Como acontecem as pausas, silêncios e hesitações entre pares adjacentes em uma entrevista sob a ótica da análise da conversação

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Transcrição:

1 Como acontecem as pausas, silêncios e hesitações entre pares adjacentes em uma entrevista sob a ótica da análise da conversação Ana Maria Barbosa Varanda RICIOLLI * Resumo: A Análise da Conversação (AC) é o estudo de situações cotidianas em que são observadas e analisadas interações verbais e não verbais, e que tanto as formais quanto as informais são descritas para serem estudadas. Assim, este trabalho da AC tem como objetivo analisar as pausas, silêncios e hesitações em uma entrevista retirada da Internet. Neste caso, selecionamos do YouTube um programa do canal GNT com a jornalista Marília Gabriela, em uma entrevista com o apresentador e humorista, Jô Soares. O ato da fala é uma das ações mais antigas e inerentes do ser humano e este exercício implica em duas ou mais pessoas falando. Autores como Garfinkel, Sacks,Schgloff e Jefferson nortearam nosso trabalho. Estudiosos como Marcuschi (2007), Kerbrat-Orecchioni (2006), Dalacorte (2003), Almeida (2008) e Pereira (2004) também foram referências em nosso estudo. Por meio da análise do processo interacional ocorrido entre os participantes da entrevista, foi possível perceber que as pausas, silêncios e hesitações nas conversações são em grande parte reflexões e que um fluxo contínuo de falas não é totalmente possível. Palavras-chave: Análise da Conversação; pausas; silêncios; hesitações; conversações. Introdução O ato da fala é uma das ações mais antigas e inerentes do ser humano e este exercício implica em duas ou mais pessoas falando. O monólogo é muito aceito em teatro, porém na conversação acontece entre pessoas. Esta conversação acontece por turnos, em uma fala e a outra, na sua vez, responde, argumenta, pondera e/ou indaga. A fala que é tão antiga vem sendo estudada já algum tempo, mas é que sabemos é que os estudos que a envolvem é muito direcionado ao discurso, não priorizando gestos, trejeitos, olhares, tonicidade de voz, bem como outros fatores que são próprios dos seres humanos. Este trabalho se versará a respeito desse ato característico do ser humano, a conversação, bem como uma pequena análise de uma entrevista retirada da Internet, postada no YouTube 1, tendo como principal objetivo o estudo das pausas, silêncios e hesitações do entrevistado. Análise da Conversação A análise da conversação, doravante AC, é o estudo de situações cotidianas em que são observadas e analisadas interações verbais e não verbais, e que tanto as formais quanto as informais são descritas para serem estudadas. De acordo com Marcuschi (2007) a AC se diferencia da Análise do Discurso e da Pragmática Filosófica, devido pela motivação histórica, da proveniência etnometodológica, etnográfica e sociológica. O estudioso nos mostra que Garfinkel fundou a Etnometodologia no * Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia UFU. E-mail: anariciolli@yahoo.com.br. Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade do Estado de São Paulo UNESP. 1 YouTube é o maior e mais popular site de vídeos. Diariamente milhares e milhares de vídeos são vistos por internautas do mundo inteiro.

