Aspectos polêmicos do recurso ordinário constitucional e seu tratamento no novo CPC

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Transcrição:

Aspectos polêmicos do recurso ordinário constitucional e seu tratamento no novo CPC RENATO PESSOA MANUCCI Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Professor Tutor do curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Estácio/CERS. Professor Universitário Advogado 1. Introdução. 2. Definição e natureza jurídica. 3. Cabimento. 3.1 Recurso ordinário constitucional para o STF. 3.2 Recurso ordinário constitucional para o STJ. 4. Julgamento e teoria da causa madura. Conclusão. Referências. 1. Introdução A Constituição Federal dedicou especial atenção aos remédios constitucionais, especialmente o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção e o habeas data, atribuindo-lhes uma natureza especial e incumbindo o legislador da tarefa de traçar um procedimento específico. Não satisfeito, o Constituinte preocupou-se ainda com a efetividade das referidas garantias, razão pela qual previu o cabimento de recurso ordinário contra as decisões denegatórias proferidas originariamente nos Tribunais. Alicerçado nessas premissas, pretende-se com o presente ensaio realizar uma breve revisão do recurso ordinário constitucional, analisando sua definição, natureza jurídica e cabimento, para ao final abordar a polêmica questão relativa à aplicação da teoria da causa madura, tudo à luz da Constituição Federal (doravamente denominada tão só CF ou CF de 1988 ) e com os olhos voltados para o novo Código de Processo Civil (doravante denominado tão só NCPC ou CPC de 2015 ), instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015. 2. Definição e natureza jurídica O recurso ordinário constitucional é espécie recursal vocacionada ao reexame de determinadas decisões, proferidos por Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou Tribunal

Superior, cuja competência para processo e julgamento é do Supremo Tribunal Federal (doravante denominado tão só STF ) e/ou do Superior Tribunal de Justiça (doravante denominado tão só STJ ) Trata-se, pois, de espécie recursal diferenciada, eis que seu cabimento é restrito às hipóteses taxativamente previstas na CF. No entanto, ao contrário dos recursos especial e extraordinário, o recurso ordinário não se inclui na competência recursal extraordinária dos Tribunais Superiores, sendo semelhante a uma apelação, razão pela qual sua devolutividade é ampla, podendo inclusive haver o reexame de prova. Nesse sentido leciona Fredie Didier Jr. et al: Normalmente, os tribunais superiores ficam vinculados à ideia de que a sua competência recursal é extraordinária - o que implica todas as conhecidas limitações desses recursos em relação à matéria de fato, ao prequestionamento, à admissibilidade etc. O recurso ordinário constitucional é, como o próprio nome diz, um recurso ordinário, só que dirigido ao STF/STJ, que exercerão competência recursal sem qualquer limitação em relação à matéria fática. Pelo recurso ordinário constitucional, admite-se, por exemplo, o reexame de prova. O recurso ordinário constitucional dispensa o prequestionamento. Os tribunais superiores, aqui, funcionam como segundo grau de jurisdição. 1. Idêntico o pensamento de Cássio Scarpinella Bueno, para quem: O recurso ordinário, não obstante o nome, assemelha-se à apelação, mas, diferentemente dela, é julgado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, que funcionam como verdadeiros órgãos de segundo grau de jurisdição, e não como órgãos de sobreposição, de controle da inteireza do direito federal constitucional ou infraconstitucional, respectivamente. 2. Importa registrar que, embora semelhantes, existem três diferenças fundamentais entre recurso ordinário e apelação. A primeira delas reside no recurso adesivo, forma de interposição do recurso de apelação que não se estende ao recurso ordinário; por outro lado, não cabe embargos infringentes contra acórdão não unânime proferido em sede de recurso ordinário constitucional; por fim, o procedimento da apelação observa as disposições do CPC, enquanto o recurso ordinário segue as previsões do Regimento Interno dos Tribunais Superiores. 1 Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 265. 2 BUNO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 05: Recursos. Processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 224.

3. Cabimento O cabimento do recurso ordinário constitucional diferencia-se conforme seja dirigido ao STF ou STJ: Recurso ordinário constitucional para o STF. A teor do art. 102, inciso II, da CF, compete ao STF processar e julgar em recurso ordinário o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão ; Recurso ordinário constitucional para o STJ. Nos termos do art. 105, inciso II, alíneas a a c, da CF, compete ao STJ processar e julgar: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória ; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão ; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. Em ambas as hipóteses de cabimento, ressalvada aquela prevista na alínea c do inciso II do art. 105, a característica fundamental é a necessidade de que o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data e o mandado de injunção sejam denegados. Assim, o cabimento do recurso ordinário constitucional verifica-se secundum eventum litis, pois ele só pode ser utilizado se a decisão for denegatória, o que implica dizer que se trata de recurso criado para beneficiar o cidadão em face do Estado. Em outras palavras, é recurso privativo do impetrante [ ] 3. 3.1 Recurso ordinário constitucional para o STF 3 Vol. 03 p. 266.

