Relatório de Caso Clínico

Documentos relacionados
Relatório de Caso Clínico

8/10/2009. Líquidos Cavitários

Relatório de Caso Clínico

1/100 RP Universidade de São Paulo 1/1 INSTRUÇÕES PROCESSO SELETIVO PARA INÍCIO EM ª FASE: GRUPO 5: VETERINÁRIA

Relatório de Caso Clínico

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 14 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:28/02/2019

Relatório de Caso Clínico

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM GATOS

Relatório de Caso Clínico

Análise Clínica No Data de Coleta: 13/02/2019 1/4 Prop...: ADALGISA MONICA MOURÃO SIMOES Especie...: FELINA Fone...

Relatório de Caso Clínico

DOSAGEM DE COLESTEROL HDL DOSAGEM DE COLESTEROL LDL

Análise Clínica No Data de Coleta: 07/06/2019 1/6 Prop...: REBECCA ESMERALDO LIMA DA SILVEIRA Especie...: CANINA Fone...

Relatório de Caso Clínico

Material: Sangue c/edta Método..: Citometria/Automatizado e estudo morfológico em esfregaço corado

HEMOGRAMA JEANI LANA FERNANDO ALVES SCHLUP

Relatório de Caso Clínico

Relatório de Caso Clínico

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 8 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:02/11/2018

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 11 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:05/08/2019

HEMOGRAMA JAIRO ROSA CHRISTIAN BORNSCHEIN

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA CRÔNICA EM GATOS

Relatório de Caso Clínico

Relatório de Caso Clínico

Relatório de Caso Clínico

HEMOGRAMA EDNA PATRICIA MURCESKI ANTONIO OLIMPIO PACHECO

Relatório de Caso Clínico

HEMOGRAMA LIGIA ZEN JANETH M. C. COUTINHO

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM CÃES

GRUPO SANGUÍNEO e FATOR Rh VDRL. ANTÍGENO p24 e ANTICORPOS ANTI HIV1 + HIV2. Grupo Sanguíneo: "O" Fator Rh: Positivo. Resultado: Não Reagente

EXAME LABORATORIAL DO LÍQÜIDO CEFALORAQUIDIANO (LCR)

Análise Clínica No Data de Coleta: 07/02/2019 1/4 Prop...: ELIAS FONTENELE VALDEREZ Especie...: CANINA Fone...: 0

EFUSÃO PLEURAL EM GATOS: ACHADOS HEMATOLOGICOS E BIOQUÍMICOS PLEURAL EFFUSION IN CATS: HEMATOLOGICAL AND BIOCHEMICAL FINDINGS

HEMOGRAMA CAROLINA DE OLIVEIRA GISELLE MORITZ

Análise Clínica No Data de Coleta: 22/03/2019 1/5 Prop...: RAIMUNDO JURACY CAMPOS FERRO Especie...: CANINA Fone...: 0

1/100. Residência /1 PROCESSO SELETIVO DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA EM ÁREA PROFISSIONAL DE 2ª FASE: PROFISSÃO 7: MEDICINA ANIMAIS

GABARITO APÓS RECURSO 02. E 12. B 03. B 13. A 05. A 15. D 06. C 16. A 07. C 17. B 08. D 18. D 09. A 19. E 10. D 20. D

Material: Sangue c/edta Método..: Citometria/Automatizado e estudo morfológico em esfregaço corado

LEUCOGRAMA O que realmente precisamos saber?

HEMOGRAMA COMPLETO. PLAQUETAS : /mm /mm3 PROTEÍNA C REATIVA. Método: Citoquímico/Isovolumétrico Material: Sangue Edta

LABORATÓRIO LAGOA NOVA

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:17/12/2018

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA EM GATOS

HEMOGRAMA TATIANA MATIAS MAFRA EDUARDO MIGUEL SCHMIDT

Contagem eletrônica automatizada realizada em equipamento Sysmex XE-D 2100 Roche.

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

Relatório de Caso Clínico

HEMOGRAMA VANESSA HINSELMANN DOS SANTOS DARLEI DAWTON COLZANI

Relatório de Caso Clínico

Prof. Ms. Elton Pallone de Oliveira. Exames laboratoriais: definição, tipos, indicação, cuidados pré e pós exame. Urinálise

HBS-Ag - Antígeno Austrália Material: Soro VALOR DE REFERÊNCIA RESULTADO: SORO NÃO REAGENTE Soro Não Reagente TRANSAMINASE OXALACETICA (TGO)

HEMOGRAMA JOELMO CORREA RODRIGUES HAILTON BOING JR.

