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Archives of Veterinary Science v. 8, n. 1, p. 61-67, 2003 Printed in Brazil ISSN: 1517-784X UTILIZAÇÃO DE PRÓPOLIS OU MEL NO TRATAMENTO DE FERIDAS LIMPAS INDUZIDAS EM RATOS (Use of propolis or honey in the treatment of clean wounds induced in rats) RAHAL, S.C. 1 ; BRACARENSE, A.P.F.R.L. 2 ; TANAKA, C.Y. 3 ; GRILLO, T.P. 3 ; LEITE, C.A.L. 4 1 Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ)/UNESP, Campus de Botucatu, 18618-000, Rubião Júnior s/n Botucatu, SP. Autor para correspondência. Email:sheilacr@fmvz.unesp.br; 2 Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Patologia Animal Centro de Ciências Agrárias Universidade Estadual de Londrina; 3 Médica Veterinária Autônoma; 4 Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras (DMV/UFLA), CEP 37200-000 Lavras/MG. RESUMO O trabalho objetivou verificar a influência do mel e do propólis na cicatrização de feridas limpas por segunda intenção, induzidos cirurgicamente. Foram utilizados 60 ratos, Wistar, fêmeas, com peso inicial entre 200 e 250 gramas, divididos em três grupos de vinte animais. Produziu-se uma ferida cutânea limpa na região torácica lateral esquerda e os animais foram submetidos aos seguintes tratamentos: grupo I própolis, grupo II mel e grupo III solução fisiológica 0,9% (controle). Com três, sete, 14 e 21 dias pós-operatórios, as feridas foram mensuradas e cinco ratos de cada grupo submetidos à eutanásia, para proceder exame histológico. A análise estatística das áreas das feridas não revelou diferenças significativas entre efeito de cada tratamento e número de dias após o tratamento. Histologicamente, os tratamentos com mel e própolis induziram melhor cicatrização pela redução da resposta inflamatória, havendo reepitelização mais rápida com o própolis. Palavras chave: ferida, cicatrização, mel, própolis, ratos. ABSTRACT Sixty female Wistar rats, initial weight from 200 to 250 g, were divided in three groups of twenty animals each. A clean skin wound was produced at the left lateral thoracic region. The wounds were treated with propolis (G1), honey (G2) and 0.9% saline solution (G3 control). Wounds were measured and five rats were euthanatized at 3, 7, 14 and 21 days postoperative to perform the histopathologic examination. There were no statistical differences among the effect of each treatment and number of days after the treatment. The histological examination showed that honey and propolis treatments induced better healing compared to saline solution due to the reduction of the inflammatory response, but the reepitelization was faster using propolis. Key words: wound healing, honey, propolis, rats. Introdução Uma ampla variedade de produtos naturais tem sido utilizada no tratamento de feridas pela facilidade de utilização, inocuidade, baixo custo e poder bactericida ou bacteriostático. Entre eles destaca-se o mel, cujos componentes principais incluem 40% de glicose, 40% de frutose e 20% de água (MATHEWS e BINNINGTON, 2002) e o própolis, constituído basicamente de resinas e bálsamo, cera de abelha, óleos voláteis e pólen (DAMYANLIEV et al., 1982). As propriedades antibacterianas do mel foram associadas com a produção de peróxido de hidrogênio a partir da glicose, da presença de uma substância termolábil denominada inibina, da capacidade higroscópica do baixo valor de ph (EFEM, 1988; SUBRAHMANYAM, 1996; LIPTAK, 1997; MATHEWS e BINNINGTON, 2002). Outras vantagens clínicas incluem a ação antiinflamatória, a ausência de efeitos adversos na cicatrização, a redução de edema, a quimiotaxia de macrófagos e a não-aderência (LIPTAK, 1997; DUNFORD et al., 2000). Segundo LIPTAK,