2 início dos anos 60, e que esta é unida à Sociologia da Comunicação e à Antropologia Cognitiva, que segundo o autor, se preocupa com as ações humanas diárias nas mais diversas culturas. Assim, Marcuschi ressalta que Trata da constituição da realidade do mundo do dia-a-dia e investiga a forma de as pessoas se apropriarem do conhecimento social e das ações (daí o uso do radical etno): diz respeito à forma metódica de como os membros de uma sociedade aplicam aquele seu saber sociocultural (daí o radical metodologia) (MARCUSCHI, 2007, p. 8). Estudos de autores como Harvey Sacks, Emanel Schogloff e Gail Jefferson têm sido referências para inúmeros estudiosos, em diversas áreas de conhecimento, como sociologia, antropologia, linguística e psicologia. Dantas (2000) ressalta que o diálogo, segundo Sacks, Schegloff e Jefferson, é uma serena disputa de um jogo entre cavalheiros, e que este jogo é desenvolvido mediante regrais gerais pré-definidas, com liberdade e que a cada fala algo pode acontecer, o que retrata a realidade de pessoas que dialogam. A AC possui uma preocupação com a explicação descritiva das conversações e que o exercício da fala, segundo Kerbrat-Orecchioni (2006), implica uma alocução, uma interlocução e interação. A primeira possui a existência de um destinatário fisicamente distinto do falante, a segunda mostra que há a troca de palavras, um diálogo que permutam os papéis de emissor e receptor, ou interactantes, a chamada comunicação face a face, em que cada um dos falantes exprime, cada um em seu turno. A terceira, Kerbrat-Orecchioni (2006) salienta que a interação ao longo do desenrolar de uma troca comunicativa qualquer, os diferentes participantes, exercem uns sobre os outros uma rede de influências mútuas falar é trocar, e mudar na troca. Na conversação há uma distribuição dos turnos que é autogerida, que para Kerbrat- Orecchioni é com base num certo número de regras interiorizadas pelos participantes, como a preferência à direita, ou, nas conversações, as regras de alternância dos turnos de fala; nos dois casos, o sistema concede um lugar importante às negociações interacionais, que podem se desenrolar de uma maneira pacífica ou conflituosa, cortês ou agressiva (e, frequentemente, sob a forma de golpes de força para o ocupar o lugar ou se apossar do turno de fala) (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 11). Nessa perspectiva, Kerbrat-Orecchioni (2006) destaca que a conversação possui um caráter familiar e improvisado, com temas abordados e com duração de troca de turnos, bem como ordem das tomadas de turno que essas conversações obedecem. Para Dalacorte (2003), o silêncio pode ocorrer entre os turnos, o que também gera um problema. É esperado pelos interactantes que depois de um turno haja a resposta, dessa forma, Kerbrat-Orecchioni nos mostra que O objetivo da análise conversacional é, precisamente, explicitar essas regras que sustentam o funcionamento das trocas comunicativas de todos os gêneros; ou, em outros termos, decifrar a partitura invisível que orienta (sempre lhe deixando uma ampla margem de improvisação) o comportamento daqueles que se encontram engajados nessa atividade polifônica complexa que é a condução de uma conversação (KERBRAT- ORECCHIONI, 2006, p. 15).

3 Para Marcuschi (2007) a conversação é organizada, há entendimento e automação de sequências e que não é um enfileiramento aleatório e sucessivo de turnos. Para ele a fala deve ter alguma relação com o próximo ato ou, se for o caso, com o anterior. Coulthard (in Marcuschi, 2007) mostra que a primeira questão é decidir quais os tipos de coisas podem formar tópicos na conversação, pois nem todas as coisas são conversáveis 2. Ele prossegue dizendo que algumas coisas podem ser ditas, porém outras não. Marcuschi (2007) salienta que as conversações podem acontecer por meio de um encontro inesperado, em que após o turno de surpresa logo pode passar para outro tópico; outra conversação é de um telefonema, em que normalmente aquele que telefonou começa esclarecendo o motivo de ter telefonado; assim, para existir a conversação fluente é necessário a passagem de um tópico para outro, isso tudo com naturalidade. Para o autor Os marcadores de introdução de tópico não funcionam apenas para indicar que se está passando para algo