Avaliação fonoaudiológica na doença de Wilson com relato de caso ilustrativo

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Transcrição:

» Rev Bras Neurol, 48 (3): 11-15, 2012 Avaliação fonoaudiológica na doença de Wilson com relato de caso ilustrativo Phonoaudiological evaluation in Wilson s disease with illustrative case report Simone Monteiro Palermo de Oliveira Viana - Fga - MSci1 Izabel Cristina Constantino Bastos - MD - Msci2 Maria Filomena Xavier Mendes - MD - Msci3 Danielle Rodrigues4 Resumo A doença de Wilson (DW) é uma doença genética, autossômica recessiva, causada por mutações no gene ATP7B que atua na excreção biliar do cobre. A falência desta via provoca alterações no metabolismo do cobre no organismo pelo comprometimento da síntese de ceruloplasmina, provocando a deposição do metal em vários locais do organismo principalmente, fígado, cérebro, córnea e rins. O paciente como consequência pode apresentar manifestações neurológicas, psiquiátricas, hepáticas e de outros sistemas. O relato visa mostrar a avaliação fonoaudiológica e descrever a disartria em paciente com DW, que apresentou os primeiros sinais da doença com quadro súbito de catatonia, algia em membros superiores e inferiores, seguidos por alteração da fala, marcha e deglutição. A avaliação fonoaudiológica da articulação constou das cinco bases motoras da fala. Foi utilizado também o exame tempo máximo fonatório (TMF), visando avaliar o fluxo aéreo, a musculatura laríngea, a eficiência glótica e o suporte respiratório para a fala. Utilizou-se também a avaliação e inspeção da musculatura orofacial. Foram detectadas as seguintes alterações nas bases motoras da fala: articulação: alteração da extensão na produção de fonemas; precisão de vogais; extensão da frase; respiração: alteração na coordenação pneumofonoarticulatória; ressonância: nasalidade; fonação: alteração do fluxo aéreo e da musculatura laríngea; comprometimento do suporte respiratório e travamento articulatório; prosódia: alteração na velocidade da leitura de textos, entonação e marcação de prosódica de sílaba tônica. Acredita-se que o processo de terapia para disartria deve ser intensivo, onde se conclui que os benefícios do acompanhamento fonoaudiológico têm relação direta com frequência e o tempo da realização dos mesmos. Palavras-chave: doença de Wilson, disartria, avaliação fonoaudiológica. Abstract Wilson s disease (DW) is a genetic, recessive autosomal disease, caused by mutations of the ATP7B gene that acts in the biliary excretion of copper. The failure of this pathway causes changes of copper metabolism in the organism by impairing the ceruloplasmin synthesis, and leading to deposition of the metal in various sites of the organism, mainly liver, brain, cornea and kidneys. The patient, as a consequence, can present neurological, psychiatric, hepatic manifestations, as well as of other systems. The present report aims at showing the phonoaudiological evaluation and to describe the dysartria in a patient with WD who displayed the first signs of the illness with sudden catatonia and pain in the superior and inferior limbs, and changes of speech, gait and swallowing. The phonoaudiological evaluation included the five motor bases of speech. The examination of the maximum phonatory time (MPT) was also used to evaluate the aerial flow, the laryngeal muscle, the glottic efficiency, and the respiratory support of speech. The evaluation of orofacial muscle was also accomplished. The following changes in the motor bases of speech were detected articulation: extension in the production of phonems, precision of vowels, extension of the phrase; breath: changes in the pneumophonoarticulatory coordination,; resonance: nasality; phonation: changes of the aerial flow and of the laryngeal muscle; respiratory support for speech prosody: changes in the speed of the reading texts, tune and marking of tonic syllable prosody. It is believed that the therapeutic process for dysartria must be intensive, and the benefits of phonoaudiological follow-up bears a direct relation with the frequency and time of its accomplishment. Keywords: Wilson s disease, dysarthria, fonoaudiologic evaluation. Fonoaudióloga pesquisadora, INDC / UFRJ - ambulatório de pesquisa e assistência a doenças do neurônio motor e do distúrbios do movimento, especializada em Àudio-comunicação, Audiologia, Psicomotricidade, Fonoaudiologia hospitalar, mestre em Neurologia UNIRIO, perito judicial 2 Neurologista INDC / UFRJ, mestre em Neurologia UFRJ 3 Neurologista, médica do Serviço de Homeopatia do hospital da Lagoa, mestre em Neurologia UFRJ, coordenadora do ambulatório da ABRAH-RJ, professora do curso de formação da ABRAH-RJ 4 Acadêmica de Fonoudiologia UFRJ, ambulatório de DNM e distúrbio dos movimentos INDC/UFRJ. 1 Endereço para correspondência: simone_palermo@hotmail.com Revista Brasileira de Neurologia» Volume 48» Nº 3» jul - ago - set, 2012» 11

