SIMULAÇÃO TERMODIÂMICA DO PROCESSO DE ITRETAÇÃO GASOSA: ATMOSFERA E AÇO 1 RESUMO estor Cezar eck Carlos Eduardo Zoldan dos Santos Este trabalho procura demonstrar o potencial da simulação pela assim chamada 'termodinâmica computacional', usando para isso o conhecido processo termoquímico de nitretação gasosa, utilizado na indústria metalúrgica. A simulação envolveu o cálculo de propriedades de caráter científico como, por exemplo, potencial químico e fugacidade do nitrogênio sem esquecer, contudo, dos parâmetros técnicos operacionais: grau de dissociação da amônia e potencial de nitretação da atmosfera. Os resultados comparáveis aos da literatura confirmam que é possível a reprodução em sistemas computacionais dos fenômenos observados no setor industrial de nitretação gasosa. Além das implicações específicas com este tipo de tratamento térmico dos aços, os resultados fortalecem a idéia de que o acompanhamento, a introdução de modificações em processos, ou mesmo a criação de novos processos na indústria podem ser testados previamente em laboratório por intermédio da simulação termodinâmica computacional. Palavras-chave: nitretação gasosa, termodinâmica computacional, simulação ABSTRACT This work shows the potential of simulation by means of the so-called computational thermodynamics using for this purpose the thermochemical process known as nitriding used in the metallurgical industry. The simulation included the determination of scientific and industrial parameters like: nitrogen chemical potential or fugacity and: ammonia dissociation degree or nitriding potential Results have shown that computer simulation of the phenomena observed in this sector of the industry is possible. They do encourage the idea that the follow up, the introduction of modifications or new processes in the industry may be tested previously in computers by means of the computational thermodynamics. Key-words: gas nitriding, computational thermodynamics, simulation 1 Contribuição Técnica apresentada (em duas partes) no 57 º Congresso Anual da ABM, São Paulo, SP, a 5 de julho de 00 Dr.-Ing., prof. da Escola de Engenharia, DEMET-UFRGS, Coord. do úcleo de Termodinâmica Computacional para a Metalurgia, TCm (Porto Alegre-RS) Eng. Metalúrgico, aluno do PPGEM, UFRGS (Porto Alegre-RS)
1. ITRODUÇÃO A nitretação dos aços é um tratamento termoquímico, pelo qual se introduz, a partir da superfície, até uma certa profundidade, nitrogênio no aço sólido, que pode ser realizada por meio de várias técnicas. A nitretação gasosa é um processo industrial muito importante. As características do processo e as propriedades almejadas com a sua aplicação, para os aços, já foram salientadas por Chiaverini [C77]. O objetivo deste trabalho é realizar um estudo fundamental da nitretação gasosa, tendo por ponto de vista a termodinâmica metalúrgica.. METODOLOGIA Software e bancos de dados O aplicativo utilizado neste trabalho denomina-se ChemSage (versão 4.1). O cálculo para a determinação do equilíbrio químico ponto fundamental para um estudo que tem por base a termodinâmica tem por base a técnica da minimização da energia livre de Gibbs. Uma descrição pormenorizada deste aplicativo pode ser encontrada em [ER90]. Os dados termodinâmicos utilizados foram extraídos dos bancos de dados SPS96T0 e SSL905, do consórcio de laboratórios europeus Scientific Group Thermodata Europe, SGTE. Modelos da atmosfera e das fases condensadas Em termos termodinâmicos, a fase gasosa foi tomada como ideal. Para representar o comportamento termodinâmico das fases condensadas do tipo soluções sólidas, foram usados modelos de Redlich-Kister-Muggianu e de subredes modelos integrante do aplicativo ChemSage.. RESULTADOS E DISCUSSÃO.1 ATMOSFERAS DE ITROGÊIO O nitrogênio gasoso ( ) deveria ser a fonte primeira deste elemento, quando se pensasse num processo de nitretação gasosa. a prática, no entanto, o gás empregado no processo é a amônia ( ). Os parágrafos seguintes explicarão, entre outros fatos, o motivo disso. O 'processo' de dissolução do na ferrita pode ser descrito por: ½ (g) = [] α, (1) Classicamente, pode-se escrever, para a expressão acima, uma equação para K, similar à da constante de equilíbrio de uma equação química ordinária: [% ] K S = 1, () p que é a expressão da lei de Sieverts. Ela mostra que o teor de dissolvido cresce com a raiz da pressão (estritamente: fugacidade) do. Uma vez conhecido o valor de Ks, pode-se calcular a concentração de na ferrita em função da fugacidade do para uma dada temperatura. Contudo, chega-se à conclusão (já muito conhecida) de que um processo de nitretação operando à pressão de 1 atm dissolve uma quantidade insignificante de nitrogênio. E isso também é verdade, mesmo para temperaturas mais elevadas e outras fases (a solubilidade máxima do nitrogênio no ferro se dá na fase austenita: conforme calculada pelo ChemSage, ela é de 0,0%, e corresponde à concentração na temperatura de 900 C. Para além dos limites de solubilidade nas fases ferrita, austenita e suas 'misturas', todo o nitrogênio que for acrescentado ao sistema termodinâmico será alocado apenas na fase gasosa.
