Técnicas de Compressão Digital de Sinais Aplicadas à Eletrocardiografia: Uma Análise Comparativa



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Transcrição:

Rodrigo Lacerda Campos Técnicas de Compressão Digital de Sinais Aplicadas à Eletrocardiografia: Uma Análise Comparativa Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência da Computação Belo Horizonte Fevereiro de 2000

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Resumo Foram realizados, na presente dissertação, estudos de técnicas de compressão digital de sinais aplicadas à eletrocardiografia, visando-se codificações mais eficientes para sinais eletrocardiográficos (ie menores taxas de bit, preservando-se as características morfológicas do sinal) Para tanto, subdividiram-se as técnicas de compressão em dois grandes grupos: técnicas de compressão sem perdas e técnicas de compressão com perdas Para a determinação das potencialidades e limitações das técnicas de compressão sem perdas, foram desenvolvidos algoritmos baseados em modulação por codificação de pulso diferencial (DPCM) e codificadores de Huffman Resultados de compressão da ordem de 3:1 foram obtidos, para taxas de bit mínimas equivalentes a 650 bits/s Os melhores modelos de estimativa DPCM foram igualmente estabelecidos, maximizando os resultados de compressão obtidos por codificadores de Huffman Técnicas de compressão sem perdas mostram-se aplicáveis a todos os métodos diagnósticos utilizados em eletrocardiologia, preservando toda a informação contida no sinal original No entanto, para aplicações específicas (eg eletrocardiografia ambulatorial e implementação de gravadores Holter digitais), tais resultados mostram-se insatisfatórios, sendo necessárias taxas de compressão superiores às encontradas por técnicas de compressão sem perdas Tais taxas são obtidas através técnicas de compressão com perdas, sendo desenvolvidas, na dissertação, técnicas baseadas em transformadas de Karhunen-Loeve (KLT) e transformadas discretas em cosseno (DCT) Taxas de compressão da ordem de 10:1 foram encontradas, sendo verificadas taxas de bit mínimas equivalentes a 96 bits/s, para valores de distorção em PRD equivalentes a 7,3 por cento Algoritmos com taxas de bit constantes em 500 bits/s foram desenvolvidos, permitindo a implementação de gravadores Holter digitais utilizando-se cartões de memória não volátil de 16 Mbytes como dispositivo de memória de massa (24 horas de aquisição, 3 canais simultâneos, 12 bits por amostra, independente da taxa de amostragem utilizada) Foram realizadas, ao final do trabalho, análises comparativas entre os métodos de compressão implementados, avaliando-se os resultados de compressão obtidos e a preservação das informações clínicas dos sinais em estudo A aplicabilidade para cada técnica de compressão foi igualmente discutida, de acordo com o método diagnóstico a que se destina o sinal a ser codificado

Abstract In the present dissertation, studies about digital signal compression techniques, related to electrocardiography, have been developed Efficient electrocardiographic (ECG) signal encoding was the objective (ie smaller bit rates, preserving the morphological signal features) The compression techniques analyzed were divided into two major groups: lossless compression techniques and lossy compression techniques To determine the potentialities and limitations of lossless compression techniques, algorithms based on differential pulse code modulation (DPCM) and Huffman codes were developed Compression ratios of 3:1 were obtained, for minimal bit rates equivalent to 650 bits/s The best DPCM estimation models were found, thus maximizing the compression results obtained by Huffman coders Lossless compression techniques have shown to be applicable for all diagnostic methods used on electrocardiology, preserving the whole original signal information However, for specific applications, such as ambulatorial electrocardiography and digital Holter recorders implementation, these results showed to be unsatisfactory Therefore, compression ratios higher than those found by lossless methods become necessary These compression ratios were obtained through lossy techniques The techniques used in this dissertation are based on the Karhunen-Loeve Transforms (KLT) and on the Discrete Cosine Transforms (DCT) Compression ratios of 10:1 were found and minimal bit rates equivalent to 96 bits/s (PRD = 7,3%) were obtained Constant bit rate algorithms (500 bits/s) were developed, allowing the implementation of digital Holter recorders which require 16 Mbytes memory cards as memory mass device (acquisition time equal to 24 hours, 3 simultaneous channels, 12 bits per sample, sample rate independent) Finishing the study, comparative analyses among the compression methods were carried out The compression results obtained and the clinical signal information preservation were evaluated The applicability of the compression techniques was also discussed with respect to the clinical use of the ECG signal

Capítulo 1 Introdução 11 Motivação Sistemas digitais para processamento de sinais biomédicos têm sido amplamente utilizados na prática clínica, sendo estes dispositivos capazes de armazenar e processar longos registros de sinais digitalizados A aquisição digital de sinais biomédicos possibilita a construção de grandes bancos de dados a serem utilizados em pesquisas e análises futuras, torna possível a transmissão destes sinais através das já existentes redes de telecomunicações, bem como viabiliza a implementação e melhoria de sistemas de gravação ambulatoriais (eg gravadores Holter digitais), utilizados na aquisição de sinais eletrocardiográficos (ECG) Apesar dos grandes avanços das tecnologias de integração VLSI ("very large scale integration") de memórias não voláteis, o montante de dados adquiridos pelos sistemas digitais vem se tornando cada vez maior No entanto, o problema gerado pelo elevado volume de dados pode ser minimizado pela utilização de técnicas de compressão digital de sinais, técnicas estas aplicadas com sucesso nas áreas de codificação de voz, imagens e vídeo [25] Na presente dissertação, empregaremos algumas dessas técnicas à codificação de sinais eletrocardiográficos, utilizando métodos de compressão sem perdas e métodos de compressão com perdas Realizaremos análises comparativas entre os algoritmos implementados, avaliando-se as taxas de compressão obtidas, a preservação das informações clínicas dos sinais comprimidos e a aplicabilidade de cada técnica de compressão, de acordo com o uso clínico a que se destina o sinal eletrocardiográfico Uma característica básica dos sinais eletrocardiográficos digitalizados encontra-se na grande quantidade de dados necessária para uma fiel representação do sinal original Utilizando-se taxas de amostragem da ordem de 500 amostras por segundo por canal, um eletrocardiógrafo convencional de 12 derivações produz, para um registro de 10 segundos, um volume de dados equivalente a 120 kbytes Em um hospital de médio porte com 250 leitos, aproximadamente 5000 exames eletrocardiográficos são processados e documentados a cada ano [6], sendo necessários 600 Mbytes de espaço de armazenamento, por ano, apenas para os sinais eletrocardiográficos Para se manter estes dados acessíveis à análises e comparações freqüentes, torna-se necessária a compactação dos mesmos Por sua vez, a transmissão em tempo real de exames desta natureza (ie eletrocardiogramas de 12 derivações) exige taxas correspondentes a 72 kbps, desconsiderando-se a utilização de métodos de detecção e correção de erros Desta forma, o emprego de técnicas de compressão mostra-se útil, reduzindo a largura de banda necessária à transmissão em tempo real de sinais eletrocardiográficos

