O Resumo Escolar: Uma Proposta de Ensino do Gênero

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Transcrição:

O Resumo Escolar: Uma Proposta de Ensino do Gênero 1 Doutoranda CAPES/PUC/SP. 2 Doutoranda CAPES/PUC/SP. Anna Rachel MACHADO (PUC-SP) Eliane LOUSADA 1 (PUC/SP) Lília Santos ABREU-TARDELLI 2 (PUC/SP) Resumo: Este artigo descreve uma proposta de ensino do gênero resumo escolar/acadêmico, tendo por base o quadro teóricometodológico do interacionismo sociodiscursivo (ISD). São apresentados, inicialmente, a definição do modelo adotado para o ensino do resumo e os motivos da escolha desse gênero. Em seguida, são apresentados os conceitos teórico-metodológicos fundamentais que embasam as sugestões das atividades propostas e descritas no artigo. As conclusões apontam para a necessidade de ensino do resumo escolar enquanto gênero, uma vez que os textos a ele pertencentes, assim como seus respectivos contextos de produção guardam características próprias, que podem e devem ser ensinadas. Palavras-chave: resumo; resumo escolar; gênero; sumarização; ISD. Abstract: This paper aims at describing a way of teaching the academic/school summary as a genre, based on the theoretical frame of the socio-discursive interactionism. Firstly the summary definition adopted, as well as the reasons that motivated the choice of this genre, will be presented. Then the theoretical and methodological concepts that pervade this study and underlie the suggestion of activities will be explained. Finally, the conclusions that show the need of teaching the school/academic summary as a genre since it presents its own characteristics, according to the socio-discursive interactionism will be exposed. 89

Key words: summary; school/academic summary; genre; summarization; socio-discursive interactionism. Resumen: Este artículo describe una propuesta de enseñanza del género resumen escolar /académico que se apoya en el cuadro teórico / metodológico del interacionismo socio discursivo (ISD). Son presentados, inicialmente, la definición del modelo adoptado para la enseñanza del resumen y los motivos de la elección de este género. En seguida, son presentados los conceptos teórico-metodológicos fundamentales que sirven de base para las sugerencias de las actividades propuestas y descritas en este artículo. Las conclusiones indican la necesidad de la enseñanza del resumen como un género, ya que los textos a los que pertenece, así como sus respectivos contextos de producción guardan características propias, que pueden y deben ser enseñadas. Palabras-clave: resumen; resumen escolar; género; sumario; ISD. Introdução O objetivo deste artigo é o de apresentar uma proposta de ensino do gênero resumo escolar/acadêmico, que resultou na publicação do primeiro volume de uma coleção que visa ao ensino de leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos 3 e que toma por base o quadro teórico-metodológico do interacionismo sociodiscursivo (doravante chamado de ISD) (Bronckart, 1999). Apresentaremos, inicialmente, o porquê da escolha desse gênero assim como a definição do modelo que adotamos para seu ensino. A seguir, mostraremos os conceitos centrais do quadro teórico-metodológico que foram adotados e que, ao lado de procedimentos oriundos da lingüística textual, possibilitaram nossa proposta para o ensino do resumo na escola. Por fim, apresentaremos sugestões de etapas para o trabalho com esse gênero em sala de aula e algumas conclusões a que chegamos com essa atividade. 3 MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane; ABREU-TARDELLI, Lília Santos. Resumo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. (Leitura e Produção de Textos Técnicos e Acadêmicos, v. 1). 90

