UM ESTUDO SEMIÓTICO DOS PERSONAGENS PASCOAL E SAFIRA DA TELENOVELA BELÍSSIMA

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Transcrição:

UM ESTUDO SEMIÓTICO DOS PERSONAGENS PASCOAL E SAFIRA DA TELENOVELA BELÍSSIMA Ana Paula Ferreira de MENDONÇA (PG-UEL) Loredana LIMOLI (UEL) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: MENDONÇA, Ana Paula Ferreira de; LIMOLI, Loredana. Um estudo semiótico dos personagens Pascoal e Safira da telenovela Belíssima. In: CELLI COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1163-1171. A telenovela, no Brasil, é vista como um discurso que propicia a formação de uma opinião pública e o estabelecimento de consensos. Se tomarmos a realidade como referente, percebemos que televisão constrói um mundo paralelo. De certo modo, os elementos que compõem as ações dos personagens, que dão realidade aos lugares, buscam sempre um apoio na realidade; o real é sempre o referente. Deste modo, pensando no envolvimento dos telespectadores com as telenovelas, surgiram algumas questões relativas ao estudo desse gênero. A partir de um histórico levantado sobre a telenovela brasileira, desde o seu surgimento na década de 50, percebemos que ela se faz presente, cada vez mais, no diaa-dia das pessoas. Entre as décadas de 60/70, as histórias encontraram uma linguagem própria e tipicamente brasileira, utilizando todos os recursos da televisão. A consolidação aconteceu em 1968, na TV Tupi, com Beto Rockfeller, que fez história com sua descontração e atualidade. Ortiz (1991) trouxe, em seu livro, uma citação de um cronista da Revista do Rádio, que traduz o sentimento das pessoas pela TV, postulando que a televisão tornou-se uma doce epidemia, uma doença agradável, que se contrai com prazer e alcança foros epidêmicos que ultrapassam a imaginação [...] (apud Ortiz, Borelli e Ramos 1991:62). Sendo assim, desprezar a TV como uma possível ajudante na educação é desconhecer a importância desse meio de comunicação social, principalmente no que diz respeito ao povo brasileiro, um povo que tem na TV o seu principal meio de interação com a realidade (SODRÉ, 1977:110). 1163

REFERENCIAL TEÓRICO Pensando numa proposta de trabalho com a telenovela, encontramos na semiótica greimasiana um aparato teórico-metodológico capaz de fornecer um excelente e completo instrumental de leitura, pois trata de textos de diferentes naturezas. As vantagens trazidas pelo trabalho com a semiótica greimasiana são numerosas. Primeiramente, os procedimentos de análise preconizados por essa abordagem para o texto verbal e para o texto não-verbal são bastante semelhantes, o que de certa forma representa uma economia de meios de acesso a dois tipos de texto supostamente muito diferentes. De um modo geral, entende-se que o texto (seja ele verbal, visual ou sincrético) deva ser desconstruído na análise, visando à compreensão das estratégias utilizadas para a significação. Embora a semiótica de linha greimasiana seja vista como uma teoria de difícil compreensão, a prática de análise tem-nos mostrado que alguns conceitos podem ser assimilados na escola de nível médio, ou mesmo fundamental, desde que a didatização ocorra a partir de objetos de estudo que atendam às expectativas das crianças. Os conhecidos níveis da análise greimasiana, por exemplo, podem perfeitamente fazer parte das atividades de leitura, conforme afirma LIMOLI (2000): A percepção dos três níveis não é difícil de ser ensinada na escola. Em geral, os alunos de 2º grau são perfeitamente capazes de entender a simulação do percurso do sentido como uma passagem do profundo ao superficial, ou do mais abstrato ao mais concreto. Percebem, também, que o caminho da análise tem direção oposta ao da produção, ou seja, parte-se do concreto para se chegar ao abstrato. (LIMOLI, 2000:622) Com base nos estudos de LIMOLI e MENDONÇA (2006), temos que a semiótica é uma ciência de base estrutural, e é nas estruturas que ela procurará a base de