PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA ALÉRGICA



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Transcrição:

ARTIGO DE REVISÃO Acta Med Port 2007; 20: 215-219 PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA ALÉRGICA MANUELA FERREIRA, RAQUEL COELHO, J. COSTA TRINDADE Departamento de Pediatria. Hospital Fernando Fonseca. Amadora. Unidade de Imunoalergologia Pediátrica. Hospital Santa Maria. Lisboa R E S U M O As doenças alérgicas constituem um importante problema de saúde pública. É essencial o desenvolvimento de estratégias preventivas das mesmas. Vários factores de risco têm sido identificados, mas alguns permanecem controversos. A prevenção primária da alergia alimentar nas crianças com risco atópico implica intervenção a nível da dieta. Existe evidência de que o leite materno exclusivo até aos quatro meses protege o lactante contra o desenvolvimento de dermatite atópica e de sibilância. Pelas suas vantagens, o aleitamento materno deve ser sempre encorajado. Em alternativa, as fórmulas extensamente hidrolisadas são recomendadas nas crianças com risco elevado de atopia e, quando necessário, como suplemento do aleitamento materno. São necessários mais estudos que avaliem se as fórmulas parcialmente hidrolisadas constituem uma alternativa aceitável. Não existe evidência de que a evicção de alimentos alergénicos durante a gravidez previna a alergia na criança. Durante a infância, uma estratégia que combine a evicção de alergénios alimentares e inalatórios parece ser eficaz na redução da sibilância no lactente, da dermatite atópica e da asma. A exposição ao fumo do tabaco, particularmente durante a gravidez e precocemente na infância, aumenta o risco de sibilância e de asma, pelo que a sua evicção é uma das medidas preventivas mais importantes. S U M M A R Y PRIMARY PREVENTION OF ALLERGIC DISEASE Allergic diseases are a major public health problem. It is essential to develop prevention strategies applied to it. A number of risk factors have been identified, but some are still under contradictory. Changing the dietary pattern of the at-risk infant may prevent food allergy. Evidence suggests that exclusive breast-feeding for the first 4-months seems to protect against atopic dermatitis in infants and early childhood wheezing. Breast-feeding should be encouraged for all infants because of all its well known benefits. Hydrolyzed formulas cannot substitute breast milk on the prevention of allergic diseases. Extensively hydrolysed formulas should be encouraged as a supplement to breast milk in high-risk infants whenever necessary. Partially hydrolysed formulas may be a reasonable substitute, but more studies are necessary. There is no evidence that avoiding allergenic foods during pregnancy will reduce the incidence of allergenic diseases in child. Avoidance food and aeroallergen seems effective in reducing early childhood wheeze, atopic dermatitis and asthma. Maternal avoidance of allergenic foods during lactation should only be undertaken under medical supervision by highly motivated mothers with a high risk of allergy in the offspring. Recebido para publicação: 3 de Maio de 2006 215

MANUELA FERREIRA et al Exposure to tobacco smoke during pregnancy and early childhood increases the risk of childhood wheeze and asthma. Avoidance must be included in all preventive advice. INTRODUÇÃO As doenças alérgicas afectam a qualidade de vida de milhões de crianças e adultos e são responsáveis por gastos consideráveis de recursos sociais e económicos. O aumento da prevalência destas doenças, que se tem verificado nas últimas décadas, determina a necessidade de existência de estratégias preventivas 1. Salienta-se a definição dos conceitos de alergia e de atopia. A alergia consiste na manifestação clínica de reacções imunologicamente mediadas a substâncias estranhas, habitualmente proteínas. A atopia consiste na predisposição genética de produzir imunoglobulina E (IgE) após exposição a alergénios, o que pode ser confirmado por testes cutâneos (Prick test) ou por doseamento de anticorpos IgE específicos no soro sensibilização alérgica. As doenças alérgicas são poligénicas e as manifestações clínicas dependem da interacção de factores genéticos e ambientais. Os mecanismos envolvidos são complexos e não se encontram totalmente determinados 1,2. É essencial identificar as crianças com maior risco de desenvolver doença alérgica. A existência de história familiar de atopia associa-se a um risco elevado de