USO DA CALCULADORA NA SALA DE AULA: O QUE TEM SIDO PROPOSTO PELOS LIVROS DIDÁTICOS? 1 Ana Coelho Vieira Selva UFPE anaselva@globo.com Rute Elizabete de Souza Borba UFPE rborba@ce.ufpe.br Taciana de Souza Couto UFPE tacianasc@bol.com.br Jullyanna Torres Braga UFPE jullyanna.braga@bol.com.br Introdução O presente estudo teve como objetivo analisar coleções de livros didáticos de matemática de 1ª. a 4ª. Série do ensino fundamental em relação aos tipos de atividades propostas que incluíam o uso da calculadora. A literatura tem sido bastante enfática quanto à importância do uso de diferentes representações na compreensão dos conceitos por parte das crianças (Vergnaud, 1987; Nunes, 1997, 1999; Selva, 1998), sendo tal diversidade recomendada pelos próprios Parâmetros Curriculares (Brasil, 1997). Entretanto, parece ainda haver resistências ao uso da calculadora em sala de aula, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental, como pode ser comprovado a partir da escassez de atividades envolvendo a calculadora encontrada em livros didáticos destas séries (Araújo, 2002). Araújo (2002) analisou quatro coleções de livros didáticos recomendados com distinção pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) (Brasil, 2000), ou seja, os livros que foram julgados como incluindo as melhores propostas para o trabalho em matemática. As coleções foram examinadas a partir de dois aspectos: forma de introdução da calculadora e uso dado à mesma nas atividades propostas. Em relação à introdução da calculadora, Araújo (op.cit.) observou que a apresentação desse instrumento a partir da apresentação e ensino do seu manuseio para realizar cálculos escritos, mentais ou por estimativa, a partir de atividades envolvendo o seu uso ou como parte da matemática que encontra-se presente no mundo. 1 Este estudo contou com o apoio do PIBIC/CNPq/Propesq-UFPE.
2 Em relação ao uso da calculadora nas atividades propostas foi observado que a mesma foi utilizada para explorar conteúdos (ex. operações aritméticas), para o ensino do seu manuseio, para automatizar (uso mecânico em algoritmos e resolução de problemas com a calculadora), para verificar resultados e como contexto para trabalhar conteúdos que não envolvem a funcionalidade da máquina (ex. imitar a forma de escrever os números da calculadora). A análise das coleções mostrou que o uso mais freqüente da calculadora foi para automatizar (39%), seguida pela exploração de conteúdos (38%), verificação de resultados (25,6%), ensino do manuseio da máquina (17,6%), como contexto para trabalhar conteúdos (2%). Devemos ressaltar que as atividades de automatização referiram-se a três aspectos: (a) a automatização de contas (16,2%), (b) resolução de problemas, ou seja, envolvem também a compreensão de que cálculo deve ser feito com a calculadora (14%) e (c) para automatizar a estimativa de contas (8,8%). Esses dados mostram que embora haja avanços no uso da calculadora apresentado nos livros didáticos, principalmente por trazerem atividades para exploração de conteúdos, não se observam ainda atividades envolvendo a comparação de diferentes formas de resolver os problemas e/ou algoritmos que possibilitassem a comparação e reflexão da criança sobre as diferentes representações encontradas. Alguns aspectos que nos parecem importante e que não foi analisado por Araújo (2002) referem-se à distribuição dos tipos de uso da calculadora por conteúdo proposto e a análise do manual do professor. Em relação ao primeiro aspecto, campo conceitual em que a calculadora é introduzida (estruturas aditivas, multiplicativas, etc) é interessante investigar se há predominância do uso da calculadora em relação a determinados conteúdos e que tipo de uso da calculadora (verificar resultados, exploração conceitual, automação, etc) é proposto. Considerando o segundo aspecto, a análise do manual do professor nos parece extremamente importante, pois permitirá uma compreensão sobre a proposta do autor para o seu livro e para o professor e ainda, se tal proposta foi realmente implementada nas atividades propostas em sua coleção. Método Foram analisadas até o momento quatro coleções de livros didáticos diversas (com níveis de recomendado e recomendado com distinção por parte do PNLD (2000/2001)) no que se refere às atividades em que é solicitado ao aluno o uso da
