Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital AV DESEMBARGADOR GUERRA BARRETO, S/N, FORUM RODOLFO AURELIANO, ILHA JOANA BEZERRA, RECIFE - PE - CEP: 50080-800 - F:(81) 31810288 Processo nº 0017753-74.2016.8.17.2001 IMPETRANTE: THIAGO ANTONIO DE CARVALHO NEGREIROS E SILVA IMPETRADO: JOÃO BRAGA, TACIANA FERREIRA, MUNICIPIO DO RECIFE, PREFEITURA MUNICIPAL DA CIDADE DO RECIFE DECISÃO Trata-se de Mandado de Segurança proposto, em caráter preventivo, contra possível ato da Autoridade Coatora, onde se objetiva, em sede liminar, seja determinando com a urgência que o caso requer, que o Secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Município do Recife e a Presidente da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), bem como órgãos ou agentes que lhes sejam subordinados ou lhes façam as vezes, abstenham-se de praticar quaisquer atos que restrinjam ou impossibilitem o impetrante de exercer atividade de transporte remunerado individual de passageiros por meio do aplicativo Uber, em especial por meio da imposição de multas, da apreensão de veículo ou da retenção da carteira de habilitação do condutor, sob pena de multa no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por ato de recalcitrância no cumprimento desta decisão, sem prejuízo da configuração do crime de desobediência (art. 330 do Código Penal) Alega ao o Município do Recife editou a Lei Municipal nº 18.176, de 30 de novembro de 2015, que dispõe sobre a operação, administração ou uso de software aplicativo destinado à oferta, contratação ou intermediação de serviço individual de transporte de passageiro no Município do Recife. Esta norma foi regulamentada pelo Decreto Municipal nº 29.558, de 04 de abril de 2016. Afirma que a Autoridade Coatora já deflagrou ações para cumprir a citada norma, cerceando a liberdade profissional do Impetrante. O Município do Recife apresentou manifestação preliminar em que aduz não haver fumus boni juris e perigo na demora, requisitos para a concessão de liminar em MS. Defende a constitucionalidade da Lei Municipal Lei Municipal nº 18.176/2015. Afirma que a lei objetiva garantir aos usuários do Sistema de Transporte do Município o direito à mobilidade urbana, assim como o direito a uma viagem segura, em veículos previamente cadastrados e com motoristas também previamente cadastrados junto ao Município, e que atendam aos requisitos legais. Num. 12054524 - Pág. 1
A CTTU aduziu sua ilegitimidade passiva, pois a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano outorga poderes aos Guardas Municipais para fiscalizar o trânsito quanto à matéria discutida. DECIDO. O Mandado de Segurança visa proteger direito líquido e certo contra ato ilegal de autoridade pública. A concessão de medida liminar em MS depende da demonstração da fumaça do bom direito e do perigo na demora, de modo que eventual provimento de mérito teria eficácia limitada ou inexistente ao direito do Impetrante. Entendo que falece legitimidade à CTTU para integrar o polo passivo na qualidade de litisconsorte. Segundo a Lei Municipal nº 16.534/99, cabe à CTTU explorar o transporte público de passageiros. Não tem a CTTU o poder de fiscalizar ou determinar a fiscalização de transporte particular de passageiros. Considero, verificando a repercussão contida nos documentos colacionados com a petição inicial (Num. 11598425), que existe fundado receito por parte do Impetrante de ver a sofrer possível ato ilegal da Autoridade Coatora, Secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Município do Recife, que tem determinado, por seus agentes municipais, Guardas Municipais, a aplicação de multa e a apreensão de veículo quando se verifique o desrespeito à Lei Municipal nº 18.176/2015. Em vista deste fato concreto, não se trata de MS contra lei em tese, procedimento vedado pela Súmula 266 do STF. A Lei Municipal nº 18.176/2015, que se pretende aplicar em prejuízo da atividade privada do Impetrante, reza em seu art. 1º: Art. 1º A operação, administração ou uso de software aplicativo, baseado em sistema de georreferenciamento, destinado à oferta, contratação ou intermediação de serviço individual remunerado de transporte de passageiros, a ser anunciado, disponibilizado, requisitado ou executado no Município do Recife, reger-se-á de acordo com o estabelecido nesta lei. pretendida: Exige o art. 2º, prévia autorização municipal para a operação acima Art. 2º Em qualquer caso, a utilização dos aplicativos descritos no artigo anterior dependerá de registro e autorização junto à Prefeitura do Recife Argumenta-se que a citada exigência de prévia autorização, com as sansões correspondentes à sua não observância, violam o art. 170 da CF: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano A ordem econômica, fundada e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência; Num. 12054524 - Pág. 2