Sistemas de eletrocardiografia ambulatorial (ie sistemas Holter) consistem em um conjunto para aquisição de dados, chamado genericamente de gravador, o qual propicia o registro contínuo do sinal eletrocardiográfico (24 a 48 horas de gravação), bem como por um complexo de análise, responsável pela avaliação dos dados gravados Um gravador convencional é pequeno, leve (aproximadamente 350 g), operado a bateria, utilizando fitas magnéticas como dispositivo de memória de massa Recentemente, a substituição das fitas de gravação por memórias sólidas vem permitindo o armazenamento totalmente digitalizado dos sinais A primeira vantagem desses equipamentos é a redução do tamanho, do peso e do gasto energético, além da eliminação das partes mecânicas, como motor e engrenagens Some-se a isso o indiscutível aprimoramento do sinal adquirido, eliminando-se os ruídos das fitas, seja durante a gravação ou na sua reprodução Por suas características de portabilidade, encontramos na implementação de gravadores Holter um dos grandes desafios da área de compressão de sinais eletrocardiográficos Os gravadores digitais são normalmente operados com cartões de memória não volátil, com capacidades inferiores a 16 Mbytes Apresentam, igualmente, restrições em seu consumo de energia Para sistemas convencionais, encontramos taxas de amostragem da ordem de 200 Hz, 3 canais simultâneos, 12 bits por amostra, sendo necessários aproximadamente 80 Mbytes de espaço de armazenamento para exames com 24 horas de duração Verificamos, desta forma, ser essencial o desenvolvimento de técnicas de compressão extremamente eficientes, apresentando altas taxas de compressão e custos computacionais compatíveis à implementação dos gravadores portáteis 12 Objetivos e Contribuições Este trabalho tem como objetivo o estudo e desenvolvimento de técnicas para representação de sinais eletrocardiográficos, visando-se codificações mais eficientes para o sinal de interesse Esperamos, dessa forma, encontrar soluções práticas para a representação comprimida de sinais eletrocardiográficos, permitindo implementações de gravadores digitais que utilizem quantidades mínimas de memória de massa, economia de espaço em sistemas de banco de dados hospitalares e minimização da largura de banda necessária para a transmissão, em tempo real, de sinais eletrocardiográficos Para tanto, realizaremos estudos de técnicas de compressão sem perdas e técnicas de compressão com perdas, determinando suas potencialidades e limitações, avaliando as taxas de compressão obtidas pelos algoritmos desenvolvidos bem como os custos computacionais inerentes aos mesmos Avaliaremos, da mesma forma, a aplicabilidade de cada algoritmo, de acordo com o método diagnóstico a que se destina o sinal a ser comprimido Ao final da dissertação terão sido apresentados métodos de compressão, em tempo real, para sinais eletrocardiográficos, reduzindo-se assim a largura de banda necessária à transmissão dos mesmos Da mesma forma, algoritmos de compressão sem perdas serão implementados, obtendo-se ferramentas de compressão aplicáveis a qualquer sinal eletrocardiográfico, independente do método diagnóstico a que ele se destina Tais ferramentas apresentam taxas médias de compressão da ordem de 3:1, preservando toda a informação contida no sinal original Por sua vez, técnicas de compressão com perdas serão desenvolvidas, baseadas em métodos de transformadas, permitindo assim a implementação de gravadores Holter digitais Taxas de compressão da ordem de 10:1 e taxas de bits constantes em 500 bits/s serão obtidas, possibilitando a implementação de gravadores Holter fazendo-se uso de cartões de memória não volátil de 16 Mbytes Técnicas de compressão

baseadas em transformadas discretas de cosseno serão apresentadas, fornecendo-se algoritmos de baixos custos computacionais e fácil implementação, permitindo o desenvolvimento de gravadores Holter digitais sobre plataformas compostas por processadores digitais comerciais, específicos ao processamento digital de sinais (ie DSPs) Apresentaremos, desta forma, algoritmos tidos como proprietários até o momento 13 Trabalhos Relacionados Apresentamos, no capítulo 4, um levantamento sobre as técnicas de compressão para sinais eletrocardiográficos encontradas na literatura Disponibilizamos, neste capítulo, descrições detalhadas sobre as principais técnicas utilizadas, bem como uma rica referência bibliográfica da área em estudo 14 Organização da Dissertação A presente dissertação organiza-se por meio de sete capítulos e seis anexos, estruturados como se segue: Capítulo 1: apresentação da motivação, objetivos e principais contribuições do estudo em questão Capítulo 2: introdução aos conceitos básicos de eletrocardiografia, iniciando-se com um histórico da área, obtido a partir de [6] Apresentação dos princípios básicos de eletrofisiologia e descrições dos processos elétricos inerentes ao funcionamento do coração Estudo das representações vetoriais da atividade elétrica cardíaca e definição dos conceitos de derivação Detalhamento das ondas constituintes de um sinal eletrocardiográfico e processos inerentes a sua digitalização Capítulo 3: apresentação da metodologia empregada para o desenvolvimento da dissertação Descrição da base de dados utilizada na avaliação dos métodos de compressão implementados, bem como da plataforma de software e hardware implementados para a aquisição de sinais eletrocardiográficos, possibilitando, assim, uma maior flexibilidade na obtenção do material de estudo Capítulo 4: levantamento das principais técnicas utilizadas na compressão de sinais eletrocardiográficos Definição de técnicas de compressão sem perdas e técnicas de compressão com perdas, realizando descrições dos métodos clássicos apresentados na literatura Capítulo 5: implementação de algoritmos de compressão sem perdas para sinais eletrocardiográficos Definição dos conceitos de entropia e informação, estabelecendo as potencialidades e limitações dos métodos de compressão sem perdas Descrição das ferramentas de compressão implementadas, realizando estudos dos melhores modelos de estimativas para codificadores DPCM/Huffman Apresentação e discussão dos resultados obtidos

