; 4 - Princípios elementares de Aritmética, incluindo o sistema legal de pesos e medidas; 5 - Noções de Geografia; 6 - Noções de Cosmografia; 7 - História do Brasil; 8 - Noções de geometria plana e Desenho Linear; 9 - Trabalhos de agulha e costura nas escolas para o sexo feminino. As matérias de 1 a 4 deveriam ser obrigatórias para professores e alunos e, as demais, facultativas em um ou outro caso, exceção feita para Trabalhos de agulha e costura nas escolas para meninas.

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 4 A Escola Normal, criada em 1835, em Niterói, foi a primeira instituição destinada à formação de professores no Império. A segunda escola, comprometida com a formação do magistério no Rio de Janeiro, fundada em 1880, seguiu outro projeto educacional. A Escola Normal da Corte O Decreto 7.684, de seis de março de 1880, determinou a criação e uma Escola Normal no município da Corte, que seria mantida e administrada pelos Poderes Públicos, estando em conformidade com o Decreto 7.247 de 19 de abril de 1879. Com inauguração em 5 de abril de 1880, a escola, gratuita, destinada a ambos os sexos, seria preparatória de professores para atuarem na instrução primária. Fixou-se o período letivo, de 15 de março a 30 de novembro; o horário de funcionamento, das 17:00h até, no máximo, 21:00h. A idade mínima para ingressar na escola seria de 15 anos, para o sexo feminino e, 16 anos, para o sexo masculino. Na Escola Normal, o ensino compreenderia as seguintes matérias: Português, Francês, Matemáticas elementares e escrituração mercantil; Elementos de Cosmografia, Geografia e História do Brasil; Geografia e História Universal; Elementos de Ciências Físicas e Naturais e de Filosofia e Higiene; Princípios de economia social e doméstica; Pedagogia e prática do ensino primário em geral; Pedagogia e prática do ensino intuitivo ou lições de coisas; Princípios de lavoura e horticultura; Instrução religiosa. Além das disciplinas mencionadas, pelo artigo 6º, também comporiam o currículo as aulas de caligrafia, desenho linear; música vocal; ginástica; prática manual de ofícios, para o sexo masculino e trabalhos de agulha, para o sexo feminino. Os programas das disciplinas da Escola Normal da Corte ultrapassavam os saberes ensinados nas escolas primárias, com destaque à metodologia de ensino, tendo a intenção de contribuir para a formação de bons profissionais da educação para atuarem nos estabelecimentos de ensino. Pelo artigo 46, aos professores caberia: - cumprir o programa do ensino; seguir, na exposição, o método que fosse o mais conducente à perfeita compreensão da matéria, usando sempre de linguagem ao alcance dos alunos e de acordo com o seu grau de adiantamento; - propor aos estudantes todos os exercícios práticos que pudessem desenvolverlhes a inteligência e aprimorar os conhecimentos adquiridos; empregar o máximo desvelo na instrução de todos os alunos sem distincção alguma. Constatamos a preocupação do governo em garantir um ensino de qualidade, ao deixar explícitas, no Decreto, essas determinações para os formadores. Fica clara também a proposta de um ensino não vinculado à repetição e memorização das lições, bem diferente do que, em geral, se costumava praticar nas escolas. O espaço físico destinado para o funcionamento da Escola Normal, o Colégio Pedro II, não comportaria o grande número de alunos matriculados, 282 para o primeiro ano. Deste modo, a Escola Normal passou a funcionar no prédio da Escola Politécnica, localizada no

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 5 Largo de São Francisco de Paula. O primeiro diretor interino foi Benjamim Constant Botelho de Magalhães, que permaneceu no cargo até o ano de 1885. Ainda nos seus primeiros passos, a congregação dos professores da escola propôs, ao governo, algumas alterações no regulamento. Aqui recorremos novamente a Julia, ao enfatizar que normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. (JULIA, 2001, p. 10-11). O que foi estabelecido oficialmente, em tão pouco tempo de funcionamento da instituição, foi questionado. Temos a congregação dos professores com uma atuação direta nas normas escolares e na definição curricular. A reivindicação resultou exitosa; foi expedido um novo decreto sob o número. 