O ATO INFRACIONAL À LUZ DA PRESCRIÇÃO PENAL

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Transcrição:

1 O ATO INFRACIONAL À LUZ DA PRESCRIÇÃO PENAL Bruno Alexander de Paula CANHETTI 1 Vera Lúcia Toledo Pereira de Góis CAMPOS 2 RESUMO: Tema polêmico ainda nos dias atuais é a possibilidade de aplicação da prescrição nos atos infracionais. Bons argumentos justificam as duas correntes que captam cada vez mais adeptos, tanto na doutrina, como na jurisprudência. Antes de aprofundarmos nosso estudo em tal assunto, necessário se faz explicar qual conceito é empregado para definir a prescrição penal do ato infracional. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente surge o termo ato infracional e, também, discussões sobre a natureza jurídica deste último. Após profunda análise do que foi aqui proposto, obteremos as condições para a elaboração de uma nova posição ou filiação a umas das correntes. Como se vê, nossa atenção estará voltada para a prescrição penal, para o ato infracional e para a respectiva aplicação do instituto da prescrição no ato infracional. Palavras Chaves: Prescrição penal. Ato infracional. Crime. Contravenção. Medidas sócio-educativas. 1 DA PRESCRIÇÃO PENAL 1.1 Conceito e Natureza Jurídica Na linguagem comum, a palavra prescrição significa ordem formal, preceito, formulário. Restringindo-a para o sentido jurídico, que é o que nos interessa, temos o conceito de prescrição como a cessação do exercício de certo direito, após o prazo legal. 1 Aluno do curso de Direito das Faculdades integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. E- mail: Bruno_alexander_@hotmail.com 2 Mestra em Direito Constitucional, Supervisora de Monografias nas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. E-mail: veracampos@unitoledo.br

2 Já a palavra penal, que significa aquilo que é relativo a penas ou que comina penas judiciais, compreende somente um adjetivo no qual qualifica o termo prescrição, restringindo seu sentido para o Direito Penal. Embora tenhamos conceituado isoladamente cada vocábulo, necessário se faz um conceito mais abrangente de toda a expressão. Damásio Evangelista de Jesus (1993, p. 629) assim nos ensina: Preferimos dizer que a prescrição penal é a perda da pretensão punitiva e executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício. Outro conceito que atinge o mesmo sentido é o de Magalhães Noronha (1978, p.412), que dispõe: O jus puniendi do Estado extingue-se também pela prescrição. Esta é a perda do direito de punir pelo decurso do tempo; ou, noutras palavras, o estado, por sua inércia ou inatividade, perde o direito de punir. Não tendo exercido a pretensão punitiva no prazo fixado em lei, desaparece o jus puniendi. Galdino Siqueira (apud NÁUFEL, p.264) explica a prescrição da seguinte forma: A prescrição penal é a renúncia legislativa e preventiva, por parte do Estado, do poder repressivo, condicionada ao decurso continuado de certo período de tempo. Demasiadamente explicado, concluímos ser a prescrição penal a perda do direito de punir do Estado, caracterizado por sua inércia, haja vista que não o exercitou durante o lapso temporal legalmente fixado. Na prescrição, o fator tempo é elemento fundamental. O decurso efetivo do tempo é que produz a prescrição, sendo, portanto, impossível a sua ocorrência sem o mencionado transcurso temporal. A somatória dos fatores inércia do Estado e tempo, é que culmina no instituto em estudo. Vencida a exposição do conceito, nasce a necessidade de se verificar sua natureza jurídica. Três são as correntes que buscam determinar a natureza jurídica da prescrição penal.