62 RAHAL, S.C. et al. (1997), as feridas tratadas com mel mostram pouca infiltração neutrofílica e proliferação marcada de angioblastos e fibroblastos. No entanto, conforme a fonte da planta e processamento, pode haver variação da atividade antibacteriana e eficácia clínica (GREENWOOD, 1993; DUNFORD et al., 2000; MATHEWS e BINNINGTON, 2002). FIGURA 1 ASPECTO HISTOLÓGICO, AOS 14 DIAS DE PÓS-OPERATÓRIO, DE FERIDA TRATADA COM PRÓPOLIS. NOTA-SE A TOTAL REEPITELIZAÇÃO, DISCRETO INFILTRADO DE CÉLULAS MONONUCLEARES E DEPOSIÇÃO DE FIBRAS COLÁGENAS. (HE - 10X, AO). BOTUCATU(SP), 2002. DUNFORD et al. (2000) afirmaram que, por não ser esterilizado, o mel para consumo não é recomendado para uso em feridas. Por sua vez, segundo MATHEWS e BINNINGTON (2002), o mesmo não deve ser pasteurizado e nem aquecido acima de 37ºC. A irradiação gama seria o método de escolha para esterilização (DUNFORD et al., 2000). Ao avaliarem o mel comercial não fervido e solução fisiológica no tratamento de feridas em ratos, BERGMAN et al. (1983) concluíram que, histologicamente e pela mensuração do tamanho das lesões, o mel acelerou o processo de cicatrização. EFEM (1988) tratou topicamente com mel não processado, 59 pacientes humanos que apresentavam feridas e úlceras, na maioria das quais o tratamento convencional havia falhado. Esse pesquisador observou que o mel debridava as feridas rapidamente, substituindo as crostas por tecido de granulação, além de promover rápida epitelização e absorção de edema das úlceras. As feridas que estavam estéreis no início, assim permaneceram até a cicatrização, enquanto feridas infectadas e úlceras, tornaram-se estéreis dentro de uma semana de aplicação tópica do produto. Um total de 104 casos de queimaduras superficiais em humanos foi estudado por SUBRAHMANYAM (1991), para avaliar a eficiência do curativo com mel não processado coberto com gaze estéril e bandagem ou sulfadiazina de prata impregnada em gaze. Das feridas tratadas com mel, 87% cicatrizaram dentro de 15 dias contra 10% do outro grupo. Outras vantagens foram o alívio da dor, a menor incidência de cicatriz hipertrófica e contratura, o baixo custo e a fácil disponibilidade do produto. NDAYISABA et al. (1993), ao empregarem o mel em feridas de várias origens em 40 pacientes humanos, obtiveram cura em 88% dos casos. Alguns microrganismos foram encontrados na ferida ao final da cicatrização, mas não interferiram no processo de cura.

Utilização de própolis ou mel no tratamento de feridas limpas induzidas em ratos 63 FIGURA 2 ASPECTO HISTOLÓGICO, AOS 14 DIAS DE PÓS-OPERATÓRIO, DE FERIDA TRATADA COM MEL. NOTA-SE REEPITELIZAÇÃO MENOS EVIDENTE, DISCRETO INFILTRADO DE CÉLULAS MONONUCLEARES E DEPOSIÇÃO DE FIBRAS COLÁGENAS. (HE - 10X, AO). BOTUCATU(SP), 2002. Nove crianças com feridas pós-cirúrgicas infectadas crônicas e sem sucesso com os métodos convencionais, foram tratadas por VARDI et al. (1998), com mel comercial não processado. Observou-se acentuada melhora clínica após cinco dias do tratamento, com cicatrização completa após 21 dias e sem sinais de reação adversa. De acordo com MATHEWS e BINNINGTON (2002), curativos oclusivos ou absorventes são necessários para evitar que o mel extravase da ferida. A troca de curativos dependerá da rapidez com que o produto é diluído pelos exsudatos. SUTTA et al. (1974) utilizaram