La arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. Coord.: José Luis Sáinz Guerra, Félix Jové Sandoval Editor: Cátedra Juan de Villanueva, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Valladolid ISBN: 978-84-693-4554-2 D.L.: VA-648/2010 Impreso en España Valladolid Septiembre de 2010 Publicación online. Para citar este artículo: QUITERIO, Paulo. Castelo de Paderne, Portugal. Intervenção na sua muralha almôada. En: Arquitectura construida en tierra, Tradición e Innovación. Congresos de Arquitectura de Tierra en Cuenca de Campos 2004/2009. [online]. Valladolid: Cátedra Juan de Villanueva. Universidad de Valladolid. 2010. P. 67-74. Disponible en internet: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones/digital/libro2010/2010_9788469345542_p067-074_quiterio.pdf URL de la publicación: http://www5.uva.es/grupotierra/publicaciones.html Este artículo sólo puede ser utilizado para la investigación, la docencia y para fines privados de estudio. Cualquier reproducción parcial o total, redistribución, reventa, préstamo o concesión de licencias, la oferta sistemática o distribución en cualquier otra forma a cualquier persona está expresamente prohibida sin previa autorización por escrito del autor. El editor no se hace responsable de ninguna pérdida, acciones, demandas, procedimientos, costes o daños cualesquiera, causados o surgidos directa o indirectamente del uso de este material. This article may be used for research, teaching and private study purposes. Any substantial or systematic reproduction, re-distribution, re-selling, loan or sub-licensing, systematic supply or distribution in any form to anyone is expressly forbidden. The publisher shall not be liable for any loss, actions, claims, proceedings, demand or costs or damages whatsoever or howsoever caused arising directly or indirectly in connection with or arising out of the use of this material. Copyright Todos los derechos reservados de los textos: sus autores. de las imágenes: sus autores o sus referencias.
CASTELO DE PADERNE, PORTUGAL INTERVENÇÃO NA SUA MURALHA ALMÔADA III Congreso de Tierra en Cuenca de Campos, Valladolid, 2006 Arq. MSc. Paulo Quitério IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico. Olhão, Portugal O Castelo de Paderne O Castelo de Paderne, no Algarve, localizase na aldeia e freguesia de mesmo nome, Concelho de Albufeira, Distrito de Faro, em Portugal. Ergue-se em posição dominante sobre a ribeira de Quarteira, cerca de 2 km ao Sul da aldeia. Durante a ocupação muçulmana, era um dos castelos mais temidos, pelo facto de estar numa posição elevada beneficiando ainda da ribeira de Quarteira que o rodeava e sobretudo pela ajuda preciosa das suas muralhas construídas em taipa, de grande espessura Devido à sua difícil conquista, o castelo de Paderne ganhou espaço na bandeira nacional (é um dos sete castelos que nela figura). O tempo trouxe a degradação e o esquecimento, mas não apagou ainda a singular História deste símbolo do nosso País. As suas ruínas, de cor avermelhada, constituem um dos exemplares mais significativos da arquitectura militar muçulmana na península Ibérica, destacando-se na paisagem como um aviso de chegada ao Algarve para quem entra na Via do Infante, vindo da A2 (Lisboa). O efeito cenográfico é multiplicado à noite, graças à iluminação instalada pela Região de Turismo do Algarve. CASTELO DE PADERNE. INTERVENÇÃO NA SUA MURALHA ALMÔADA 67
ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA História O castelo foi erguido em taipa pelos Almóadas (dinastia berbere magrebina que esteve presente no al-andalus) entre o século XI e o século XII, durante a última fase da ocupação muçulmana da península, controlando a antiga estrada romana que cruzava a ribeira de Quarteira por uma ponte a Sudeste. Neste período, o progresso da Reconquista cristã levava à edificação de uma linha defensiva integrada por fortificações de porte médio e de carácter rural na região (Paderne, Belinho, Salir), das quais esta é um dos melhores exemplos. A referência mais antiga sobre o castelo remonta a 1189, quando foi conquistado em um violento assalto nocturno pelas forças de D. Sancho I (1185-1211), com o auxílio de uma esquadra de cruzados ingleses. Esse domínio, entretanto, foi efémero, uma vez que, já em 1191, foi recuperada pelas forças almóadas sob o comando do califa Abu Yusuf Ya'qub al-mansur. A