novo, mas que esta passagem tem alguma razão de ser e deve ser notada (caso contrário, pode surgir a clássica pergunta: por que isso agora? ). Entre esses marcadores, temos alguns típicos, como: isto me lembra aquela do (e se conta o caso), ou sim, mas mudando de assunto, ou então mas voltando ao assunto (MARCUSCHI, 2007, pp. 77-78). As conversações que acontecem entres as pessoas, também chamadas de pares adjacentes, são marcadas por intervenções encadeadas, como a troca de saudações ou despedidas, com perguntas e respostas, com troca de informações, dentre outras. Tudo isso estabelece e contribui para a construção de uma ordenação dos turnos de fala. Nessa perspectiva, Almeida (2008) nos mostra que os pares adjacentes funcionam como mecanismos de base a partir do qual a compreensão intersubjetiva é construída e mantida durante a interação. Alguns tópicos de análise em uma conversação Para uma análise de uma conversação, neste trabalho foi usada uma entrevista, o que muito pode ser observado, como por exemplo, o revezamento de turnos, fechamento de diálogos, funcionamento dos pares adjacentes, falas simultâneas, sobreposição de vozes, pausas, dúvidas e suposições, truncamentos bruscos, ênfase nas palavras, comentários do analista etc. Outros pontos relevantes que podem ser desenvolvidos em uma análise da conversação são as pausas, silêncios e hesitações entre os participantes, bem como a proximidade social dos interlocutores, fatores extralinguísticos como gestos, e principalmente a questão da aproximação dos interlocutores durante a entrevista. Em nosso trabalho nos atentamos para as pausas, silêncios e hesitações nas conversações, pois entendemos que são ocorrências comuns em falas. Vale ressaltar que grande parte das situações cotidianas é composta de pausas e que as hesitações servem como momentos de organização e planejamento interno do turno e dão tempo ao falante de se preparar (MARCUSCHI, 2007). Metodologia É importante que o pesquisador sinalize e reflita sobre os aspectos metodológicos do trabalho a que se propõe, pois os instrumentos de coleta de dados bem como os métodos e as técnicas utilizados também caracterizam a pesquisa. De acordo com Almeida (2008) 2 Aspas do autor.

4 Os estudos sobre a organização interacional da conversação, de forma geral, estavam preocupados em compreender a organização situacional da ação e os procedimentos utilizados pelos participantes para produzir uma intercompreensão recíproca no curso das interlocuções. Nesse terreno, temas como a abertura e o fechamento das conversações, revezamento de turnos e o funcionamento dos pares adjacentes, foram bastante explorados pelos analistas da conversação (ALMEIDA, 2008, p. 5). Neste trabalho, procuramos analisar o processo interacional ocorrido entre os participantes da entrevista que selecionamos. Esta análise foi desenvolvida por meio de trechos de transcrições da entrevista. A AC tem como base o estudo etnometodológico, o objeto de um estudo sociológico que é um conjunto de técnicas que membros de uma sociedade utilizam para interpretar dentro de seu mundo social (Pereira, 2004). No que tange às pausas, silêncios e as hesitações, Marcuschi (2007) assinala que estas são organizadores locais importantes, podendo configurar lugares relevantes para a transição de um turno a outro. O autor ressalta, ainda, que alguns recursos verbais que operam como marcadores nas falas, que não contribuem como informações novas e outros que não são lexicalizados, como mm, ahã, ué etc. Foi realizada neste estudo a análise das pausas, silêncios e hesitações nos turnos pelos participantes. Neste caso, selecionamos do YouTube um programa do canal GNT com a jornalista Marília Gabriela, em uma entrevista com o apresentador e humorista, Jô Soares. O programa da jornalista é divido em blocos de perguntas com respostas. Retiramos uma parte da entrevista, com duração de dez minutos. Selecionamos alguns trechos que priorizam o tema deste estudo e a transcrevemos dentro das normas de Marcuschi (2007), que é o sistema eminentemente ortográfico, seguindo a escrita-padrão, sempre considerando a produção real. Seguindo as orientações do autor supracitado, usamos as siglas M para a jornalista, Marília Gabriela, e, para o entrevistado, J, de Jô Soares. Como nosso foco