A decisão denegatória de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, proferida em única instância pelos Tribunais Superiores, desafia recurso ordinário constitucional para o STF, que nesse caso, diferentemente do recurso extraordinário, funcionará como segunda instância recursal. O cabimento do recurso pressupõe, portanto, a verificação do resultado do julgamento das ações constitucionais mencionadas e a exata compreensão da expressão se denegatória a decisão. Com efeito, Daniel Assumpção Amorim Neves explica: O termo denegação do mandado de segurança tem interpretação ampla, de forma a abranger tanto o julgamento do mérito, com a denegação da ordem, como a decisão terminativa, com o julgamento do mandado de segurança sem a resolução do mérito. Por denegação deve ser entendida qualquer derrota do impetrante, tanto de natureza processual como de natureza material. Havendo parcial procedência do pedido, caberá recurso ordinário somente do capitulo denegatório. 4. Aliás, havendo denegação parcial da ordem, o recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de habeas corpus, serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno, nos termos da Súmula 299 do STF. Outrossim, [ ] não interessa a natureza da questão jurídica enfrentada no acórdão, se constitucional ou se infraconstitucional. Se se trata de decisão enquadrada no art. 102, nº II, da Carta Magna, o caso é de recurso ordinário e não de recurso extraordinário 5. Em suma, denegar significa não acolher a impetração. No entanto, não basta que a decisão seja denegatória. Deveras, só as decisões coletivas dos Tribunais, e não as singulares de Relatores e Presidentes, desafiam recurso ordinário [ ] 6. Além disso, é indispensável que a decisão seja definitiva/final, razão pela qual [ ] acórdãos que simplesmente neguem a liminar, confirmando, em julgamento de agravo regimental, a decisão denegatória do relator, somente podem ser impugnados por recurso especial, extraordinário e, claro, por embargos de declaração 7. Como se nota, o cabimento do recurso ordinário constitucional é restrito, ficando condicionado ao resultado do julgamento do remédio constitucional, o que exige dos operadores 4 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011, p. 732. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II: Processo de Execução e Cumprimento da Sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 49ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 2084. 6 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II p. 2084. 7 Vol. 03 p. 266.

do Direito muita atenção ao manejarem tal espécie recursal, não sendo incomum a interposição de recurso especial ou extraordinário em seu lugar. Nesses casos, a jurisprudência do STF, consagrada na Súmula 272, não permite a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, dispondo que não se admite como recurso ordinário, recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança. Vale lembrar que a Súmula 272 foi aprovada em sessão plenária de 13 de dezembro de 1963, sob a égide da Constituição Federal de 1946 e do Código de Processo Civil de 1939. Por óbvio que o cenário jurídico atual não é mais o mesmo, considerando que sobrevieram após o referido entendimento sumular o CPC de 1973 e a CF de 1988, além do CPC de 2015, fatos que suscitam dúvidas sobre sua aplicabilidade na atualidade. E tal questionamento emerge da própria jurisprudência do STF, que registra entendimento da 2ª Turma daquele Sodalício no sentido de que é possível conhecer recurso extraordinário como ordinário, aplicando-se o princípio da fungibilidade recursal 8, posicionamento que prima pela efetividade das garantias constitucionais tuteladas pelo recurso. Interessante, a propósito do debate, a observação do Ministro Marco Aurélio por ocasião do julgamento do referido precedente: Senhor Presidente, há um pormenor que revela a boa-fé da Recorrente: elegeu uma via bem mais estreita, que é a via do extraordinário, quando tinha assegurado, constitucionalmente, pela Carta, o recurso ordinário, que viabiliza, inclusive, o revolvimento da matéria fática. O Ministro Carlos Velloso, na mesma oportunidade, explicou que [ ] a Constituição de 1988 inovou em relação à Constituição pretérita, já que esta não previa o recurso ordinário de que tratamos, inscrito no art. 102, inciso II, a, da Constituição Vigente [ ]. Logo, sem embargo das vozes em sentido contrário, é possível sustentar que a Súmula 272 está superada e, via de consequência, aplicável o princípio da fungibilidade recursal, conhecendose eventual recurso extraordinário como ordinário, desde que este seja da competência do STF. 8 EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. FUNGIBILIDADE. C.F., art. 102, II, a. CONSTITUCIONAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GRAVIDEZ. C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b. I. - Conversão do recurso extraordinário em ordinário, tendo em vista a ocorrência da hipótese inscrita no art. 102, II, a, da Constituição. II. - Estabilidade provisória decorrente da gravidez (C.F., art. 7º, I; ADCT, art. 10, II, b). Extinção do cargo, assegurando-se à ocupante, que detinha estabilidade provisória decorrente da gravidez, as vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade. III. - Recurso improvido (STF, RMS 21.328/DF, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. 11.12.2001, DJ 03.05.2002, p. 102).