Viana S.M.P.O.; Bastos I.C.C.; Mendes M.F.X.; Rodrigues D. Introdução A Doença de Wilson (DW) é uma doença metabólica envolvendo o processamento inadequado do cobre no organismo, que resulta em um acúmulo do mesmo no tecido hepático, cerebral e corneano, entre outros 8. O distúrbio é o resultado de um comprometimento raro, cromossomial recessivo no gene ATP7B, ocorrendo em aproximadamente 1 a cada 80.000 indivíduos 13. O curso da doença tem início na idade adulta 13, ocorrendo em maior frequência no sexo masculino 15. Os sinais e sintomas mais comuns da doença são quadros parkinsonianos e de outras hipercinesias 13, que podem expressar clinicamente disartria, tremor, dificuldades na escrita, marcha atáxica, disdiadococinesia, distonia, rigidez, face em máscara, bradicinesia, disfagia hepatomegalia, esplenomegalia e trombocitopenia 1. A disartria é um dos sintomas neurológicos mais precoces na DW. Tem sido relatada ocorrendo em 51-81% dos pacientes 13. É uma desordem motora da fala, sendo decorrente da lesão do sistema nervoso central e/ou periférico, que provoca alterações das cinco bases motoras da fala: respiração, fonação, articulação, ressonância e prosódia. A fala desordenada na DW toma a forma de uma disartria mista, consistindo, principalmente de componentes espásticos, atáxicos e hipercinéticos 7. Starosta-Rubistein et al. (1987) relatam uma distonia hipercinética lenta em graus variados e que a combinação de tipos de disartrias e o nível de severidade variam amplamente entre indivíduos com a doença 3. O objetivo do trabalho é apresentar protocolo de avaliação fonoaudiológica e descrever a disartria na DW, ilustrado por caso do ambulatório de Fonoaudiologia do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ, Metodologia Caso clínico - descrição Paciente com 26 anos de idade, sexo masculino, em acompanhamento no Serviço de Neurologia do Instituto de Neurologia Deolindo Couto / UFRJ, com diagnóstico médico de doença de Wilson, apresentou os primeiros sinais e sintomas da doença aos 21 anos com quadro súbito de catatonia, algia em membros superiores e inferiores. Os primeiros sintomas foram alterações da fala, marcha e deglutição. Antecedentes pessoais: bronquite Antecedentes familiares: tios e parentes com alteração comportamental; bronquite. Exame clínico geral: sem alterações Exame neurológico: hiporreflexia profunda nos 4 segmentos, dismetria e disdiadococinesia em MSD, aumento importante da base de sustentação à marcha, nervos cranianos: paresia de palato, quadro de riso imotivado. Exame de laboratório: 05 / 2007 (Laboratório Lípase), cobre sérico: 55.1, ceruloplasmina < 2.0. Exame oftalmológico: 05/2007 - (Policlínica de Botafogo), depósitos corneanos profundos de cobre (anel de Kayser-Fleischer em formação). Ressonância magnética de crânio 03/2008. Alteração do sinal acometendo núcleos lentiformes, tálamo e substância cinzenta periaquedutal, associado à grande componente atrófico nestas regiões. Alargamento das cisternas, cissuras e sulcos corticais com aumento dos ventrículos supratentoriais. Achado incomum nesta faixa etária. O conjunto de achados em correlação com a história clínica são compatíveis com doença de Wilson. Avaliação fonoaudiológica Avaliação da musculatura e inspeção orofacial (Casanova, 1997). Musculatura cuticular da face examinada no repouso e ao movimento voluntário, musculatura mastigatória e da orofaringe, inspeção da cavidade oral: língua, dentes, oclusão dentária, inspeção do palato duro, posição em repouso do palato mole e sua movimentação ao emitir a vogal /a/. Avaliação da disartria - cinco bases motoras da fala (Ortiz, 2005). Compreende respiração, fonação, ressonância, articulação e prosódia. Tratamento Foram realizadas sessões de terapia uma vez na semana, com duração de 45 minutos A cada sessão foram propostos exercícios para as cinco bases motoras comprometidas na disartria. O paciente recebeu instruções para a realização de uma lista de exercícios diários para serem realizados em casa. 12» Revista Brasileira de Neurologia» Volume 48» Nº 3» jul - ago - set, 2012

