Escolhas Contábeis na Evidenciação da Demonstração dos Fluxos de Caixa de Empresas do Setor de Energia Elétrica da BM&FBOVESPA

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ARTIGO ORIGINAL Escolhas Contábeis na Evidenciação da Demonstração dos Fluxos de Caixa de Empresas do Setor de Energia Elétrica da BM&FBOVESPA Valda Oliveira Morais 1 Vidigal Fernandes Martins 2 Resumo O objetivo desta pesquisa foi analisar as escolhas contábeis na classificação dos itens na Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC) de empresas do setor de energia elétrica da BM&FBovespa. Para tanto, foram analisadas as demonstrações contábeis de 62 companhias abertas brasileiras nos anos de 2013 e 2014, buscando-se a classificação dos seguintes itens: juros pagos, juros recebidos, imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, dividendos e juros sobre o capital próprio (JSCP) recebidos e dividendos e JSCP pagos. Os dados coletados foram divididos em: fluxos de caixa das atividades operacionais, atividades de investimento e atividades de financiamento, N/M para as empresas que não mencionaram a classificação nos anos analisados e M, que representa a opção mista, para identificar as empresas que classificaram esses itens em mais de uma opção. Os resultados sugerem que não houve mudança significativa na evidenciação dos itens de um ano para o outro. No caso dos juros pagos, bem como quanto aos dividendos e juros sobre o capital próprio pagos, a maioria das empresas optou pela evidenciação nos fluxos de caixa das atividades de financiamento conforme as recomendações do CPC 03 R2 (2010). Palavras-chave: Escolhas Contábeis. Fluxo de Caixa. Classificação. Abstract The objective of this research was to analyze the accounting choices in the classification of items in the Cash Flow Statement (CFD) of the electric power sector of the BM&FBovespa. The financial statements of 62 Brazilian companies in the years 2013 and 2014 were analyzed, seeking the classification of the following: interest paid, interest received, income tax and social contribution on net income, dividends and interest on capital received and paid dividends and interest on equity paid. Data were divided into cash flows from operating activities, investing activities and financing, N / M for companies that did not mention the classification in the years analyzed and M, which is the mixed option to identify companies such items classified on more than one option. The results suggest that no significant change in the release of items one year to another. In the case of interest paid as well as dividends and interest on equity paid, most 1 Bacharel em Ciências Contábeis Universidade Federal de Uberlândia 2 Professor Adjunto da UFU; Vice-Presidente de Fiscalização do CRCMG; Membro da Academia Mineira de Ciências Contábeis.

MORAIS, V. O.; MARTINS, V. F. companies opted for disclosure of financing activities cash flows, following the recommendations of CPC 03 R2 (2010). Keywords: Accounting choices. Cash flow. Classification. INTRODUÇÃO A adoção das normas do International Accounting Standards Board (IASB) visa à convergência da Contabilidade para uma linguagem única, de modo que essa possa ser compreendida em qualquer parte do mundo (BRAGA; SANTOS; CRUZ, 2012). Com isso, espera-se um aumento na qualidade da informação contábil, bem como uma melhora das características qualitativas dessa informação. Entretanto, uma das barreiras ainda enfrentadas pelo IASB no seu processo de convergência é a existência de práticas alternativas de reconhecimento, mensuração e evidenciação (PINTO et al., 2015), o que pode reduzir a comparabilidade das demonstrações contábeis. No que tange à Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC), essa flexibilidade existe quanto à classificação dos seguintes itens: juros pagos e recebidos, imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, dividendos recebidos e pagos e juros sobre o capital próprio recebidos e pagos (CPC 03, 2010). Se, por um lado, a flexibilidade oriunda das escolhas contábeis permite que as empresas representem com mais fidedignidade seus eventos e transações, por outro, impacta a comparabilidade das informações divulgadas pelas empresas (PINTO et al., 2015). A partir do momento em que o CPC permite a classificação de itens que normalmente são considerados oriundos das atividades operacionais nas atividades de financiamento ou investimento, cabe ao gestor da empresa analisar o fato gerador de cada um deles, de maneira que as demonstrações representem a realidade da empresa, já que o Fluxo de Caixa Operacional é uma importante medida de desempenho da empresa. Para Macedo et al. (2011), as possibilidades permitidas pelo CPC 03, além de prejudicarem a comparabilidade entre empresas, possibilitam o gerenciamento dos fluxos de caixa. As escolhas contábeis permitem uma representação mais fidedigna dos fatos contábeis, no entanto, essas se revestem de alto poder discricionário (PINTO et al., 2015). 163