HEMOGRAMA LUCAS WILBERT MARILIA DE N. C. BERGAMASCHI

Relatório de Caso Clínico

Análise Clínica No Data de Coleta: 16/07/2019 1/6 Prop...: PAULO ROBERTO PINHO ARRUDA Especie...: CANINA Fone...: 0

Relatório de Caso Clínico

PSA - ANTÍGENO ESPECÍFICO Coleta: 20/11/ :05 PROSTÁTICO LIVRE. PSA - ANTIGENO ESPECÍFICO Coleta: 20/11/ :05 PROSTÁTICO TOTAL

PATOLOGIA DO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO

HEMOGRAMA COMPLETO

Sangue: funções gerais

Método: RESISTIVIDADE - IMPEDÂNCIA - MICROSCOPIA

Relatório de Caso Clínico

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:25/04/2019

Relatório de Caso Clínico

Peculiaridades do Hemograma. Melissa Kayser

Análise Clínica No Data de Coleta: 08/04/2019 1/7 Prop...: MARINA LEITÃO MESQUITA Especie...: CANINA Fone...: 0

HEMOGRAMA COMPLETO Material: Sangue Total Método : Automação: ABX MICROS 60 REFERÊNCIAS

HEMOGRAMA HERMES ARTUR KLANN PAULO ROBERTO WEBSTER

LABORATÓRIO BOM JESUS

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 1 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:24/04/2019 URINÁLISE

Relatório de Caso Clínico

HEMOGRAMA MARIA TERESA LOOS JOSE CARLOS FUGANTI

Relatório de Caso Clínico

No. do Exame 001/ Data Entrada..: 20/01/2017

Relatório de Caso Clínico

BAIRRO NOVA VIDA LUANDA. Observaram-se raros eritrócitos em alvo.

INTRODUÇÃO AO LINFOMA EM GATOS

Relatório de Caso Clínico

Método : HPLC (Cromatografia Líquida de Alta Performance) por troca Iônica. Material: Sangue Edta

Relatório de Caso Clínico

Análise Clínica No Data de Coleta: 03/04/2019 1/7 Prop...: REJANE MARIA DA SILVEIRA PEREIRA

Análise Clínica No Data de Coleta: 11/03/2019 1/4 Prop...: RENATA MACHADO PINHEIRO Especie...: FELINA Fone...: 0

Após a administração da dose de 2000 mg/kg do MTZ-Ms em ratas, não ocorreu morte

Relatório de Caso Clínico

31/10/2013 HEMOGRAMA. Prof. Dr. Carlos Cezar I. S. Ovalle. Introdução. Simplicidade. Baixo custo. Automático ou manual.

Relatório de Caso Clínico

Data de liberação: 02/02/ :55

Relatório de Caso Clínico

Relatório de Caso Clínico

Método: RESISTIVIDADE - IMPEDÂNCIA - MICROSCOPIA

Análise Clínica No Data de Coleta: 05/11/2018 1/7 Prop...: JOSE CLAUDIO DE CASTRO PEREIRA Especie...: CANINA Fone...: 0

Relatório de Caso Clínico

CITOPATOLOGIA ONCÓTICA CERVICO-VAGINAL

03/08/2016. Patologia Clínica e Análises Laboratoriais Prof. Me. Diogo Gaubeur de Camargo

Senha para inscrição no Moodle Mecanismos de Agressão e Defesa turma E. #aluno-mad1e