apoio das relações de oposição e semelhança. O texto pode ser descrito como uma relação ampla entre seus diversos componentes. Por isso a semiótica postula a existência de níveis de significação, dotados de uma existência autônoma enquanto patamares de sentido virtual, porém interdependentes na realização processual do objeto-texto. Dessa forma, define-se um nível mais superficial, onde se distinguem uma sintaxe e uma semântica discursiva, ou seja, as estruturas discursivas. No nível fundamental, a significação surge de uma oposição semântica mínima, a partir da qual o sentido do texto se constrói por complexificação. Essas oposições semânticas são representáveis pelo quadrado semiótico, que se constitui por relações de contrariedade, contraditoriedade e de implicação. No nível narrativo, a organização parte do ponto de vista do sujeito. Nesse nível há uma relação de transitividade entre o homem e as coisas, o que origina os papéis actanciais de sujeito e objeto. Há, na sintaxe narrativa, a seguinte organização: enunciados, programas e percursos. Uma narrativa estrutura-se em uma seqüência canônica, que abrange quatro fases: a manipulação, a competência, a performance e a sanção. A semântica narrativa, denominada por Greimas semiótica das paixões, diz respeito às modalizações do ser e do fazer. Os valores manifestados no nível narrativo se organizam no nível discursivo em percursos temáticos, que são recobertos por percursos figurativos, abordados pela semântica discursiva. Esses percursos não só garantem a coerência do texto, como também manifestam mais claramente suas intenções e propósitos. 1164

Sob essa perspectiva, [...] é possível analisar a trama da novela em seus programas e percursos narrativos, estabelecendo-se os estados e transformações em que se envolvem os principais actantes. Utilizando-se os conceitos desenvolvidos pela chamada semiótica das paixões, cuja essência está explicitada em Greimas & Fontanille (1993), é possível determinar as modalizações que, combinadas, geraram os estados de ciúme, desespero, angústia, amor, ódio, etc., que são os ingredientes passionais normalmente usados na teledramaturgia. Os actantes são por sua vez figurativizados, ganhando nome, endereço, profissão, enfim, uma roupagem que nos permite identificá-los como seres do mundo. Essa identificação com o mundo natural é fundamental, entre outras coisas, para os efeitos persuasivos que a televisão busca incorporar à mídia, de forma a fomentar a fidelidade do espectador. (LIMOLI, 2006) BELÍSSIMA A telenovela Belíssima, nosso objeto de estudo aqui apresentado, foi uma mescla de romance, suspense, drama e comédia, como definiu o seu autor, Sílvio de Abreu, para o site oficial da telenovela. A novela se desenvolveu explorando as aparências, e pressupondo que as aparências enganam ou podem enganar, como lembrava a música-tema da atriz Fernanda Montenegro, que viveu Bia Falcão. A busca pelo belo, mote principal da trama, foi representada por Júlia, personagem de Glória Pires. Empresária, filha de uma linda modelo, sofre constantemente repressões da sua avó (Bia), por não ter o mesmo glamour e beleza que sua mãe. Procura, então, este mito de beleza em um operário, André, o personagem de Marcello Antony. O triângulo de "Belíssima" foi composto por uma trama dramática que opôs as personagens de Bia Falcão e Júlia, e um núcleo cômico típico, de classe média baixa, composto, entre outros, pelos personagens de Murat (Lima Duarte), Safira (Cláudia Raia), Pascoal (Reynaldo Gianechinni) e Tosca (Jussara Freire), e uma batalha policial que começa na Grécia, com o assassinato de Pedro, neto de Bia Falcão e irmão de Júlia. Nossa análise focaliza dois personagens do núcleo cômico, Pascoal e Safira. A escolha se deu principalmente pela aceitação do público, como também pela inserção dos personagens numa atmosfera de sensualidade e humor. Segue abaixo a transcrição da fala dos personagens Pascoal e Safira, interpretados pelos respectivos atores: Reynaldo Gianecchini e Cláudia Raia, cujos papéis pudemos acompanhar pela telenovela Belíssima, da Rede Globo, no horário nobre. O diálogo foi extraído do último capítulo da novela, no dia 07 de julho de 2006. Na oficina: Pascoal: Já falei pra Senhora pirá daqui. Sem aliança no dedo, nada feito. Safira: Pascoal! Pascoal: O quê? Safira: Olha, e se a gente só se despedisse? Pascoal: Como assim? Safira: Despedisse, assim... só mais uma vez, e nunca mais.. 1165