8025, de 16 de março de 1881. Pelo artigo primeiro, a Escola Normal teria por fim preparar professores primários do 1º e do 2º grau; o ensino nela distribuído será gratuito, destinado a ambos os sexos, compreendendo dois cursos o de Ciências e Letras, e o de Artes. Pelo artigo segundo, o Curso de Ciências e Letras seria composto pelas seguintes matérias: Instrução religiosa; Português; Francês; Matemáticas elementares; Corografia e História do Brasil; Cosmografia, Geografia e História Geral; Elementos de Mecânica e de Astronomia; Ciências Físicas; Ciências Biológicas; Lógica e Direito Natural e Público; Economias social e doméstica; Pedagogia e metodologia; Noções de Agricultura. Os estudos de instrução religiosa e de francês seriam facultativos. O Curso de Artes compreenderia a caligrafia e desenho linear; música vocal; ginástica; trabalho de agulha (para as meninas), dispostos no artigo terceiro. Os alunos que fossem aprovados nas matérias obrigatórias das primeiras séries de ambos os cursos teriam a habilitação de professores do 1º grau e, aqueles que também fossem aprovados nas matérias obrigatórias da terceira e quarta série, de ambos os cursos, receberiam a habilitação de professores de 2º grau. Verifica-se que a proposta é de um currículo enciclopédico, tão extenso quanto o anterior, com inclusão de algumas disciplinas que, num primeiro momento, poderíamos julgar como desnecessárias para a formação dos professores primários. Na configuração curricular, nota-se a orientação positivista, a inclusão de algumas matérias e a liberdade religiosa expressa com a não obrigatoriedade da Instrução Religiosa. Esta constatação não seria de se estranhar, pois, o diretor da instituição, Benjamin Constant, era adepto desta corrente filosófica; possivelmente existiam outros docentes favoráveis ao positivismo ou influenciados pelo seu diretor. No positivismo, a base da educação geral está no ensino científico. Em sua hierarquização das ciências teórico-abstratas, se propõe a seguinte ordem: Matemática; Mecânica e

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 6 Astronomia; Física; Química; Biologia e Fisiologia e, por fim, a Sociologia. Segundo o francês Auguste Comte, a Matemática estaria na base da pirâmide por abranger aspectos abstratos de todos os fenômenos, sendo o ponto de partida da educação científica. No decreto, para as Matemáticas, determinava-se, na primeira série, o estudo completo teórico e prático da Aritmética. Na segunda série, álgebra, geometria e trigonometria, álgebra até equações do 2º grau, a uma incógnita inclusive; estudo completo da geometria elementar; exercícios e problemas e noções de trigonometria retilínea. O ensino das matemáticas não era contemplado na 3ª e 4ª séries. Este aspecto deve ser considerado, pois a Matemática é a principal disciplina nos preceitos positivistas e ela se restringe apenas às duas séries iniciais na Escola Normal da Corte. Sob outro prisma, poderíamos entender a concentração das matemáticas, português e gramática, nos dois primeiros anos, pelo fato de os normalistas aprovados terem a possibilidade de assumir aulas ao fim deste tempo, antes de concluírem o curso, já que receberiam habilitação de professores do 1º grau. Mesmo tendo a Geografia e História, por exemplo, no 3º e 4º anos do curso, era de se esperar que esses normalistas tivessem uma melhor formação do que os leigos que assumiam a instrução primária. Para o curso de Artes, a 1ª série teria Desenho Linear, com definições e delineamento á simples vista das figuras geométricas e exercícios, continuando na 3ª série, com a utilização de instrumentos e também incluídas aplicações no ramo da indústria e arquitetura. Aplicações do Desenho Linear e Geométrico não era uma inovação, pois já constavam de alguns livros dessa área publicados no Brasil a partir de meados do século XIX. (ZUIN, 2001). É preciso ressaltar que o Desenho já era muito enaltecido na Europa. As construções geométricas foram mais valorizadas a partir de Comte, sendo um saber fundamental na Segunda Revolução Industrial. Na França, tornou-se um saber indispensável ao progresso da nação, culminando em reformas educacionais. (ZUIN, 2001). Se considerarmos as orientações positivistas, o Desenho, nas suas diferentes modalidades, desenvolveria não apenas as habilidades manuais, mais também a destreza, a ordem e a disciplina. O Desenho contribui para o desenvolvimento da criatividade, para o aperfeiçoamento do raciocínio lógico, rigor e precisão; exige asseio, organização e atenção. A utilização dos instrumentos de Desenho, régua e compasso, para os traçados geométricos, concorreria também para a formação de um outro perfil de operariado. Para os positivistas, a ordem é a base do progresso social. Transferência da Escola Normal da Corte e o decreto de 1888 Em 1888, a Escola Normal da Corte é transferida para um prédio na Praça da Aclamação, tendo, ao lado, uma escola anexa onde os professorandos teriam os seus estudos práticos.

