Sr.Jiaming Miao, Oficial de Assuntos Politicos do Centro Regional das Nações Unidas para a Paz e Desarmamento na Africa (UNREC)

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Transcrição:

1 Tratado sobre comércio de Armas Perspectiva de Género Exmos Senhores Deputados e Deputadas Sr.Jiaming Miao, Oficial de Assuntos Politicos do Centro Regional das Nações Unidas para a Paz e Desarmamento na Africa (UNREC) Sr. Mario Mendão, Assessor Jurídico e representante do Secretário Executivo da Comunidade de Países de Lingua Portuguesa (CPLP) Peter Barcroft, Director do Programa de Paz e Democracia, PGA Thiago Carvalho, PGA Dra. Elsa Fortes, ICIEG Dra. Anete Dias, AMJ Exmos Senhores convidados

2 Quero antes de mais agradecer o convite que me foi formulado para estar neste seminário. Devo dizer que estou bastante feliz e os motivos são vários. Primeiro pelo facto de Cabo Verde estar a acolher a realização do seminário a nível da CPLP sobre esta temática, segundo porque já estamos a fazer parte dos Parlamentares para Acção Global e agora nesta legislatura o Pais pode criar o seu grupo nacional. Terceiro, a minha satisfação é maior ainda, pelo facto de se incluir um painel sobre a abordagem de género na discussão desta importante temática. Devo dizer que para mim é também um desafio, pois nunca teria abordado esta questão nesta perspectiva, e por isso, esta a servir como uma aprendizagem. Os meus parabéns pela pertinência e pela inovação de trazer à discussão a sociedade civil, reconhecendo o importante papel que o mesmo tem na implementação dos tratados. Posto isto, gostaria de trazer à vossa consideração algumas questões importantes para o nosso debate, começando com uma frase do relatório das Nações Unidas, passo a citar Embora raramente liderem guerras, as mulheres são sua principal vítima é uma frase forte que nos leva à reflexão e que gostaria de partilhar como vocês.

3 O conceito de género tem tido relevância crescente e também tem sido incorporada em diversas áreas, inclusive para questões como o desarmamento e o controle de armamentos. Portanto é preciso reflectir sobre género, e como vincular esses conceitos como armas e violência armada. É importante perceber como as pessoas vêem as armas, a guerra e o militarismo, porque existe uma forte correlação entre o porte de armas e concepções de masculinidade. Na verdade, a "cultura de armas" está associada com as normas culturais de masculinidade, considerando homens como protectores e como guerreiros, no entanto as Mulheres tem sido as grandes vítimas de todo o processo. Por isso, podem ate questionar,,,,mas se as mulheres não usam armas nos conflitos, então porque preocupar-se com a questão da abordagem de género nesta questão? À partida pode não ser visiviel, mas senão vejamos: O corpo das mulheres: um campo de batalha para os soldados As mulheres sempre sofreram consequências psíquicas, sociais, físicas e económicas da guerra. Assim, desde a antiguidade até o presente, o estupro massivo das mulheres é parte integral das guerras. As mulheres e seus corpos foram por vezes considerados como despojo de guerra, outras como moedas de

4 troca. São vistas como o repouso do guerreiro, seu corpo identificado como solo inimigo e por isso um campo de batalha. A luta se dá pelo controle dos corpos das mulheres vistas como um recurso igual a qualquer outro e por isso um motivo legítimo para o conflito. Em todos estes casos as mulheres são rebaixadas à categoria de objecto e percebidas como propriedade dos homens. O estupro é utilizado para humilhar, desonrar e desmoralizar ao inimigo. É tratado como um meio de propaganda militar ou, como ocorreu mais recentemente na Bósnia-Herzegovina, uma política de purificação e limpeza étnica. Em Ruanda foi instrumentalizado como ato de genocídio, no Haiti como instrumento de terror político, ou ainda como símbolo de vitória. As consequências desta brutalidade não se limitam ao físico com o contágio por doenças sexualmente transmissíveis, uma possível gravidez, cortes, ou mesmo ao psicológico com depressão, perda de auto-estima, culpa, etc. Uma mulher estuprada e o filho fruto da violação são frequentemente isolados e marginalizados pela sua comunidade e rejeitados pelo seu marido e família, carregando a culpa pela extrema violência que sofreu. Para muitas mulheres as únicas opções são o silêncio ou a rejeição mesmo com todas as consequências socioeconómicas disso.