Pascoal: Nunca mais...? Safira: É... nunca... mais Pascoal: Casamento, então... nada! Safira: É que eu não quero casar de novo Pascoal: Por causo de que eu sô sujo i fedido, não é isso? Safira: É... quer dizer, não é... Pascoal: Então é o que? Safira: É que os meus filhos não vão querer. Os meus filhos vão brigar comigo. Safira: Eu não agüento mais... Pascoal: Pra falar a verdade verdadeira... nem eu, Dona Safira... Pascoal: A porta! Safira: Ai... que que tem a porta...? Na rua do bairro, em frente à oficina: Giovana: Maria João? Maria João: Que que foi? Que que foi? Giovana: Ô Maria João, você não sabe onde é que tá a Mamá, não? Maria João: Não, tô chegando agora (...) Giovana: A Mamá sumiu. Katina: Quê? Na oficina: Pascoal: Safira... Safira: Ai, ai seu indecente... Cai a parede da oficina: Pascoal: Dessa vez nóis derrubo (nós derrubmos) até a oficina. Que fogo hein, Dona Safira. Safira: Ela Christé Ké Panagiá! Giovana: Mamá!!! Takae: Aí, eu falei, eu falei! Safirinha se encontrava com o mecânico na oficina! No Cartório: Pascoal: Num falei que nóis acabava casando, Dona Safira! Murat: Imagina se não casasse depois daquela vergonha que fez a gente passar na frente da rua inteira... Murat: Safira! Safira: Que é, papai! Murat: Assina logo esse livro aí. Safira: Eu tava indo né, papai. Katina: Vê se agora, KúKla, toma jeito, toma juízo... Safira: Ah, Mamá, se todo mundo aceitou, né. Agora é pra sempre. Podemos pensar, num primeiro instante, que a história de Safira e Pascoal é sobre o casamento. Desde o princípio da telenovela, os personagens sentem-se atraídos um pelo outro, mas há sempre algum obstáculo que impossibilita a aliança entre os dois: por exemplo, a própria Safira, que não aceita casar-se com uma pessoa simples, e o fato de existirem outras pessoas apaixonadas por ele. Esse sujeito, na maioria das vezes, está relacionado ao personagem Safira, já que ela fora casada cinco vezes, com homens diferentes. Mas em nenhum dos casamentos foi possível encontrar o amor, como verificamos no decorrer da trama. 1166

Ainda no início da narrativa televisiva, foi claro o quase envolvimento das duas filhas da Safira: Giovana e Maria João com Pascoal. Primeiramente, notamos que Giovana tinha um sentimento de desejo por Pascoal. Ela o procurava na oficina, tentando alguma aproximação, mas ele sempre se esquivava, pois não tinha nenhum interesse pela garota. Isso pode ser mais bem avaliado quando o mecânico trocava olhares com a mãe da menina. Já a outra irmã, tentou uma aproximação amorosa com Pascoal quando ela emprestou dinheiro para o mecânico quitar suas contas. A partir do momento em que Pascoal torna-se agradecido pela ajuda da amiga, ela entende que pode haver entre eles algum tipo de relacionamento amoroso. Mas novamente ele foge da possível aproximação com a adolescente, demonstrando, sempre, interesse pela mãe das meninas. No findar da telenovela, precisamente na cena descrita acima, deu-se o desenlace dos dois personagens, analisados a seguir. A primeira constatação que pode ser feita acerca dos personagens está relacionada com o nível narrativo. Os personagens, que no decorrer deste trabalho serão representados por: S1 (Pascoal) e S2 (Safira) estão disjuntos, um em relação ao outro, pois a união amorosa não pode se realizar; posteriormente, manterão uma relação conjunta, quando for removido o obstáculo que impedia a conjunção.. Há um sujeito (Pascoal) que quer entrar em