1 O canal de comunicação radiomóvel O projeto de sistemas de comunicações sem fio confiáveis e de alta taxa de transmissão continua sendo um grande desafio em função das próprias características do canal de comunicação radiomóvel. Em um ambiente radiomóvel, analisando-se a resposta ao impulso do canal, pode-se caracterizar os tipos de desvanecimento existentes. Basicamente, no que diz respeito às dimensões da região em que se estuda o comportamento do sinal recebido, existem dois tipos de desvanecimentos: o desvanecimento em larga escala e o desvanecimento em pequena escala. O primeiro se refere à intensidade média do sinal avaliada em termos de uma grande distância de separação entre o transmissor e o receptor. Basicamente, a potência média do sinal diminui com o quadrado da distância entre o transmissor e o receptor. Em ambientes urbanos, essa relação deixa de ser quadrática e a perda de potência do sinal passa a ser ainda mais acentuada à medida em que a separação transmissor-receptor aumenta. Esse desvanecimento também é afetado pela existência de grandes objetos no percurso de transmissão, tais como colinas, prédios, árvores, etc. O segundo tipo de desvanecimento se refere às bruscas mudanças na amplitude e na fase do sinal em pequenos deslocamentos entre transmissor e receptor ou em curtos intervalos de tempo. As características desse desvanecimento são: o espalhamento temporal do sinal e o ambiente variante no tempo devido à mobilidade relativa existente entre transmissor e receptor. O efeito dessa mobilidade é a natureza variante no tempo do multi-percurso. Figura 1: Desvanecimento de larga e pequena escala. Fonte: (RAPPAPORT, 1996). A Figura 1 ilustra as variações no sinal da potência recebida devidas ao desvanecimento de pequena escala e de larga escala do canal radiomóvel em função da distância entre o transmissor e o receptor. 1
Nas próximas seções ambos os tipos de desvanecimento são apresentados. Contudo, nesta disciplina, um foco maior é dado ao desvanecimento em pequena escala, pois a consideração deste se faz necessária em projetos de sistemas de comunicações radiomóveis confiáveis e eficientes (nosso foco de estudo), enquanto que o desvanecimento em larga escala está mais relacionado a assuntos de dimensionamento da célula e posicionamento da estação radiobase (parte do conteúdo da disciplina de telefonia celular). 2 Desvanecimento em larga escala Os principais efeitos do desvanecimento de larga escala são as perdas de potência do sinal no espaço livre e o sombreamento do sinal por obstáculos. 2.1 Perda por propagação no espaço livre O modelo mais simples de perda por propagação considera um sinal transmitido no espaço livre entre uma antena transmissora e uma receptora separadas por uma distância d. Suponha que o sinal se propaga em linha reta e sem obstáculos entre o transmissor e o receptor. O modelo de canal associado com esta transmissão é chamado de canal com linha de visada direta. Neste modelo, a potência do sinal recebido decai proporcionalmente com o quadrado da distância e é dada por (JAKES, 1974) ( ) 2 λ P r = P t G t G r, (1) 4πd em que P t é a potência transmitida, λ é o comprimento de onda da portadora do sinal, G t e G r são os ganhos de potência das antenas transmissora e receptora, respectivamente. A Equação (1) é conhecida como fórmula de Friis ou por equação de perdas por propagação no espaço livre. Um modelo mais acurado, chamado modelo de dois raios, considera que em um canal radiomóvel o sinal em linha de visada possui a interferência de um segundo sinal refletido no solo. Neste modelo a potência recebida pode ser aproximada por ( ) 2 ht h r P r = P t G d 2 t G r, (2) em que h t e h r são as alturas efetivas das antenas transmissora e receptora, respectivamente. O modelo de dois raios considera que d 2 h t h r. Neste caso o expoente de perdas é 4, ou seja, a potência recebida decai proporcionalmente com a quarta potência da distância (40 db/década). Em ambientes reais, o canal radiomóvel tem seu expoente de perdas entre 2, 5 e 6. Vários modelos heurísticos para perda por percurso foram desenvolvidos, entre os quais os mais conhecidos estão os modelos de (OKUMURA et al., 1968), (HATA; NAGATSU, 1980) e (ERCEG et al., 1999). 2