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 7 O Decreto 10.060, de 13 de outubro de 1888, que dava novo regulamento para a Escola Normal da Corte, passou a vigorar. Com 188 artigos, entre as suas diversas determinações, estabelecia que as aulas tivessem início em 15 de março e encerramento em 15 de novembro, como já era determinado anteriormente, porém, com funcionamento de 9:00h às 16:00h, com intervalos de 10 minutos, no mínimo, entre as aulas. Fixava um número máximo de 50 alunos a serem admitidos no 1º ano. Os alunos ingressantes deveriam ter entre 16 e 22 anos de idade. O artigo 108 prescrevia que o ensino compreenderia as seguintes matérias: Religião; Instrução moral e cívica e noções de economia política; Pedagogia e legislação escolar; Português e noções de historia da literatura da língua vernácula; Francês; Geografia e, particularmente, a do Brasil; História e, particularmente, a do Brasil até nossos dias; Aritmética e álgebra elementar; Noções de escrituração mercantil, somente para os alunos; Geometria; Elementos de física, química, botânica, zoologia e geologia, com suas principais aplicações; Escrita; Desenho; Música vocal; Trabalhos manuais para os alunos; Trabalhos de agulha para as alunas; Ginástica, e, para os alunos, exercícios militares. Pelo artigo 109, quando as circumstancias permittirem, serão creadas as cadeiras de agricultura e horticultura, para os alumnos, e de economia domestica para as alumnas; outrosim serão instituídos para as alumnas trabalhos de jardinagem. Verificamos que é retomado o ensino de Religião, são agregados outros saberes científicos como Química, Botânica, Zoologia, Geologia e há a recomendação de se ter a História e Geografia do Brasil. Caracterizando a preocupação com a formação do cidadão e o fortalecimento da unidade nacional, a inclusão da Instrução Moral e Cívica e noções de economia política. Estas mudanças vão ao encontro do ideário positivista. Aumentam-se também as horas semanais dedicadas às Matemáticas e Desenho. Três horas semanais seriam dedicadas às Matemáticas nas três séries. O programa estabelecia, para o 1º ano, conceitos de aritmética (numeração decimal, maior divisor comum, menor múltiplo comum, frações ordinárias e decimais, números complexos, sistema métrico decimal, moedas, medida de tempo); geometria plana, e, apenas para os meninos, noções de escrituração mercantil. No 2º ano, aritmética e álgebra elementar (operações algébricas, potências e raízes, cubo e raiz cúbica, rações e proporções, juros simples, desconto, regra de companhia, liga e câmbio), com a continuação da geometria plana (incluindo polígonos inscritos e circunscritos, segmentos proporcionais, semelhança de figuras planas, medida da circunferência e área do círculo) e escrituração mercantil. No último ano, além da geometria espacial, a continuidade da aritmética e a álgebra elementar (transformações e resolução de equações numéricas do 1º grau a uma, duas ou mais incógnitas, progressões aritmética e geométrica, logaritmos, juros compostos e anuidades). Exclui-se a trigonometria retilínea. O Desenho, mais valorizado,

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 8 teria quatro horas semanais nas duas primeiras séries e seis horas na terceira série nos três anos, o desenho imitativo. Em relação ao Desenho Geométrico, traçados com uso de régua, compasso, esquadros e transferidor, com aplicação a motivos de decoração para os rapazes, mosaicos, ladrilhos, painéis, tetos; para as moças, bordados, rendas, tapeçaria. Os normalistas ainda teriam elementos do desenho geometral levantamentos de cotas, princípios de aguada. Não seriam adotados compêndios, nem admitido o sistema de apostilas, caberia a cada professor indicar aos alunos os livros que considerassem convenientes como auxiliares do estudo. Por que essa recomendação? Nota-se uma maior liberdade para cada professor, porém, haveria um excesso de confiança no corpo docente ou falta de compromisso ou descaso com os manuais escolares? Ou seriam indicados os livros que mais se vinculassem ao positivismo? Silva (1999) menciona uma lista de livros de matemática utilizados no Brasil, no século XIX, de autores positivistas que, provavelmente, não se indicariam para o Curso Normal, por serem mais avançados; contudo, os professores poderiam tê-los como referência para as aulas. A preocupação com a formação prática dos futuros docentes comparece no artigo 123. É estabelecido que, enquanto não estivessem completamente organizados o Museu Pedagógico e a Biblioteca da Escola, os professores deveriam