INFLUÊNCIA DO TEMPO DE ARMAZENAMENTO DA AMOSTRA SOBRE OS PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS DE CÃES

- Tecidos e órgãos linfoides - Inflamação aguda

Relatório de Caso Clínico

Relatório de Caso Clínico

Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121) http://www.ufrgs.br/favet/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso: 2009/1/04 Procedência: HCV-UFRGS N o da ficha original: 55357 Espécie: felina Raça: SRD Idade: 4 anos Sexo: fêmea Peso: 2,4 kg Alunos(as): Brunna Barni, Iasmine Mottin, Roberta Evangelista, Sílvia Battastini Ano/semestre: 2009/1 Residentes/Plantonistas: Médico(a) Veterinário(a) responsável: Irene Breitsameter ANAMNESE A paciente foi levada à primeira consulta no HCV no dia 27 de maio de 2009. Uma semana antes, apresentara incontinência urinária, sendo diagnosticado cistite; foram administrados Baytril 15 mg (quimioterápico bactericida à base de enrofloxacina), 1 comprimido a cada 12 horas, e Ketofen (antiinflamatório não-esteroidal AINE - à base de cetoprofeno); havia parado de caminhar no dia 25 de maio, em um processo gradativo; ainda apresentava incontinência urinária no dia da primeira consulta; as fezes estavam normais; alimentava-se pouco (ração seca e Whiskas Sachê); nunca teve cria, nunca recebeu anticoncepcional e sempre ficou em casa; apresentou cio somente em 2008; teve contato com outra gata em fevereiro de 2009; não era vacinada nem everminada; nunca foi submetida a cirurgias. EXAME CLÍNICO Temperatura retal: 36,7 C (valor de referência: 37,5 C a 39,5 C), mucosas pálidas; estado nutricional caquético, com pouquíssima gordura subcutânea; apresentava incoordenação, paralisia dos membros pélvicos e não conseguia apoiar-se nos membros torácicos. EXAMES COMPLEMENTARES Ultrassonografia do abdômen: pequena quantidade de líquido próximo ao rim (Figura 1). Análise de líquido abdominal: líquido amarelo, discretamente turvo, de consistência fluída. Presença de sangue oculto (2+). Albumina: 9,2 g/l. Globulinas: 61,85 g/l. Relação albumina:globulina: 0,15. Proteína total: 71,05 g/l. 2.300 células nucleadas, sendo 21% neutrófilos, 69% células mononucleares (21% macrófagos, 48% linfócitos), e 10% células mesoteliais. Eritrócitos (x10 6 /µl): 0,2. Presença de aglomerado de células mesoteliais, fagocitose de restos celulares, esfregaço com fundo proteináceo, células em picnose e figuras de mitose. URINÁLISE Método de coleta: micção natural Obs.: gotículas de gordura, muco (2+) Exame físico cor consistência odor aspecto densidade específica (1,020-1,040) amarelo escuro fluida discr. turvo 1,060 Exame químico ph (6,0-7,0) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos 6,5 - - ++ ++++ n.d. - n.d. Sedimento urinário (n o médio de elementos por campo de 400 x) Células epiteliais: 3 Tipo: Escamosas Hemácias: 5 Cilindros: 1 Tipo: Granulosos Leucócitos: 5 Outros: 1 Tipo: Estruvita (fosfato triplo) Bacteriúria: leve n.d.: não determinado BIOQUÍMICA SANGÜÍNEA Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente Proteínas totais: 73,7 g/l (54-78) Glicose: mg/dl (73-134) ALP: U/L (0-93) Albumina: 15,5 g/l (21-33) Colesterol total: mg/dl (95-130) ALT: U/L (0-83) Globulinas: 58,2 g/l (26-51) Uréia: 35 mg/dl (43-64) CPK: U/L (0-125) BT: 0,91 mg/dl (0,15-0,5) Creatinina: 0,5 mg/dl (0,8-1,8) : ( ) BL: mg/dl (-) Cálcio: mg/dl (6,2-10,2) : ( ) BC: mg/dl (-) Fósforo: mg/dl (4,5-8,1) : ( ) BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)