Escolhas Contábeis Pinto et al. (2015) analisaram o índice de comparabilidade das escolhas contábeis das empresas brasileiras na DFC. Os autores utilizaram uma amostra de 56 empresas pertencentes ao Ibovespa, no período de 2010 a 2014. Os resultados encontrados sugerem que empresas mais rentáveis, com maiores níveis de endividamento e com fluxos de caixa operacionais negativos fazem escolhas que aumentam os fluxos das atividades operacionais. O nível de comparabilidade encontrado foi alto para a classificação dos dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos. Já para a classificação dos juros pagos, do imposto de renda e contribuição social e dos dividendos e juros sobre o capital próprio pagos, o nível encontrado foi baixo. Segundo os autores, esse índice foi baixo em 2010, porém houve um gradativo aumento ao longo do tempo, sugerindo melhoria na qualidade da informação contábil. Diante do contexto apresentado, verifica-se a necessidade de conhecer as decisões tomadas pelos gestores das empresas brasileiras acerca das possibilidades de classificação dos itens da DFC, bem como os fatores que podem influenciar essas decisões. Compreender e analisar essas escolhas poderá ser relevante para investidores, normatizadores e até para os próprios gestores, pois esses conhecerão os impactos causados por elas na comparabilidade da informação contábil. Com base nessas considerações, o objetivo principal desta pesquisa é realizar uma análise das escolhas contábeis na classificação dos itens na Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC) por setor. Para o âmbito desta pesquisa, o setor a ser analisado será o de energia elétrica da BM&FBovespa. Serão analisadas, assim, as demonstrações contábeis de 64 companhias abertas brasileiras, nos anos de 2013 e 2014. O motivo da escolha do ramo de atividade e período acima descritos é o fato de que, nos últimos anos, as contas de energia elétrica têm sofrido reajustes consideráveis e o consumo também vem aumentando. Segundo o Portal EBC, nos doze meses compreendidos entre outubro/2013 e setembro/2014, houve um aumento de 2,9% no consumo de energia elétrica no país. Em contrapartida, o site Valor Econômico divulgou (SARAIVA, 2014), em junho/2014, a aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de um aumento médio de 35,05% nas tarifas de energia da Companhia Paranaense de Energia (Copel) (BITENCOURT, 2015). A partir desse raciocínio, chegou-se ao seguinte questionamento: quais escolhas as empresas do setor de energia elétrica da BM&FBovespa fazem no que tange à classificação dos 164