5 JÁ IMAGINARAM O cotidiano das mulheres nos conflitos armados????? Nos conflitos denominados modernos, o número de vítimas civis é muito mais importante que o das vítimas militares e é maioritariamente composto por mulheres e crianças; Aumento sistemático da prostituição nos arredores das bases militares ou acampamentos militares durante os conflitos armados com a regulamentação de casas de prostituição oficiais que servem para o repouso do guerreiro. Muitas vezes trata-se de mulheres violentadas e retiradas de suas comunidades e assim traficadas e forçadas à prostituição; As mulheres acabam ocupando-se da vida cotidiana, de suas crianças, buscando e preparando a comida, etc.; em tempos de conflitos as tarefas se tornam muito difíceis e arriscadas. No meio de tudo isso, a realidade de destruição de sua casa, interrupção do abastecimento de alimentos, o aumento dos preços e a dependência das ONG tornam-se inevitáveis. Uma vez que o conflito termina, as mulheres normalmente se encontram com uma família reduzida tendo perdido o marido, filhos e outros membros. Assim enfrentam sozinhas os cuidados com as crianças, os idosos e os doentes que por vezes são seus próprios maridos marcados pelos horrores da guerra;

6 Uma grande taxa de deslocados resulta em um número altíssimo de mulheres refugiadas; As mulheres vivem permanente humilhação durante os conflitos e mesmo depois. O número de armas em circulação aumenta drasticamente e as mulheres são obrigadas a armar-se para se proteger, fortalecendo a cultura da violência e da força. A violência doméstica aumenta durante os conflitos armados e depois, se os maridos retornam à casa; As liberdades fundamentais são negadas em nome de garantir à segurança nacional ; Os orçamentos militares pesam muito nas finanças públicas o que diminui os investimentos nos serviços públicos como saúde, educação, previdência social, moradias e outras necessidades do Estado dos quais as mulheres e suas famílias necessitam. Assim sendo, faz todo sentido ter a abordagem de género em todas as dimensões do tratado. È sobretudo por estas questões que no preambulo do Tratado se reconhece que a maioria dos que são negativamente afectados pelos conflitos armados e pela violência armada são as crianças e as mulheres e que os mesmos necessitam de uma assistência adequada, reabilitação e inserção socioeconómica, que insere a pertinência desta abordagem. Andou bem e muito bem a PGA ao

7 introduzir esta questão. E mais, o tratado reconhece o papel da sociedade civil o papel importante na sensibilização e aplicação do tratado, mas sobre o papel da sociedade civil a minha colega Anete ira falar um pouco mais. A inclusão das disposições em matéria de género, mulheres e crianças, especialmente no que diz respeito à avaliação de risco é uma questão importante a destacar. O principal objectivo da inclusão dessas cláusulas do TCA é que mortes violentas causadas por armas de fogo nos destinos onde houve casos sistemáticos de tais violações e actos de violência em relação às mulheres com armas podem ser evitados. O ATT é o primeiro acordo ao nível mundial que visa regular o comércio de armas convencionais e respectivas partes e munições, através da definição de critérios para a exportação de armas e da garantia de maior transparência destes fluxos. Ao ratificar o Tratado, cada Estado compromete-se a regular todas as transferências de armas convencionais e respectivas partes, componentes e munições, impedindo a exportação destas armas sempre que existir o risco de que sejam utilizadas para cometer crimes de guerra, genocídio e outras violações dos direitos previstos nas Convenções de Genébra. Ao mesmo tempo, está obrigado a realizar uma análise de risco de cada transferência

8 antes de autorizar a venda de armas e munições, considerando a possibilidade desta colocar em causa a paz e a segurança ou facilitar violações de direitos humanos, nomeadamente violência de género, terrorismo, ou criminalidade organizada ou ainda a existência de vulnerabilidades como a ausência de controlo sobre armazenamentos de armas de um determinado país. Os Estados parte do Tratado têm ainda de apresentar anualmente dados sobre as transferências autorizadas e medidas tomadas a nível nacional para operacionalizar o ATT, contribuindo, deste modo, para melhorar a transparência do comércio internacional de armas. Aqui penso que o Tratado poderá ainda ir mais longe em medidas preventivas, mas também sancionatórias em relação ao género. No entanto, existem outras disposições legais das Nações Unidas que podem ser complementares nesta questão, ou seja, o conceito de género foi reflectido não só no ATT, como em outros acordos sobre o desarmamento e o controle de armamentos que também contribuiu para o reconhecimento do papel das mulheres e crianças, falo da resolução do Conselho de Segurança sobre armas de pequeno porte 2117 (2013) que reconhece, pela primeira vez, a relação entre armas pequenas, igualdade de género e direitos humanos.

9 Além disso, a posse, utilização e comércio de armas pode afectar homens e mulheres de forma diferente. "As mulheres raramente fazem, vendem, compram ou usam armas, no entanto, eles são desproporcionalmente afectados pelo comércio de armas e, em particular, pela proliferação e mau uso de armas pequenas e armamento leve. Enquanto os homens são mais mortos por armas de pequeno porte, as mulheres sofrem formas mais invisíveis. É verdade que há altas taxas de morte por armas de fogo em homens, mas estes são os mais visíveis. O que é mais difícil de medir em estatística é quando as armas não são usadas para matar, mas para exercer o poder; quando as armas são usadas portas fechadas para subjugar os membros da família; quando as armas de fogo são usadas para ameaçar as adolescentes à violência sexual, forçando famílias inteiras a fugir. (Rebecca Gerome, ATT Monitor de 5.8, 2012, p. 3). Vamos todos lutar para que isso não aconteça. Muita coisa pode ser evitada.. Graça Sanches, Praia, 19 de Julho 2016