solução alcoólica de própolis no tratamento de feridas em animais domésticos, tanto em casos clínicos como experimentais. Esses pesquisadores observaram seu bom efeito epitelizante, considerando-a adequada para o tratamento de feridas após a eliminação da infecção. DAMYANLIEV et al. (1982) aplicaram solução tópica de própolis (20 e 30%) em pacientes com feridas supuradas. Foi observado que a cicatrização ocorria dentro de um período de tempo menor do que as tratadas com pomada de Vishnevsky e 20% de clorato de sódio. A solução exerceu efeito antimicrobiano in vivo sobre Bacterium coli, Streptococcus spp. e Staphylococcus spp. Os efeitos da vaselina (grupo A), sulfadiazina de prata (grupo B) e própolis 5 ou 10% (grupos C e D) foram avaliados por SOENGIL et al. (2000), em feridas de espessura total em coelhos. As taxas de fibras colágenas e epitelização dos grupos C e D excederam àquelas dos grupos A e B. Segundo TERAKI e SHIOHARA (2001), o própolis contem potentes componentes sensibilizantes, podendo levar à dermatite de contato ou formação de granuloma em seres humanos. Em virtude do exposto, o trabalho tem por objetivo verificar a influência do mel e do própolis na cicatrização por segunda intenção de feridas limpas induzidas cirurgicamente em ratos. Material e métodos Foram utilizados 60 ratos, fêmeas, linhagem Wistar, com peso variando entre 200 e 250 gramas, mantidos em caixas de polipropileno,

64 RAHAL, S.C. et al. com ração comercial e água ad libitum. Após divisão por sorteio em três grupos, foram submetidos aos seguintes tratamentos: grupo 1 própolis pomada 1, grupo 2 mel 2, grupo 3 solução fisiológica 0,9% (controle). Para a indução das feridas, realizou-se anestesia com éter. Os animais foram imobilizados em decúbito lateral direito, para tricotomia da região torácica lateral esquerda, onde procedeu-se a anti-sepsia. Demarcou-se um retângulo de 2 x 1,5 cm, mediante utilização de forma metálica. Após tatuar as extremidades (a, b, c, d) com nanquim, incisou-se a pele sobre a demarcação e removeu-se o segmento retangular, constituído de pele, tecido subcutâneo e músculo tronco cutâneo. A lesão foi mensurada nas extremidades (a-b, b-c, c-d, d-a) com auxílio de paquímetro e, em seguida, aplicou-se o tratamento específico para cada grupo. As feridas foram cobertas com duas camadas de gazes, fixadas com duas tiras de fita crepe, uma cranial e outra caudal à lesão. Envolveu-se a região com atadura de crepe, que foi presa ao pescoço dos ratos. No grupo controle, as feridas receberam a mesma bandagem; no entanto, foram apenas irrigadas com solução fisiológica 0,9%. FIGURA 3 ASPECTO HISTOLÓGICO DA FERIDA DE ANIMAL CONTROLE AOS 14 DIAS DE PÓS- OPERATÓRIO. OBSERVA-SE INFILTRADO DE CÉLULAS MONONUCLEARES NA REGIÃO SUPERFICIAL, NEOVASCULARIZAÇÃO, PEQUENA DEPOSIÇÃO DE FIBRAS COLÁGENAS. (HE - 10X, AO). BOTUCATU(SP), 2002. Os curativos foram trocados a cada 24 horas e as feridas lavadas com solução de cloreto de sódio 0,9%, para remoção de crostas e resíduos dos medicamentos, sendo os mesmos novamente aplicados. As feridas foram avaliadas e mensuradas com paquímetro nos 3º, 7º, 14º e 21º dias, com os animais sob anestesia. As medidas das áreas foram submetidas à análise estatística pelos testes de F e Tukey no nível de significância de 5%. Cinco ratos de cada grupo foram eutanasiados nos 3º, 7º, 14º e 21º dias pósoperatório, sendo as lesões colhidas junto com a pele circundante e fixadas em formalina tamponada 10%. Para avaliação histológica, seguiu-se a desidratação em concentrações 1 Propaste Apifarma 2 Mel Apiário Vinhedo