conjunção com o objeto valor (Safira), e tem competência para realizar sua performance (de entrar em conjunção com o Ov). O mesmo acontece com S2, quando quer entrar em conjunção com S1, que é seu objeto de desejo desde o início do folhetim. O diálogo inicia-se por uma sanção negativa a um programa anterior, inscrito no passado em relação ao programa de separação (PN2), que poderíamos chamar de PN do relacionamento (PN1); estes programas serão esquematizados posteriormente. Safira, ao não aceitar casar-se com Pascoal, recebe uma punição, exemplificada no trecho a seguir: Pascoal: Já falei pra Senhora pirá daqui. Sem aliança no dedo, nada feito. Safira: Pascoal! Pascoal: O quê? Safira: Olha, e se a gente só se despedisse? Pascoal: Como assim? Safira: Despedisse, assim... só mais uma vez, e nunca mais.. Pascoal: Nunca mais...? Safira: É... nunca... mais Pascoal: Casamento, então... nada! Safira: É que eu não quero casar de novo Nas cenas de televisão, é visível a posição veemente de Pascoal. Mesmo quando Safira utiliza algumas estratégias persuasivas de sedução para convencê-lo a se entregar ao amor, tais como o vestido justo, as expressões corporais, o jeito de falar, etc, a fim de gerar efeitos de sentidos positivos por ela previstos, tudo isso é em vão. O sujeito S1 sancionou negativamente a relação amorosa e inicia o percurso de despedida, visto nas cenas exibidas, quando ele segura fortemente os braços de S2, e a afasta dele. A partir desse enunciado de estado, surgirão programas narrativos de uso necessários à consecução do programa de base, que envolve o anseio de uma relação a dois. Esse, na análise, é o terceiro PN do texto, que convencionamos chamar de PN da conquista. O fragmento a seguir nos dá a dimensão exata da intensa paixão dos dois. 1167

Safira: Eu não agüento mais... Pascoal: Pra falar a verdade verdadeira... nem eu, Dona Safira... A porta! Safira: Ai... que que tem a porta...? Como se percebe, S2 entrega-se ao amor, dizendo não agüentar mais, mas não revela se aceita casar-se com S1 e, mesmo assim, ele também se entrega a sua amada. Após o diálogo acima explorado, acontece uma tórrida cena de amor entre os dois, entrega verdadeira e intensa de dois corpos atraídos pelo desejo de se amar, a tal ponto de fazer cair a parede do quarto da oficina. Esquematicamente, descrevemos a análise narrativa da seguinte maneira: 1. PN 1 Relacionamento (pressuposto) S2 (S1 O s2 ) S1 (S2 O s1 ) 2. PN 2 Separação S1 (S2 U O S1) 3. PN3 Conquista Representando-se os dois amantes envolvidos na relação por S1 e S2, pode-se escrever o estado inicial conjuntivo: S1 O S2 e S2 O s1 onde O s1 e O S2 representam, respectivamente, o amor do sujeito S1 para com S2 e de S2 para S1. A partir do momento em que há uma ruptura do contrato fiduciário do amor, da comunhão, há, no nível narrativo, uma disjunção entre os sujeitos. S1 U O S2 e S2 U O s1 Essa ruptura nos aponta para uma outra instância do texto, com a inclusão de um segundo programa narrativo, que chamamos de PN da separação. O PN da separação é marcado pela não-aceitação da mulher em relação à não-conjunção amorosa. Temos que o sujeito Pascoal tem a competência para garantir sua performance de entrar em conjunção com o objeto-valor, pois mantiveram uma relação conjunta (amantes) antes do afastamento. No entanto, inicialmente, não adquire competência para prendê-la, o que suporia um mesmo estado passional de S2, ou seja, que o amor fosse correspondido. Safira: Olha, e se a gente só se despedisse? Pascoal: Como assim? Safira: Despedisse, assim... só mais uma vez, e nunca mais.. 1168