1 O Resumo Escolar / Acadêmico: Definição e Escolha Podemos definir o modelo de resumo que adotamos para o ensino como sendo a apresentação concisa dos conteúdos de outro texto (artigo, livro, etc.), que mantém uma organização que reproduz a organização do texto original, com o objetivo de informar o leitor sobre esses conteúdos e cujo enunciador é outro que não o autor do texto original (MACHADO, 2002). Além dessas características básicas, o resumo não pode conter nenhum dado adicional nem avaliação explícita 4 em relação ao texto a ser resumido. Assim, mesmo que possam ser veiculados textos na mídia 5 sem o rótulo de resumos, quando eles apresentam as características mencionadas, eles devem ser tomados como pertencentes a esse gênero. Mais particularmente, em nosso caso, o objeto a ser ensinado é o resumo produzido em contexto escolar, cujo objetivo é diferente dos resumos produzidos em outros contextos, pois, nesse caso, geralmente, o produtor-aluno sabe que o professor tem por objetivo efetuar uma avaliação de sua leitura (e de sua escrita...), o que, evidentemente, muda o contexto de produção, isto é, as representações que o produtor tem desse contexto (de si mesmo, do destinatário, do objetivo etc.). Entretanto, mesmo assim, exige-se que o aluno produza um texto que tenha as características principais e definidoras dos resumos em geral. Por que, enfim, a nossa escolha de sistematizar o ensino do resumo? Em primeiro lugar, pelas dificuldades que os alunos, de modo geral, encontram quando se defrontam com a necessidade de produzir textos pertencentes a gêneros da esfera tipicamente escolar e/ou científica. Dentre essas dificuldades, uma que nos parece poder ser enfrentada é a falta de ensino sistemático desses gêneros, pois o 4 Vale lembrar que não acreditamos na existência de qualquer texto que não traga uma carga maior ou menor de subjetividade. Entretanto, essa subjetividade pode aparecer de forma mais ou menos explícita. Assim, por exemplo, apesar de o resumo não conter avaliações explícitas, os verbos introdutórios escolhidos pelo autor do resumo têm valor avaliativo. Para mais informações a esse respeito, consultar MUNIZ-OLIVEIRA (2004). 5 Em relação às formas que o resumo toma na mídia, consultar MACHADO (2002). 91

aluno se depara freqüentemente com a obrigação de saber escrever algo que nunca lhe foi ensinado. Acreditamos que há pelo menos duas representações teóricas que perpetuam essa situação: a primeira, a de que há uma capacidade geral para a escrita, que, se bem desenvolvida, permitir-nos-ia produzir de forma adequada textos de qualquer espécie; a segunda, a de que o mero ensino da organização global mais comum dos textos pertencentes a um gênero seja suficiente para que o aluno chegue a um bom texto, apesar de sabermos, hoje, que a complexidade característica dos gêneros exige o desenvolvimento de muitas outras capacidades (acionais, discursivas, lingüístico-discursivas), além da capacidade de organizar o texto. A escolha do resumo como objeto de ensino parte de nossa assunção de que as capacidades necessárias para a produção desse gênero são também indispensáveis para outros gêneros acadêmicos, tais como a resenha, os artigos, os relatórios, etc., além de ser ele um dos gêneros mais importantes nas atividades escolares e acadêmicas, sendo sua produção pedida constantemente aos alunos por professores das mais diferentes disciplinas. Vale a pena ainda ressaltar que a escolha desse gênero se deu também por verificarmos um outro problema muito comum no ensino de resumo: confundir o processo de sumarização necessário para a produção de textos pertencentes a diferentes gêneros com o resumo em si que, acreditamos, deve ser ensinado enquanto gênero, pois apresenta as características definidoras dos gêneros em geral. Acreditamos que essa confusão se deva ao fato de o resumo produzido com fins escolares apresentar características semelhantes aos de resumos produzidos em outras esferas sociais como resumos na mídia, de uma forma geral. Definido o que entendemos por resumo e justificada a escolha por esse objeto de ensino, apresentaremos, a seguir, o embasamento teórico-metodológico que nos possibilitou a escolha do modelo de resumo a ser adotado, assim como o desenvolvimento das atividades para o ensino e avaliação da produção de resumos escolares. 92

2 Quadro Teórico-Metodológico Como já dissemos, todo o trabalho aqui descrito baseiase nos pressupostos teórico-metodológicos do ISD e de sua já conhecida extensão à Didática de Línguas (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998). O ISD pode ser definido como uma abordagem transdisciplinar das condições do desenvolvimento humano, que desenvolve trabalhos teóricos e empíricos, focalizando o papel fundamental da atividade discursiva nesse desenvolvimento, dentro de uma tradição teórica que tem sua origem básica nas concepções de Spinoza, Marx e Vygotsky. Ele se insere no programa mais geral do interacionismo social, posicionamento epistemológico e político encontrado em várias disciplinas das Ciências Humanas, que priorizam o social como fonte do desenvolvimento do funcionamento psíquico humano, mas atribuindo um papel central à linguagem. Assim, compreendemos que é nos textos que se materializam os diferentes gêneros, e que é por meio desses mesmos textos que o homem age nas mais diversas atividades sociais (BAKHTIN, 1992). Dessa forma, consideramos que os gêneros, tomados como unidades de ensino (SCHNEUWLY, 1994), e quando realmente apropriados pelos aprendizes, podem possibilitar a efetivação de ações de linguagem em diferentes atividades. Definiremos, a seguir, alguns dos conceitos oriundos do ISD que são importantes para compreender os procedimentos adotados para o ensino do gênero resumo: Ao falarmos de gênero de texto, adotamos o conceito de gênero de Bakhtin (1992, p. 279), 6 que o define como sendo tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados pelas diferentes esferas de utilização da língua. Bronckart (1999, p. 107) retoma essa mesma definição, salientando que os gêneros são construtos históricos, em uso na sociedade, dos quais nos apropriamos para realizar uma ação de linguagem; 6 Para uma discussão da controvérsia sobre a utilização da expressão gêneros de texto em vez de gêneros de discurso, tal como mais usualmente se traduz a expressão bakhtiniana, conferir BRONCKART (2004, p. 101-103). 93