3 calculadora. Foram comparadas as coleções analisadas e também as propostas para cada série considerando-se as diferentes coleções. Foram eixos de análises: - a forma como a calculadora é introduzida ao professor no manual (a partir da história do seu uso, da exploração do teclado, como ferramenta, etc); - a forma como a calculadora é introduzida ao aluno (a partir da história do seu uso, da exploração do teclado, como ferramenta, etc); - as atividades propostas envolvendo o uso da calculadora. Em relação às atividades propostas, foram analisados: - o domínio conceitual em que a atividade está inserida (estruturas aditivas, multiplicativas, etc), - a proposta da atividade (resolução de problema, verificação de resultados, exploração conceitual, etc), - se há na atividade a conexão da calculadora com outra representação (ex. cálculo oral), a freqüência de atividades por série em cada coleção. Resultados Preliminares Os resultados estão em andamento. Neste trabalho iremos analisar os diferentes tipos de atividades que têm sido observadas envolvendo a calculadora nos livros didáticos, sem considerar o campo conceitual específico das atividades. Inicialmente, devemos considerar que temos observado grandes discrepâncias entre o que consta no manual do professor e as atividades propostas nos livros. Assim, nas 4 coleções analisadas até o momento, apesar da ênfase dada no manual no que se refere à importância da calculadora em sala de aula, encontramos um número bastante reduzido de atividades nos volumes relativos à 1ª e 2ª séries. Atividades com a calculadora concentram-se, sobretudo, no vol.4, destinado à 4ª série. Abaixo, apresentamos algumas atividades observadas:
4 Exploração do teclado Livro: Matemática Criativa, Eliane Reame, Editora Saraiva, vol. 4, 2001, p.118. Nesta atividade, o autor solicita a escrita de alguns números apenas com o objetivo de familiarizar o aluno com a calculadora. O fato de solicitar números que são escritos no papel com um ponto para marcar a classe dos milhares serve para esclarecer a diferença encontrada na representação feita na calculadora, em que a tecla do ponto equivale à vírgula dos números. Atividade de resolução de operações Este tipo de atividade envolvia a resolução de operações (contas) por parte do aluno. A seguir apresentamos um exemplo desse tipo de atividade. Livro: Matemática Criativa, Eliane Reame, Editora Saraiva, vol. 4, 2001, p.118. Nesta atividade o aluno está usando a calculadora para resolver operações. O autor aproveita para mostrar como a calculadora realiza adições, ou seja, mostra que ao apertar a tecla +, o resultado já aparece no visor. Atividade de Resolução de Problema Além de atividades de resolução de operações em que não era dado qualquer contexto para o cálculo do aluno, também encontramos propostas de uso da calculadora inserida em situações problema contextualizadas, tal como esta abaixo:
5 Livro: Vivencia e Construção, Luiz Roberto Dante, Editora Ática, vol.4, 2001. Atividade de Verificação de Resultados Neste tipo de atividade a calculadora é usada com o objetivo de verificar resultados obtidos a partir de outras formas de resolução (cálculo mental, algoritmo, estimativa). A seguir, apresentamos dois exemplos de exercícios desse tipo. Livro: Matemática, Daniela Padovan, Isabel Guerra e Ivonildes Milan, Editora Moderna, vol. 2, 2001, p.115. Observamos que a calculadora está sendo utilizada com o objetivo de conferir resultados de operações realizadas por meio do cálculo mental. Neste outro exercício abaixo, da mesma coleção, volume 3, p.107, a calculadora é usada para conferir resultados de estimativas e de algoritmos efetuados pelos alunos.