3 A primeira delas classifica a prescrição penal como um instituto do Direito Processual, por considerar que a passagem de tempo faz com que as provas se diluam, podendo acarretar sentenças injustas. A prescrição, portanto, cria embaraços para o processo impedindo ou suspendendo seu prosseguimento. Surge como segunda corrente a chamada corrente mista, que prevê que a prescrição possui natureza mista, ou seja, pertence ao Direito Penal e ao Direito Processual ao mesmo tempo. A justificativa encontra-se no seguinte ponto: para o Direito Penal, com o transcurso do tempo, o Estado perde os motivos que ensejam a aplicação do Direito Penal Objetivo, desaparecendo a exigência de punição, enquanto que, para o Direito Processual, conforme já explicado, o tempo consome as provas, dificultando a realização de uma sentença justa. Embora existam as duas posições anteriores é a terceira corrente majoritária para a maioria da doutrina. Ela considera a prescrição penal um instituto do Direito Penal Material, exclusivamente. Os argumentos de sua fundamentação explicam que a prescrição penal é causa extintiva de punibilidade prevista no Código Penal e o impedimento da persecução penal que ela produz seria apenas efeito de natureza processual, ou seja, uma conseqüência lógica da ausência do jus puniendi. Exemplificam tal tese a anistia e a renúncia do direito de queixa que também obedecem a essa mesma lógica. 1.2 Espécies No ordenamento jurídico prático, existem duas espécies de prescrição penal: a primeira é a prescrição da pretensão punitiva e, a segunda, é a prescrição da pretensão executória. A diferença encontra-se no instante em que são vislumbradas. A prescrição da pretensão punitiva verifica-se antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Já, a prescrição da pretensão executória, só ocorre posteriormente ao trânsito em julgado da decisão.

4 Quatro são as subespécies de prescrição da pretensão punitiva: prescrição em abstrato, prescrição superveniente ou intercorrente, prescrição retroativa e prescrição virtual. A prescrição em abstrato é aquela que corre com base no máximo da pena referente ao crime praticado pelo agente. Já a prescrição superveniente ou intercorrente, é definida pelo máximo da pena de condenação do agente, no primeiro julgamento, sem recurso da acusação ou no caso deste ser improvido. O momento da ocorrência desse último se dá entre a sentença de primeiro grau e o julgamento do recurso. A prescrição retroativa considera o máximo da pena da sentença de primeiro grau, sem recurso de apelação, ou recurso improvido, correndo esse prazo entre a data do crime e do recebimento da denúncia, ou entre a data desse último e a sentença de primeiro grau. Por último, prescrição virtual é aquela em que se considera a pena concreta que seria imposta no instante da condenação. Pode ser reconhecida tanto antes do oferecimento da denúncia ou queixa, quanto no curso do processo antes da sentença. Apreciando-se os dados de atribuição de pena com as peculiaridades do caso, obtém-se o possível valor da sanção penal numa provável condenação. Tendo por base essa possível pena concreta já se verifica, com certeza, a ocorrência, ou não, da prescrição retroativa ao fim da demanda, sendo, na hipótese positiva, caso de prescrição virtual. A prescrição da pretensão punitiva sempre ocorrerá por uma de suas subespécies, diferentemente da prescrição da pretensão executória, que só se regula pela pena em concreto, relacionando-se com a tabela do artigo 109 do Código Penal.

5 2 DO ATO INFRACIONAL 2.1 Conceito e Conseqüências Ato infracional é mais uma expressão que deve ser desmembrada para ser compreendida. Ato significa aquilo que se faz, declaração, ação. Já a palavra infracional é um adjetivo que qualifica o ato. Provém do termo infração que é ato ou efeito de infringir, violação, transgressão. Consequentemente a palavra infracional caracteriza algo que infringe, viola ou transgride. Buscando o real significado da expressão, em seu sentido jurídico, percebe-se que a própria lei se encarregou de defini-la. O artigo 103, da Lei 8.069 de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, assim dispõe: Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Portanto, ato infracional é a ação, praticada por crianças e adolescentes (menores de dezoito anos), que está disposta como crime ou contravenção penal. Para o Direito Penal, crime é toda conduta, positiva ou negativa, que está sancionada com uma pena. É toda conduta humana que expõe a perigo ou lesa um bem jurídico protegido por legislação penal. Na visão de Luiz Régis Prado (2002, p.207): Assim concebido, o delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável. Fato típico é aquele previsto em lei; é um fato real que a lei proíbe. Antijurídico é o fato que é contrário a todo ordenamento jurídico. E, finalmente, culpável, é a reprovabilidade pessoal ou omissão típica e antijurídica. Essa última analisa o agente e suas condições, e não o fato. A contravenção penal, conforme artigo primeiro da Lei de Introdução ao Código Penal, é definida como a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa.