Texto, por sua vez, é tomado como sendo correspondente ao enunciado bakhtiniano, quando se trata de produções verbais que veiculam uma mensagem lingüisticamente organizada e que tendem a produzir um efeito de coerência no destinatário, constituindo-se como a unidade comunicativa de nível superior; Por unidade de ensino, entendemos as atividades constitutivas de uma seqüência didática, visando ao ensino de um determinado gênero (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998); Ao nos referirmos a gênero como ferramenta, estamos assumindo que os gêneros podem ser vistos como uma ferramenta semiótica complexa que permite a produção e a compreensão de textos (SCHNEUWLY, 1994, p. 160-162), quando apropriada pelo sujeito, a partir do que lhe é socialmente disponibilizado como artefato semiótico; 7 Seqüência Didática SD, por sua vez, é o conjunto de atividades sistematizadas em um determinado material didático, pensado para um conjunto de aulas, que são planejadas de maneira sistemática em torno de uma determinada atividade de linguagem (DOLZ; SCHNEUWLY, 1998) no caso, para o ensino de um determinado gênero. Acreditamos que, para podermos ensinar um gênero, devemos, primeiramente, analisar diferentes exemplos de textos pertencentes a esse gênero, a fim de escolhermos qual será nosso objeto de ensino, ou seja, o tipo de variante do gênero mais comum ou o modelo didático 8 que iremos adotar. Assim, para isso, analisamos 7 Para a diferenciação entre artefatos e ferramentas, tomamos por base a distinção que é feita por Clot (2004). Os artefatos são produtos materiais ou simbólicos, construídos sócio-historicamente, que só se tornam ferramentas para o agir humano quando são apropriados pelos agentes por si e para si. 8 Com o uso de aspas, aqui, queremos deixar claro que não consideramos que nenhum gênero de texto e nem os textos a ele pertencentes se deixa aprisionar em um determinado modelo imutável, pois cada texto que o 94

resumos produzidos/publicados em diferentes situações sociais a partir dos aspectos abaixo descritos, aspectos oriundos do modelo de análise textual de Bronckart (1999). O contexto de produção do texto (físico e sóciosubjetivo): isto é, as representações sobre o local e o momento da produção, sobre o emissor/enunciador, sobre o receptor/destinatário, sobre a instituição social onde se dá a interação e sobre o objetivo ou efeitos que o produtor quer atingir em relação ao destinatário; O conteúdo temático: o conjunto de informações que nele são explicitamente apresentadas e que são representações mobilizadas pelo agente-produtor do texto; A infra-estrutura geral dos textos: a organização textual, que é constituída pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso (discurso teórico, narração, relato interativo, discurso interativo) e pelas seqüências que aparecem isoladas ou, mais freqüentemente, combinadas (narrativa, argumentativa, descritiva, descritiva de ações, dialogal e explicativa); Os mecanismos de textualização: representados pelos mecanismos de conexão (organizadores textuais), de coesão nominal e verbal e, finalmente, pelos mecanismos enunciativos, constituídos pelos mecanismos de posicionamento enunciativo (modalizações) e pelos mecanismos de inserção de vozes (voz do autor empírico, vozes sociais, vozes de personagens). A fim de chegarmos a um modelo didático para o ensino, esses mesmos aspectos de análise dos textos, foram levados em conta para a preparação das atividades e para a avaliação da produção do gênero em questão. Além da análise dos aspectos contextuais e textuais apontados, apoiamo-nos também em aportes da Lingüística Textual, que possibilitaram a sistematização do ensino dos processos de sumarização. materializa guarda sempre uma parte da singularidade do contexto de produção e da criatividade humana. O uso de modelo aqui deve ser visto apenas como uma estratégia didática. 95