O potencial químico do dissolvido pode ser descrito a partir da Equação 1: 1 = () Desenvolvendo-se o termo da direita, encontramos que o potencial químico do nitrogênio dissolvido, produzido por uma atmosfera de seja qual for a sua fugacidade, é dado por: 1 o ( 1 = + RT p ) ln, (4) se o valor da fugacidade de referência for igual à 1 atmosfera. Kunze [KU00] fornece os valores de G o em função da temperatura [em K] para a dissolução de na ferrita (Equação 1): o 1 o G = G,α G = 0745 + 19, 5 T. () Valores utilizados na Equação fornecem resultados, para a razão [%] α / p ½, com a, α [% ] α, que são idênticos aos obtidos com o ChemSage.. ATMOSFERAS DE AMÔIA E MISTURAS - Conforme já citado, a amônia é a fonte industrial de nitrogênio do processo de nitretação à gás. Podemos escrever, para o equilíbrio da amônia com nitrogênio e hidrogênio, a seguinte reação estequiométrica: = 1/ + /. (5) Com base na variação da energia livre padrão de Gibbs, G, e na constante de equilíbrio, K, à pressão de 1 atmosfera, pode-se dizer que a dissociação da amônia é espontânea e quase completa nas temperaturas da nitretação (495-575 C) e superiores. A presença de amônia não-dissociada nos fornos de nitretação fato fundamental para o processo, portanto, deve-se exclusivamente às resistências de natureza cinética (química), que impedem sua dissociação. Da reação (5) podemos escrever: 1 =. (6) Combinando-se () e (6), obtemos o potencial químico do nitrogênio dissolvido correspondente a uma atmosfera de amônia parcialmente dissociada: =. (7) Lembrando a definição de potencial químico, podemos escrever então: o = + RT ln o ( p ) [ + RT ln( p )] que, reordenada, dá origem à equação: p o o = + ln RT. (9) p O argumento do logaritmo é conhecido como potencial de nitretação 6 da atmosfera, simbolizado por r. É fácil observar, que atmosferas com teor elevado de amônia não dissociada produzem valores elevados de potencial químico do nitrogênio dissolvido. O afastamento do equilíbrio que daí advêm é, de fato, a única razão para esse potencial químico elevado, que permite a existência do processo de nitretação gasosa à apenas 1 atm de pressão no reator. A partir da constante de equilíbrio da equação estequiométrica (5) podemos (8)
calcular a pressão (fugacidade) virtual (teoricamente 'existente') dentro de um forno industrial de nitretação gasosa de em função da composição do gás (ou, alternativamente, do grau de dissociação da amônia): p = K r. (10) [ ] Valores da fugacidade virtual de, em função do teor da amônia, para a isoterma de 550 C podem ser vistos na Figura 1. 7.5 7.0 logaritmo da fugacidade de [log(atm)] 6.5 6.0 5.5 5.0 4.5 4.0.5.0 0 10 0 0 40 50 60 70 80 90 Teor de em [%,vol.] Figura 1. Fugacidade virtual do em função do teor de amônia em hidrogênio, à 1 atm, na isoterma de 550 C Fica claro, pelo que foi exposto, que as atmosferas dos fornos de nitretação não podem ser simuladas por atmosferas em equilíbrio termoquímico. A solução está em se empregar atmosferas constituídas apenas por, porém com potenciais de nitretação idênticos aqueles da nitretação com... FASES CODESADAS DO SISTEMA Fe- Embora sejam conhecidas muitas fases condensadas no sistema Fe- [LE99a], foram consideradas no presente estudo apenas as soluções sólidas pertinentes: α-ferrita, γ-austenita, ε-fe - e γ -Fe4. A dissolução de na ferrita, promovida pelo aumento da fugacidade do, para temperaturas abaixo da eutetóide, é limitada pela precipitação da fase γ. A dissolução do na austenita (acima de 91 C) tem comportamento semelhante embora a solubilidade máxima seja algo superior e é limitada pela precipitação da fase ε. A influência da pressão total (fugacidade do ) no sistema termodinâmico Fe- 1 sobre as fases do sistema é grande. Com fugacidades extremamente elevadas (cuja obtenção é impossível, na prática), obtemos o conhecido diagrama Fe- estudado em detalhe por Jack, K.. no final da década de 40 e início da década de 50, conforme mostra o diagrama por ele compilado em 1951 [JA51] 1 a realidade, em qualquer sistema termodinâmico alguns apenas não apresentam uma dependência notável com ela.