são as pausas, silêncios e hesitações, estes foram indicados entre parênteses. Ainda, no que se refere a isso, Marcuschi (2007) sugere usar um sinal + para cada 0.5 segundo (+); para as pausas além de mais de 1.5 segundo, cronometradas, indica-se o tempo. Ex.: (1.8), (2.5) etc.. Para ele, em pausas preenchidas e hesitações, basicamente usam-se reproduções de sons cuja grafia é muito discutida, mas alguns estão mais ou menos claros, como: eh, ah, oh, ih::, mhm, ahã 3, e vários outros. Então, usaremos em itálicos estas reproduções em nossas transcrições. Ao utilizar comentários a respeito de uma determinada fala, seguimos a orientação de Marcuschi, entre dois parênteses, assim (( )). Palavras que entendemos serem diferentes das normas gramaticais utilizamos o itálico para destacá-las, embora não sendo relevante em nosso estudo. Como transcrevemos partes de conversações, em que tínhamos somente o alvo de nossa investigação, usamos a reticências no início e no final de uma transcrição, em que indica que se está transcrevendo apenas um trecho que chamou a nossa atenção. Análise e discussão dos dados Nesta seção, nosso objetivo é analisar os dados obtidos a partir de algumas transcrições que obtivemos em uma entrevista do canal GNT, da jornalista Marília Gabriela com o também jornalista e comediante, Jô Soares. Esta entrevista foi postada na Internet pelo YouTube. 3 Palavras destacadas em itálico pelo autor (MARCUSCHI, 2007, p. 13).

5 As pausas e silêncios das pessoas em uma fala refletem, a nosso ver, reflexões acerca da resposta e/ou assunto em seu turno, que levam em alguns casos à hesitações. E para Marcuschi (1986 apud DANTAS, 2000, p. 2) as pausas, os silêncios e as hesitações são organizadores locais importantes, podendo configurar lugares relevantes para a transição de um turno a outro. M: você me dá a honra dessa contra-dança? ((sorrindo)) J: (+) sempre ((sorri)) M: você tava gravando? ((tom de afirmativa)) J: (1,8) tava M: você tem este prazer ou às vezes você fica meio cansado? J: não, me dá muito prazer ((enfaticamente)) A pergunta inicial da jornalista parece causar certa estranheza no entrevistado, pode ser esse o motivo da pausa ao responder a pergunta, então sorri em confirmação. O tom de pergunta usado no parágrafo três, já é uma afirmativa de resposta que a jornalista espera receber, assim o entrevistado hesita um pouco e, como sem saber se era, de fato, para responder, acaba por afirmar. Quando a jornalista faz a terceira pergunta, no parágrafo cinco, J responde de imediato, como é o que esperava ouvir em uma entrevista. Não há nenhuma pequena hesitação em sua resposta, é enfático. M: mas J, você nunca teve dúvidas, assim (+) hum, não dúvidas, (+) cansaços (+) de um dia falar: você é (+) é um emúltiplo, né? (+), é uma coisa maravilhosa, é (+) é (+) aliás, como é que você preenche a ((sorrindo)) fichinha ((ri)) no hotel? Porque você (+) quando a gente tá falando de você tem que dizer, obrigatoriamente: diretor teatral, humorista, ator, escritor, artista plástico (1.8) J: hum? M: hã, músico (+) e aí, como é que você faz? (+). Pega a fichinha e tasca o que lá? J: (+) hã, eu ponho assim (+): artista (2.5) M: artista? J: é (+) e curso completo: primário M: ((ri) J: é, é ((ri)) M: ((ri)) J: é verdade ((rindo)) As pausas servem para organizar os pensamentos e planejar o próximo turno. Dantas (2000) ressalta que o silêncio é significativo e notado. Assim, percebemos que este trecho anterior possui muitas pausas e hesitações, o que nos parece que a entrevista é semiestruturada, então, as dúvidas vão surgindo no momento em que M tece suas perguntas. A cada palavra M vai lembrando-se de outra e assim por diante. As pausas não-sintáticas de M usadas nesses trechos anteriores são de hesitação, que servem para o planejamento verbal e têm uma motivação cognitiva. Não é um silêncio para ser notado, e sim para um planejamento cognitivo, em que a entrevistadora tenta se lembrar de algo a mais sobre o entrevistado. Há muitas pausas e hesitações durante toda a entrevista, mas o que se percebe que estas não são porque não sabem o que dizer no momento, e sim porque o entrevistado escolhe bem as palavras que quer usar e, ainda, quer se fazer entender claramente pela entrevistada. Vejamos um exemplo disso é no próximo trecho.