3.2 Recurso ordinário constitucional para o STJ O STJ, por sua vez, julga em recurso ordinário os mandados de segurança e os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão do juízo a quo, aplicando-se os mesmos comentários apontados linhas atrás. Importante lembrar que a competência do STF é mais ampla, abrangendo o julgamento de habeas data e mandados de injunção. Embora omisso o texto constitucional, a Lei 9.507, de 12 de novembro de 1997, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, ampliou a competência recursal do STJ para nela incluir o julgamento, em recurso ordinário, do habeas data quando denegatória a decisão proferida em única instância pelos Tribunais Regionais Federais (art. 20, inciso II, alínea b ). Cássio Scarpinella Bueno, frente a tal modificação, posicionou-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 20, inciso II, alínea b da Lei 9.507/97. Para o autor: O dispositivo é inconstitucional porque a competência daquele Tribunal é taxativamente estabelecida pela Constituição Federal, vedado o seu alargamento por lei federal. Assim, nos casos em que o habeas data for impetrado originariamente perante os Tribunais Regionais Federais ou os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (art. 108, I, c, da Constituição Federal e art. 20, I, a, b, c e e da Lei n. 9.507/97), os recursos cabíveis serão o extraordinário e o recurso especial, consoante se façam presentes os pressupostos do art. 102, III, e do art. 105, III, da Constituição Federal, respectivamente, já que de causas decididas em única instância se trata [ ] O Superior Tribunal de Justiça, vale frisar, só tem competência para julgar, em recurso ordinário, os acórdãos denegatórios de mandados de segurança impetrados originariamente naqueles Tribunais; impensável, pois, que, por analogia, reconheça-se àquele Tribunal competência similar àquela que o art. 102, II, a, da Constituição expressamente reservou ao Supremo Tribunal Federal em se tratando de habeas data ou de mandado de injunção. 9. No mesmo sentido, manifesta-se Fredie Didier Jr. para quem esse dispositivo só pode ser compreendido como se fizesse referência ao recurso especial (o que era desnecessário), pois qualquer referência ao recurso ordinário seria inconstitucional, por ampliar a competência do STJ por lei federal 10, o que somente seria viável por meio de emenda constitucional. 9 BUNO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 05 p. 228. 10 Vol. 03 p. 269.

O CPC de 2015 não reproduziu no art. 1.027 a mencionada hipótese de cabimento, perdendo a oportunidade de revogar expressamente o art. 20, inciso II, alínea b da Lei 9.507/97, que não está de acordo com a Constituição Federal. Não obstante, os critérios de resolução de conflito aparente de normas indicam que este dispositivo legal será tacitamente revogado com a entrada em vigor da nova Codificação, na medida em que lei posterior revoga a anterior quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (inteligência do art. 2º, 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Além do mandado de segurança e do habeas corpus, o STJ julga em recurso ordinário as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. Trata-se de demandas que tramitam perante a Justiça Federal de primeiro grau, por força do art. 109, inciso II, da CF, mas o eventual recurso contra a sentença, terminativa ou definitiva, não será julgado pelo Tribunal Regional Federal, e sim pelo STJ em recurso ordinário. Nesse caso, [ ] com a interposição do recurso, a causa sai de um juiz de primeira instância e vai ao STJ, diretamente, sem passar pelo Tribunal Regional Federal 11. Da mesma forma, as decisões interlocutórias proferidas pelo juiz federal em tais causas são impugnáveis por agravo endereçado ao STJ. Nesse sentido: compete ao STJ o exame do agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória proferida por Juiz Federal de primeira instância em ação movida por pessoa jurídica domiciliada no país contra organismo internacional, com fulcro nos arts. 105, II, 'c', da CF/88; art. 539, parágrafo único, do CPC e art. 1 3, III, do RISTJ 12. O NCPC positivou no 1º do art. 1.027 a sobredita construção jurisprudencial, prevendo expressamente que as decisões interlocutórias proferidas pelos juízes federais nas causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País serão recorríveis por agravo de instrumento dirigido ao STJ, desde que verse a decisão agravada sobre qualquer matéria elencada no art. 1.015 do CPC de 2015. 11 Vol. 03 p. 270. 12 STJ, Ag 627.913/DF, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 07.10.2004, DJ 07.03.2005.