Pascoal: Nunca mais...? Safira: É... nunca... mais Trata-se, aqui, de um sujeito que se apresenta num estado de humilhação diante do objeto-valor. A humilhação está inserida num terceiro programa narrativo, que chamaremos de PN da conquista. Há a tentativa da mulher de recuperar o objeto-valor perdido. Para tanto, ela procura manipular o parceiro por sedução, tentando levá-lo a um dever-fazer em relação à conjunção amorosa. No entanto, o parceiro não se deixa manipular. Ao que parece, ele não aceita participar do jogo do manipulador mulher. Safira: Despedisse, assim... só mais uma vez, e nunca mais.. [...] Pascoal: Casamento, então... nada! Postulada essa primeira tentativa de prender o parceiro, na tentativa de manter a conjunção, a mulher dá início a uma segunda performance manipulatória. Há uma nova tentativa de S1 de manipular o sujeito S2 pela tentação, pois S2 se oferece para S1, como forma de despedida. Ela mancha sua imagem, na esperança de entrar novamente no estado de conjunção que havia anteriormente. Há, no diálogo, pistas que nos apontam para uma semântica narrativa. Notamos que S2 tem como característica a /vergonha/ e, ao mesmo tempo, um anseio pela /riqueza/. Vergonha, partindo do princípio que a pessoa por quem ela se apaixonou é um mecânico, pobre e sem cultura; e riqueza, pois os cinco maridos anteriores a S1 tinham posses, eram pessoas importantes na sociedade paulistana. Isso não acontece com Pascoal, que mantém uma relação conjunta com a /humildade/ e /pobreza/. Observamos, a partir desse ponto, que o casamento é impossível, portanto, há uma isotopia sócioeconômica, cuja supressão seria o único meio de acesso ao casamento. Para isso, o enunciador coloca S2 num estado de /humilhação/. A decisão do casamento pertence única e exclusivamente a Safira, pois Pascoal demonstra, a todo instante, o desejo, o querer casar. Ele, portanto, detém o poder-fazerquerer, mas há um empecilho entre o querer e o fazer, que é representado pelo /orgulho/ de S2. Ela tem um não-dever, de acordo com seus próprios valores. Ela quer, mas não pode e não deve, ou crê-não-dever. Portanto, S2 não é capaz de se entregar a uma vida de inferioridade, só por encanto. Questionada sobre o motivo da não-aceitação do casamento, S2 inicialmente não revela o verdadeiro obstáculo à conjunção: Safira: É que eu não quero casar de novo Pascoal: Por causo de que eu sô sujo i fedido, não é isso? Safira: É... quer dizer, não é... A conjunção somente se efetua diante da /vergonha/, que se dá a partir do momento em que S2 se entrega ao amor de S1. E é no ápice desse amor que, ao desabar uma parte da oficina, o casal se apresenta diante de todos os moradores da rua, de maneira ridicularizada, seminus, com as partes íntimas cobertas por calotas de carro. Nesse instante, os familiares de S2, que presenciam a cena do casal, reforçam a idéia de /vergonha/, pois todos a vêem mortificada. 1169

Há, também, um mediador (Murat), que confere a Safira (S2) o fazer-querer o casamento. Para o pai de Safira, era uma vergonha, uma humilhação, ver a filha num estado de nudez, na frente de toda a rua, com o mecânico da oficina. Murat: Imagina se não casasse depois daquela vergonha que fez a gente passar na frente da rua inteira... Toda essa situação vexatória pela qual Safira passou diante de todos família, amigos, vizinhos, etc, nos remete ao estudo passional ligado à vergonha. A vergonha é um sentimento relacionado à conduta moral, ao comportamento do ser humano. De acordo com Yves de La Taille (2002), o 'dever fazer', essencial à moral, corresponde a um querer fazer. Safira tornou-se um sujeito envergonhado, a partir do momento em que houve uma situação real de humilhação, ou seja, ela fez a ação e sofreu as conseqüências desta ação. Uma outra questão para o problema do sentimento de vergonha é o que TAILLE (2002) chama de lugar do juízo alheio. Ele é desencadeado pelos olhos dos outros, refere-se ao controle externo, daquele que está de fora da situação. Portanto, pertence ao domínio da heteronímia. É o que menciona Spinoza: "a vergonha é a tristeza que acompanha a idéia de alguma ação que imaginamos censurada pelos outros" (Apud LA TAILLE,2002). A censura do olhar alheio se fez presente na cena em que Safira e Pascoal foram pegos em flagrante, após o termino