Avaliação fonoaudiológica na doença de Wilson com relato de caso ilustrativo Resultados Os Quadros 1 e 2 apresentam os resultados do exame fonoaudiológico datado de 04/2009 relacionado à avaliação e inspeção da musculatura orofacial e das Bases motoras da fala. Quadro 1. Avaliação da musculatura e inspeção orofacial (Casanova, 1997). Avaliação e inspeção orofacial Oclusão dentária Palato duro Palato mole Língua Lábios Sialorréia Mandíbula Força da mordida Reflexo de deglutição (Viana, 2010) Reflexo protetivo (Viana, 2010) má oclusão atrésico mobilidade insuficiente tônus disto hipodesenvolvidos retrognatismo s (tosse e pigarreio) Resultados Quadro 2. Avaliação das Bases motoras da fala (Ortiz, 2005). Bases motoras Itens avaliados Resultados Coordenação pneumofonoarticulatória Inspiração/ expiração forçada Respiração Inspiração audível Tipo respiratório costal superior Ritmo lento Intensidade superficial Precisão de consoante Extensão de fonemas prolongada Precisão de vogais Extensão de frases Articulação Inteligibilidade Velocidade da fala lenta Fluência Ritmo de fala bradilalia Flutuação na frequência Intensidade Movimento velar insuficiente Ressonância Função do esfíncter velofaríngeo prejudicada Nasalidade Velocidade da leitura lenta Prosódia Entonação excessiva Marcação de sílaba tônica Marcação de elemento principal da frase Fonação Tempo máximo fonatório (Behlau & Pontes, 1995) /a/ 10s; /i/ 11s; /u/ 11s MT 10.6s /s/ 5s; /z/ 6s; s/z 0.8s contagem de números: 8s Alteração do fluxo aéreo e da musculatura laríngea, comprometi mento do suporte respiratório, travamento articulatório. Revista Brasileira de Neurologia» Volume 48» Nº 3» jul - ago - set, 2012» 13

Viana S.M.P.O.; Bastos I.C.C.; Mendes M.F.X.; Rodrigues D. Discussão Berry et al. (1974) identificaram desvios de características perceptivas da fala com vários componentes de disartria espástica, hipocinética e atáxica na disartria associada à DW. Ênfase reduzida, pitch (sensação subjetiva de frequência) e loudness (sensação subjetiva de intensidade) foram consistentes com o desvio das características prosódicas predominante na disartria hipocinética 5, enquanto pausas impróprias, exclusivas de indivíduos disártricos hipocinéticos, também são evidentes em indivíduos com DW 8. A disfunção fonatória evidenciada pelo pitch grave, qualidade vocal tensa e aspereza foram observadas s no início da fonação destes pacientes e considerada refletindo hipertonia laríngea similar à observada em indivíduos com disartria espástica 3. A hipernasalidade na fala de indivíduos com DW é compatível com a disartria espástica e foi verificada no caso apresentado (Quadro 2). Os elementos do excesso prosódico compreendendo velocidade lenta, fonemas e intervalos prolongados e ênfase excessiva aparentes na fala destes indivíduos são consistentes com dimensões de desvio associadas com disartria atáxica 5. Interrupções articulatórias detectadas em indivíduos disártricos atáxicos foram também demonstradas em pacientes com DW. As manifestações da articulação da palavra relatadas estão s no caso e apresentadas no Quadro 2. Diagnósticos precoces da DW antes que danos neurológicos permanentes tenham ocorrido junto com o tratamento por meio de drogas e dieta pobre em cobre podem reverter vários sintomas disártricos em pacientes com DW, diagnósticos tardios levam a anartria completa 6,11. O trabalho mostra a avaliação do paciente no que diz respeito à disartria e foi executada através dos protocolos de Casanova 4 (Quadro 1), Ortiz 9.10 (Quadro 2) e a fonação (TMF) foi avaliada segundo Behlau & Pontes 2 (Quadro 2). As avaliações apresentadas (Quadro 1 e 2) foram selecionadas por terem sido consideradas completas e objetivas, elucidando aspectos relevantes quanto à respiração do paciente, fonação, ressonância, assim como a articulação e prosódia. Ortiz (2005)(10) propõe análises completas sobre a respiração, a velocidade, tipo respiratório e capacidade vital. A avaliação de Ortiz também faz uso do teste tempo máximo fonatório (TMF) Behlau & Pontes 2, Quadro 2, que tem o objetivo de verificar a função laríngea. O exame TMF avalia os fones /a/, /i/,/u/,/s,/z/, faz a análise da relação s/z verificando a coaptação das pregas vocais durante a fonação e através da contagem de números é examinado o escape de ar durante a fala encadeada e o travamento articulatório, ou seja, o objetivo é