Caso clínico 2009/1/04 página 2 HEMOGRAMA Leucócitos Eritrócitos Quantidade: 21.100/μL (5.000-19.500) Quantidade: 6,39 milhões/μl (5-10) Tipo Quantidade/μL % Hematócrito: 28,0 % (24-45) Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 8,2 g/dl (8-15) Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 43 fl (39-55) Bastonados 844 (0-300) 4 (0-3) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 29,2 % (31-35) Segmentados 19.834 (2.500-12.500) 94 (35-75) Morfologia: Basófilos 0 (0) 0 (0) Eosinófilos 0 (0-1.500) 0 (2-12) Monócitos 211 (0-850) 1 (1-4) Linfócitos 211 (1.500-7.000) 1 (20-55) Plaquetas Plasmócitos (0) (0) Quantidade: 217.000/μL (300.000-800.000) Morfologia: Observações: TRATAMENTO E EVOLUÇÃO No dia 27 de maio de 2009, foi coletado sangue e administrado Enrofloxacina 2,5% (antimicrobiano), 0,4 ml por via intramuscular; tomou água e alimentou-se. No dia 28, foi realizada a coleta de urina, foi repetido o tratamento, porém, a paciente não se alimentou. Foi indicada a eutanásia por compatibilidade do quadro clínico com Peritonite Infecciosa Felina (PIF) e pelo prognóstico desfavorável da paciente. No dia 29, o mesmo tratamento foi realizado e a paciente voltou a se alimentar; neste mesmo dia foi realizada a eutanásia; a paciente urinou todos os dias, mas não defecou. NECRÓPSIA (e histopatologia) Patologista responsável: David Driemeier e Saulo Petinatti Pavarini A necropsia foi realizada no dia 01 de junho de 2009, sendo constatado o acúmulo de cerca de 7 ml de líquido translúcido na cavidade abdominal, que foi coletado para posterior análise. Na superfície do baço foram encontrados nódulos esbranquiçados a acinzentados. O mesentério e o omento apresentavam exsudato esbranquiçado com aspecto granular. No intestino delgado, as placas de Peyer eram evidentes e havia presença de material granular na serosa. No fígado, foi detectada a presença de pequenos pontos brancos. O rim apresentava áreas amareladas de aspecto caseoso multifocal. O SNC também apresentava áreas amareladas de aspecto granular, que recobriam a região ventral da ponte, se estendendo até a medula cervical. No exame histopatológico, foi evidenciado infiltrado inflamatório piogranulomatoso na cápsula do baço, com deposição de material fibrilar. No intestino delgado, ocorrência de reação inflamatória piogranulomatosa com deposição de fibrina. Os linfonodos mesentéricos apresentaram inflamação piogranulomatosa acentuada com múltiplos focos de necrose caseosa. No fígado, foi detectado infiltrado inflamatório piogranulomatoso discreto com deposição de fibrina na cápsula, e infiltrado inflamatório mononuclear periportal discreto. O pulmão apresentou áreas de enfisema crônico focal com macrófagos lipídicos. Havia evidência de infiltrado inflamatório piogranulomatoso difuso acentuado nos rins, com múltiplos focos de necrose na pelve e córtex renal. No cérebro, havia presença de meningite piogranulomatosa no córtex e em células ependimárias. A medula espinhal apresentava meningite piogranulomatosa difusa acentuada, com deposição de fibrina e infiltrado mononuclear perivascular difuso moderado. No cerebelo e na medula oblonga, havia infiltrado mononuclear perivascular próximo ao 3º ventrículo, e leptomeninges piogranulomatosas com deposição de fibrina. DISCUSSÃO Anamnese e Sinais Clínicos: os sinais clínicos foram bastante compatíveis com Peritonite Infecciosa Felina (PIF), mas não definitivos paresia do trem posterior (e perda de controle da musculatura da pelve) em processo gradativo e incoordenação, sendo os principais sinais neurológicos (BRAUND, 1994, apud OLIVEIRA et al., 2003), anorexia, perda de peso e apatia (QUINN et al., 2005). Segundo a anamnese, a paciente não saía na rua, e em casa não havia outros gatos. Porém, em fevereiro deste ano, teve contato com uma gata. É possível que esse animal com o qual a paciente entrou em contato fosse portador do coronavírus felino, e tenha sido a fonte da infecção, mesmo que as maiores incidências do vírus ocorram em gatis e outros ambientes que abriguem maior número de animais, pela facilidade de transmissão fecal-oral (FOLEY et al., 1997, apud OLIVEIRA et al., 2003). Eritrograma: os resultados não são inteiramente compatíveis com os mais frequentes na literatura (anemia normocítica normocrômica leve a moderada). Porém, em comparação com estudos mais detalhados, o animal se encontra dentro do padrão esperado da doença: eritrócitos (x106/µl) 5,81 ± 1,73, hemoglobina