comparecer com os seus alunos no Museu Nacional, de forma a esclarecê-los e exercitá-los em relação à metodologia especial das matérias, indicando bibliografias das disciplinas da escola primária. Além disso, os alunos do 3º ano, sob a direção do professor de Pedagogia, deveriam visitar o Museu e a Biblioteca, para ter conhecimento das obras sobre Educação, Metodologia, Pedagogia, História da Pedagogia, organização material e pedagógica das distintas escolas primárias; à construção e decoração das casas escolares e de quaisquer outros subsídios adequados à instrução do professor e à prática de ensino. Agrega-se também o artigo 115, com a prescrição de que o curso da Escola Normal teria por fim não só instruir os alunos-professores, mas também exercitá-los na maneira natural de dar o ensino, educando-os na metodologia própria de cada disciplina. Destaca-se a determinação de que os professores deveriam indicar aos normalistas a forma de ensinar respeitando a capacidade e o grau de instrução dos alunos e também como deveria ser tratado os assuntos com aqueles que apresentassem mais dificuldades. Em relação à prática do ensino, os normalistas deveriam exercitá-la sob a direção dos professores das escolas de aplicação. Os alunos do 1º ano assistiriam aos trabalhos; os do 2º ano auxiliariam os referidos professores e, os do 3º, deveriam reger progressivamente as várias classes das escolas. (Art. 121 Decreto 10.060/1888). Entre as funções do diretor, constavam as tarefas: assistir, pelo menos uma vez por mês, às lições de cada um dos professores; velar pela execução dos programas; fiscalizar o ensino

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 9 nas escolas de aplicação e assistir às lições dadas pelos alunos do 3º ano, fora do horário das aulas, diante do professor da disciplina e dos colegas. Além disso, caberia ao diretor, também, estar atento para que nas aulas não houvesse abuso de longas redações, manuais, cursos ditados, cadernos de passar a limpo e outros meios que favorecessem o trabalho mecânico e que substituíssem o esforço da memória ao da reflexão. (Art. 126 Decreto 10.060/1888). Nova reforma educacional às primeiras luzes da República Benjamin Constant, personagem importante na constituição da República brasileira, instaurada em 1889, durante o período do governo provisório, foi nomeado Ministro da Guerra e, depois, Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. No curto período em que permaneceu neste último cargo, pois veio a falecer em 1891, promoveu uma importante reforma curricular no país, que atingiu o ensino normal. Fica bem demarcada a proposta republicana de fomentar a educação do povo. Foi fixada a criação das escolas normais estaduais e das escolas públicas secundárias federais. Sendo fiel aos preceitos positivistas, Benjamin Constant propôs um ensino voltado para a formação científica, em todos os níveis, dando grande valor às matemáticas; o ensino da religião não seria mais obrigatório. O Decreto n. 981, de oito de novembro de 1890, aprova o Regulamento da Instrução Primaria e Secundária do Distrito Federal. Para que possamos ter uma dimensão do que era proposto, transcrevemos, a seguir, os artigos que fixavam as matérias para a escola primária do 1º e 2º graus: Artigo 3º - O ensino das escolas primarias do 1º gráo, que abrange tres cursos, comprehende: Leitura e escripta; Ensino pratico da língua portugueza; Contar e calcular. Arithmetica pratica até regra de tres, mediante o emprego, primeiro dos processos espontaneos, e depois dos processos systematicos; Systema metrico precedido do estudo da geometria pratica (tachymetria); Elementos de geographia e historia, especialmente do Brazil; Lições de cousas e noções concretas de sciencias physicas e historia natural; Instrucção moral e cívica; Desenho; Elementos de musica; Gymnastica e exercicios militares; Trabalhos manuaes (para os meninos); Trabalhos de agulha (para as meninas); Noções praticas de agronomia. Artigo 4º - O ensino das escolas primarias do 2º gráo, que abrange tres classes, comprehende: Calligraphia; Portuguez; Elementos de lingua franceza; Arithmetica (estudo complementar). Algebra elementar; Geometria e trigonometria; Geographia e historia, particularmente do Brazil; Elementos de sciencias physicas e historia natural applicaveis ás industrias, á agricultura e á hygiene; Noções de direito patrio e de economia politica; Desenho de ornato, de paisagem, figurado e topographico; Musica; Gymnastica e exercicios militares; Trabalhos manuaes (para os meninos) e Trabalhos de agulha (para as meninas).