6 J:... mas não, é tudo a mesma coisa (1.8) o que gosto (2.5) o que, claro que pra mim é sempre fundamental (+) ((pensativo)) fazer (+) o meu programa, fazer televisão, porque eu adoro bate-papo (+) eu acho que isso que a gente tá fazendo aqui, inclusive (+) é a forma mais saudável (1.8) de roirismo 4 que existe. As pessoas ligam (2.5) para ver duas pessoas conversando. O silêncio que ocorreu é, como já frisamos para sentir o que se quer dizer, para uma reflexão acerca do que se pretende descrever, narrar ao entrevistador. Outro trecho que podemos constatar isso é no seguinte. J: eu acho que um dos grandes sucessos do (+) da Internet, dos (+) das conversas, dos bate-papos (+), dos blogs, é (+) ((pensa)) esse negócio de você ver (+) e ouvir e conversar com as pessoas. O entrevistado usa as pausas, silêncios e hesitações para lhe dar reflexão acerca do que quer falar e após algumas ponderações finalizam o seu raciocínio a contento. Considerações finais Em conversações no dia a dia, percebemos que pausas, silêncios e hesitações um pouco mais prolongados causam certo desconforto, principalmente àquele que espera uma resposta. No entanto, em outras situações, como a dessa entrevista, por exemplo, as pausas, silêncios e hesitações não promoveram nenhum constrangimento para a entrevistadora, pelo contrário, estas causaram mais curiosidade e atenção. M, a entrevistadora, soube conduzir muito bem esses momentos de pausas do entrevistado, não o interrompendo e não o ajudando com respostas e suposições diante de algumas hesitações ou silêncios. Isso mostra que esses momentos são muito comuns no seu programa de entrevistas. Percebemos que em qualquer que seja as conversações, é muito difícil um fluxo contínuo de falas, pois entendemos que o ser humano usa as pausas, silêncios e hesitações, muitas vezes sem perceber, por puro hábito. Em outros momentos, são usadas para refletir mais sobre o assunto e assim prosseguir a conversa com mais segurança. Inerente ao ser humano, o raciocínio faz promover em conversações as pausas, silêncios e hesitações, porque o planejamento cognitivo é importante para o bom andamento das falas, dessa forma, são utilizados esses mecanismos para um bom desenvolvimento das trocas de turnos. Referências ALMEIDA, Roberto. Análise da conversação como metodologia para investigação dos processos comunicativos. Ecomig I Encontro dos Programas de Pós-graduação em Comunicação de Minas Gerais. PUC-Minas, Belo Horizonte, junho de 2008. DALACORTE, Maria Cristina Faria. A mudança de turnos na sala de aula de língua inglesa. In: Linguagem & Ensino. Revista do Curso de Mestrado em Letras Universidade Católica de Pelotas. Vol. 6, número 1 jan-jun de 2003. 4 Não compreendemos bem o som desta palavra, por isso ela está entre aspas.

7 DANTAS, Aloísio de Medeiros. Discurso, diálogo e silêncio. Revista do GELNE, Vol. 2, N 2, 2000. Disponível em: <http://www.gelne.ufc.br/revista_ano2_no2_01.pdf>. Acesso em: 21 fev. de 2011. KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Análise da Conversação: princípios e métodos. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. 6ª Ed. São Paulo: Ática, 2007. PEREIRA, Andrea Cristina. Disponível em: <http://www.voy.com/183701/1/70.html>. Acesso em: 19 nov 2011.