desenvolver alergia (50-80%), enquanto que as crianças sem antecedentes familiares têm um risco consideravelmente menor (20%). Este risco parece ser superior se ambos os pais forem atópicos (60-80%) e se a mãe for afectada em vez do pai 2. A sensibilização precoce do recém-nascido e das crianças atópicas, por via digestiva ou inalatória, inicia a chamada marcha alérgica, ocasionando as manifestações clínicas da doença em qualquer período da vida 3. Têm sido identificados vários factores de risco, mas alguns ainda são controversos 1. A evicção dos factores de risco ambientais podem impedir o início e o desenvolvimento desta marcha alérgica. FACTORES DE RISCO E PREVENÇÃO PRIMÁRIA Alergénios Alimentares Desde o nascimento, a criança está exposta a uma grande variedade de proteínas, incluindo as do leite de vaca, quer através do leite materno quer através das fórmulas para lactentes. Nas crianças com predisposição alérgica pode haver intolerância imunológica às proteínas estranhas e, deste modo, ocorrer sensibilização. É o caso da sensibilização ao leite de vaca e ao ovo. As manifestações cutâneas (rash-urticária, eczema atópico), gastrointestinais ou respiratórias são a consequência habitual da sensibilização precoce. A prevenção da alergia alimentar implica intervenção na dieta alimentar das crianças de risco. Nestes casos, está recomendada a evicção durante os primeiros meses de vida das proteínas do leite de vaca, através do aleitamento materno exclusivo ou através do uso de fórmulas hidrolisadas, e a introdução mais tardia de alimentos com maior potencial alergizante, como o ovo, o peixe e os amendoins 1. Aleitamento materno exclusivo Vários estudos demonstraram que o aleitamento materno exclusivo até aos quatro ou seis meses de idade previne a dermatite atópica no lactente e a sibilância precoce na infância. No entanto, não está bem estabelecido o seu benefício a longo prazo 1. Segundo um estudo recente, o aleitamento materno diminui o risco de asma nos quatro primeiros anos de vida e parece reduzir a gravidade da doença 4. No entanto, existem estudos contraditórios que associam o aleitamento materno a um aumento de risco de asma e eczema 5. O leite materno (LM) é um alimento imunologicamente complexo. Alguns dos seus constituintes, tais como a imunoglobulina A secretora, as citoquinas (TGF-β, CD14 solúvel), os ácidos gordos polinsaturados (ácido eicosapentanoico) e as poliaminas (espermina e espermidina) têm um efeito protector no desenvolvimento de alergia. Também através da promoção da colonização intestinal com lactobacilos e bifidobactérias, o LM estimula a resposta Th1 e, deste modo, protege contra as alergias. No entanto, outros dos seus componentes, como a interleucina-4, a interleucina-5 e a interleucina-13 são importantes na produção de IgE e estão presentes em maiores concentrações no leite materno de mães atópicas, aumentando o risco de atopia. Também por ter uma relação ácido araquidónico/ácido eicosapentanoico mais elevada e maiores níveis de proteínas catiónicas eosinofílicas pode 216

PREVENÇÃO PRIMÁRIA DA DOENÇA ALÉRGICA condicionar maior risco de alergia. Como tal, são necessários mais estudos que determinem o real efeito desta interacção complexa no desenvolvimento da doença alérgica 6. Por outro lado, no LM podem ser detectados vários alergénios, tais como ovo, trigo, amendoins, β-lactoglobulina, caseína e δ-globulina, permanecendo incerto se estes causam sensibilização ou tolerância e o que o determina a evolução para um ou outro caso. Assim, apesar de décadas de pesquisa e da American Academy of Pediatrics e da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition recomendarem o aleitamento materno como parte do programa de prevenção alérgica, não está definitivamente provado que este previne a sensibilização a alergénios 6. No entanto, por todas as suas vantagens (nutritivas, imunológicas, económicas e psicológicas) o aleitamento materno exclusivo deve ser encorajado até aos quatro ou seis meses vida 1,6. Fórmulas lácteas hidrolisadas A utilização de fórmulas hidrolisadas tem um papel importante na prevenção da alergia às proteínas do leite de vaca e da dermatite atópica. O uso de fórmulas hidrolisadas como suplemento do aleitamento materno ou, na falta deste, em substituição, parece reduzir as manifestações alérgicas nos dois a três primeiros anos de vida nas crianças de risco 1. As fórmulas para lactentes podem ser extensa ou parcialmente hidrolisadas. No tratamento da alergia às proteínas do