Capítulo 6: estudo e implementação de técnicas de compressão com perdas Descrição dos princípios básicos empregados em técnicas de compressão baseadas em métodos de transformadas Apresentação das transformadas de Karhunen-Loeve (KLT) e transformadas discretas de cosseno (DCT) Descrição das técnicas para redução de informação, compostas por métodos de eliminação de componentes menos significativas e técnicas de quantização dos coeficientes transformados Estudo dos algoritmos KLT e DCT implementados Codificação de sinais eletrocardiográficos escalares e vetoriais Descrição dos formatos de representação comprimida para os sinais eletrocardiográficos Apresentação e discussão dos resultados obtidos, realizando uma análise comparativa entre os mesmos Capítulo 7: conclusões finais para a dissertação, sendo realizada uma revisão do trabalho, bem com discussões sobre a aplicabilidade das técnicas de compressão desenvolvidas Anexo A: apresentação dos resultados obtidos pelas técnicas de compressão sem perdas implementadas no capítulo 5 Estudo da eficiência de informação presente nas codificações não comprimidas Visualização da composição dos arquivos comprimidos (ie porcentagem correspondente às tabelas de Huffman e seqüências de Huffman ) Resultados quantitativos apresentados em forma de tabelas Anexo B: ilustração das distribuições de probabilidade para cada conjunto de símbolos (ie valores dos erros de estimativa) resultante do pré-processamento dos sinais eletrocardiográficos escalares (realizado no capítulo 5) Utilização de polinômios preditores de ordem um como modelo de estimativa Distribuições Gaussianas são observadas, tornando factível a proposta de definições prévias para tabelas de Huffman, independentes dos sinais a serem codificados Permite-se, assim, a implementação de algoritmos de compressão sem perdas em tempo real para sinais eletrocardiográficos (Capítulo 5) Anexo C: apresentação dos melhores resultados obtidos pelas técnicas de compressão sem perdas implementadas na presente dissertação (Capítulo 5) Tais resultados correspondem à aplicação de técnicas DPCM (polinômios preditores de ordem um) associadas à codificações de Huffman Resultados quantitativos apresentados em forma de tabelas Anexo D: apresentação dos resultados obtidos pelas técnicas de compressão com perdas implementadas no capítulo 6 Resultados quantitativos apresentados em forma de tabelas Anexo E: visualização dos sinais eletrocardiográficos escalares reconstituídos após compressão por técnicas de transformadas discretas de cosseno (DCT), quantização por índices de freqüência e taxas de bits constantes a 500 bits/s Técnicas apresentada no capítulo 6 Anexo F: visualização dos sinais eletrocardiográficos vetoriais reconstituídos após compressão por técnicas de transformadas de Karhunen-Loeve (KLT) e transformadas discretas de cosseno (DCT), descritas no capítulo 6 Aplicação de transformações bidimensionais no espaço (KLT) e no tempo (DCT)

Capítulo 2 Introdução à Eletrocardiografia 21 Histórico Em meados do século XIX, já se aceitava a idéia de que músculos e nervos poderiam ser estimulados através de geradores elétricos artificiais O primeiro galvanômetro fora inventado nesta época, estando os fisiologistas engajados em estudos de descargas elétricas de enguias, bem como no estudo dos fluxos de correntes aplicadas em sapos e seus efeitos nocivos Tais trabalhos foram provavelmente iniciados por Galvani, o qual recebeu duras críticas de Volta, que argumentava ser possível a geração de correntes elétricas unicamente através do contato entre diferentes metais Em 1856, Kolliker e Muller demonstraram a existência de potenciais elétricos biológicos no coração de um sapo, sendo esta a primeira observação da atividade elétrica de um coração Somente em 1887 o primeiro registro conhecido da atividade elétrica do coração humano foi obtido, por Augustus D Waller, ao imergir em uma solução salina conectada a aparelhos de medição sua mão direita e pé esquerdo Credita-se a Waller a introdução do termo "eletrocardiograma" na ciência O primeiro eletrocardiograma obtido por Waller fora gravado fotograficamente em uma placa, que se movimentava sobre os trilhos de um trem de brinquedo (Figura 21) O movimento de uma coluna de mercúrio era então registrado com o auxílio de um feixe de luz, emitido sobre a placa fotográfica de registro No entanto, a resposta em freqüência do aparato de gravação não permitia o correto registro das deflexões do eletrocardiograma Entretanto, é de conhecimento que a maioria dos cardiologistas, se questionada sobre as origens do eletrocardiograma, apontará o médico holandês Willem Einthoven como seu real inventor, por desenvolver o galvanômetro de fio, aplicando-o no registro das atividades elétricas do coração Não podemos nos esquecer, porém, que tais desenvolvimentos somente foram possíveis devido à refinamentos de trabalhos anteriores, sendo questionável o real inventor do galvanômetro de fio Credita-se ao engenheiro eletricista francês, Ader, a invenção de inúmeros sistemas para amplificação de sinais Ader, igualmente, desenvolveu "um galvanômetro altamente sensível e rápido, que utilizava um pequeno fio no lugar de uma espira, para o registro de eletricidade" Este aparelho era utilizado no estudo de cabos submarinos dos telégrafos transoceânicos Sabe-se que Einthoven, insatisfeito com o desempenho dos aparelhos até então empregados, passou a utilizar um instrumento denominado galvanômetro de Deprez-d'Arsonval Este galvanômetro utilizava uma leve espiral de fio metálico entre os pólos de um ímã permanente Einthoven, no entanto, descobriu que a sensibilidade do aparelho poderia ser aumentada, substituindo-se a espira por um único filete metálico, descrevendo, então, seu novo galvanômetro