reproduzido em [LE99b]. Esse mesmo diagrama foi calculado com a ajuda do ChemSage para fugacidades crescentes e pode ser visto na Figura. ota-se que a fase ε também é estável em temperaturas baixas desde que sob fugacidades elevadas. Uma avaliação pode ser feita comparando-se esses resultados com os de vários autores, apresentados em Kooi et al [KO96]]. A fronteira mais relevante, γ +ε / ε, coincide com aquela apresentada por Frisk; todos os outros autores (Kooi, Kunze et al.), contudo, situam-na um pouco mais à esquerda (- átomos %) divergindo, entretanto, entre sí. Figura. Diagrama de equilíbrio de fases do sistema Fe-, sob pressão (fugacidade) total de crescente (linhas pontilhadas denotam o logaritmo da fugacidade total); Fases: FCC_A1 = γ; BCC_A = α; CP_A = ε; FE4 = γ ; calculado com o ChemSage.4 DIAGRAMA DE LERER Para o controle de um processo de nitretação gasosa, no entanto, o diagrama de equilíbrio à pressão constante é impróprio pois tem uma restrição termodinâmica de um balanço de massa. A influência da fugacidade do e da temperatura sobre as fases do sistema Fe- é melhor representada no chamado Diagrama de Lehrer [MI96] em homenagem ao seu idealizador E. LERER, que o descreveu em 190 (!) na revista alemã Z. Elektrochemie. Esse diagrama do tipo temperatura versus potencial químico é o correto para a representação de processos onde o fornecimento de massa (pela atmosfera) está limitado apenas pela existência de uma diferença de potencial químico do constituinte em questão (no caso, o dissolvido) entre a atmosfera e as diferentes fases condensadas. Os resultados obtidos com o ChemSage sob essas condições estão apresentados na Figura. Para comparação, foram graficadas as fronteiras entre as fases α / γ e γ / ε em função da fugacidade de, para diferentes isotermas; com
dados oriundos da literatura. Os dados empregados tiveram a seguinte origem: Equilíbrio entre as fases α e γ : Dados de Kunze; graficados por Kooi [KO96] α γ ' ln( a ) = 6,680 (1849 / T ) ; [MI96] Equilíbrio entre as fases γ e ε (em termos de atividade de e de potencial de nitretação): γ ' ε 1/ ln( a ) = 10,4 + [(5714/ T ) 5,94] (6594/ T ) ; [MI96] 6056 ln( r, γ '/ ε ) = 9,6 + 56, 85 ; [KO96]. T Teve-se o cuidade de se utilizar sempre o mesmo autor num determinado cálculo da fugacidade de como, por exemplo, para as constantes de equilíbrio, de modo a formar, assim, um conjunto coerente na obtenção dos resultados. Pode-se notar que as linhas que determinam a fronteira entre as fases α / γ localizam-se próximas umas das outras; a diferença, em termos do logaritmo da fugacidade de, é pouco significativa. Já a fronteira entre as fases γ / ε afasta-se de modo mais significativo daquelas mostradas por Kooi et al. Isto reflete, de certo modo, a mesma divergência ressaltada anteriormente no diagrama Fe-. 750 700 650 γ ε Temperatura [ C] 600 550 α Kunze Fig. M.T. Mitte. Eq.7 S.E. Mitte. Fig. M.T. γ' 500 Mitte. Eq.8 S.E. 450 Mitte. Eq.14a M.T. 400 ChemSage 4 5 6 Logaritmo da fugacidade do [log(atm)] Figura. Diagrama de Lehrer, resultados obtidos com o ChemSage; resultados de outros autores para as fronteiras α / γ e γ / ε estão graficadas conjuntamente para comparação; M.T. Ref. [KO96], S.E. Ref. [MI96] A simulação do processo de nitretação como um todo, contudo, não fica invalidada; antes enfatiza a necessidade de revisão dos valores contidos nos bancos de dados termodinâmicos. 4. SIMULAÇÃO Uma vez exposta a idéia central, será apresentada a seguir uma pequena simulação termodinâmica do processo de nitretação gasosa. É importante ressaltar, contudo, que se trata ainda de um modelo simples, em que as peças de aço