de uma cena de amor na oficina. Houve uma censura, uma sanção cognitiva negativa de um sujeito destinador-julgador, representado pelas pessoas presentes em frente à oficina, para com o sujeito do fazer. Podemos depreender dessa breve reflexão que foi o sentimento de vergonha que propiciou a decisão de Safira de casar-se com o mecânico. Através dela ficou demonstrado que a vergonha está relacionada fortemente com a moral, culminando com a fala do personagem Murat, pai de S2, apresentada a seguir: Pascoal: Num falei que nóis acabava casando, Dona Safira! Murat: Imagina se não casasse depois daquela vergonha que fez a gente passar na frente da rua inteira... Uma última constatação aqui apresentada diz respeito às estratégias de persuasão relacionadas à cena transcrita acima. Safira exerce sobre Pascoal uma atração amorosa, ou seja, ela corresponde ao fazer-querer do mecânico. Essa conjunção amorosa sugere um poder (fazer-querer) seduzir S1. Para isso, ela se utiliza de artifícios no vestuário, como o abuso dos decotes, roupa bem colada ao corpo, saltos altos, alguma parte do sutiã sempre aparecendo; o modo de andar é marcante, repleto de rebolados, para chamar a atenção do mecânico.. Tudo isso aparece, também, como forma de mediador da conjunção amorosa, do poder exercido sobre S1. Após examinadas as estruturas narrativas, pudemos depreender uma categoria semântica fundamental, ou seja, o ponto de partida da geração do discurso: Poder X Fragilidade. Safira (S2), o tempo todo, consegue o que quer pela sedução. Todas as vezes que se encontra com Pascoal exerce sobre ele um papel sedutor, pois ela é uma pessoa envolvente, bonita, o que provoca um fascínio sobre o mecânico. 1170

Poder x Fragilidade Não-fragilidade x Não-poder Pode-se concluir que o sujeito manipulador (Safira) consegue entrar em conjunção com seu objeto valor (casamento Pascoal). O sujeito (Pascoal) é manipulado e levado a realizar ações, submetido que está ao poder de sedução de Safira. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que os recursos visuais, sonoros e gestuais utilizados na composição temático-figurativa do romance que envolveu casal, carregam a trama de verossimilhança), destacando-se os elementos da manipulação que, disseminados ao longo dos oito meses de difusão da novela, permitiram a performance e a sanção positiva finais. A análise em questão foi realizada com o propósito de fornecer subsídios para a elaboração de um material pedagógico, que poderá ser aplicado no ensino médio, nas aulas de leitura e produção de texto. A escolha desse material deu-se em função da grande adesão dos adolescentes pelo gênero telenovela e, principalmente o grande interesse despertado pelo envolvimento amoroso dos dois personagens analisados, que estiveram sempre inseridos numa atmosfera de sensualidade e humor. REFERÊNCIAS GREIMAS, A.J. & COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias et. ali. São Paulo: Cultrix, 1979. LA-TAILLE, Y. de. O Sentimento de Vergonha e suas Relações com a Moralidade. Porto Alegre, 2002. Disponível em : www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-79722002000100003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 18 abr. 2007. LIMOLI, L. Proposta de adequação da teoria semiótica ao ensino de literatura no 2 grau. In: Confluência. Assis, n 3, v.5, p. 136-144, 1997.. Leitura da imagem e ensino de língua materna. In: LIMOLI, L; MENDONÇA, A. P. F de, LIMOLI, Loredana. A telenovela como recurso didático no ensino de língua materna. In: Anais do V SELISIGNO. Londrina, 2006. LIMOLI, L.; AMEKO, P. C. Semiótica e Literatura na escola: uma proposta de leitura de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. In: Estudos Lingüísticos XXIX. Assis, p. 621-626, 2000. ORTIZ, R.; BORELLI, S. H. S.; RAMOS, J. M. O. Telenovela: história e produção. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. SODRÉ, M.. O monopólio da fala. Petrópolis: Vozes, 1977. 1171