MORAIS, V. O.; MARTINS, V. F. itens nos fluxos de caixa? O objetivo é analisar se o aumento na demanda por energia elétrica, nesses dois anos, influenciou, de alguma forma, as escolhas contábeis dessas empresas. Conhecer as escolhas contábeis poderá ser útil para gestores, investidores e normatizadores. Isso porque, para os primeiros, no momento da tomada de decisão, esses devem analisar se a informação representa o fato ocorrido e se será comparável; para os investidores, ao examinarem as demonstrações, esses poderão saber se a informação reportada por elas é comparável para que se perceba sua evolução ao longo do tempo e, quanto aos normatizadores, esses poderão perceber se as normas estão sendo respeitadas. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Demonstração dos Fluxos de Caixa A Demonstração dos Fluxos de Caixa DFC, como parte integrante do conjunto das demonstrações contábeis, exerce um papel relevante, na medida em que é considerada um forte instrumento de apoio à tomada de decisão em um contexto de incerteza (BORGES; NUNES; ALVES, 2011). A DFC passou a ser obrigatória no Brasil por força da edição da Lei nº 11.638/07, para as companhias abertas e, também, para sociedades por ações de capital fechado ou sociedades de grande porte que tenham patrimônio líquido superior a 2 milhões de reais. A estrutura da DFC é composta por três atividades com fluxos de caixa distintos, quais sejam: operacional, de investimento e de financiamento. Os fluxos de caixa das atividades operacionais são derivados das principais atividades geradoras de receita da entidade. As atividades de investimento estão relacionadas à compra e venda de ativos de longo prazo e outros investimentos. Já as atividades de financiamento estão relacionadas a mudanças no tamanho e na composição do capital próprio e no capital de terceiros da entidade (CPC 03 R2, 2010). Segundo o CPC 03 (2010), os seguintes itens podem ser evidenciados de forma alternativa: juros recebidos, juros pagos, imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, dividendos recebidos, juros sobre o capital próprio recebidos, dividendos pagos e juros sobre o capital próprio pagos. O pronunciamento encoraja fortemente as entidades a classificarem juros recebidos ou pagos e dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos como fluxos de caixa das atividades operacionais, mas permite que esses itens sejam classificados de maneira 165

Escolhas Contábeis diferente, se assim for necessário, para que representem a realidade das operações. O Quadro 1 apresenta a classificação principal e a alternativa para cada item. Quadro 1 Escolhas Contábeis na Evidenciação da DFC Item Classificação Principal Classificação Alternativa Juros Recebidos Operacional Investimento Juros Pagos Operacional Financiamento Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido Operacional Investimento/Financiamento Dividendos Recebidos e Juros sobre o Capital Próprio Operacional Investimento Recebidos Dividendos Pagos e Juros sobre o Capital Próprio Pagos Financiamento Operacional Fonte: Pinto et al. (2015) Silva, Martins e Lima (2014) investigaram quais são as escolhas contábeis das empresas brasileiras na evidenciação da DFC e quais fatores podem explicar tais escolhas. Os autores utilizaram uma amostra de 107 empresas listadas no Novo Mercado da BM&FBovespa que apresentaram demonstrações contábeis consolidadas em 2010. Nesse caso, os resultados encontrados apontaram que não houve evidências significativas da utilização de escolhas contábeis para gerenciar fluxos de caixa no Brasil. Por um lado, as escolhas permitidas pela norma possibilitam que as informações sejam representadas fidedignamente, mas, também, abrem espaço para o subjetivismo e o gerenciamento de resultados. Segundo Silva, Martins e Lima (2014), as atividades operacionais são as principais atividades geradoras de receitas. Quanto maior a capacidade de geração de fluxos de caixa operacionais, maior a capacidade de pagamento. Portanto, observa-se que o fluxo de caixa das atividades operacionais é um indicador que pode ser importante para a análise do desempenho do negócio. O CPC abre espaço para escolhas contábeis para que se tenha uma representação mais fidedigna dos fatos ocorridos nas empresas, mas isso deve ser devidamente analisado. A classificação de itens que fazem parte das atividades operacionais da empresa nos fluxos de caixa das atividades de financiamento ou investimento pode caracterizar gerenciamento de resultados, visto que, dessa maneira, a empresa apresentará um fluxo de caixa operacional maior e mais atrativo para os usuários das demonstrações contábeis. 166