Utilização de própolis ou mel no tratamento de feridas limpas induzidas em ratos 65 crescentes de álcool, diafanização em xilol e inclusão em parafina, obtendo-se cortes de 5µ de espessura, que foram corados pela Hematoxilina Eosina e Tricrômio de Mallory. Resultados Não foram detectados sinais de infecção nos três grupos experimentais. As bandagens foram eficientes na proteção das feridas; entretanto, a primeira camada de gaze geralmente aderia na superfície das mesmas, sendo mais evidente no grupo controle (solução salina 0,9%). A troca diária foi adequada para a manutenção dos produtos. No exame histológico dos ratos do grupo 1 (própolis), observou-se no 3º dia a presença de infiltrado inflamatório polimorfonuclear e fibrina na região mais superficial da ferida. A derme apresentava-se com edema intersticial e infiltrado inflamatório misto. No 7º dia póscirúrgico, as bordas da lesão apresentavam-se espessadas. Na região superficial, verificou-se proliferação de capilares neoformados, discreto infiltrado de células mononucleares e infiltração de fibroblastos. Na região mais profunda, notouse diminuição do número de células inflamatórias e presença de feixes de fibras colágenas. No 14º dia, a ferida apresentava-se totalmente reepitelizada, com acentuada redução do número de capilares (FIGURA 1). A proliferação fibroblástica foi marcante, bem como a presença de feixes de fibras colágenas dispostas paralelamente à superfície. Com 21 dias de tratamento, a regeneração do epitélio foi completa, com a derme apresentando grande quantidade de fibroblastos e fibras colágenas. TABELA 1 MÉDIA DAS ÁREAS DAS FERIDAS (CM 2 ) NOS DIFERENTES MOMENTOS DE AVALIAÇÃO, SEGUNDO GRUPOS DE TRATAMENTO (GI PRÓPOLIS, GII MEL E GIII SOLUÇÃO FISIOLÓGICA 0,9%). BOTUCATU(SP), 2002. MOMENTOS GRUPOS 3 dias 7 dias 14 dias I (própolis) 2,3967Aa 1,2161Ba 0,1714Ca II (mel) 2,2104Aa 1,5299Ba 0,2968Ca III (controle) 2,5492Aa 1,3387Ba 0,3381Ca *letras maiúsculas: comparam momentos em cada tratamento letras minúsculas: comparam grupos de tratamento em cada momento letras iguais indicam diferenças não significativas (P>0,05) Nos animais do grupo 2 (mel), o exame histológico das feridas aos três dias de pósoperatório mostrou, na região mais superficial, edema intersticial acentuado e infiltrado inflamatório polimorfonuclear moderado. Logo abaixo dessa região houve aumento na intensidade do processo inflamatório, bem como congestão acentuada. No 7º dia observou-se espessamento da epiderme nas bordas da lesão, proliferação acentuada de vasos sanguíneos, diminuição do infiltrado inflamatório com predomínio de células mononucleares e presença de pequena quantidade de feixes de fibras colágenas. No 14º dia pós-cirúrgico, a ferida não estava totalmente reepitelizada. A redução da neovascularização foi evidente, bem como a proliferação fibroblástica e a deposição de colágeno (FIGURA 2). Com 21 dias, a lesão apresentava regeneração total da epiderme e com grande quantidade de fibroblastos e feixes de fibras colágenas, dispostas paralelamente à superfície da lesão. No grupo controle, verificou-se edema intersticial acentuado, presença de fibrina e restos celulares na superfície da ferida no 3º dia, ocorrendo diminuição na intensidade desses processos no 7º dia. O infiltrado inflamatório mostrou-se mais acentuado que nas lesões dos animais dos grupos 1 e 2 nos