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 10 Paragrapho unico. A instrucção moral e civica não terá curso distincto, mas occupará constantemente e no mais alto gráo a attenção dos professores. (BRASIL, 1890). Os parágrafos anteriores demonstram que a reforma proposta por Benjamim Constant tem o propósito de enaltecer as ciências a tradição humanística clássica substituída pela científica. Em relação à formação do magistério, o artigo 12º dispõe que o Governo manterá na Capital Federal uma ou mais escolas normaes, conforme as necessidades do ensino, e a cada uma dellas será annexa uma escola primaria modelo. No que diz respeito ao currículo: Paragrapho unico. O curso da Escola Normal comprehenderá as seguintes disciplinas: Portuguez, noções de literatura nacional e elementos de língua latina, Francez, Geographia; e historia, particularmente do Brazil; Matematica elementar; Mechanica e astronomia; Physica e chimica; Biologia; Sociologia e moral; Noções de agronomia; Desenho; Musica; Gymnastica; Calligraphia; Trabalhos manuaes (para homens); Trabalhos de agulha (para senhoras). (BRASIL, 1890). Temos o retorno da Mecânica e Astronomia, retiradas na última reforma, e a inclusão da Sociologia e Moral, atendendo aos preceitos positivistas. Uma outra deliberação, obteria o título de professor adjunto o aluno que tivesse, pelo menos, a provação nas matérias dos três primeiros anos da Escola Normal e um ano de prática na Escola de Aplicação e, o título de professor primário, aqueles que cumprissem todo o curso da Escola Normal. O interesse pela capacitação profissional comparece no artigo 22; de dois em dois anos, o conselho diretor indicaria dois professores, um do sexo feminino e outro do sexo masculino, que iriam a outros países com o objetivo de examinar os progressos do ensino primário e aperfeiçoar suas habilitações profissionais. Consta do artigo 24: o Governo manterá na Capital Federal um estabelecimento de ensino sob o nome de Pedagogium, destinado a offerecer ao publico e aos professores em particular os meios de instrucção profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores methodos e do material de ensino mais aperfeiçoado. (BRASIL, 1890). Através desses artigos, constata-se a preocupação com a formação docente inicial e contínua, demonstrando um avanço das políticas educacionais. À guisa de considerações finais A Escola Normal da Corte, como importante instituição para formação dos professores no Brasil, é instaurada para cumprir propósitos dentro dos ideais de progresso, modernidade, e civilização. Dentro dos marcos temporais por nós fixados, a análise dos documentos da legislação indica que ficam bem delimitados o signo positivista e o caráter enciclopédico dos currículos que foram prescritos, denotando o objetivo dos mesmos de formar um docente que

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 11 possuísse mais conhecimentos e contribuísse para a formação dos futuros cidadãos e da nação. Em relação às Matemáticas, ocorre sua permanência nos currículos e há poucas alterações entre as reformas. Porém, constata-se a ampliação dos programas e a valorização do Desenho, comparando ao que era fixado pela deliberação de 1º de agosto de 1876 e pelo Regulamento de 16 de dezembro do mesmo ano para as escolas normais. A reforma de 1890, como não poderia deixar de ser, também traz a estampa positivista na educação republicana, com o acréscimo de outras disciplinas científicas, incluindo atividades de experimentações físico-químicas. Comprova-se a consignação de uma formação científica em contraposição à formação cunhada na filosofia católica que vigorou desde os tempos do Brasil Colônia. Apesar de o nosso estudo se centrar na legislação que regulamentou o ensino na Escola Normal da Corte, inferimos que, de modo particular, concernente à estruturação dos conteúdos dos livros de Aritmética, Álgebra, Geometria e aos programas, relativos ao ensino primário e à formação de professores, não houve mudanças significativas, sendo este também o ponto de vista de Valente (2000, 2002). Este autor afirma que as discussões de âmbito filosófico sobre as matemáticas não vieram atingir os programas de ensino nem os pontos para exames preparatórios, uma vez que os pontos e conteúdos a ensinar já estavam dados desde Ottoni. 