sua posse definitiva para a Coroa portuguesa só viria sob o reinado de D. Afonso III (1248-1279) com a conquista pelo Mestre da Ordem de Santiago, D. Paio Peres Correia, em 1248, iniciando-se o repovoamento da região. Sob o reinado de D. Dinis (1279-1325), os domínios da vila e seu castelo, bem como o padroado da sua igreja, foram doados pelo soberano à Ordem de Avis, na pessoa de seu Mestre, D. Lourenço Anes. Não se registram, entretanto, no período, obras de recuperação no castelo, à semelhança do que ocorreu com o Castelo de Alvor (1300), as muralhas de Tavira (1303) ou as de Castro Marim (1303), mas tão somente algumas construções no seu interior, como a edificação da primitiva capela, actualmente em ruínas. No século seguinte, instaurando-se o ciclo dos Descobrimentos portugueses, as preocupações estratégicas e económicas concentram-se nas costas do reino, perdendo Paderne a sua importância e a sua função defensiva. O Castelo foi abandonado a partir do século XVI, quando a povoação se transferiu para o actual sítio, caiu progressivamente em ruínas nos séculos seguintes. O processo foi agravado com os estragos causados pelo terramoto de 1755 à estrutura, em particular à sua torre de menagem, como registrado pelas Memórias Paroquiais, em 1758. No entanto, permanecem as ruínas do castelo, constituídas por alguns troços de muralhas, a torre albarrã e as paredes da igreja capela, com influências góticas e manuelinas, no seu interior encontrava-se uma cisterna (actualmente existem duas), entulhadas, foram classificadas como Imóvel de Interesse Público através do Decreto-Lei 516/71 de 22 de Novembro. O imóvel foi adquirido pelo Ministério da Cultura, através do IPPAR, em Setembro de 1997. A partir de então, este órgão (Direcção Regional de Faro), iniciou-lhe trabalhos de prospecção arqueológica (a cargo de Helena Maria Gomes Catarino, em co-direção com Isabel Inácio e colaboração de Ricardo Teixeira), no âmbito de um projecto mais amplo, de recuperação, requalificação e valorização museológica. Taipa militar O castelo apresenta uma planta em formato quadrangular irregular, orgânica, ocupando uma área de cerca de 1.000 m2. Além das características típicas da arquitectura militar Almóada, como os muros em taipa, a torre albarrã de planta quadrada, que se eleva a cerca de 10 metros de altura a Leste, e a porta em cotovelo no ângulo oposto à torre, os seus remanescentes evidenciam influências do estilo gótico e manuelino, como a barbacã que defendia essa porta. É um dos exemplos mais significativos da arquitectura militar, de construção em taipa, em território português. caso do castelo de Paderne é quase único, uma vez que em consequência do abandono que sofreu a partir do século XVI, as suas muralhas mantiveram a tecnologia construtiva e o desenho arquitectónico que lhe deram os seus fundadores almóadas. O mesmo abandono possibilitou que as intervenções arqueológicas dos últimos anos exumassem significativo espólio tardo-medieval demonstrativo da existência, no interior da muralha, quer de um espaço planificado e totalmente urbanizado de raiz, quer a posterior adaptação das estruturas habitacionais 68 PAULO QUITÉRIO
TRADICIÓN E INNOVACIÓN Figura 1. Ensaios das várias misturas utilizadas para a realização da taipa almóadas ao conceito de espaço doméstico dos conquistadores portugueses A taipa é uma técnica construtiva modular à base de terra e inertes empregue com o objectivo de erguer uma parede. Realiza-se colocando taipais, com a função de cofragem e verte-se no seu interior camadas de 10cm de espessura de argamassa que são compactados através de sucessivos golpes de pilão. Uma vez terminado o módulo de um bloco de taipa, recupera-se o taipal e recoloca-se a seguir para acrescentar um novo módulo à fiada. Cada módulo guarda, em si, o negativo dos elementos que compõem a cofragem. Empregue ainda hoje em diversos tipos de edificações pela sua simplicidade e baixo custo, revela-se bastante resistente (desde que bem isolada), atingindo facilmente esta condição em climas quentes e secos com baixos índices de pluviosidade. Tradicionalmente é isolada com cal, em aplicações repetidas com regularidade, podendo ainda ser revestida com pedras. Este tipo de taipa podemos encontrar no interior do castelo, nas construções domésticas actualmente postas a descoberto através das escavações arqueológicas. A taipa militar é uma variante da taipa ordinária, tem uma maior percentagem de cal e pode CASTELO DE PADERNE. INTERVENÇÃO NA SUA MURALHA ALMÔADA 69
ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA Figura 2. Taipa de duas faces Figura 3. Taipa de uma face atingir grandes espessuras, que a torna mais resistente. É este tipo de taipa que encontramos nas muralhas de Paderne, dos quais os almóadas, foram paradigmáticos na sua utilização para construir estruturas defensivas A argamassa (terra, cal e inertes) deverá ter consistência semi-seca. O enchimento dos taipais e respectivo apisonamento é feito por capas ou tongadas para obter a melhor compactação possível, pois dela dependerá a resistência e a estabilidade da taipa fabricada. Quando observamos uma muralha de taipa militar como a de Paderne, para além dos módulos, apercebemo-nos dos sinais deixados pelos taipais e agulhas, funcionado como imagem de marca da construção, assim como da sua grande espessura. Outra particularidade é a simulação de juntas de grandes silhares na taipa almóada ibérica. As muralhas califais hispano-mouriscas apresentam no seu exterior, fachas de reboco que simulam as juntas de grandes silhares, com uma técnica próxima do estuque. Os viajantes muçulmanos que as descreveram, tomaram-nas, com frequência, por estruturas de alvenaria de pedra. Temos exemplos desses silhares em Silves e Paderne. Diagnóstico, materiais e ensaios A intervenção na muralha original implicou o seu estudo. Foi realizado o reconhecimento geofisico para determinação indirecta das características das fundações ocorrentes no local. As condicionantes arqueológicas não permitiram o uso de métodos directos (poços), por isso foram executados seis perfis sísmicos com um comprimento de 30m, com 12 geofones de 2,50m, considerando 3 ponto de impacto, distribuídos ao longo das muralhas que apresentavam problemas estruturais. Realização de ensaios normalizados para determinar as características físicas e químicas dos componentes da muralha e das terras disponíveis, em função das quais se estabelecem percentagens apropriadas das misturas: terra, gravilhas, estabilizante e a humidade óptima de compactação. Posteriormente foram realizado vários ensaios com as várias misturas de forma a obtermos a melhor solução para a nova intervenção. 70 PAULO QUITÉRIO
TRADICIÓN E INNOVACIÓN Figura 4. Terra projectada Figura 5. Limpeza de elementos estranhos à taipa Métodos de intervenção Os métodos de intervenção aplicados ao caso concreto, depois de diagnosticados, identificados e testados, resumiram-se a três formas: realização de taipa tradicional (dois taipais), taipa de meia cofragem (um taipal) e por fim terra projectada. A taipa tradicional (dois taipais) foi aplicada em zonas totalmente derrubadas recorreu-se ao método original como forma de preencher as faltas. Utiliza-se uma cofragem normalizada, composta por dois taipais (medidas 2,50m x 0,85m x 2,00m). Este método, definido como 'taipa de duas faces', apresenta o menor grau de dificuldade de execução, uma vez encontrada a correcta composição e humidade da mistura. A taipa de meia cofragem (um taipal) foi aplicada na conservação e restauro de zonas com patologias presentes numa só superfície do módulo de taipa, optou-se por utilizar uma adaptação decorrente do processo construtivo, usando um único taipal, medidas adaptadas ao módulo 2,50m x 0,85m x profundidade variável (média de 0,50m / mínima 0,30m ). Este método é mais complexo e demorado na sua execução, mas garante a leitura do edifício através dos módulos e o negativo dos taipais, funcionando como a "pele" do monumento. Por fim a terra projectada foi utilizada onde a compactação não é possível. Apesar do produto final apresentar compacidade e humidade próximas do material constituinte da taipa original, não utiliza cofragem nem agulhas, pelo que não permite o negativo dos taipais na superfície da taipa, nem a definição dos limites do módulo. Depois da limpeza manual e mecânica da área a tratar, a mesma recebe uma pré-consolidação com aspersão de leite de cal. Na projecção utiliza-se argamassa de terra a uma velocidade de 300 Km/h. Execução em obra Em todos os casos houve a necessidade de eliminar os elementos estranhos à taipa, principalmente raízes e plantas, bem como da capa superficial em desagregação até se obter um superfície texturada e consistente com