4. Julgamento e teoria da causa madura Ao recurso ordinário constitucional aplicam-se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as disposições relativas à apelação. Consequentemente, incide a regra do art. 515, 3º do CPC vigente, a qual foi reproduzida e ampliada pelo art. 1.013, 3º do NCPC, que trata da teoria da causa madura ou efeito expansivo do recurso. Não obstante a lógica do raciocínio alhures desenvolvido, o tema é controvertido na jurisprudência do STJ, sendo dominante a orientação no sentido da inaplicabilidade do art. 515, 3º do CPC vigente (atual art. 1.013, 3º do NCPC), pois o julgamento imediato do mérito do mandamus importaria em supressão de instância, transformando a competência recursal do Superior Tribunal de Justiça em originária 13. Entendimento minoritário, de outro lado, é no sentido da aplicação do art. 515, 3º do CPC vigente, dada a similitude dos recursos, além da determinação legal de aplicação das regras da apelação ao recurso ordinário constitucional. A propósito, o então Ministro do STJ, Humberto Gomes de Barros, ao proferir voto no julgamento do RMS 20.541/SP 14 (acórdão que admitiu a aplicação da teoria da causa madura) esclareceu que a aplicação da teoria da causa madura ao recurso ordinário é medida prática que privilegia a celeridade, efetividade e economia processuais. Na doutrina, Fredie Didier Jr. manifesta-se favorável [ ] à aplicação do dispositivo no recurso ordinário constitucional em mandado segurança, pela inexistência de qualquer óbice para a aplicação analógica de uma regra favorável ao bom andamento do processo 15. Em boa hora, o legislador do NCPC, rompendo com a tradição jurisprudencial, determinou a aplicação da teoria da causa madura ao recurso ordinário constitucional (art. 1.027, 5º), primando pela efetividade, celeridade e economia processual, princípios, aliás, que norteiam toda a nova Codificação. Ademais, a probabilidade de aplicação da teoria da causa madura no recurso ordinário é potencialmente maior em relação à apelação, haja vista que os remédios constitucionais contentam-se, na maioria das vezes, com prova pré-constituída (documental). 13 STJ, EDcl no RMS 31.102/RJ, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 16.06.2011, DJe 24.06.2011. 14 STJ, RMS 20.541/SP, 3ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 08.03.2007, DJ 28.05.2007, p. 319. 15 Vol. 03 p. 270.

Conclusão O recurso ordinário constitucional, em geral, é espécie recursal que desempenha importante papel na tutela dos direitos fundamentais, pois protege o cidadão do próprio Estado. Não obstante, a jurisprudência dos Tribunais Superiores restringe a aplicação de determinados institutos, tais como a fungibilidade recursal e a teoria da causa madura. Nesse contexto, a nova Codificação determinou a incidência da teoria da causa madura ao recurso ordinário constitucional, tornando superada a jurisprudência dominante, que desprezava a lógica processual aplicável a tal espécie recursal. Ora, aplicando-se as regras concernentes à apelação ao recurso ordinário constitucional, incide na espécie a regra que possibilita o imediato julgamento do mérito recursal quando o processo estiver em condições de imediato julgamento. Trata-se, aliás, de inovação que está em consonância com a finalidade do recurso ordinário constitucional, que é espécie recursal destinada a, preponderantemente, tutelar o cidadão em face do Estado, não se justificando a restrição imposta pela jurisprudência dominante. Por conseguinte, é possível até mesmo pensar em rediscutir aspectos pacificados pela jurisprudência, a exemplo da possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, lembrando que existe decisão posterior à Súmula 272 que admitiu o conhecimento do recurso extraordinário como ordinário, medida que privilegia a tutela dos direitos fundamentais. No mais, o novo Estatuto Processual não trouxe grandes inovações ao regime jurídico do recurso ordinário constitucional, apenas alterações pontuais. Uma delas a previsão expressa do cabimento de agravo de instrumento dirigido ao STJ contra decisão interlocutória proferida por juiz federal em causas internacionais, entendimento que já era consagrado na jurisprudência do STJ.

Referências BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RMS 21.328/DF, rel. Min. Carlos Velloso. Diário de Justiça. Brasília, 03 maio 2002. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ag 627.913/DF, rel. Min. Eliana Calmon. Diário de Justiça. Brasília, 07 mar. 2005. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no RMS 31.102/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 24 jun. 2011. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 20.541/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Diário de Justiça. Brasília, 28 maio 2007. BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 05: Recursos. Processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 03: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2011. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II: Processo de Execução e Cumprimento da Sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 49ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.