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. O texto contido art. 170, inciso IV e seu Parágrafo único, da CF apresentam uma regra: o exercício de qualquer atividade econômica é livre, que reflete o princípio da liberdade previsto no art. 5º da CF. Conforme disposto na Constituição, esta liberdade pode sobre restrições, desde que previstas em Lei Formal. Qual a atividade que o Impetrante pretende exercer de forma livre? OPERATIONS B.V: Segundo o Contrato firmado entre o Impetrante e a RASIER A Empresa fornece serviços de angariação e prospecção de clientes a prestadores de serviços de transporte de passageiros ponto a ponto ( P2P ) independentes que utilizam os Serviços da Uber (os quais são utilizados pela Empresa sob licença da Uber B.V. ( Uber ) e nos termos definidos infra). Os Serviços da Uber permitem ao prestador de serviços de transporte de passageiro procurar, receber e responder a pedidos de serviços de transporte de um usuário autorizado de aplicações móveis da Uber. O Motorista pretende celebrar o presente Contrato para efeitos de acessar e utilizar os Serviços da Uber. O Motorista reconhece e aceita que a Empresa é uma empresa fornecedora de serviços de tecnologia que não presta serviços de transporte. A fim de utilizar os Serviços da Uber, o Motorista tem de aceitar os termos e condições adiante estipulados. Após a sua assinatura do presente Contrato (por via eletrônica ou outra), o Motorista e a Empresa ficam vinculados pelos termos e condições estipulados no presente instrumento. Cuida-se de serviço de transporte privado de passageiros que utilizem a tecnologia denominada UBER. Assim, os usuários do aplicativo que desejam o transporte pretendido acessam o sistema e contratam, por meio dele, o Impetrante. Cabe agora verificar se compete ao Município do Recife limitar o livre exercício desta atividade econômica. Segundo o art. 30, inciso I, da CF: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; O alcance desta regra não pode atingir a essencialidade da atividade privada, visto que a sua anulação significaria a retirada da regra constitucional da liberdade de exercício da atividade econômica. Os limites do legislador municipal são marginais. Assim, pode o Município regular horários de funcionamento de estabelecimento comercial (privado), mas não pode exigir deste estabelecimento prévia autorização para que seja a PJ constituída. É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. (Súmula 645.) Num. 12054524 - Pág. 3
Pode o Município exigir alvará de localização e funcionamento de determinado estabelecimento comercial (privado), ou seja, regular a respeito do cumprimento das normas urbanas (definir o como se exerce na localidade), mas não pode exigir autorização para constituição da atividade privada (definir se pode exercer). Pode o poder público legislar sobre normas locais de tráfego de veículos, bem como regular, planejar e avaliar a política de mobilidade urbana, mas não pode exigir que o particular obtenha prévia autorização para adquirir e fazer uso de veículo particular. Não se pode confundir o serviço prestado pelo Impetrante como sendo de transporte público de passageiros, este de competência municipal. Fosse o caso, exigir-se-ia a concessão da atividade pública para que o particular prestasse o transporte público remunerado de passageiros. O transporte feito com o uso da tecnologia denominada UBER depende de prévio cadastro tanto do prestador do serviço quanto do tomador do serviço. É um serviço privado e restrito. Diferentemente do serviço público, o Impetrante não está obrigado a parar o veículo ao sinal de um pedestre anônimo que tenha interesse no serviço. Quando a norma municipal exige prévia autorização para o desempenho de atividade privada, agride a regra constitucional da liberdade do exercício de atividade econômica, visto que condiciona o seu exercício à vontade (discricionariedade) do poder público. A urgência é evidenciada com a iminência de aplicação da norma tida por incompatível com a Constituição Federal por parte da Autoridade Coatora, cujas consequências implicam na restrição do exercício da atividade e aplicação de penalidade pecuniária. DEFIRO o pedido liminar para determinar que a Autoridade Coatora, o Secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Município do Recife, por si ou por seus agentes públicos, inclusive os da Guarda Municipal, se abstenha de exigir do Impetrante prévia autorização do Município do Recife para o exercício de sua atividade econômica através da tecnologia denominada UBER, sendo vedado o recolhimento do veículo e a aplicação de multa por falta de autorização para a atividade. Arbitro em R$ 5.000,00 a multa para o caso de descumprimento da decisão para o caso de restrição de atividade. Arbitro em R$ 1.000,00 a multa diária para o caso de recolhimento do veículo em desrespeito a esta Decisão. Notifique-se para que a Autoridade Coatora preste informações. Ciência à Procuradoria do Município do Recife. Após, ao MP. Recife, quarta-feira, 08 de junho de 2016. HAROLDO CARNEIRO LEÃO Num. 12054524 - Pág. 4
Juiz de Direito Num. 12054524 - Pág. 5