O TRABALHO COM TEXTOS NUMA TURMA DE CINCO ANOS

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Transcrição:

O TRABALHO COM TEXTOS NUMA TURMA DE CINCO ANOS Mônica Cristina Medici da Costa 1 Introdução O presente texto traz um recorte da nossa pesquisa que teve como objetivo analisar as práticas de uma professora de uma turma de cinco anos da Educação Infantil, focando o modo como o texto é tratado no desenvolvimento do seu trabalho. Nesse contexto, partimos das concepções teóricas de Bakhtin que considera a educação como resposta responsável. A análise é resultado das observações que foram realizadas numa Unidade de Ensino da Educação Infantil do município de Vila Velha, Espírito Santo. Nossa inserção no campo ocorreu em 2011, com término em dezembro do mesmo ano. A professora pesquisada possuía doze anos de experiência com a Educação Infantil e seis anos como pedagoga. Participaram ainda da pesquisa 16 crianças com idade de cinco anos. Durante esse período, procuramos, a partir da observação participante em sala de aula, numa abordagem de pesquisa qualitativa histórico cultural, compreender o desenvolvimento das práticas educativas. Para efetuar os registros, foram utilizados o diário de campo, filmagens, fotografias e entrevistas com os sujeitos envolvidos no processo educativo das crianças. Nesse contexto, a partir de percursos investigativos que estiveram em consonância com a realidade sociocultural, buscamos compreender como têm sido elaborados os conhecimentos que subsidiam o trabalho com a linguagem escrita em sala de aula. Assim, entramos em campo pretendendo identificar os desafios e possibilidades no trabalho com a linguagem escrita, buscando elaborar contribuições para o processo que considere o texto como unidade de ensino na alfabetização numa abordagem dialógica de linguagem. Dessa maneira, nos apoiamos na perspectiva bakhtiniana de linguagem entendendo que aprender a ler e a escrever na escola deve corresponder a uma educação ativa e responsiva. 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo.

Concepção de texto No decorrer da interação humana, os discursos que produzimos são expressos por meio de textos. O texto é uma unidade de comunicação que tem sentido e intencionalidade comunicativa, é um todo significativo que expressa, por meio da linguagem, uma ideologia, ou seja, um contexto social, histórico e cultural que, segundo Bakhtin, se constitui para além do aspecto formalista e morfológico, pois, O objeto está marcado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto, o discurso penetra nesse meio dialogicamente perturbado e tenso de discurso de outrem, de julgamentos e de entonações (BAKHTIN, 1993, p. 86). É por meio da linguagem que apreendemos as diferentes manifestações culturais, portanto, ao criar sentidos através da palavra, ao criar modos de expressão de significados, ao traduzir experiências e vivências em textos, orais ou escritos, o homem cria cultura. Sendo assim, no contexto de construção da cultura, o fenômeno da linguagem propicia ao homem o poder de comunicar suas ideias. A linguagem é, pois, geradora de significação e integradora da organização de mundo. Segundo Bakhtin (2010, p. 95), [...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. Para esse autor, o texto se constrói essencialmente através das práticas interativas e dialógicas constituídas pelas diferentes vozes sociais, que surgem de (...) maneira significativa num determinado momento social e histórico que não pode deixar de tocar os milhares fios dialógicos existentes (...) (BAKHTIN, 1993, p.86). Dessa forma, a língua se constitui na interação, no seu uso em situação concreta, isto é, na comunicação verbal concreta. A interação verbal, portanto, constitui a realidade fundamental da língua a qual ocorre no ato da enunciação pela palavra, e se efetiva num determinado contexto social, favorecendo as interações dialógicas e ideológicas entre os homens. Ocorre, pois, no convívio social cujas práticas se efetivam pela linguagem. Para Bakhtin, a língua pertence à coletividade e se realiza na enunciação ou nas enunciações, que ele considera a real unidade da comunicação discursiva, porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e,