Fig 21 - Vagão de trem utilizado para transportar as placas fotográficas, nas quais Waller registrava o eletrocardiograma (Macfarlane et al [6] Reprodução) A controvérsia sobre o real inventor do galvanômetro de fio fora solucionada por Burchell, ao sustentar que o uso da palavra "invenção", para o aparelho de Einthoven, justificava-se pela aplicação específica deste instrumento no registro da atividade elétrica cardíaca De fato, a obtenção da patente para este equipamento fora possível devido ao mesmo permitir gravações até então impraticáveis De qualquer forma, é evidente que Einthoven não inventou o galvanômetro de novo Seu maior feito foi projetar um aparelho sensível o suficiente para registrar os potenciais elétricos do coração, a partir da superfície do corpo Ele desenvolveu um método para movimentar uma placa fotográfica, com o auxílio da gravidade, a uma velocidade constante, direcionando um feixe de luz no fio do galvanômetro Os movimentos do fio eram então registrados na placa fotográfica O primeiro eletrocardiógrafo de Einthoven era extremamente pesado, aproximadamente 270 kg, sendo necessárias cinco pessoas para operá-lo (Figura 23) O laboratório de Einthoven situava-se a aproximadamente 1,5 km de distância do hospital local, levando-o a desenvolver um método de transmissão do sinal eletrocardiográfico através da linha telefônica Os métodos utilizados e os resultados obtidos são descritos em um clássico artigo publicado em 1906 [1] Naquele tempo, os conceitos de derivações cardíacas foram introduzidos e uma variedade de anormalidades eletrocardiográficas demonstradas A este artigo seguiu-se outro clássico, publicado em 1908 [2] Burch e de Pasquale atestam que "o artigo publicado por Einthoven, em 1908, pode ser considerado a mais importante publicação individual na área da eletrocardiografia, por demonstrar à classe médica que o eletrocardiógrafo apresenta importância não somente teórica, mas também prática" Um dos últimos artigos publicados por Einthoven e colaboradores [3] incluía o agora clássico triângulo de Einthoven, onde o corpo humano era representado, em termos elétricos, por um triângulo equilátero (Figura 26) Constituiu-se, desta maneira, as derivações DI, DII e DIII, sendo a terminologia PQRST utilizada para descrever as deflexões do eletrocardiograma (Figura 22) Tais letras foram propostas de maneira a permitir a inclusão de novas deflexões, passíveis de serem detectadas a posteriore

Fig 22 - Primeira notação para o eletrocardiograma, conforme proposto por Einthoven A maior deflexão, positiva ou negativa, era denominada onda R (Macfarlane et al [6] Reprodução) O primeiro galvanômetro de Einthoven fora desenvolvido comercialmente pela companhia inglesa Cambridge Scientifc Instrument Os primeiros equipamentos foram então vendidos para outros laboratórios de eletrocardiografistas renomados como Thomas Lewis Em 1924, dois anos após a morte de Waller, Einthoven recebeu o prêmio Nobel por sua contribuição à eletrocardiografia Fig 23 - Uma das primeiras versões comerciais do eletrocardiógrafo fabricado pela companhia inglesa Cambridge Scientifc Instrument, em 1908 À esquerda, verifica-se uma câmara fotográfica incorporando a placa móvel, a qual se movimenta em sentido descendente, com o auxílio da gravidade Ao centro, verificamos o galvanômetro, estando à direita a fonte de luz necessária ao registro do eletrocardiograma (Macfarlane et al [6] Reprodução)

Thomas Lewis nasceu em Gales, em 1881, sendo sua carreira devotada à eletrocardiografia durante os anos de 1905 a 1925, quando então publicou a terceira edição de seu famoso livro "The Mechanismis and Graphic Registration of the Heart Beat" [84] Este livro representou um grande avanço à eletrocardiografia Nesta ocasião, Lewis resumiu trabalhos nas áreas de arritmias e hipertrofias cardíacas, bem como estudos sobre tecnologias de eletrodos Conforme mencionado, a primeira versão comercial do eletrocardiógrafo de Einthoven fora produzida em 1908 Outros modelos rapidamente surgiram por toda a Europa Interessante ressaltar, entretanto, que o primeiro eletrocardiógrafo vendido aos Estados Unidos fora fabricado por Edelmann, o qual originalmente produziu a máquina de Einthoven No entanto, devido à discordâncias sobre pagamentos de direitos de patente, ambos vieram a dissolver sociedade A máquina de Edelmann fora levada aos Estados Unidos por Cohn, em 1909, após ter trabalhado em Londres com Mackenzie e um de seus jovens auxiliares, Thomas Lewis Em 1914, Frank Wilson, trabalhando na Universidade de Michigan, adquiriu um galvanômetro de fio, envolvendo-se profundamente com a eletrocardiografia Sua maior contribuição à eletrocardiografia deu-se no desenvolvimento da hoje conhecida "Central Terminal de Wilson", o que permitiu o registro das derivações unipolares precordiais, descritas na seção 24 De forma resumida, esta nova técnica permitia a aquisição das variações de potencial em um único ponto do corpo, utilizando como referência o potencial obtido pela média dos potenciais do braço direito, braço esquerdo e perna esquerda Ao conectarmos o braço direito, braço esquerdo e perna esquerda, por meio de resistores idênticos a um terminal central (ie Central Terminal de Wilson), obtemos um potencial relativamente estável, o qual pode ser utilizado como referência na obtenção de potenciais em pontos singulares do corpo, advindo o termo "unipolar" Em 1942, Goldberger introduziu as hoje conhecidas derivações unipolares amplificadas dos membros, ao remover, da Central Terminal de Wilson, a conexão do membro no qual seria colocado o eletrodo explorador Em outras palavras, caso o eletrodo explorador fosse colocado no braço direito, o terminal de Goldberger seria formado pela conexão do braço esquerdo e perna esquerda a um ponto único Desta forma, os potenciais dos membros medidos com o uso da central de Goldberger seriam exatamente 50% maiores que os potenciais medidos com o auxílio da Central Terminal de Wilson [6], advindo o termo derivações unipolares amplificadas dos membros Completa-se, desta forma, o desenvolvimento das bases do eletrocardiograma de 12 derivações convencional, creditando-se a Einthoven o desenvolvimento das derivações bipolares DI, DII e DIII, a Goldberger as derivações unipolares amplificadas avr, avl, avf, e ao desenvolvimento da Central Terminal de Wilson a factibilidade de aquisição das derivação unipolares precordiais V1 a V6 Uma descrição detalhada sobre derivações eletrocardiográficas é apresentada na seção 24 Os avanços tecnológicos ocorridos durante o século XX são evidentes por si só, permitindo o surgimento de inúmeras técnicas investigativas, de alto valor diagnóstico e terapêutico A história da eletrocardiografia não estaria completa sem uma breve apresentação destas técnicas Talvez um dos mais notáveis desenvolvimentos do século XX tenha sido a "revolução" da microeletrônica, permitindo a miniaturização de computadores com alta capacidade de processamento A eletrocardiografia, por sua vez, tem sido um campo onde tais desenvolvimentos encontram notáveis aplicações No final dos anos 50, o uso de computadores para a interpretação automática de eletrocardiogramas fora iniciado por Pipberger [7], utilizando-se eletrocardiogramas de derivações ortogonais Simultaneamente, Caceres [8] fazia uso de eletrocardiogramas convencionais de 12 derivações no estudo e emprego de computadores para a interpretação automática de