Esse processo é aquele que ocorre durante a leitura com compreensão, ou seja, ao se ler e, evidentemente, à medida que se compreende o que se lê, vai ocorrendo um processo de redução de informação semântica, por meio do qual o leitor acaba por construir uma espécie de resumo mental do texto, retendo as informações básicas e eliminando as acessórias, chegando, assim, à significação básica do texto (VAN DIJK, 1976, 1980 e 1992; SPRENGER-CHAROLLES, 1980). Assim, foi a partir dos aportes teórico-metodológicos aqui expostos que pudemos elaborar as atividades de produção de resumos, descritas a seguir. 3 Uma Seqüência Didática para Produzir Resumos: um Processo em Várias Etapas Para o trabalho junto aos alunos, acreditamos na importância de, em primeiro lugar, identificar as características gerais do gênero resumo, procurando diferenciar o resumo escolar/ acadêmico do resumo na mídia. Para isso, fez-se necessária uma análise de vários tipos diferentes de resumos, bem como do contexto de produção em que foram construídos. Nesse sentido, um trabalho importante é o de identificar outros textos, pertencentes a outros gêneros, que contenham resumos, tais como resenhas, contracapas, reportagens (em boxes), etc., procurando identificar as diferenças do contexto de produção desses gêneros. Apenas após essa compreensão geral do gênero e do contexto de produção de um resumo escolar/acadêmico, é que levamos os alunos a diferentes atividades que envolvem o processo de sumarização que é usado também na produção de resumos. Como já mencionamos, o ensino-aprendizagem sistemático(a) do processo de sumarização é importante, pois é este que permite a elaboração de um resumo mental do texto, já que possibilita a redução da informação semântica, fazendo com que o leitor elimine as informações acessórias e concentre-se nas básicas. Esse processo representa, assim, exatamente o que se espera de um texto resumido: a retenção das idéias essenciais do texto e pode ser realizado através de duas estratégias básicas: 96

Estratégia de apagamento ou apagamento das informações desnecessárias à compreensão de outras proposições ou de informações redundantes; Estratégia de substituição, que envolve dois outros procedimentos, o de generalização e o de construção: Generalização: consiste na substituição de uma série de nomes de seres, de propriedades e de ações por um nome de ser, propriedade ou ação mais geral; Construção: consiste na substituição de uma seqüência de proposições, expressas ou pressupostas, por uma proposição que é normalmente inferida delas, por meio da associação de seus significados. Uma vez compreendidas as diferentes maneiras de reduzir as idéias do texto e de conservar o essencial, sempre relacionando esses procedimentos ao contexto de produção e ao gênero em questão, passamos a uma outra etapa, que trata da influência do contexto de produção do agente produtor do texto na produção de seu resumo. Assim, buscamos construir atividades para que os alunos reflitam e tenham claros os seguintes aspectos, já que estes têm influência decisiva na seleção e na organização dos conteúdos a serem expostos no resumo: Autor do texto original; Função social do autor; Imagem que o autor tem de seu destinatário; Locais e/ou veículos onde possivelmente o texto circulará; Momento possível da produção; Objetivo do autor do texto. Essa reflexão é feita com base em um trabalho sobre um mesmo texto, a ser resumido por pessoas diferentes, com objetivos diferentes, o que pode mostrar aos alunos que a escolha de conteúdos a serem resumidos nunca será a mesma, embora o texto original seja o mesmo. Chegamos, a seguir, à etapa na qual começamos a trabalhar com o texto escolhido para ser resumido. O primeiro passo é a leitura e a certificação de que o texto foi realmente compreendido, sem o que não se pode passar à produção do resumo. Para isso, antes de mais nada, delineamos atividades de análise do contexto de produção 97