6 Atividade de Exploração Conceitual Este tipo de atividade proposta tem como objetivo explorar conceitos matemáticos, levando os alunos a refletirem e ampliarem seus conhecimentos. Livro: Matemática Oscar Guelli, Editora Ática, vol.1, 2001, p.204. Esta atividade de jogo oferece um contexto interessante para a exploração conceitual de aspectos relativos à soma, podendo gerar uma discussão sobre os números chaves para se ganhar o jogo. Entretanto, para que essa discussão realmente ocorresse seria interessante apresentar uma questão que solicitasse aos alunos a anotação dos valores colocados na calculadora por cada jogador e que observassem a regularidade entre as jogadas daqueles que venceram. Houve números comuns? Por que?
7 Livro: Matemática Criativa, Eliane Reame, Editora Saraiva, vol. 4, 2001, p.262. A calculadora foi usada nessa atividade para explorar a ordem em que as operações devem ser realizadas. Uma atividade interessante que leva o aluno a pensar, pois a ordem não é ditada diretamente ao aluno. Ele usa diferentes maneiras de resolver e contrasta as respostas obtidas por cada uma dessas maneiras. Diversão com a calculadora Ainda observamos algumas atividades que brincam com os números das calculadoras, tratando-os como letras. O livro Matemática de Daniela Padovan e outros autores, Editora Moderna, vol. 4, 2001, p.60, apresenta a seguinte atividade nesta direção:
8 Conclusão Os resultados analisados até a presente data sugerem que ainda há um número reduzido de atividades envolvendo a calculadora e que tais atividades estão concentradas, em geral, nos últimos volumes das coleções. Observamos também diferentes propostas de atividades usando a calculadora: para verificar resultados de operações realizadas anteriormente por meio do cálculo mental, algoritmo ou estimativa, para resolução de contas e problemas, para familiarização do teclado e para exploração conceitual. Por fim, constatamos nas coleções analisadas até o momento a ausência de atividades de simples automatização, ou seja, atividades que o aluno deveria usar a calculadora apenas para memorizar operações. Concluímos que apesar de algum avanço observado no trabalho com a calculadora proposto pelos livros didáticos, ainda há lacunas a serem superadas, que são: necessidade de maior articulação entre a proposta do manual do professor e as atividades sugeridas para os alunos, de maior continuidade entre as atividades que fazem parte dos volumes de uma mesma coleção e de maior ênfase em atividades de exploração conceitual. Palavras Chaves: livro didático, calculadora, ensino fundamental. Referências Bibliográficas ARAÚJO, L. I. Uma análise das competências de cálculo de crianças que usaram calculadora em sua formação. Dissertação de Mestrado, Mestrado em Educação, UFPE. 2002. BRASIL. Secretaria de Educacao Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática/Secretaria de Educacao Fundamental. - Brasília: MEC/SEF. 1997. BRASIL. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília: MEC/SEF. 2000/2001. NUNES, T. Systems of signs and mathematical reasoning. In: NUNES, T. & BRYANT, P. (Eds.) Learning and teaching mathematics: na international perspective. London: Psychology Press. 1997. NUNES, T. O ensino de matemática e o desenvolvimento da inteligência. Resumos do III Seminário Internacional de Educação do Recife: crianças fazendo matemática, Recife, PE. 1999.
9 SELVA, A.C.V. Discutindo o uso de materiais concretos na resolução de problemas de divisão. In SCHLIEMANN, A. & CARRAHER, D. (orgs.), A compreensão de conceitos aritméticos. Ensino e Pesquisa. São Paulo, Papirus Editora. 1998. VERGNAUD, G. Conclusions. In: C. JANVIER (Ed.) Problems of representation in the teaching and learning of mathematics (pp. 227-232). Hillsdale, NJ.: Lawrence Erlbaum. 1987. Lista de Coleções Analisadas: DANTE, L.R. Vivencia e Construção, Editora Ática, 2001. GUELLI, O. Matemática, Editora Ática, 2001. PADOVAN, D; GUERRA, I. & MILAN, I. Matemática, Editora Moderna, 2001. REAME, E. Matemática Criativa, Editora Saraiva, 2001.