eletrocardiogramas Naquela época, grandes computadores centrais eram utilizados, sendo as derivações registradas simultaneamente em grupos de três, de forma analógica No início dos anos 70, nos laboratórios do hospital Glasgow Royal, as técnicas de gravação haviam avançado de tal forma, sendo possível o registro de sinais eletrocardiográficos nos leitos dos pacientes, fazendo-se uso de pequenas unidades de gravação Os registros, posteriormente, eram encaminhados a laboratórios para que os sinais fossem interpretados (Figura 24) Hoje em dia, todas as doze derivações podem ser obtidas simultaneamente, de forma digital, utilizando-se eletrocardiógrafos microprocessados com capacidade interpretativa dos sinais Fig 24 - Minicomputador PDP8E conectado a um gravador de fitas analógico Utilizado para interpretação automática de três derivações eletrocardiográficas Esta foto, tirada em 1971, ilustra provavelmente o primeiro minicomputador de um departamento hospitalar a ser empregado em análises eletrocardiográficas de rotina (Hospital Glasgow Royal) (Macfarlane et al [6] Reprodução) Um dos mais significantes desenvolvimentos ocorridos na segunda metade do século XX, referente às técnicas eletrocardiográficas não invasivas, foi sem dúvida o desenvolvimento da eletrocardiografia de Holter A técnica fora assim nomeada devido ao seu inventor, Norman J

Holter, cujo interesse inicial estava relacionado à radiotelemetria, utilizada no estímulo de cérebros de ratos, fazendo-se uso de controles remotos e implantes de receptores no cérebro dos animais Após a Segunda Guerra Mundial, Holter estabeleceu sua própria fundação de pesquisa, na "tentativa de transmitir, via rádio, o fenômeno eletrofisiológico mais óbvio do ser humano Seu objetivo era permitir que as pessoas fizessem algo a mais além de ficarem deitadas em uma cama" Após trabalhar com eletroencefalogramas, sua equipe iniciou estudos na área de eletrocardiografia MacInnis visitou os laboratórios de Holter em Helena, Montana, sendo o primeiro a reportar o uso da radiotelemetria na monitoração de pacientes cardíacos [9] O equipamento receptor situava-se no escritório de Holter, estando os pacientes livres para caminhar nas ruas próximas ao edifício A miniaturização do equipamento de Holter continuou, tornando-se os receptores de rádio pequenos o suficiente para serem colocados em uma pequena caixa À caixa foi então incorporado um dispositivo de gravação em fitas No entanto, este equipamento mostrava-se inconveniente, sendo feitas várias alterações, culminando no que Holter chamaria de gravador eletrocardiográfico, hoje conhecido como aparelho Holter O gravador de fitas agora era pequeno o suficiente para ser carregado em uma bolsa, sendo sua alimentação realizada por meio de baterias, com duração média de dez horas Holter não produziu apenas o gravador, mas também um analisador, onde os batimentos cardíacos eram sobrepostos em uma tela de raios catódicos Esta técnica fora denominada AVSEP ("audio visual superimposed electrocardiogram presentation") (Figura 25) A técnica introduzida por Holter permitiu o desenvolvimento de novos campos diagnósticos, como o estudo e análise de arritmias cardíacas, detecção de variações isquêmicas dos segmentos ST-T e o estudos dos efeitos de drogas na supressão de arritmias Fig 25 - Gravador eletrocardiográfico original, desenvolvido por Holter Ao lado, observamos a unidade de análise AVSEP (Macfarlane et al [6] Reprodução) O uso de tecnologias microprocessadas vêm permitindo também o estudo de componentes de altas freqüências dos sinais eletrocardiográficos Em particular, grandes esforços vêm sendo realizados na obtenção dos valores prognósticos dos chamados potenciais tardios, onde ondas de