leite de vaca devem ser usadas as fórmulas extensamente hidrolisadas. Relativamente à prevenção primária, existe alguma controvérsia quanto à extensão da hidrólise que deve ser utilizada. Estudos randomizados controlados demonstraram que, em crianças de risco, as fórmulas extensamente hidrolisadas têm um maior efeito protector das manifestações das doenças alérgicas, nomeadamente da alergia às proteínas do leite de vaca 7. É consensual que as fórmulas hidrolisadas não devem ser preferidas ao LM na prevenção da doença alérgica 1,6,8. Dieta alimentar durante a gravidez Alguns estudos mostraram benefícios para o feto com a evicção durante a gravidez de alimentos potencialmente alergizantes, como o leite de vaca e o ovo 9. No entanto, uma revisão sistemática publicada na The Library Cochrane concluiu que a restrição dietética durante a gravidez não previne a alergia e pode ter consequências adversas para a nutrição materna, fetal ou e ambos 10. Suplementos dietéticos como ácidos δ-lenolénico nos primeiros seis meses de gravidez podem reduzir a gravidade do eczema atópico mas não influenciam a incidência da doença ou a redução dos níveis de IgE 11. Dieta materna durante o período de aleitamento A dieta materna durante a amamentação parece ter algum benefício na prevenção da alergia às proteínas do leite de vaca e no eczema atópico 1. Durante o aleitamento materno, a restricão de alguns alimentos alergizantes, como produtos lácteos, ovo, peixe, amendoim e soja, associa-se à redução da prevalência de eczema atópico dos 12 aos 18 meses nas crianças de risco 12. No entanto, esta dieta alimentar só deve ser realizada sob supervisão médica e em mães com grande risco de ter filhos com alergia 1,6. Diversificação alimentar A introdução precoce de alergénios alimentares pode promover o desenvolvimento de alergia enquanto que a introdução numa fase mais tardia induz tolerância 13. Os alimentos sólidos antes dos quatro meses podem aumentar o risco de eczema atópico em crianças com predisposição genética 14, no entanto alguns estudos falharam ao tentar mostrar benefícios na introdução mais tardia destes alimentos 15. Probióticos Nos últimos anos, têm-se desenvolvido a imunomodulação como meio de prevenção da atopia. A administração de probióticos, nomeadamente o Lactobacillus rhamnosus GG (ATCC 53103), tem um efeito protector do intestino contra a colonização de patogénios e promove a predominância Th1 do sistema imunitário. Estudos randomizados mostram que Lactobacillus GG dados durante a gravidez a mães com história familiar de atopia e nos seis primeiros meses de vida da criança, reduzem significativamente a ocorrência de dermatite atópica aos dois e quatro anos de idade 16. Contudo, o tratamento com probióticos não está associado a uma diminuição do risco de sensibilização alérgica, asma ou rinite alérgica 17. Outros alimentos Tem sido colocada a hipótese que um menor consumo de antioxidantes, um aumento do consumo de ácidos gordos polinsaturados n-6 e uma diminuição do consumo de ácidos gordos polinsaturados δ -3 contribuem para o aumento recente de asma e de doença atópica 11. Os antioxidantes alimentares como as vitaminas A, C e E e o selénio, parecem prevenir o desenvolvimento de doenças alérgicas. No entanto, não existem conclusões definitivas 18. 217

AEROALERGÉNIOS A exposição a aeroalergénios é um factor de risco para o desenvolvimento de alergia respiratória. O tipo de aeroalergénio pode variar de acordo com a situação geográfica. Assim, o pó da casa é o mais importante nos países de clima húmido, os relacionados com animais domésticos nos países frios, as espécies de Alternaria nos climas secos e as baratas nas cidades do interior 1. Vários estudos prospectivos avaliaram a redução da exposição ao pó da casa durante a gravidez e infância. Os resultados foram distintos, podendo-se concluir que os mecanismos implicados são complexos e que a intervenção isolada ao nível da redução do pó da casa pode não ser suficiente para a prevenção de asma e outras manifestações alérgicas 19. De acordo com uma revisão sistemática recente a exposição a animais domésticos aumenta o risco de asma e sibilância em crianças com mais de seis anos 20. Recomenda-se a evicção destes alergénios em crianças sensibilizadas e com doença alérgica. No entanto, quando a família tem já um animal doméstico, não deve ser feita a sua remoção com objectivo de prevenção primária 2. Uma estratégia que combine evicção de alergénios alimentares e inalatórios é