o seu núcleo. Quando o módulo de taipa a restaurar tem uma lacuna profunda no seu interior, utilizase a projecção de argamassa de terra. Por sua vez quando o módulo de taipa a restaurar tem uma lacuna extensa utiliza-se o método da taipa com uma face. Depois da limpeza da área são realizadas perfurações para a colocação de mini-pregagens e posterior preenchimento dos mesmos com uma massa de propriedades resistentes à tracção. As mini-pregagens são de aço inoxidável de Ø 8mm, em forma de U, colocadas em espaços de 60 cm e desencontrados por fileira, presas ao núcleo por buchas e argamassa fluida sem retracção. Garantem a união da taipa executada recentemente com o seu suporte. A vara de aço inoxidável longitudinal é colocada para prevenir possíveis fissuras verticais. A cofragem em madeira de pinho é colocada de CASTELO DE PADERNE. INTERVENÇÃO NA SUA MURALHA ALMÔADA 71
ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA Figura 6. Colocação de mini-pregagens para a realização de taipa de uma face forma a ser estanque e indeformada, através da colocação de três meias-agulhas (colocadas à distância de 80 cm entre si) e presas ao paramento por tirantes. As agulhas foram emersas, em água, durante 21 dias. Quando o módulo da taipa está destruído na totalidade, opta-se pela taipa de duas faces (tradicional), neste caso as cofragens são presas entre si. Depois de colocados os painéis, inicia-se o apisonamento, com a finalidade de reduzir dos espaços vazios entre as partículas de terra, aumentando a sua densidade e diminuindo a porosidade e as variações de volume devido à presença de água. Um bom apisonamento garante a resistência e a estabilidade da taipa fabricada. Nesta intervenção iniciou-se sempre o apisonamento da taipa com um pisão (força manual - de 8 a12 Kg), dos extremos para o centro. Nesta obra também foi utilizado um pisão mecânico (força pneumática). A diferença de procedimento entre a "taipa de duas faces" e a de "uma face" é que, na primeira, o operário posiciona-se no interior do caixotão formado pelos taipais e na segunda no exterior do único taipal. Depois de terminado o módulo, inicia-se o processo de cura da taipa recentemente executada. Vinte e quatro horas após a execução de um novo módulo de taipa, durante um mínimo de 7 dias, é feita uma rega diária. O módulo é protegido com uma tela respirável. A secagem da taipa deverá ser lenta, para evitar a retracção e a expansão dos materiais, e consequente aparecimento de fissuras na sequência de variações súbitas de humidade e temperatura. O tempo ideal de protecção é de dois a três meses. Estes foram os processos aplicados na consolidação e recuperação da muralha do castelo, simultaneamente iniciou-se no interior um vasto conjunto de escavações arqueológicas (a cargo de Helena Maria Gomes Catarino, em co-direção com Isabel Inácio e colaboração de Ricardo Teixeira). 72 PAULO QUITÉRIO
TRADICIÓN E INNOVACIÓN Figura 7. Pano de muralha finalizado Conclusão Depois de consolidada a muralha, iniciou-se um projecto mais amplo, de recuperação, requalificação e valorização museológica, até ao momento foi realizada a instalação de iluminação nocturna. Actualmente encontra-se em realização o projecto de musealização dos vestígios arqueológicos. Estas intervenções de consolidação e valorização deverão ser objecto de um Plano Integrado, que inclui um centro interpretativo, percursos pedestres de acesso ao castelo e possível integração com outros objectos de interesse patrimonial que existem no local. Todo o esforço de intervenção na muralha almóada de Paderne só é compensado com um Plano Integrado de Valorização e Dinamização de toda a envolvente, mas penso que em termos de arquitectura de terra, a intervenção já compensou, mas os monumentos não vivem só disso. CASTELO DE PADERNE. INTERVENÇÃO NA SUA MURALHA ALMÔADA 73
ARQUITECTURA CONSTRUIDA EN TIERRA Bibliografía MAGALHÃES NATÉRCIA; O Legado Arquitectónico Islâmico no Algarve, IPPAR- Direcção Regional de Faro, Faro, 2002; QUITÉRIO, PAULO; Algarve - Memórias de um lugar, Comunicação apresentada no CISAV'05 - Congreso sobre Arquitectura Vernácula, Universidade Pablo Olavide, Sevilla, 2005. QUITÉRIO, PAULO; Arquitecturas de Terra, Tese de Mestrado em Reabilitação da Arquitectura e Núcleos Urbano, Faculdade de Arquitectura - Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2003; 74 PAULO QUITÉRIO