pequenas amplitudes e altas freqüências persistem no final do complexo QRS e início do segmento ST (descritos na seção 23) As componentes de alta freqüência dos sinais eletrocardiográficos vêm gerando grande interesse nos últimos anos, sendo esta área alvo provável de pesquisas futuras De forma semelhante, avanços em tecnologias de computação têm permitido o desenvolvimento de inúmeros bancos de dados de sinais eletrocardiográficos, bancos estes de grande importância em estudos epidemiológicos Apesar de já existirem diversos estudos realizados através de interpretações manuais, esta atividade vem sendo realizada, atualmente, de maneira automática, sendo imprescindível o desenvolvimento de bancos de dados digitais de sinais eletrocardiográficos 22 Eletrofisiologia Básica A função primária do coração é mecânica Esse atua como uma bomba hidráulica que envia o sangue oxigenado aos tecidos, cobrindo as necessidades metabólicas, e recolhe o sangue saturado com os produtos do metabolismo celular, para que sejam eliminados do organismo Esta atividade de bomba cardíaca reflete a contração isolada de cada célula miocárdica, sendo a contração cardíaca eficaz o resultado do conjunto sincronizado das contrações celulares As células cardíacas, em seu estado de repouso, estão eletricamente polarizadas, estando o seu interior negativamente carregado em relação ao seu exterior Denomina-se potencial de repouso ou potencial transmembrana de repouso, a diferença de potencial existente entre as regiões intra e extracelulares de uma célula em repouso, apresentando uma ordem de grandeza equivalente a -90 milivolts Fig 26 - Célula em repouso Distribuição uniforme de cargas em toda a extensão da célula Potencial de repouso (c)

O potencial de repouso é conseqüência da distribuição iônica entre a célula e o meio que a circunda, decorrente das propriedades de permeabilidade seletiva da membrana celular aos principais íons do sistema: sódio, potássio, cálcio e cloro Na situação de repouso, o meio intracelular apresenta grandes concentrações de íons K + e de proteínas (A - ) e pequenas concentrações de íons Na + Por sua vez, o meio extracelular apresenta grandes concentrações de íons Na +, Ca ++ e Cl -, sendo pequena a concentração de íons de potássio (K + ) As células cardíacas, no entanto, perdem seu potencial negativo interno em um processo chamado despolarização, sendo este o evento elétrico fundamental do coração Esta ativação da célula cardíaca promove uma série de alterações eletrofisiológicas na membrana celular, ocorrendo aberturas e fechamentos dos "canais iônicos" (Figura 27), alterando-se, assim, a permeabilidade da membrana aos diversos íons Denomina-se potencial de ação da célula cardíaca o conjunto de fenômenos elétricos que ocorrem durante a ativação da célula, sendo sua representação gráfica subdividida em cinco fases (Figura 27): Fig 27 - Fases do potencial de ação da célula cardíaca Ilustração dos eventos iônicos relacionados ao potencial de ação da célula cardíaca (Macfarlane et al [6] Reprodução parcial)

Fase 0: corresponde à fase de despolarização rápida dos miócitos, devido principalmente à abertura dos canais rápidos de sódio, resultando em um grande fluxo de íons Na + para a região intracelular, mobilizados pelos gradientes químicos e elétricos Nesta fase, a superfície interna da membrana torna-se positiva, havendo um pico de tensão aproximado de 30 mv Fase 1: corresponde à queda inicial da curva, aproximando-se de 0 mv Nesta fase, ocorre o fechamento dos canais rápidos de sódio, bem como um influxo de ânions cloro (Cl - ), responsáveis pela queda de tensão de 30 para 0 mv Fase 2: fase onde a curva permanece estabilizada próximo a 0 mv Deve-se à saída lenta dos íons K + e ao influxo dos íons Ca ++ O potássio e o cálcio são cationtes, não ocorrendo, portanto, grandes variações na curva de despolarização Fase 3: corresponde à queda rápida da curva, devido ao aumento da permeabilidade da membrana aos íons de potássio, às custas da abertura dos canais iônicos específicos Desta forma, observase a saída significativa e rápida de íons K +, mobilizados pelo gradiente químico preexistente O efluxo destes cátions torna a superfície interna da célula novamente negativa em relação à externa Ao final desta fase, o potencial de membrana retorna a -90 mv Fase 4: fase de estabilização do potencial transmembrana em -90 mv Ocorre, nesta fase, a restauração iônica da célula Observa-se, também, a saída de íons de cálcio Ao final da fase 4, a célula cardíaca encontra-se novamente em repouso ou polarizada, estando elétrica e quimicamente normalizada, pronta para responder adequadamente a um novo estímulo Ao despolarizarmos uma única célula cardíaca, a inversão de potencial resultante age como fonte de estímulo às demais células vizinhas, processo este decorrente do fluxo de correntes elétricas iônicas locais Em condições normais, a despolarização origina-se no nódulo sinusal (Figura 28), estrutura localizada no átrio direito do coração, constituída por células marcapasso capazes de se auto despolarizar Este fenômeno ocorre devido ao potencial de repouso (fase 4) não se manter estável nestas células, despolarizando-se lentamente de forma espontânea, até que o limiar de despolarização seja atingido, desencadeando, então, o potencial de ação Além das células do nódulo sinusal, também são células marcapasso as da porção distal do nódulo átrioventricular, as situadas em certas regiões próximas aos anéis mitral e tricúspide e as células do sistema His- Purkinje (Figura 28) No entanto, as freqüências naturais desses marcapassos são progressivamente menores na direção nódulo sinusal-ventrículo, sendo estas freqüências dominadas pela freqüência do marcapasso sinusal Os fenômenos da despolarização e repolarização celulares podem ser registrados não apenas pela colocação de microeletrodos na superfície externa e interna da célula, mas também por meio de um único microeletrodo posicionado na superfície externa da membrana celular No último caso, a referência para medição deve estar posicionada em um ponto onde a carga elétrica seja nula, ie um ponto no infinito ou relativamente distante da carga a ser medida, passando o microeletrodo explorador a registrar o valor absoluto da carga a ele exposta Desta forma, no repouso ou diástole celular, o aparelho de medição apresentará valores constantes de tensão, caracterizando-se uma