MORAIS, V. O.; MARTINS, V. F. 2.1 Escolhas Contábeis Fields, Lys e Vicent (2001 apud PINTO et al. 2015) apontam que as escolhas contábeis referem-se a qualquer decisão cujo principal objetivo é influenciar os resultados das informações contábeis em geral, possibilitando, desse modo, haver escolhas das práticas contábeis quanto aos critérios de mensuração, reconhecimento e evidenciação. Segundo Silva, Martins e Lima (2014), a adoção do padrão contábil internacional no Brasil ampliou as possibilidades de escolhas contábeis e propiciou um cenário farto para pesquisas relativas a esse tema. A implementação dos Pronunciamentos Técnicos Contábeis, convergentes ao IFRS (International Financial Reporting Standards), exige um certo julgamento por parte do gestor no momento dos registros dos fatos contábeis. O CPC 00 R1 (2011) traz a representação fidedigna, juntamente com a relevância, como características qualitativas fundamentais, e a comparabilidade, a verificabilidade, a tempestividade e a compreensibilidade, como características qualitativas de melhoria. Essas características aumentam a eficiência da informação relevante e apresentada confiavelmente (PINTO et al., 2015). A flexibilidade por parte da norma se justifica no disposto pelo CPC 00 R1 (2011) quanto ao fato de, para ser útil, a informação tem que representar com fidedignidade o fenômeno que se propõe demonstrar. Isso significa que as empresas devem avaliar a evidenciação dos fatos contábeis ocorridos de maneira que representem a realidade da empresa da forma mais transparente possível. Essa subjetividade pode conduzir a uma adequação à realidade econômica ou, simplesmente, pela preferência da empresa, surgindo, então, a possibilidade da escolha contábil com relação a esses itens (PINTO et al., 2015). 3 METODOLOGIA 167

Escolhas Contábeis A presente pesquisa é descritiva. Segundo Silva (2003), a pesquisa descritiva tem a função de descrever as características de uma população, além de estabelecer relações entre as variáveis. Quanto à abordagem, classificou-se a pesquisa como quantitativa. Realizou-se uma coleta dos dados do tipo documental, analisando as escolhas demonstradas no Quadro 1, considerando os anos de 2013 e 2014. Além das três opções de classificação dos itens, foram incluídas as opções não menciona, quando o item não estava identificável na DFC e nas notas explicativas, e mista, para itens cujas empresas escolheram mais de uma classificação para a mesma prática contábil. Foram contempladas as demonstrações contábeis dos anos de 2013 e 2014 de 62 empresas do setor de energia elétrica listadas na BMF&Fbovespa. 4 ANÁLISE DOS DADOS O Quadro 2 apresenta as escolhas contábeis dos itens na DFC das companhias abertas da amostra em estudo. Quadro 2 Escolhas de Classificação na DFC Itens Classificação O I F N/M M 2013 Juros Recebidos 7 1 0 54 0 Juros Pagos 41 0 12 9 0 IR e CSLL 56 0 0 2 4 Dividendos e JSCP Recebidos 19 5 0 37 1 Dividendos e JSCP Pagos 1 0 56 3 2 Total 124 6 68 105 7 2014 Juros Recebidos 7 1 0 54 0 Juros Pagos 39 0 14 9 0 IR e CSLL 57 0 0 2 3 Dividendos e JSCP Recebidos 16 4 0 38 4 Dividendos e JSCP Pagos 0 0 56 4 2 168

