Reestruturação Produtiva no setor de fumo: Uma análise sobre o PRONAF na agricultura familiar do fumo e um estudo de caso em Santa Cruz do Sul RS Hinuany Borges de Melo¹ Previtalli² Fabiane Santana O objetivo desse artigo é discutir como a reestruturação produtiva do capital no âmbito rural tem modificado as relações de trabalho e influenciado a criação de políticas públicas específicas para a agricultura familiar, especialmente a partir da década de 1990. Partimos da análise do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF, principal programa de auxilio ao agricultor familiar, que busca o apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família, bem como de uma discussão teórica sobre a agricultura familiar no Brasil e um estudo de caso sobre a fumicultura na região Sul do Brasil, na cidade de Santa Cruz do Sul onde realizamos entrevistas com o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil AFUBRA, com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo e Alimentação de Santa Cruz do Sul e Região - STIFA e com os fumicultores, as entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2009. Os dados apresentados ainda são preliminares, pois a pesquisa está em andamento. 1 - Introdução: 1.1 Reestruturação Produtiva: Nas últimas décadas as economias capitalistas vêm sofrendo profundas transformações, essas transformações estão associadas a um processo de reestruturação das 1 Estudante de Graduação do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista CNPq/ UFU. 2 Professora Doutora do Departamento da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.
formas de organização do capital e a uma onda de difusão de inovações tecnológicas e/ou organizacionais ao longo das mais diversas cadeias produtivas. No centro dessas transformações verifica-se um intenso processo de reorganização do trabalho e de elevação da produtividade, afetando o volume e a estrutura do emprego, o perfil e a hierarquização das qualificações e os padrões de gestão da força de trabalho. Este conjunto de inovações aponta para a constituição de um novo paradigma de organização industrial qualitativamente distinto do modelo de eficiência taylorista-fordista que se forma e difunde a partir da Segunda Revolução Industrial. A introdução e difusão de inovações técnicas e/ou organizacionais no processo produtivo alteram as forças produtivas no modo de produção e reprodução social capitalista. No entanto, deve-se ressaltar que também as relações de trabalho impõem-se como elementos determinantes no processo de inovação na medida em que a escolha da inovação bem como o momento de sua introdução está intimamente relacionada à dinâmica das relações de classe na luta pelo controle do processo de trabalho. É exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores que ele necessita aumentar a utilização e a produtividade do trabalho. O que se observa durante essa nova fase de reestruturação do capital é a redução do tempo de trabalho físico e manual direto, característico da fase de acumulação taylorista-fordista, combinada ao crescimento do trabalho multifuncional, flexível e participativo, elementos centrais do toyotismo, ao mesmo tempo em que se desenvolvem formas cada vez mais precarizadas de exploração do trabalho no contexto da mundialização (ANTUNES, 2000 e 2006). É importante destacar que em determinados momentos históricos um conjunto de mudanças, envolvendo novas práticas de organização do processo de trabalho tornam-se paradigmáticas, em função das mudanças que assinalam nas práticas industriais anteriores. Essas mudanças, resultado da dinâmica das relações de classe, acabam por promover um grande salto quantitativo e qualitativo no processo de acumulação capitalista, traçando assim novos contornos para a luta de classes, implicando em transformações significativas na estrutura social, política e cultural na sociedade determinada pela lógica do capital. 1.2 - Agricultura familiar:
O estudo sobre a agricultura familiar, e a própria utilização desse conceito pelos teóricos sociais, segundo Schneider (2003) emergiu no contexto brasileiro a partir de meados da década de 1990, demonstrando que no campo político a adoção da expressão parece ter sido encaminhada como uma nova categoria-síntese pelos movimentos sociais do campo e que essa definição poderia resguardar, categorias sociais que não podiam mais ser identificadas como: pequenos produtores ou como trabalhadores rurais. Apesar de haver divergências entre os autores que caracterizam a agricultura familiar, a maioria das definições adotadas baseia-se em questões como: mão-de-obra utilizada, tamanho da propriedade, e na renda gerada pela atividade agrícola, mas em todas as definições de agricultura familiar há um ponto de convergência, contrariando o modelo patronal, no qual há completa separação entre gestão e trabalho, no modelo familiar estes fatores estão intimamente relacionados (Carmo, apud TINOCO, 2006), Tinoco diz que ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, a família assume o trabalho no estabelecimento. Somente a partir da última década a agricultura familiar se consolidou como um campo de pesquisa, tanto para cientistas sociais, como para diversos segmentos acadêmicos, e quando se trata de políticas públicas voltadas para o setor, à situação não foi diferente, foi através do surgimento do PRONAF, principal programa de assistência ao agricultor familiar que ouve a consolidação política da agricultura familiar enquanto um setor peculiar da agricultura brasileira e justamente por isso, a necessidade de um olhar diferenciado por parte do Estado, Abramovay ressalta que a criação de políticas especifica para a agricultura é fundamental tanto para sua consolidação quanto para sua manutenção. O Programa Nacional de Fortalecimento Familiar (PRONAF) tem como objetivo o apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua família, entende-se por serviços, atividades ou renda não-agropecuários aqueles relacionados ao turismo rural, à produção artesanal, ao agronegócio familiar e à prestação de serviços no meio rural, que sejam compatíveis com a natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-deobra familiar.