linha isoelétrica ou linha de base Ao se estimular a célula por uma de suas extremidades, verificamos o aparecimento de uma onda de despolarização, que caminha por toda a célula até despolarizá-la por completo Durante este processo, partes da célula estarão despolarizadas e outras ainda não, configurando-se a estrutura elétrica de um dipolo, com propriedades vetoriais de magnitude, direção e sentido (Figura 29) Fig 28 - Principais estruturas cardíacas participantes dos processos elétricos do coração Desta forma, o vetor representativo do dipolo de despolarização apresentará o sentido correspondente a um vetor apontando da carga negativa para a carga positiva, sendo sua magnitude inversamente proporcional ao quadrado da distância entre o dipolo e o eletrodo explorador (Equação 21) Feita esta convenção, temos que um eletrodo colocado à frente do dipolo registra a presença de uma carga positiva, produzindo uma deflexão de mesmo sinal no aparelho de medição Por sua vez, um eletrodo colocado na extremidade anterior do dipolo, produz uma deflexão negativa Um eletrodo colocado no meio da célula registra inicialmente a presença de uma carga positiva e logo a seguir de uma carga negativa, produzindo uma deflexão difásica nos traçados de medição O processo de repolarização, por sua vez, é iniciado pela mesma extremidade que se deflagrou a ativação celular, caminhado por toda a extensão da célula até completá-la No entanto, o dipolo de repolarização desloca-se no sentido oposto ao apontado pelo seu vetor representativo (Figura 29) Desta forma, ao colocarmos um eletrodo explorador à frente do percurso descrito pelo dipolo de repolarização, uma deflexão negativa será registrada, assim como uma deflexão positiva será registrada ao colocarmos o eletrodo explorador atrás deste mesmo percurso Igualmente válido é o raciocínio para um eletrodo colocado no meio do percurso descrito pelo dipolo Sendo os fenômenos de ativação e recuperação da célula cardíaca contínuos, as deflexões que as representam também o serão Desta forma, para os registros de um mesmo eletrodo, observamos polaridades opostas para as deflexões de ativação e recuperação da célula, sendo as deflexões de ativação mais estreitas que as de recuperação, devido ao processo de despolarização ser mais rápido que o processo de repolarização Verificamos, no entanto, uma igualdade entre as áreas de ambas as deflexões

Fig 29 - Processo de despolarização e repolarização de uma única célula Registro realizado por meio de eletrodos posicionados na superfície externa da membrana celular Conforme visto anteriormente, as amplitudes das deflexões registradas pelos aparelhos de medição, tradução da intensidade do dipolo elétrico, varia de modo inverso ao quadrado da distância entre o dipolo e o eletrodo explorador No entanto, tais amplitudes são igualmente dependentes do cosseno do ângulo formado entre o eixo do dipolo e a reta que une o centro do dipolo ao eletrodo explorador, reta esta conhecida como linha de derivação (Figura 210) Desta forma, temos cosθ I = i 2 d (21) onde I = intensidade ou amplitude da deflexão registrada i = intensidade do dipolo cos? = cosseno do ângulo entre o eixo do dipolo e a linha de derivação d 2 = quadrado da distância entre o dipolo e o eletrodo explorador

Da mesma forma, caso tenhamos múltiplos dipolos simultâneos a serem captados por um mesmo eletrodo, a deflexão observada nos aparelhos de medição estará relacionada à resultante da soma vetorial dos vetores representativos de cada dipolo Fig 210 - Definição da linha de derivação para registros da atividade elétrica de uma célula 23 Representação Vetorial da Atividade Elétrica Cardíaca A despolarização cardíaca normal origina-se no nódulo sinusal (Figura 28), estrutura histológica em forma de vírgula, localizada na união da veia cava superior com o átrio direito, constituída por células marcapasso com capacidade de auto despolarização Desta forma, o átrio direito torna-se a primeira região do coração a se despolarizar, formando-se um vetor de despolarização AD, resultante da soma vetorial dos vetores de despolarização de cada célula individual, orientado para baixo, para frente e ligeiramente para a esquerda (Figura 211) Com um pequeno atraso, da ordem de milisegundos, ocorre a despolarização do átrio esquerdo, formando-se um vetor de despolarização AE, orientado para trás, para a esquerda e ligeiramente para baixo Sendo os vetores de despolarização dos dois átrios praticamente simultâneos, representamos os mesmos através de um único vetor P, resultante da soma vetorial dos vetores AD e AE Desta forma, a orientação do vetor P dá-se para esquerda, para baixo e praticamente paralelo ao plano frontal (Figura 211) Fig 211 - Representação dos vetores de despolarização dos átrios direito e esquerdo

A repolarização dos átrios começa logo após o término da despolarização atrial, na região próxima ao nódulo sinusal, apresentando um vetor orientado para cima e para a direita Em condições normais, no entanto, esta onda de repolarização não se exterioriza no traçado eletrocardiográfico Os eventos de repolarização atrial e despolarização ventricular se processam ao mesmo tempo, ficando a onda de repolarização atrial encoberta pela onda de despolarização ventricular, sendo a última um evento elétrico de maior magnitude Como seqüência da atividade elétrica do coração, temos a propagação da onda de despolarização atrial por meio de vias atriais específicas de condução, atingindo e despolarizando o nódulo atrioventricular Deste nódulo, o impulso elétrico progride por outras vias, denominadas feixe de His, ramos esquerdo e direito do feixe de His e sistema de Purkinje (Figura 28), alcançando e despolarizando os ventrículos O processo de despolarização ventricular é representado por meio de quatro vetores cardíacos, ou por quatro momentos principais de despolarização (Figura 212) A ativação ventricular inicia-se com a chegada da onda de despolarização à face esquerda do septo interventricular, dependente do ramo esquerdo do feixe de His, ocasionando a despolarização do terço médio do septo interventricular, da esquerda para a direita Com um retardo da ordem de milisegundos, a excitação do ramo direito atinge a região septal média, gerando um vetor de menor magnitude, da direita para a esquerda A soma destes dois vetores septais constitui o primeiro vetor de despolarização ventricular, orientado para frente e para a direita, podendo apontar para cima ou para baixo (Figura 212) Fig 212 - Representação dos vetores de despolarização ventricular A seguir, o estímulo percorre a superfície endocárdica dos dois ventrículos, atravessando a parede do terço inferior do septo interventricular, surgindo o segundo vetor de despolarização, septal baixo, orientado para a frente, para a esquerda e freqüentemente para baixo O estímulo continua a despolarizar as áreas da parede livre dos ventrículos direito e esquerdo, predominando os vetores do ventrículo esquerdo, devido à sua parede mais espessa e maior massa muscular Formase, então, o terceiro vetor, designado vetor da parede livre do ventrículo esquerdo, orientado para a esquerda e para trás, podendo apontar para cima ou para baixo Finalizando o processo de despolarização ventricular, o estímulo atinge e ocasiona a despolarização das regiões basais dos dois ventrículos e do terço superior do septo interventricular, surgindo o quarto e último vetor de despolarização, denominado vetor basal, orientado para trás e para cima, podendo apontar para direita ou para esquerda