verificar a eficiência glótica e a dinâmica da respiração em pacientes com desordens que cursam com alterações da fonação. Tal exame é utilizado como rotina no ambulatório de Fonoaudiologia do INDC/UFRJ em pacientes com doenças neurológicas que cursam com disartria e disfagia, pois, além de avaliar a eficiência glótica e a dinâmica da respiração do paciente na fonação, é possível ser verificado o controle respiratório do mesmo para realizar uma deglutição segura. É importante ressaltar que o fato relatado foi observado no ambulatório de Fonoaudiologia do INDC/UFRJ, durante a pesquisa e assistência aos pacientes com doenças neurológicas que cursam com disfagia 14. É também pertinente relatar que o paciente sem suporte respiratório fica com o controle da deglutição alterado e portanto sujeito a intercorrências no ato da deglutição 14. Enfatizou-se a importância da frequência da realização dos exercícios em função da terapia semanal. Acredita-se que o processo de terapia para disartria deve ser intensivo. Conclusão A disartria é uma desordem motora da fala, sendo decorrente da lesão do sistema nervoso central e/ ou periférico, que provoca alterações das cinco bases motoras da fala: respiração, fonação, articulação, ressonância e prosódia. A fala na doença de Wilson é desordenada e toma a forma de uma disartria mista acarretando componentes espásticos, atáxicos e hipocinéticos As alterações das cinco bases motoras da fala detectadas no caso foram - articulação: alteração na extensão da produção de fonemas, precisão de vogais, extensão da frase; respiração: alteração na coordenação pneumofonoarticulatória, suporte respiratório para a fala; ressonância: nasalidade; fonação: alteração do fluxo aéreo e da musculatura laríngea, comprometimento do suporte respiratório, travamento articulatório; prosódia: alteração na velocidade da leitura de textos, entonação e marcação de prosódica de sílaba tônica. 14» Revista Brasileira de Neurologia» Volume 48» Nº 3» jul - ago - set, 2012

Avaliação fonoaudiológica na doença de Wilson com relato de caso ilustrativo Acredita-se que o processo de terapia para disartria deve ser intensivo. A fonoaudiologia pode intervir de maneira valiosa na doença de Wilson, no que diz respeito aos distúrbios relacionados à fala e a deglutição, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Referências 1. ADAM R.D. & VICTOR, M. Principles of neurology, Mc- Graw-Hill, New York, 1991 2. BEHLAU, M.; PONTES, P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise, 1995. 3. BERRY, W.R. Darley F.L. Aronson A.E. And Goldstein, N.P. Dysarthria in Wilson s disease. Journal of Speech and Hearing 1974. 4. CASANOVA, J.P. Manual de Fonoaudiologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 2ª ed., 1997. 5. DARLEY, F.; ARONSON, A.E.; BROWN, J.R. Clusters of deviant speech dimensions in disarthrias. J Speech Hear Res., [S.l.], v. 12, p. 462-468, 1969a. 6. ARONSON, A.E.; BROWN, J.R. Motor speech disorders. Philadelphia: WB Sauders, 1975. 7. DUFFY, J.R Motor Speech Disorders: Sbstrates, Diffrential diagnosis and management, Mosby-Year Book, Baltimore, MD. 1995 8.MURDOCH, B.E. Disartria. Uma abordagem Fisiológica para avaliação e tratamento. São Paulo: Lovise, 2005. 9. ORTIZ, K.Z. Alterações da fala: disartrias e dispraxias. In: FERREIRA, L.P.; BEFI-LOPES, D.M.; LIMONGI, S.L.D. (Orgs.). Tratado de Fonoaudiologia, São Paulo: Roca, 2004. 10.. Distúrbios Neurológicos Adquiridos: fala e deglutição. São Paulo: Manole, 2005. 11. PRATER, R.J. and SWIFT, R.W. Manual of Voice Therapy, Little, Brown& Co, Boston, MA. 1984. 12. STAROSTA- RUBISTEIN, S., Young, A. B. Kluin, K. Et al Clinical assessment of 31 patients with Wilson s disease. Archives of neurology 1987. 13. STREMMEL, W., Meyerrose, K. Niederau, C. et al Wilson disease: clinical presentation, treatment and survival. Annals of internal medicine, 1991. 14. VIANA, SM.P.O. Disartria e disfagia na esclerose lateral amiotrófica. Método de avaliação fonoaudiológica: análise de uma série de 170 pacientes no Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Centro de ciências biológicas e da saúde Mestrado em Neurologia, 2010. 15. WALSHE, J.M. Wilson s disease (hepaticolenticular degeneration), in Hand-book of clinical neurology, vol.27, Metabolic and deficiency diseases of the nervous system, (eds. P.J. Vinken, G. W. Bruyn and H.I. Klawans), Elsevier, Amsterdam, 1976. Revista Brasileira de Neurologia» Volume 48» Nº 3» jul - ago - set, 2012» 15