2.2 Perda por sombreamento O sombreamento é caracterizado por variações aleatórias na potência do sinal recebido devidas às obstruções causadas por objetos durante o percurso de propagação do sinal. Estas variações também são causadas por alterações nas superfícies refletoras e objetos dispersivos. O modelo para o sombreamento do canal depende do tamanho das antenas, da frequência da portadora e, principalmente, das características dos obstáculos, tais como, localização, tamanho e propriedades dielétricas. Como as características dos objetos são geralmente desconhecidas, um modelo estatístico deve ser utilizado para descrever esta atenuação. O modelo mais comum para o sombreamento é o log-normal (JAKES, 1974). Este modelo foi estudado experimentalmente. Os resultados empíricos mostraram sua validade para descrever as variações de potência recebida tanto no ar livre como em ambientes fechados (ERCEG et al., 1999; GHASSEMZADEH et al., 2003). No modelo de sombreamento log-normal a potência recebida possui uma distribuição log-normal com função densidade de probabilidades dada por f(x) = 1 e (x µ)2 2σ 2, (3) 2πσ em que x = 10 log 10 x (em db) é a variável aleatória representando as variações do nível da potência recebida. µ e σ são, respectivamente, a média e o desvio padrão de x, ambos expressos em decibéis. A média pode ser baseada em um modelo analítico ou heurístico. µ, quando medida heuristicamente, é igual ao desvanecimento em larga escala médio, pois tanto a perda de percurso quanto as perdas por sombreamento estão incorporadas nas medições. Para o método analítico, µ deve incorporar tanto a perda de percurso (por exemplo, calculada através da Equação (1)) como a atenuação causada pelo obstáculo. 3 Desvanecimento de pequena escala Para se estudar o canal com desvanecimento de pequena escala devem-se considerar dois fenômenos, quais sejam, a propagação por multipercursos e o efeito Doppler. Esses dois fenômenos serão discutidos a seguir. 3.1 Propagação por multipercursos A propagação por multipercursos é um fenômeno extremamente comum na realização de uma comunicação sem fio. Os multipercursos são os vários caminhos percorridos pelo sinal entre o transmissor e o receptor. O sinal propagado é submetido aos fenômenos da reflexão, difração e espalhamento quando se defronta com obstáculos como prédios, postes, árvores, torres, etc. O resultado desse fenômeno são sinais que chegam ao receptor com diferentes atrasos e diferentes intensidades, resultando em uma diferença de fase entre esses sinais. Os sinais recebidos somam-se fasorialmente, e com isso o sinal resultante poderá ser fortemente atenuado (interferência destrutiva). As alterações do ambiente, tais como o movimento do transmissor ou do receptor e de objetos situados nos arredores do canal radiomóvel, 3
Figura 2: Ambiente com multipercursos. que modificam as características dos multipercursos, provocam oscilações na amplitude do sinal. A taxa com que tais variações do sinal recebido ocorre está diretamente relacionada com a velocidade com o que o receptor de desloca. Essas variações são denominadas de desvanecimento por multipercursos. Um ambiente contendo multipercursos é ilustrado na Figura 2. 3.2 Efeito Doppler Havendo um movimento relativo entre o transmissor e o receptor, os multipercursos estarão sujeitos à percepção de um desvio na frequência. A esse desvio se dá o nome de efeito Doppler, que é proporcional à velocidade de deslocamento relativa entre o transmissor e o receptor. Imagine um terminal móvel percorrendo uma distância d a uma velocidade constante v e recebendo um único sinal com frequência f c Hertz de uma fonte fixa F, como mostra a Figura 3. Seja α o ângulo formado entre a direção de movimento do terminal e a direção de incidência do sinal recebido. O desvio Doppler do sinal recebido é dado pela seguinte equação: f d = v f c cosα (4) c em que c é a velocidade da luz. Na prática, como os sinais percorrem diferentes caminhos, formando diferentes ângulos de incidência, cada componente de multipercurso sofrerá um desvio diferente na frequência, resultando em um aumento da largura de faixa do sinal. 3.3 Classificação dos desvanecimentos Para efeito de ilustração, considere que um pulso extremamente estreito, idealmente um impulso, seja transmitido através de um canal com multipercursos e variante no tempo. Como é possível se notar na Figura 4, o sinal recebido relativo ao pulso transmitido no instante t 0 é uma composição de vários pulsos com atrasos e amplitudes diferentes. Considere 4