O PRONAF surgiu em meados de 1996, e segundo Schneider, principalmente como resposta às pressões do movimento sindical rural que ocorriam na década de 90, que lutavam contra o elevado custo e a escassez de crédito, apontado pelos agricultores familiares como os principais problemas da época: [...] Diante dos desafios que o sindicalismo rural enfrentava nesta época impactos da abertura comercial, falta de crédito agrícola e queda dos preços dos principais produtos agrícolas de exportação, a incorporação e a afirmação da noção de agricultura familiar mostrou-se capaz de oferecer guarida a um conjunto de categorias sociais, como, por exemplo, assentados, arrendatários, parceiros, integrados a agroindústrias, entre outros, que não mais podiam ser confortavelmente identificados com as noções de pequenos produtores ou, simplesmente, de trabalhadores rurais. (SCHNEIDER, 2003) O argumento fundamental para a viabilização do PRONAF é o fato de que os produtores familiares não teriam condições financeiras de utilizar as taxas e juros do mercado comum, e que o Estado deveria entender os agricultores familiares como uma categoria social considerada específica e que necessita de políticas públicas diferenciadas (juros menores, apoio institucional) (SCHNEIDER, 2003), além disso, os seus rendimentos também não seriam compatíveis nem suficientes para reembolsar empréstimos tomados em condições comerciais (GUANZIROLI, 2007) Quando se trata de questões como políticas públicas voltadas para a agricultura e necessário que se vá para além de questões econômicas, apesar da importância e relevância dos argumentos utilizados por Schneider e Guanziroli para explicar a necessidade e a viabilização do PRONAF, Abramovay diz que a característica central da agricultura moderna está exatamente na capacidade que ela oferece ao Estado de exercer um controle rigoroso sobre seu próprio processo de desenvolvimento, esta é das razões pelas quais as políticas públicas para a agricultura capitalista contemporânea tendem a incorporar
elementos que não são exclusivamente econômicos: o meio ambiente, a luta contra o abandono do campo, o estímulo à diversificação das atividades produtivas são preocupações incompatíveis com o mercado como instância socialmente organizadora. (ABRAMOVAY, 2007). 2 Fumicultores de Santa Cruz do Sul: Foi realizada no segundo semestre de 2009 a parte empírica da pesquisa, constituída de uma visita à cidade de Santa Cruz do Sul que fica localizada em uma região conhecida como Vale do Rio Pardo no estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa pretendia identificar e verificar as particularidades que existem no campo e mais especificamente o que ocorre com os trabalhadores rurais no âmbito da reestruturação produtiva do capital e as políticas públicas que foram desenvolvidas devido a essas particularidades, mas especificamente o caso dos fumicultores da região do sul com enfoque na cidade de Santa Cruz do Sul. Para isso foram realizadas entrevistas com os fumicultores da região, com o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil Afubra, e com o do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fumo e Alimentação de Santa Cruz do Sul e Região STIFA. Nas entrevistas realizadas com os fumicultores da região sul do Brasil, foi possível identificar que entre as inovações técnicas e organizacionais, características da reestruturação produtiva, implantadas pelas empresas (fornecedoras de insumos, adubos e sementes para os agricultores, e pelas empresas que compram o fumo já em seu estado final), a prioridade é a qualidade dessas sementes e adubos, por isso há centros de estudos (dentro das empresas), preocupados em modificá-las buscando sempre qualidade e eficiência com baixo custo, a qualificação profissional dos trabalhadores é uma preocupação secundária dessas empresas (e em alguns casos, até inexistente). No livro: Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão, Abramovay apresenta uma classificação feita por Radoje Nikolitch, que fala sobre as family farms, que são as unidades familiares de produção que contam apenas com o trabalho familiar ou com uma quantidade de trabalho assalariado que, em média, não ultrapassa a contribuição da própria