MORAIS, V. O.; MARTINS, V. F. Total 119 5 70 107 9 Fonte: Elaborado pelos autores Os dados coletados foram classificados no Quadro 2, sendo: O representativo dos fluxos de caixa das atividades operacionais; I das atividades de investimento; e F das atividades de financiamento. Foram inclusas as opções N/M para as empresas que não mencionaram a classificação de determinado item nos anos analisados e M, que representa a opção mista, para identificar as empresas que classificaram esses itens em mais de uma opção. Apenas 18 das 62 empresas da amostra possuem níveis de governança, sendo 7 empresas pertencentes ao Novo Mercado, 5, ao Nível 2, e as outras 6 pertencem ao Nível 1. Em 2013, 66% das empresas escolheram classificar os juros pagos dentro das atividades operacionais; já em 2014, foram 63%. Em 2013, 19% das empresas analisadas os classificaram nas atividades de financiamento e, em 2014, esse percentual foi de 23%. Por fim, nos dois anos analisados, 15% não mencionaram sua classificação. O resultado encontrado nesta pesquisa para os juros pagos condiz com a pesquisa de Pinto et al. (2015), cujos resultados apontam que 58% das empresas da amostra optaram pela classificação nos fluxos de caixa operacionais, diferindo da pesquisa de Silva, Martins e Lima (2014), em que a maioria (54%) das empresas analisadas optaram pela classificação dos juros pagos nos fluxos de caixa de financiamento. Quanto aos juros recebidos, os dois anos apresentaram números iguais. A maioria, 87% do total da amostra, não mencionou sua classificação, 11% optaram por classificá-los nas atividades operacionais e apenas 2% optaram pela classificação nas atividades de investimento. Também para a classificação dos dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos, a maioria das empresas não mencionou a classificação (60%, em 2013, e 61%, em 2014). Do restante, a maior parte (31%, em 2013, e 26%, em 2014) optou pelos fluxos de caixa operacionais. Nos dois anos analisados, 90% das empresas da amostra escolheram as atividades de financiamento para a classificação dos dividendos e juros sobre o capital próprio pagos, o que coincide com os resultados encontrados por Pinto et al. (2015). O CPC 03 R2 (2010) incentiva a classificação de juros recebidos ou pagos e dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos como fluxos de caixa das atividades operacionais, e dividendos e juros sobre o capital próprio pagos como fluxos de caixa das atividades de financiamento. Quase todas as empresas analisadas seguiram a sugestão do CPC 03 R2 (2010), nos anos analisados, e escolheram classificar o Imposto de Renda e a Contribuição Social nos fluxos de 169

Escolhas Contábeis caixa das atividades operacionais. Em 2013, esse número representou 90% do total da amostra, e, em 2014, subiu para 92% do total. Apenas quatro empresas, em 2013, e três, em 2014, ficaram dentro da opção Mista. Essas empresas optaram por classificar o Imposto de Renda sobre Juros Sobre o Capital Próprio nas atividades de Financiamento. O restante não mencionou a classificação para Imposto de Renda e Contribuição Social na DFC. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desta pesquisa foi analisar as escolhas na classificação de alguns itens na Demonstração dos Fluxos de Caixa das empresas do setor de Energia Elétrica da BM&Fbovespa, considerando que o CPC 03 (2010) permite que esses itens sejam evidenciados em fluxos de caixa distintos, de acordo com o que representar a realidade do fato contábil. Foram analisadas as escolhas relacionadas aos seguintes itens: juros pagos, juros recebidos, imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos e dividendos e juros sobre o capital próprio pagos. Os resultados sugerem que não houve mudança significativa na evidenciação dos itens de um ano para o outro. Para os juros recebidos, o número de empresas para cada classificação foi exatamente o mesmo. A maioria, 54 empresas, não mencionou os juros recebidos na DFC e nem nas notas explicativas. Ainda, a maioria das empresas não mencionou os dividendos e juros sobre o capital próprio recebidos na DFC e em nota explicativa. No caso dos juros pagos, assim como os dividendos e juros sobre o capital próprio pagos, a maioria das empresas optou pela evidenciação nos fluxos de caixa das atividades de financiamento, ou seja, a maioria seguiu as recomendações do CPC 03 R2 (2010). Já no caso do imposto de renda e contribuição social pagos, predominou-se a escolha de evidenciá-lo nos fluxos de caixa das atividades operacionais. A principal limitação desta pesquisa é a amostra reduzida, pois elegeu-se apenas o setor de energia elétrica da BM&FBovespa para a realização do estudo. Assim, pressupõe-se que deve haver uma certa precaução na generalização dos resultados. Sugere-se para pesquisas futuras a ampliação da amostra e também a análise de outros setores da BM&FBovespa, bem como a identificação dos fatores que possam influenciar nessas escolhas. 170

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