submetidas ao processo conforme mencionado no início estarão representadas apenas pelas fases condensadas do sistema Fe-. As condições escolhidas para a simulação da nitretação foram: temperatura de 550 C e atmosfera nitretante com 40% de em, obtida pela dissociação da amônia. Da Figura 1 tem-se que a essa atmosfera corresponde uma fugacidade de de aproximadamente 16 000 atm. Aplicando-se essas condições a um sistema composto apenas por ferro e nitrogênio, obtém-se, como resultado da simulação com o ChemSage, a fase γ (austenita do nitrogênio) conforme previsto no Diagrama de Lehrer. Isto significa que, na superfície da peça de ferro, esta será a única fase em equilíbrio com a atmosfera de amônia dissociada. É fácil concluir que há necessidade do controle e manutenção de um menor grau de dissociação da amônia na atmosfera de nitretação para a obtenção de camadas com a presença da fase ε. COCLUSÕES Os resultados mostram que, com o uso de dados específicos e de um programa de cálculo apropriado, é possível a simulação, a avaliação e a reprodução em laboratório computacional dos processos e fenômenos observados nas atmosferas dos fornos industriais de nitretação gasosa. Além das implicações específicas com este tipo de tratamento térmico dos aços, os resultados reforçam a idéia de que o acompanhamento, a introdução de modificações em processos, ou mesmo a criação de processos novos na indústria podem ser testados previamente por intermédio de modelos termodinâmicos computacionais. REFERÊCIAS CIAVERII,V.: Aços e ferros fundidos, São Paulo, ABM, 1977 ERIKSSO,G.; ACK,K.: ChemSage a computer program for the calculation of complex chemical equilibria, Met. Transactions B, vol.1b, 1990, p.101-10 JACK,K..: Figura referida em [LE99a], Proc. Roy. Soc. A 08 (1951), p.00 KOOI,B.J.; SOMERS,M.A.J.; MITTEMEIJER,E.J. : An evaluation of the Fe- phase diagram considering long-range order of atoms in γ -Fe 4 1-x and ε-fe 1-z, Met. Mater. Transactions A, vol.7a, abril, 1996, p.106-1071 KUZE,J.: Physikalisch-chemische Grundlagen der Wärmebehandlung und Randschichttechnik, notas de aula, TU-Bergakademie Freiberg, Freital, 000 LEIEWEBER,A.: Ordnungsverhalten von Stickstoff sowie Magnetismus in binären itriden einiger d-metalle: Mn/, Fe/ und i/, Tese de doutorado, Universidade de Dortmund, RFA, 1999 LEIEWEBER,A.; JACOBS,.; ÜIG,F.; LUEKE,.; SCILDER,.; KOCKEL- MA,W.: ε-fe : magnetic structure, magnetization and temperature dependent disorder of nitrogen, Journal of alloys and compounds, Vol. 88, nr. 1-, junho, 1999, p.79-87 MITTEMEIJER,E.J.; SLYCKE,J.T.: Chemical potentials and activities of nitrogen and carbon inposed by gaseous nitriding and carburizing atmospheres, Surface Enginnering, 1996. vol.1, nr., p.15-16