Caso clínico 2009/1/04 página 3 (g/dl) 8,72 ± 2,52 e hematócrito (%) 25,36 ± 7,58 (PALTRINIERI et al., 2001). Leucograma: leucocitose com neutrofilia e DNNE (desvio nuclear neutrofílico à esquerda), linfopenia e eosinopenia são característicos de PIF (PALTRINIERI et al., 2001), formando a tríade da resposta inflamatória. A linfopenia pode estar ocorrendo por liberação endógena de costicosteróides, tendo como origem o processo inflamatório, responsável pela dor ou estresse, ocasionando o sequestro de linfócitos para os linfonodos, e linfocitólise no tecido linfóide. A eosinopenia pode ocorrer pela lise intravascular de eosinófilos, sequestro reversível de eosinófilos para o compartimento eosinofílico marginal vascular, ou acentuada migração de eosinófilos para os tecidos. O DNNE indica que a medula óssea da paciente está reagindo à infecção, sendo a resposta imune crucial na determinação da evolução da doença, gerando normalmente a forma efusiva da PIF. Exames Bioquímicos: os resultados também sustentaram a hipótese de PIF. A concentração de proteínas totais em sangue e efusões de animais com PIF é normalmente alta, sendo as globulinas maiores que a albumina. A relação albumina:globulina (A/G) sérica menor ou igual a 0,4 (no caso da paciente, igual a 0,26) indica fortemente a ocorrência de PIF (ADDIE, 2004, apud CARDOSO, 2007). A hiperbilirrubinemia também pode estar presente em animais com PIF (SPARKES, 2006), como no caso da paciente, por comprometimento hepático devido aos processos piogranulomatosos que podem ocorrer. As concentrações de creatinina estavam baixas, porém esse resultado não é clinicamente significativo. A uréia também estava em baixas concentrações, gerando duas hipóteses: lesão hepática ou alimentação com baixo teor protéico. Para melhor esclarecer a causa dessa alteração, os valores de ALT e FA seriam necessários. A presença de hiperbilirrubinemia reforça a primeira hipótese. Urinálise: a urinálise foi compatível com os outros exames. As concentrações de bilirrubina estavam aumentadas em decorrência da hiperbilirrubinemia. Proteinúria severa, quando associada à presença de cilindros, indica lesão renal (GARCIA-NAVARRO, 2005), como no caso da paciente. Foi detectada hiperestenúria, já que a densidade da amostra da paciente foi igual a 1,060, e a densidade média da urina de felinos é 1,030. Essa hiperestenúria é uma consequência da proteinúria acentuada, e foi a causa da leve turbidez encontrada na amostra. A presença de cilindros granulosos indica uma lesão renal mais avançada, podendo haver até mesmo necrose, como no caso de nefrites, e, dificilmente, representa uma lesão renal aguda. O muco, os leucócitos e os eritrócitos detectados na amostra, mesmo em pequenas quantidades, estão associados a um processo inflamatório do trato urinário, que pode ter sido causado pela presença de cristais de estruvita (fosfato triplo), os quais podem lesar a mucosa do trato urinário, ou também podem estar relacionados à leve bacteriúria. A presença de traços intactos de sangue pode ser proveniente do extravasamento sanguíneo causado pela lesão renal. Assim como os outros órgãos da cavidade abdominal, o rim está suscetível à formação de nódulos piogranulomatosos e consequente lesão (necrose) em casos de PIF. Ultrassonografia do abdômen: indicou a presença de pequena quantidade de líquido (Figura 1), mais uma confirmação ante mortem para PIF, já que o animal não apresentava aumento de volume abdominal. Necropsia e Histopatologia: na necropsia foi evidenciada a presença de líquido na cavidade abdominal, caracterizando a forma efusiva de PIF, além de múltiplas lesões granulomatosas recobrindo o omento, o mesentério e a serosa intestinal (Figura 2), alterações frequentes nessa doença. Foram encontradas lesões no baço (Figura 3), no fígado e nos rins (Figura 4), confirmando as suspeitas de lesão hepática e renal. No SNC, a área de aspecto granular da região ventral (Figura 5), da ponte até a medula cervical, indica lesão medular. Na histopatologia, foram detectadas inflamações piogranulomatosas em diversos órgãos, como baço, linfonodos, fígado, rins (Figura 6) e intestino. Essas inflamações são pequenos granulomas, que consistem de neutrófilos e macrófagos, células alvo das partículas virais do coronavírus felino mutado (o qual causa a PIF). No cérebro e medula espinhal, foram encontradas meningites piogranulomatosas (Figura 7). As inflamações piogranulomatosas espalhadas pelos órgãos da paciente, além do exsudato na cavidade, permitiram o diagnóstico post mortem de PIF. Esse tipo de lesão é característica da doença, pois o vírus infecta os macrófagos do hospedeiro, e também causa uma reação de hipersensibilidade do tipo III, que tem como consequência a precipitação de imunocomplexos e a formação de granulomas. A precipitação protéica causa aumento da pressão osmótica na cavidade, fazendo com que haja acúmulo de líquido (edema) na PIF efusiva (SPARKES, 2006). Análise de Líquido Abdominal: em animais com PIF, o fluido encontrado na cavidade abdominal é normalmente de coloração amarela, semelhante à da urina, levemente turvo, podendo ou não ser viscoso, com densidade maior que 1,020, e consiste, portanto, de um exsudato asséptico (Figura 8). A concentração de proteínas encontra-se normalmente acima de 35 g/l, sendo a média encontrada 60 g/l, e a relação albumina:globulina é considerada um indicativo quando o resultado é menor que 0,8 (SPARKES, 2006). Na paciente, os resultados foram compatíveis com a literatura, incluindo um teor protéico de 71,05 g/l, uma relação albumina:globulina igual a 0,15, e densidade igual a 1,048. A presença de fagocitose de