6 É o chamado crime anão por ser considerado um ato ilícito de menor importância se comparado com o crime. A principal diferença entre eles encontra-se na aplicação da pena. Definindo ato infracional, nossa legislação obedeceu ao rigor do Princípio da Legalidade e da Anterioridade da Lei Penal. Para o primeiro princípio, não há crime sem lei que o defina, não há pena sem previsão legal. Já, o segundo, traz que, não há crime sem lei anterior que o defina e também não há pena sem anterior previsão legal. Ambos estão dispostos no artigo primeiro do Código Penal. A segurança jurídica foi salva e a Lei 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), obedeceu à integração do ordenamento. Embora com nomenclatura diversa, o ato infracional acabou limitado a ações que definem crimes e contravenções penais, com a peculiaridade do sujeito ativo ser o menor de dezoito anos. Visto o que é ato infracional, concluiremos o tópico com a abordagem da conseqüência de sua realização. Sendo o ato infracional praticado, identificado e apurado, respeitadas todas as garantias legais, acarretará para o menor o cumprimento de medidas sócio-educativas ou medidas de proteção. Referindo-se às finalidades dessas medidas, Wilson Donizeti Liberati (2003, p.100) proclama que: Em outra oportunidade, lembramos que as medidas sócio-educativas são aquelas atividades impostas aos adolescentes, quando considerados autores de ato infracional. Destinam-se elas, à formação do tratamento integral empreendido a fim de reestruturar o adolescente para atingir a normalidade de sua integração social. Persiste nas medidas sócio-educativas, a natureza punitiva, mas executadas com métodos pedagógicos. O seu real fim é a integração do adolescente na família e na comunidade, conduzindo-o a uma efetiva integração social. Na hipótese do autor de ato infracional ser criança, com idade de até doze anos incompletos, aplicam-se as medidas previstas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, quais sejam:

7 Art. 101... I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em entidade; VIII - colocação em família substituta.... No entanto, se aquele que pratica o ato infracional for adolescente, com idade entre 12 e 18 anos incompletos, as medidas previstas serão as do artigo 112 do mesmo Estatuto:... I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. Atingidos esses fins, estará cumprida a missão do Estado em recuperar o menor infrator. Sua meta, então, passará do termo recuperação para o termo manutenção ; ou seja, manutenção dos valores morais e oportunidades ao menor, que, em uma visão global, não é só filho de seus pais biológicos ou adotivos, mas também do ente soberano e supremo chamado Brasil. 3 PRESCRIÇÃO DO ATO INFRACIONAL Questão polêmica na doutrina e na jurisprudência, somada com a ausência de legislação, é a hipótese da aplicação do instituto da prescrição penal nos atos infracionais. Posições antagônicas e divergentes são defendidas e buscar-se-á aqui estudá-las e compreendê-las.

8 3.1 Dos que Defendem a Aplicação da Prescrição aos Atos Infracionais Afirmam juristas e doutrinadores, que apóiam essa vertente, ser extremamente justa a aplicação da prescrição nos atos infracionais. Dentre seus vários argumentos mencionaremos os principais. Inicialmente, é de notório conhecimento o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei. Se a lei nada diz a respeito da imprescritibilidade do ato infracional, significa ser medida de rigor a aplicação do instituto em favor do menor infrator. O segundo argumento recai sobre a injustiça de existir situação mais favorável aos imputáveis. Como pode haver prescrição para a pena (hipótese de maior gravidade) e não existir para as medidas sócio-educativas (menos graves)? Isso demonstra claro desrespeito ao princípio da proporcionalidade. O Estado possui limites para apurar determinados fatos com o instituto da prescrição, e só ele diz taxativamente os casos de imprescritibilidade. Se nada menciona sobre a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas é porque ela não existe. Reforça tal posição o fato de que não se pode tratar desigualmente as pessoas infratoras (artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal). Se dois agentes, um menor e outro maior de idade, cometem em co-autoria um crime, só haveria prescrição para o maior. Isto seria justo? Seria correto tratar, então, desigualmente os mesmos infratores, pelo mesmo delito, havendo claro favorecimento do maior comparado com o menor de idade? A medida sócio-educativa, que é educacional, não pode ser mais relevante ou prevalecer sobre o princípio da igualdade. Um princípio constitucional não pode ser desconsiderado no confronto com normas inferiores de caráter contrário. Invoca-se como sexto argumento o fato do legislador ter estabelecido tempo improrrogável para julgamento do processo do adolescente internado