F α X v d Y Figura 3: Efeito Doppler. agora que a transmissão deste pulso seja repetida várias vezes. Observando-se novamente a Figura 4, pode-se notar que para o mesmo pulso transmitido em instantes diferentes de tempo o canal responde de forma diferente, ou seja, o tamanho individual de cada pulso, o atraso relativo entre eles e até mesmo o número de pulsos mudam a cada nova transmissão através do canal. Essas mudanças são de certa forma imprevisíveis, portanto é bem razoável se caracterizar estatisticamente o canal variante no tempo. O sinal transmitido pode ser representado por (PROAKIS, 1995): x(t) = Re{u(t)e j2πfct } (5) em que u(t) é a envoltória complexa em banda base de x(t) e f c é a frequência da portadora. Como associado a cada caminho existe um atraso e um fator de atenuação, e ambos são variantes no tempo devido às variações do meio de propagação, o sinal recebido pode ser expresso da seguinte forma: y(t) = n α n (t)x[t τ n (t)] (6) em que α n (t) e τ n (t) são, respectivamente, o fator de atenuação e o atraso de propagação do sinal relativo ao n-ésimo caminho no instante de tempo t. Substituindo-se a Equação (5) na Equação (6), tem-se: { } y(t) = Re α n (t)e j2πfcτn(t) u[t τ n (t)]e j2πfct (7) n A representação do sinal y(t) em banda base é dada pela seguinte equação: r(t) = n α n (t)e j2πfcτn(t) u[t τ n (t)] (8) da qual se pode concluir que a resposta ao impulso variante no tempo do canal em banda base equivalente é dada por: h(τ, t) = n α n (t)e j2πfcτn(t) δ[τ τ n (t)]. (9) 5
t = t = t 1 t = t 1 + τ 11 t = t 1 + τ 12 t 0 t = t 0 + β t = t 2 t = t 2 + t = t 2 + τ t = t 2 + τ23 τ21 22 t = t 0 + α t = t 3 t = t 3 + τ 31 t = t 0 + γ t = t 4 t = t 4 + t = t 4 + t = t 4 + t = t 4 + τ τ41 τ42 τ43 44 Figura 4: Resposta de um canal variante no tempo a um pulso extremamente curto. Considerando-se sistemas reais de comunicações móveis, os fatores de atenuação e os atrasos presentes na Equação (9) variam de forma aleatória. Em ambientes onde a comunicação é feita praticamente apenas pelas componentes de multipercursos, como as comunicações que ocorrem na telefonia móvel, a resposta ao impulso h(τ, t) é normalmente modelada por um processo Gaussiano complexo de média nula e variância σ 2. Assim, a envoltória h(τ, t) desse processo obedece à distribuição do tipo Rayleigh. A função densidade de probabilidade de uma variável aleatória x que obedece à distribuição do tipo Rayleigh é mostrada na Figura 5, e é dada por: p(x) = { x σ 2 exp ( x2 2σ 2 ), para 0 x < 0, para x < 0 (10) O canal assim descrito é dito ser um canal com desvanecimento Rayleigh. Já em outros sistemas de comunicações móveis, tais como na comunicação via satélite, existe uma predominância de uma componente direta do sinal. Para esses casos, o sinal recebido consiste na componente direta do sinal, que apresenta maior intensidade, e nas componentes de multipercursos. A envoltória das componentes de multipercursos somadas à componente de linha de visada direta obedece à distribuição de Rice. Esses canais são chamados de canais com desvanecimento Rice. A função densidade de probabilidade de uma variável 6
p(x) 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 x Figura 5: Função densidade de probabilidade Rayleigh. aleatória x que obedece à distribuição de Rice é mostrada na Figura 6, e é dada por: p(x) = { x exp ( ) ( ) x2 +A 2 A x σ 2 2σ 2 J0 σ, para A 0, x 0 2 0, para x < 0 (11) em que A é a amplitude do sinal dominante e J 0 ( ) é a função Bessel de primeiro tipo e ordem zero. A variável R, mostrada na Figura 6, é chamada de fator Rice e é dada por R = A 2 /2σ 2. É possível se notar que quando não há linha de visada direta entre o transmissor e o receptor, ou seja, A = 0, tem-se que J 0 (0) = 1 e a função densidade de probabilidade em (11) se reduz à função densidade de probabilidade Rayleigh, dada em (10). 7
p(x) 1.8 1.6 1.4 R 1.2 1 0.8 0.6 0.4 0.2 0 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 x Figura 6: Função densidade de probabilidade Rice para vários fatores Rice R. 8