Finalizado o processo de despolarização ventricular, verifica-se o mecanismo de repolarização ventricular Na parede do ventrículo, a despolarização inicia-se no endocárdio, dirigindo-se, perpendicularmente à parede do ventrículo, para o epicárdio No entanto, a repolarização, por diversas razões, tais como a diferença de pressão e temperatura entre as duas camadas, inicia-se no epicárdio, dirigindo-se para o endocárdio A repolarização ventricular é representada por um único vetor resultante, orientado para a frente, para esquerda e, na grande maioria dos casos, para baixo Denomina-se, por vetor T, o vetor de repolarização ventricular (Figura 213) Fig 213 - Representação do vetor T de repolarização ventricular A captação dos vetores da atividade elétrica do coração pode ser realizada por meio de eletrodos colocados sobre a superfície do corpo, seguindo-se os mesmos princípios aplicados ao registro das atividades elétricas de uma célula Desta forma, se uma onda de despolarização, passando através do coração, move-se em direção a um eletrodo de superfície, este eletrodo registrará uma deflexão positiva (Figura 214) Se a onda de despolarização, por sua vez, move-se em sentido oposto ao eletrodo, uma deflexão negativa será registrada, sendo o registro da onda de despolarização bifásico, caso o eletrodo se encontre no meio do percurso descrito pelo vetor Fig 214 - Visualização dos registros obtidos da atividade elétrica do coração Registros realizados por meio de eletrodos colocados em posições distintas ao deslocamento do vetor elétrico

24 Derivações Eletrocardiográficas As fontes bioelétricas responsáveis pelo processo de despolarização do coração produzem fluxos de correntes elétricas iônicas nos tecidos das regiões vizinhas ao processo de despolarização Sabemos ser possível a detecção destes potenciais elétricos por meio de eletrodos colocados na superfície corpórea De uma forma simplificada, consideramos uma derivação eletrocardiográfica qualquer par de eletrodos utilizados no registro da atividade elétrica do coração No entanto, como forma de padronização para os estudos e real aplicação dos sinais eletrocardiográficos, derivações padronizadas foram estabelecidas, partindo-se do pressuposto que o corpo humano constitui-se de um meio condutor homogêneo, onde as fontes elétricas do coração apresentam-se representadas por um único dipolo, variável no tempo mas com origem fixa, posicionada no centro elétrico do coração Iniciamos nossos estudos sobre derivações cardíacas definindo os três planos básicos utilizados em estudos de anatomia: plano frontal, plano horizontal e plano sagital Para estudos eletrocardiográficos, apenas os dois primeiros planos apresentam importância, sendo utilizados como planos de projeção para os vetores elétricos do coração, definindo um espaço tridimensional Fig 215 - Definição dos planos frontal (PF), horizontal (PH) e sagital (PS) O plano frontal é paralelo ao tórax do indivíduo Neste plano, Einthoven imaginou um triângulo equilátero em cujo centro estaria localizado o coração Os vértices deste triângulo seriam formados por três eletrodos, posicionados no braço direito, braço esquerdo e perna esquerda, constituindo as três derivações bipolares do plano frontal: DI, DII e DIII (Figura 216) Sobre estes seguimentos projetam-se os vetores elétricos de ativação do coração, sendo possível identificar a direção do vetor cardíaco para direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo Caso as projeções dos vetores apresentem o mesmo sentido apresentado pela derivação (Figura 216), a deflexão eletrocardiográfica observada será positiva Caso contrário, a deflexão registrada será negativa

Fig 216 - Ilustração das três derivações bipolares do plano frontal Os vetores elétricos de ativação do coração serão projetados sobre as linhas de derivação DI, DII e DIII Caso as projeções dos vetores apresentem o mesmo sentido apresentado pela derivação, a deflexão eletrocardiográfica observada será positiva Caso contrário, a deflexão registrada será negativa Ainda no plano frontal, encontramos as derivações unipolares amplificadas, avr, avl e avf (Figura 217), obtidas da seguinte forma: avr: eletrodo positivo posicionado no braço direito e eletrodo negativo correspondente ao ponto de potencial médio entre o braço esquerdo e a perna esquerda (Terminal de Goldberger para avr) avl: eletrodo positivo posicionado no braço esquerdo e eletrodo negativo correspondente ao ponto de potencial médio entre o braço direito e a perna esquerda (Terminal de Goldberger para avl) avf: eletrodo positivo posicionado na perna esquerda e eletrodo negativo correspondente ao ponto de potencial médio entre o braço esquerdo e o braço direito (Terminal de Goldberger para avf) As três derivações unipolares amplificadas têm linhas de derivação que vão dos ângulos do triângulo de Einthoven, passando pelo seu centro geométrico, até o meio do lado oposto ao ângulo em questão (Figura 217) Por convenção, o vetor elétrico que apresente projeção de mesmo sentido que aquele definido para a derivação será registrado como positivo Vetores cujas projeções encontrem-se orientadas em sentido oposto à derivação apresentarão valores negativos de registro Assim, um vetor orientado para cima e para a direita apresentará valores positivos em avr e negativos nas derivações avl e avf