66 RAHAL, S.C. et al. momentos três, sete e 14 dias. No 14º dia a regeneração epitelial não foi completa e observou-se menor deposição de feixes de fibras colágenas em comparação com os outros grupos (FIGURA 3). Com 21 dias havia regeneração total de epiderme e presença de grande número de fibroblastos e feixes de fibras colágenas. Ao serem analisadas as médias das mensurações das feridas, verificou-se não haver diferenças estatísticas quanto ao efeito do tratamento aplicado nos diferentes momentos de avaliação (TABELA 1). Para estudo do efeito dos dias após o tratamento, observou-se que as reduções médias para 3 e 7 dias após o tratamento não diferiram estatisticamente, mas diferiram da redução média aos 14 dias de tratamento. Discussão Optou-se pela colocação de curativo oclusivo, visto MATHEWS e BINNINGTON (2002) afirmarem ser o mesmo necessário para a manutenção do mel. Além disso, constitui barreira física contra o autotraumatismo, requer mudança menos freqüente e acelera a epitelização (LIPTAK, 1997). Por ser a gaze um curativo aderente, a mesma pode ter interferido no processo de epitelização, em especial no grupo controle (GIII), uma vez que o tecido de granulação penetra no interstício do material. Em contrapartida, a capacidade de nãoaderência do mel (LIPTAK, 1997; DUNFORD et al., 2000), bem como do própolis, são vantagens clínicas dos produtos. Pelos resultados das avaliações macroscópica e histológica, não foi possível ressaltar efeitos antibacterianos atribuídos ao mel (EFEM, 1988; SUBRAHMANYAM, 1996; LIPTAK, 1997; MATHEWS; BINNINGTON, 2002 ) ou própolis (DAMYANLEV et al., 1982), visto as feridas serem limpas. Tais fatos podem ter contribuído para ausência de diferença estatística em relação às contrações médias das áreas das feridas, já que na maioria dos relatos (SUTTA et al., 1974; DAMYANLIEV et al., 1982; EFEM, 1988; SUBRAHMANYAM, 1991; NDAYISABA et al., 1993; VARDI et al., 1998) as lesões eram infectadas ou de difícil cicatrização. Por outro lado, BERGMAN et al. (1983) verificaram, em ratos, aumento na velocidade do processo cicatricial de feridas limpas tratadas com mel em relação às que receberam solução fisiológica. Vale salientar que a eficácia clínica do produto, segundo GREENWOOD (1993), DUNFORD et al. (2000) e MATHEWS e BINNINGTON (2002), pode variar conforme a fonte da planta e processamento. Além disso, o mel comercial utilizado no experimento não corresponde aos padrões de esterilização citados por DUNFORD et al. (2000) e MATHEWS e BINNINGTON (2002). Sob o ponto de vista histológico, os resultados demonstraram que os tratamentos com mel ou própolis proporcionaram uma resposta inflamatória de menor intensidade ao longo do tempo, quando comparados à solução fisiológica. Tal fato ressalta os efeitos benéficos dos produtos, já observados por outros autores, tanto clinica como experimentalmente (SUTTA et al., 1974; DAMYANLEV et al., 1982; BERGMAN, 1983; EFEM, 1988; SUBRAHMANYAM, 1991; LIPTAK, 1997; NDAYISABA et al., 1993). Como citado por LIPTAK (1997) e DUNFORD et al. (2000), o mel além de possuir efeito antiinflamatório, propicia redução de edema e quimiotaxia de macrófagos, o que explica o predomínio de células mononucleares, já ao 7º dia, nas feridas tratadas com mel, e apenas discreta presença dessas células nas tratadas com própolis, ou mesmo no grupo controle. Sabe-se que a cicatrização está diretamente relacionada com o processo inflamatório (PÉREZ TAMAYO, 1987), se menos acentuado permite maior deposição de feixes de fibras colágenas, como foi