em que o texto de base foi produzido, o que é feito por meio do reconhecimento de alguns elementos do texto original, tais como: Gênero de texto; Meio de circulação; Autor; Data de publicação; Tema. Além disso, sendo necessário certificarmo-nos da compreensão mais detalhada das idéias do texto a ser resumido, planejamos atividades com questões que guiam a leitura e ajudam a compreender o texto. Nessas perguntas, buscamos orientar os alunos para a compreensão das idéias mais relevantes do texto e fazer com que as diferentes relações existentes entre elas sejam percebidas, assim como as marcas textuais dessas relações. Na realidade, a compreensão dessas relações é de suma importância para produzir um bom resumo, pois, nele, o produtor deve mostrar a organização do texto lido e reproduzir as relações de conteúdos existentes, exatamente como se encontram no texto a ser resumido. Para atingirmos esse objetivo, os alunos são orientados para identificar os organizadores textuais centrais, bem como a compreensão de seus usos e significados, com atividades com esses organizadores, que mostram suas diferentes funções e que indicam como reproduzir essas relações no texto original. A etapa seguinte diz respeito ao processo de inserção de vozes, característico de textos como o resumo, já que se trata de um gênero em que se reproduz a voz do autor do texto original. Por ser o resumo um texto sobre outro texto, de outro autor, é necessário que as vozes do autor do texto e do autor do resumo sejam nitidamente demarcadas. É bastante comum, em resumos que apresentam problemas, que a voz do autor do texto seja confundida com a voz do autor do resumo e vice-versa. Para evitar esse tipo de problema, planejamos diferentes atividades que levam o aluno a conhecer diferentes maneiras de mencionar o autor do texto original, apontando a importância dessa distinção entre as duas vozes. Ainda com relação a esse processo, consideramos também importante que os alunos percebam que, ao resumir o que o autor do texto de base diz, estamos, de fato, interpretando o seu agir, atribuindo-lhe a efetivação de determinados atos. Ou seja, quando 98

dizemos que o autor nega algo, afirma algo, questiona algo, estamos inferindo, através de nossa compreensão do conteúdo do texto, que o autor está realizando esses atos. Por isso, essa etapa de interpretação do agir do autor e da atribuição de valor a seus atos é, a nosso ver, essencial para a produção de um bom resumo. Para isso, delineamos atividades com uma fase de interpretação da operação de linguagem realizada (o autor objetiva, define, argumenta, etc.) e, em seguida, uma fase de escolha do verbo adequado para nomear essa operação, através do uso de sinônimos e evitando-se repetições. A etapa final de nossa seqüência didática é a da autoavaliação, na qual todos os procedimentos são revistos, procurando levar o próprio produtor a verificar se eles foram seguidos e se os resultados foram satisfatórios. Em uma situação ideal, essa autoavaliação pode ser ainda mais complexa, levando-se os produtores a trocarem seus resumos e a confrontarem suas avaliações. Conclusões Acreditamos que, seguindo esses procedimentos, abordamos as características fundamentais do resumo escolar, que devem e podem ser ensinadas-aprendidas, quando se toma esse gênero como objeto de ensino-aprendizagem. Finalizando, destacamos a importância de conscientizar o aluno sobre o que é esse gênero de texto chamado resumo e sobre sua presença freqüente na vida cotidiana, a especial relevância do trabalho com o contexto de produção do resumo escolar, em contraste com outros contextos de produção, fundamental para o aluno ter claro o tipo de texto que deverá produzir, texto esse que será objeto de avaliação de sua leitura e compreensão do texto original, por parte do professor. Conseqüentemente, estaremos conscientizando-o da relevância do trabalho de leitura do texto a ser resumido, sem o qual nenhum trabalho de produção de resumo adequado será possível. 99

Bibliografia BAKHTIN, M. [1953] Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRONCKART, J-P. Les genres de textes et leur contribuition au développement psychologique. Langages, n. 153, p. 98-108, 2004.. Atividades de linguagem, textos e discursos. São Paulo: EDUC, 1999. CLOT, Y. Comunicação oral proferida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 17 set. 2004. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Pour un enseignement de l oral: initiation aux genres formels à l école. Paris: ESF, 1998. MACHADO, A. R. Revisitando o conceito de resumos. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros Textuais & Ensino. Rio de janeiro: Lucerna, 2002. p. 138-150..; LOUSADA, E.; ABREU-TARDELLI, L.S. Resumo. São Paulo: Parábola, 2004. (Coleção Leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos, v. 1). MUNIZ-OLIVEIRA, S. Os verbos de dizer em resenhas acadêmicas e a interpretação do agir verbal. 2004. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. SPRENGER-CHAROLLES, L. Le résumé de texte. Pratiques, n. 26, p. 59-90, mars 1980. SCHNEUWLY, B. Genres et types de discours: considérations psychologiques et ontogénétiques. In: REUTER, Y. (Ed.). Actes du Colloque de L université Charles-De Gaulle III. Les interactions lecture-écriture. Neuchâtel: Peter Lang, 1994. p. 155-173. 100

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