Caso clínico 2009/1/04 página 4 restos celulares e presença de plaquetas foram indicativos de que o processo da paciente era crônico. Os macrófagos e neutrófilos caracterizaram uma inflamação piogranulomatosa, e os linfócitos indicaram infecção viral recente. O exame do líquido cavitário é muito importante para o diagnóstico de PIF ante mortem, quando existe a forma efusiva ou quando é possível coletar alguma quantidade de líquido na forma não efusiva (SPARKES, 2006). Diagnóstico: a Peritonite Infecciosa Felina é uma enfermidade que apresenta um difícil diagnóstico, tanto clínico como laboratorial, pois os seus sinais clínicos são muito abrangentes e podem ser confundidos com diversas outras doenças, e a maior parte dos resultados laboratoriais ante mortem não são considerados confirmatórios. Assim, todas as informações devem ser reunidas para que o diagnóstico seja o mais completo possível, sendo importante que o resultado não seja baseado apenas nos testes laboratoriais, mas em uma relação entre estes e todo o exame clínico (histórico, anamnese e o exame clínico propriamente dito). A única maneira de se fazer um diagnóstico definitivo de PIF é por meio de exame histopatológico de tecidos afetados coletados tanto no exame post mortem como no ante mortem (SPARKES, 2006). CONCLUSÕES O diagnóstico suspeito de PIF foi confirmado, após a morte da paciente, por exame histopatológico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cardoso, D. P. Relação entre albumina e globulina na efusão de gatos suspeitos de peritonite infecciosa felina (PIF). 2007. 31 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização) - Faculdade de Veterinária, UFRGS, Porto Alegre, 2007. Garcia-Navarro, C. E. K. Manual de urinálise veterinária. 2 ed. São Paulo: Varela, 2005. Oliveira, F. N. de, Raffi, M. B., Souza, T. M. de, Barros, C. S. L. de. Peritonite infecciosa felina: 13 casos. Ciência Rural, Santa Maria, v.33, n.5, p.905-911, set/out. 2003. Paltrinieri, S., Grieco, V., Comazzi, S., Cammarata Parodi, M. Laboratory Profiles in cats with different pathological and immunohistochemical findings due to feline infectious peritonitis (FIP). Journal of Feline Medicine and Surgery, Italy, 2001, p. 149-159. Quinn, P. J., Markey, B. K., Carter, M. E., Donnelly, W. J., Leonard, F.C. Microbiologia veterinária e doenças infecciosas. Porto Alegre: Artmed, 2005. Sparkes, A. H. Infecção por Coronavírus Felino. cap. 25, p. 508-518. In.: Clínica e terapêutica em felinos. 3. ed. São Paulo: Roca, 2006. FIGURAS Figura 1. Ultrassonografia do abdômen da paciente. Ultrassonografia mostrando bexiga (esquerda) e pequena quantidade de líquido livre (LL) próximo ao rim esquerdo (direita). ( 2009 Suzana Cheuiche) Figura 2. Cavidade abdominal da paciente. Múltiplas lesões granulomatosas espalhadas pelo omento, serosa intestinal, baço e acúmulo de líquido de coloração amarela (seta).

Caso clínico 2009/1/04 página 5 Figura 3. Baço e Omento. Lesões piogranulomatosas focais no baço e por todo o omento. ( 2009 Saulo Pavarini) Figura 4. Rins em cortes longitudinais. Áreas amareladas de aspecto caseoso focal e lesão em formato de cunha com coloração avermelhada (seta). ( 2009 Saulo Pavarini) Figura 5. Encéfalo (vista ventral). Aspecto granular (seta) em diversas partes na porção ventral. ( 2009 Saulo Pavarini) Figura 6. Corte histológico do córtex renal. Múltiplos focos de necrose e infiltração piogranulomatosa (setas). Aumento: 100x. Coloração: HE. ( 2009 Saulo Pavarini) Figura 7. Corte Histológico de Medula. Meningite piogranulomatosa (seta). Aumento: 40x. Coloração: HE. ( 2009 Saulo Pavarini) Figura 8. Líquido da Cavidade Abdominal. Aproximadamente 7 ml de um exsudato asséptico, amarelo e levemente turvo, retirados do abdômen da paciente.