9 provisoriamente, já que isso sinaliza para a possibilidade da prescrição (artigo 183 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Por último deve-se sopesar que, se o ato infracional baseia-se em crime ou contravenção, não vence o argumento da imprescritibilidade pelo fato da falta de previsão para que o adolescente cumpra pena. Nesse sentido comprova a jurisprudência: Processo especial. Ação delituosa praticada por menor de 18 (dezoito) anos - Decorrência de mais de 2 anos entre a data do conhecimento judicial do fato à da decisão - Pena inferior a 1 (um) ano - Extinção da punibilidade pela prescrição - Aplicação do art. 226, do Estatuto da Criança e do Adolescente - Decretação de ofício. (Ap. Crim. nº 30.422, de Tubarão-SC, Rel. Des. Márcio Batista) Embora muitos considerem tão sólida essa posição, ela não é majoritária. No entanto, sendo o Direito algo mutável, ela ganha ainda relevância. 3.2 Dos que Defendem a Inexistência da Prescrição nos Atos Infracionais Contrariamente à posição anterior, surge a corrente que impossibilita a prescrição nos atos infracionais. Majoritária, essa corrente é a vencedora em grande parte de nosso país. Sua primeira justificativa diz que as leis brasileiras nunca admitiram aplicar pena ao menor, mas somente medidas de proteção e reeducação. Sendo assim, impossível se torna aplicar, por analogia, as normas do Código Penal e considerar possível a ocorrência de prescrição para as medidas sócio-educativas. O instituto da prescrição é previsto no Código Penal e somente o Código de Processo Penal, conforme artigo 152 do Estatuto da Criança e do adolescente, pode ser utilizado subsidiariamente nas situações reguladas por esse último. O Código Penal, no seu artigo doze, só afirma sua aplicação analógica para fatos incriminados por lei especial e o Estatuto da Criança e do Adolescente não tem cunho penal.

10 Outro argumento é que as medidas sócio-educativas não são iguais às penas, pois foram adotadas como retribuição ao cometimento de atos infracionais e não de crimes. A natureza jurídica entre pena e medida sócio-educativa é distinta, vindo a primeira principalmente para punir e, a segunda, para reeducar. A terceira justificativa explica que a prescrição existe para a pena, que tem por finalidade punir. As medidas sócio-educativas possuem como fim principal reeducar, caindo a punição para segundo plano. Dessa forma, não se legitima a aplicação da prescrição nessa última. Por último, dizer que a medida sócio-educativa é pena significa negar todo o espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente que tem por princípio a proteção e reeducação do menor. Assim ensina a 72ª Câmara Cível do TJRS, ao apreciar a Ap. Cív. n.º 594032781, em 28.09.94: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA NORMA PENAL Não se pode, aplicando por analogia o Código Penal, decretar a extinção da punibilidade por prescrição, cujo prazo seria reduzido da metade ao menor infrator. As legislações brasileiras nunca admitiram pena ao menor e, sim, medida de proteção. Assim, não se pode falar de punibilidade que não há. Voto vencido. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS No discorrer deste nosso trabalho buscamos trazer a todos, de forma compreensível, a real polêmica que envolve o tema da prescrição nos atos infracionais. Assim, apresentamos os conceitos técnicos envolvidos, além de condensar os principais argumentos de cada corrente. Tendo o leitor captado isso, torna-se pessoal a adoção de uma ou outra posição. Nosso objetivo aqui foi trazer condições para que, não só os juristas e conhecedores do Direito, mas também os leigos, possam, de maneira convicta e fundamentada, formular sua própria opinião sobre o tema.

11 Esperamos que a própria lei logo possa resolver essa questão, respeitando seus princípios e tendo por finalidade a real reeducação do menor. Em uma realidade em que os valores morais ainda variam em grande amplitude, uma solução rápida e eficaz poderia acalmar os ânimos dos mais exaltados e, a longo prazo, beneficiar todos os nossos jovens que são o futuro da nação. BIBLIOGRAFIA GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 4ªed. São Paulo: Max Limonad. JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: parte geral. 17ªed. São Paulo: Saraiva, 1993. LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida sócioeducativa é pena? 1ªed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002 LOZANO JUNIOR, José Júlio. Prescrição penal. São Paulo: Saraiva, 2002. MACHADO FILHO, Aires da Mata. Novíssimo Dicionário Ilustrado Urupês. São Paulo: Editora Age, 1977. NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: José Konino- Editor, 1956. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: São Paulo: Saraiva, 1977-78. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 3ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.