provavelmente mais efectiva na redução de sibilância no lactente, da dermatite atópica e da asma 1. EXPOSIÇÃO A ENDOTOXINAS Hipótese Higiénica A hipótese higiénica defende que a exposição precoce a determinadas infecções, vacinas ou endotoxinas pode influenciar a resposta imunológica e proteger, numa fase mais tardia da vida, contra o desenvolvimento de atopia. Baseia-se no proposto que a exposição a micróbios ou seus produtos, estimula a produção de células Th1, altera a relação Th1/Th2 e protege contra a atopia e manifestações alérgicas 1. Contudo, nem todas as infecções são protectoras. Vários estudos mostram que infecções respiratórias baixas recorrentes e precoces na infância são factor de risco para o desenvolvimento de asma. Existe evidência de que a infecção pelo vírus respiratório sincicial (VRS), o agente mais frequente da infância, está associada a complicações como sibilância recorrente, asma e obstrução das vias aéreas 21,22. Um estudo de longa duração norteamericano mostrou que existe associação entre a infecção a VRS precoce na infância e a persistência de sibilância aos três e aos seis anos. No entanto, esta relação não se prolonga para além dos 13 anos de idade 23. Estudos recentes mostram que a frequência de infantários e a existência de irmãos mais velhos no agregado familiar está associado a níveis mais baixos de asma aos seis anos de idade, mas ao mesmo tempo, a níveis superiores de sibilância na infância 24. Assim, a exposição a endotoxinas numa fase precoce da vida, aumenta o risco de sibilância no primeiro ano mas parece induzir alguma protecção contra o desenvolvimento posterior da alergia 25. EXPOSIÇÃO AMBIENTAL AO FUMO DE TABACO As crianças expostas ao fumo de tabaco têm maior incidência de asma, sibilância, tosse, bronquite, bronquiolite, pneumonia e alterações da função pulmonar. O fumo materno durante e depois da gravidez promove a sensibilização e o desenvolvimento de asma e, alguns autores, consideram que este é o principal factor de risco para o desenvolvimento de sibilância no lactente e de asma não atópica 26. O risco associado ao fumo dos pais parece ser maior nas idades mais jovens. São essenciais as medidas protectoras que reduzam ou eliminem a exposição ambiental ao fumo do tabaco 1. VACINAÇÃO Alguns autores defendem que a vacinação, por reduzir a incidência de infecções na infância e aumentar os níveis de IgE, pode influenciar o desenvolvimento de alergia. A principal conclusão de um estudo realizado por Roost HP et al foi que em crianças em idade escolar a infecção natural e a vacinação contra o sarampo, papeira e rubéola, não aumentam o risco de sensibilização a alguns aeroalergénios (pó da casa, animais domésticos, pólenes de gramíneas) nem de doença respiratória alérgica 27. Outros estudos mostraram que nos países desenvolvidos, a vacina BCG ao estimular a resposta imunológica TH1 e alterando o balanço TH1/TH2, pode levar à diminuição da sensibilização alérgica 28. Em resumo, os resultados de vários estudos que analisam a associação entre vacinação e desenvolvimento de asma ou atopia na infância são controversos e não justificam o não cumprimento de todos os calendários vacinais 29. CONCLUSÃO Quando nos propomos fazer uma revisão de um assunto tão vasto e contraditório como a prevenção primária na doença alérgica devemo-nos deixar guiar pelo bom senso e estar conscientes da falta de uniformidade de metodologia utilizadas nos diferentes estudos. Permane- 218

cem dúvidas quanto ao papel da evicção de alguns factores de risco, à forma de identificar a população em risco de desenvolver alergia e ao o momento ideal para o início das medidas preventivas. Actualmente, com excepção da evicção do fumo do tabaco, não existe um benefício claro para o início desta intervenção no período pré-natal. Diferentes perfis de risco podem necessitar de diferentes estratégias de intervenção. No futuro, a estratégia ideal poderá ser a determinação dos perfis de risco das diferentes pessoas (genético e ambiental) de modo a individualizar a intervenção. BIBLIOGRAFIA 1. ARSHAD SH: Primary prevention of asthma and allergy. J Allergy Clin Immunol 2005;116(1):3-14 2. PRESCOTT SL, TANG ML: The Australasian Society of Clinical Immunology and Allergy position statement: Summary of allergy prevention in children. Med J Aust 2005;182(9):464-7 3. TRINDADE JC: A marcha alérgica. In: Pinto JR, Almeida MM, eds. A criança asmática no mundo da alergia. Lisboa. 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