família, e as larger than family farms, caracterizadas pelas unidades produtivas ultrafamiliares ou patronais, onde os membros da família não executam nenhuma atividade diretamente ligada ao processo de trabalho ou o executam, mas numa proporção menor que a oferecida pela mão-de-obra contratada, Abramovay ressalta que essa classificação coloca a natureza social da atividade produtiva (familiar ou patronal), e não a divisão entre grande e pequena produção. É importante ressaltar que a maior parte dos produtores de fumo de Santa Cruz do Sul e região possuem as características de family farms, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil existem cerca de 180.520 fumicultores em toda região sul do Brasil (dados safra 2007/08), desse total cerca de 39 mil famílias, ou seja, 21,6% não possuem terra própria e sobrevivem através de sistema de parceiras ou lotes arrendados, mas a maioria dos produtores da região sul, são minifundiários com propriedades que têm, em média, de 1 a 10 hectares de extensão, dos quais apenas 3 hectares em média, são empregados na produção de fumo, esse dado corresponde a 65.517 mil famílias, cerca de 36,3 % do total de fumicultores do Sul, sendo que cada propriedade dessa rende em média 5.575 quilos de fumo em folha. 3 - Considerações Finais: A produção de fumo é fundamental para da cidade de Santa Cruz do Sul (renda da cidade), a subsistência da comunidade local gira em torno da produção e exportação de tabaco, por isso o PRONAF enquanto um programa que visa o financiamento de atividades agropecuárias e não-agropecuárias tem grande importância e influência para a região Sul do país, vários estudos apontam críticas acerca desse programa, uma delas é a feita por Petrelli que afirma que o PRONAF estaria privilegiando, na verdade, a propriedade familiar eficiente em detrimento dos mais fragilizados. (Petrelli, apud. GUANZIROLI, 2007). Ela ainda diz que: [...] no leque do universo considerado como sendo o de agricultores familiares o grupo mais economicamente integrado tem recebido as benesses desta integração e
conseguiu fazer parte do processo de modernização conservadora. Podemos verificar a alta participação das liberações para fumo e soja sobre o total financiado, lembrando que estes produtos têm ligação direta com a produção agroindustrial e de exportação. Paralelamente, verificamos a baixíssima participação de liberações para a produção de arroz, feijão e outros produtos dirigidos ao mercado interno. Haveria também domínio quase que total dos recursos na região Sul nos primeiros anos de implantação do PRONAF que estaria sendo contrabalançado nos anos posteriores. (PETRELLI, 2005) É importante ressaltar que os resultados são preliminares e que a pesquisa está em andamento e é preciso um maior aprofundamento teórico e empírico. 4 - Bibliografia: ABRAMOVAY, R. Paradigmas do Capitalismo Agrário em Questão São Paulo: Edusp, 2007, 3 ed. ANTUNES, R. - Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo. 2000. ANTUNES, R. - Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo.2006 GUANZIROLI, E. - PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v.45 n.2 Abr../Jun. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-20032007000200004&script=sci_arttext>. Acesso: 02/02/2010.
SCHNEIDER. S. Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais - v.18 n.51. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v18n51/15988.pdf>. Acesso em: 02/02/2010. TINOCO. S. T. J. Conceituação de Agricultura familiar: Uma revisão bibliográfica. Disponível em: <http://www.infobibos.com/artigos/2008_4/agricfamiliar/index.htm>. Acesso em: 02/02/2010.