evidentemente, não por palavras isoladas (BAKHTIN, 2010, p. 283). Dessa maneira, Bakhtin considera que, A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações [...] (BAKHTIN 2004, p. 123). Nesse contexto, o enunciado é a unidade real da língua produzida no interior das relações sociais. A palavra tem sempre um endereçamento, um interlocutor, que determinará o seu sentido. Nesse movimento, os sujeitos participantes do ato comunicativo são ativos-responsivos. Responsivo no sentido de o interlocutor produzir resposta ao enunciado que o interpela. Isso significa que um enunciado será constituído tendo uma atribuição de valores de quem fala ao que se fala. Desse modo, é importante analisar o trabalho com o texto na sala de aula nessa perspectiva, ou seja, analisar se o texto é considerado como enunciado numa perspectiva dialógica com seus interlocutores. O trabalho de produção de texto na sala de aula O evento que trazemos para análise ocorreu no dia 30 de junho de 2011. Nesse dia, a professora chegou atrasada, enquanto isso, contamos para as crianças que, no dia anterior, tinha sido o dia do aniversário da professora e propusemos que, enquanto ela não chegasse, poderíamos escrever um recado para ela no quadro. Assim, o quadro foi dividido em partes e eles, de pouco a pouco, foram registrando seus recadinhos. Quando a professora chegou, alegremente cantaram parabéns e contamos o que eles estavam fazendo. A professora, então, propôs que escrevessem o recado no papel, pois, assim, ela poderia guardá-los de lembrança com ela. Dessa maneira, ela fez as interações iniciais necessárias expondo as características do tipo de texto que iriam escrever. Vejamos a transcrição do evento a seguir. Prof.: Oh... vão fazer o seguinte...vão fazer uma coisa? Esse recadinho que vocês escreveram... vão fazer numa folha especial? A1: Numa folha especial amarela? ((o aluno viu a folha na mão da professora)) Prof.: É... amarela, (...) olha só, o que é mesmo que vocês vão fazer com essa folha aqui?

A2: Escrever um recadinho Prof.: Recadinho pra quem? A3: Pra tia. Prof.: E por quê vocês vão fazer um recadinho pra tia? A4: Porque ela fez aniversário. Prof.: Ahhh! Porque ontem foi meu aniversário, como ontem não teve aula, vocês estão me dando os parabéns hoje, né isso? Als: Éééé Prof.: Então tá bom, cada um vai receber uma folha, escrever um recadinho, e quem quiser desenhar também pode. A partir de então, os alunos iniciaram seu processo de escrita do texto. No contexto da atividade acima, percebemos que a escrita do texto possibilitou condições ideais para a sua produção, permitindo ao falante construir seu texto a partir de necessidades enunciativas concretas, especialmente por terem sido motivadas a escreverem textos, e não palavras descontextualizadas. De acordo com Geraldi (2010, p. 137), [...] para produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que: a)se tenha o que dizer; b)se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c)se tenha para dizer o que se tem a dizer; d)o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e)se escolham as estratégias para realizar. Dessa forma, percebemos que a tecedura do texto se realizou num processo dialógico permitindo aos escritores e leitores entrelaçarem suas experiências, ideias e opiniões, estabelecendo um movimento de interlocução. Além disso, reconhecemos que o gênero discursivo produzido pelos alunos ocorreu numa ação sociodiscursiva, ou seja, ligada a uma determinado campo de atividade humana concretizando o enunciado a partir de uma situação de interação verbal. De acordo com Bakhtin (2010, p. 266) Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem as condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específica de cada campo geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. Isso indica que se estabeleceu, a partir de uma necessidade real, uma atitude responsiva à compreensão do outro e do seu dizer. Em relação a isso, Bakhtin afirma

que a compreensão do outro [...] é opor à palavra do locutor uma contrapalavra (p. 132, grifo do autor), o que entendemos ser possível apenas através de uma relação de interlocução. Conclusão Como dito inicialmente, este artigo visou contribuir para reflexões a respeito do trabalho com texto numa turma de cinco anos por meio de uma análise que considere os pressupostos bakhtinianos de linguagem. Nesse sentido, partimos da perspectiva de trabalho que entende que O texto é, pois, o lugar onde o encontro se dá. Sua materialidade se constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu turno, são materialmente marcadas pela concretude de um produto com espaços em branco que se expõe como acabado, produzido, já que o resultado do trabalho do autor escolhendo estratégias que se imprime no dito. O leitor trabalha para construir esse dito baseado no que se disse e em suas próprias contrapalavras. (Bakhtin, 2010, p. 333) Isso significa considerar o texto como um diálogo alternado pelos sujeitos presentes no discurso, onde, tanto o locutor como o ouvinte, assumem posições responsivas. Nessa direção, o aprender a ler e a escrever é um exercício do dizer, possibilitando ao sujeito ser autor de suas próprias histórias, usando a escrita para reivindicar, registrar as suas concepções de mundo e para se posicionarem, pois entendemos, como assinala Geraldi (2010, p), que, [...] é no texto que a língua objeto de estudos se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões. Diante do exposto, compreendemos que os trabalhos com textos desenvolvidos nas escolas devem buscar a transformação constitutiva dos sujeitos, isso implica numa concepção de ato responsável que leve em conta que, as crianças e professores são sujeitos de direitos, ideias, valores e culturas, e que a sala de aula deve ser considerado

com um espaço dialógico habitado por sujeitos sócio-históricos, um lugar de interação verbal onde são considerados e respeitados os diferentes saberes. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail Mikhailovith. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 2010.