3 Não se estabeleceram uma reestruturação e reorganização das matemáticas a ponto de ter existido uma matemática escolar positivista. Ou, o que seria mais preciso dizer, uma matemática elementar nos moldes preconizados por Comte. (VALENTE, 2002, p. 164). Para Silva (1999), no país, não ocorreu uma adesão completa ao positivismo. Vale destacar também que, segundo Carvalho (1990, p 14), não houve uma real aplicação prática do positivismo, se pensarmos nas propostas de mudança social; entretanto, nos primeiros anos do Brasil República, percebe-se suas influências em outros setores, sobretudo a separação entre Igreja e Estado, a introdução do casamento civil, a secularização dos cemitérios, o início do contato do operariado, a reforma o ensino militar, a instituição de feriados nacionais. Esperamos que nosso estudo, apesar de suas limitações, possa auxiliar nos debates sobre a presença do positivismo, o ensino das Matemáticas e do Desenho Linear na Escola Normal da 3 Valente (2000) indica que Cristiano Benedito Ottoni (1811-1896), professor de Matemática na Academia Real dos Guardas-Marinha, foi autor de livros de Aritmética, Álgebra e Geometria, com o objetivo de serem utilizados nas escolas militares; mais precisamente, realizou uma compilação de autores franceses para Aritmética e Álgebra, os livros de Bourdon e, para Geometria, o livro de Vincent. Pode-se afirmar que Ottoni foi o primeiro autor de livros didáticos de aceitação e adoção nacional. (VALENTE, 2000, p. 205). Entre as indicações de Comte, para a matemática elementar, constava a Aritmética de Condorcet; a Álgebra e a Geometria de Clairaut; e a Trigonometria de Lacroix ou Legendre. (VALENTE, 2000). Para Bachelard, Comte teria nas obras de Fourier o modelo para o espírito positivista. (SILVA, 1999, p. 64). No Colégio Pedro II, os livros de Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria de Ottoni já estavam indicados desde 1856.

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 12 Corte, de um modo particular, e a formação de professores no século XIX, de um modo geral, gerando pesquisas que supram as lacunas da História da Educação Matemática no Brasil. Referências BARBOSA, Rui. O ministério. In: BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1947, v. XVI, tomo 3. BRASIL. Decreto N. 981 de 8 de novembro de 1890 Approva o Regulamento da Instrucção Primária e Secundaria do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/>. Acesso em: 10 maio 2010. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. 1990. COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. 5. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1991. xvi. (Os pensadores). DECRETO N. 7684, de 6 de março de 1880 Crêa no município da Corte uma Escola Normal primaria. In: Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1880, v.1. DECRETO N. 8.025, de 16 de março de 1881 Manda executar o novo Regulamento para a Escola Normal no município da Córte. In: Coleção de Leis do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1881, v.1. p.189-209. DECRETO N. 10.060, de 13 de outubro de 1888 Dá novo Regulamento a Escola Normal. In: RIO DE JANEIRO. Relatório apresentado á Assembléa Geral Legislativa na quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Império, Antonio Ferreira Vianna. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, SP. SBHE/Editora Autores Associados. n.1, p. 9-43, jan./jun. 2001. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Dom Quixote, 1978. SILVA, Circe M. S.. A Matemática positivista e sua difusão no Brasil. Vitória: EDUFES, 1999. VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da Matemática escolar no Brasil (1730-1930). 2. ed. São Paulo: Annablume, 2002. VALENTE, Wagner R.. Positivismo e Matemática escolar nos livros didáticos no advento da República. Cadernos de Pesquisa Fundação Carlos Chagas, n. 109, p. 201-212, mar. 2000.

Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática 13 ZUIN, Elenice de Souza Lodron. Da régua e do compasso: as construções geométricas como um saber escolar no Brasil. 2001. 211 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.