verificado no grupo II (mel). Por outro lado, histologicamente, o própolis levou a uma reepitelização mais precoce em relação aos animais tratados com mel ou solução fisiológica. SOENGIL et al. (2000) também observaram, em feridas induzidas em coelhos, reepitelização mais evidente com o uso do própolis em relação à vaselina ou sulfadiaziana de prata. Contudo, diferente do ocorrido no experimento, a taxa de colágeno foi mais significativa com o emprego do própolis. Baseado nesses fatos pode-se concluir que, embora as medidas das áreas não tenham diferido estatisticamente entre os grupos, os

Utilização de própolis ou mel no tratamento de feridas limpas induzidas em ratos 67 tratamentos com mel e própolis revelaram à histologia a indução de uma melhor cicatrização pela redução da resposta inflamatória, havendo reepitelização mais rápida com o própolis. Referências BERGMAN, A.; YANAI, J.; WEISS, J.; BELL, D.; DAVID, M.P. Acceleration of wound healing by topical application of honey: an animal model. American Journal of Surgery, Washington, v. 145, p. 374-376, 1983. DAMYANLIEV, R.; HEKIMOV, K.; SAVOVA, E.; AGOPIAN, R. The treatment of suppurative surgical wounds with propolis. Folia Medica, Plovdiv, v. 24, n. 2, p. 24-27, 1982. DUNFORD, C.; COOPER, R.; MOLAN, P.; WHITE, R. The use of honey in wound management. Nursing Standard, London, v. 15, n. 11, p. 63-68, 2000. EFEM, S.E.E. Clinical observations on the wound healing properties of honey. British Journal Surgery, Oxford, v. 75, n. 7, p. 679-681, 1988. GREENWOOD, D. Wound healing: honey for superficial wounds and ulcers. Lancet, London, v. 341, p. 90-91, 1993. LIPTAK, J.M. An overview of the topical management of wounds. Australian Veterinary Journal, Artarman, v. 75, n. 6, p. 408-413, 1997. MATHEWS, K.A.; BINNINGTON, A.G. Wound management using honey. Compendium on Continuing Education Practice Veterinary, Princeton Junction, v. 24, n. 1, p. 53-60, 2002. NDAYISABA, G.; BAZIRA, L.; HABONIMANA, E.; MUTEGANYA, D. Clinical and bacteriological outcome of wounds treated with honey. An analysis of a series of 40 cases. Revue de Chirurgie Orthopedique et Reparatrice de L appareil Moteur, Paris, v. 79, n. 2, p. 111-113, 1993. PÉREZ TAMAYO, R. Introducción a la Patologia. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana, 1987. 670 p. SOENGIL, J.; SEONGSOO, K.; SEONGKOO, C.; SEOKHWA, C. Effect of propolis on healing of fullthickness skin wound in rabbits. Korean Journal of Veterinary Clinical Medicine, Seoul, v. 17, n. 1, p. 62-30, 2000. SUBRAHMANYAM, M. Topical application of honey in treatment of burns. British Journal Surgery, Oxford, v. 78, p. 497-498, 1991. SUBRAHMANYAM, M. Honey dressing versus boiled potato peel in the treatment of burns: a prospective randomized study. Burns, Oxford, v. 22, n. 6, p. 491-493, 1996. SUTTA, J.; HANKO, J.; JANDA, J.; TKAC, J. Experimental and clinical experiences in the treatment of wounds in domestic animals by local application of an alcoholic solution of propolis. Folia Veterinaria, Bratislava, v. 18, p. 143-147, 1974. TERAKI, Y.; SHIOHARA, T. Propolis-induced granulomatous contact dermatitis accompanied by marked lymphadenopathy. British Journal of Dermatology, Oxford, v. 144, n. 6, p. 1277-1278, 2001. VARDI, A.; BARZILAY, Z.; LINDER, N.; COHEN, H.A.; PARET, G.; BARZILAI, A. Local application of honey for treatment of neonatal postoperative wound infection. Acta Paediatrica, Stocholm, n. 87, p. 429-432, 1998. Recebido: 29/11/2002 Aprovado: 02/06/2003