Etiologia da doença atópica em crianças brasileiras - Estudo multicêntrico

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0021-7557/95/71-01/31 Jornal de Pediatria Copyright 1995 by Sociedade Brasileira de Pediatria 31 ARTIGO ORIGINAL Etiologia da doença atópica em crianças brasileiras - Estudo multicêntrico Atopic diseases in Brazilian children - Etiologic multicentric study Maria C. F. V. Rizzo 1, Dirceu Solé 1, Ângelo Rizzo 2, Marcia A. Holanda 3 João Bosco M. Rios 4, Neusa F. Wandalsen 1, Nelson A. Rosário 5, Luiz A. Bernd 6, Charles K. Naspitz 1 Resumo Com o intuito de diagnosticar os principais agentes etiológicos das doenças atópicas em crianças brasileiras (3 a 16 anos), realizamos o presente estudo multicêntrico em oito diferentes regiões do Brasil (n=306), testando-se por meio do prick test, uma bateria padronizada de antígenos inalantes e alimentos (IFIDESA ARISTEGUI). Foram considerados positivos os diâmetros médios de pápulas 3 mm. 22,2% dos pacientes tiveram teste negativo e a maioria restante foi positiva aos inalantes: D. pteronyssinus(dpt) (66,6%) e D. farinae (Df) (66,0%), extrato de pó domiciliar (29,0%), epitélio de cão (19,2%), epitélio de gato (8,8%), penas (5,5%), fungos (4,2%), Penicillium sp (2,2%) e Lollium perene (0,6%). Com relação aos alimentos, observamos ocorrência de 9,1% de testes positivos, sendo a distribuição em ordem decrescente: leite de vaca (5,2%), amendoim (3,5%), milho (3,2), cacau e soja (2,2%), ovos e trigo (1,9%). Esses dados demonstram que os ácaros domésticos constituem-se nos principais agentes etiológicos da doença atópica em nosso meio, sendo necessária a determinação da população acarina em cada região do país e a aplicação de testes cutâneos com extratos específicos para cada realidade. J. pediatr. (Rio J.). 1995; 71(1):31-35: alergia, atopia, testes cutâneos, alérgenos inalantes, alimentos. Abstract In order to determine the etiologic agents involved in atopic diseases in Brazilian children, we have performed this multicentric study in 8 areas in Brazil. We have done prick tests with inhalants and food antigens and analyzed skin tests results, considering positive the wheal mean diameter 3 mm. 22,2% of skin tests were negative and the majority were positive to inhalants: D.pteronyssinus(Dpt) (66,6%) and D. farinae(df) (66,0%), house dust extract (29,0%), dog s epithelium (19,2%), cat s epithelium (8,8%), feather (5,5%), molds (4,2%), Penicillium sp (2,2%) and Lollium perene (0,6%). We have had 9,1% of food positive tests: cow milk (5,2%), peanut (3,5%), corn (3,2%), cocoa and soya (2,2%), eggs and wheat (1,9%). We have concluded that the domestic mites are the most important agents involved in the etiology of atopic diseases in Brazilian children, and the extracts involved, in line with the sensitization of each geographical area. J. pediatr. (Rio J.). 1995; 71(1):31-35: allergy, atopy, skin tests, inhalant allergens; food. Introdução O termo alergia foi originalmente introduzido para descrever o fato de que animais e humanos podem desenvolver respostas alteradas a substâncias estranhas após exposições repetidas. 1 A alergia apresenta etiologia multifatorial, onde a interação entre fatores genéticos e não genéticos determina a expressão da doença. 2 Muitos estudos têm avaliado o risco de uma criança tornar-se alérgica, baseados na história familiar de alergia. 1- São Paulo, 2 - Recife, 3 - Fortaleza, 4 - Rio de Janeiro, 5 - Curitiba, 6 - Porto Alegre. Trabalho coordenado pela Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia - Departamento de Pediatria - Escola Paulista de Medicina. Estima-se que o risco de alergia na população geral, seja próximo de 20%, aumentando para 50% se um dos pais for alérgico, ou para 66% se ambos o forem. 3,4,5 A importância relativa de um alérgeno individual é usualmente definida pela porcentagem de pacientes alérgicos que apresentem níveis séricos de IgEs específicas a esta proteína: quando mais de 60% dos pacientes apresentam IgE específica para determinado alérgeno, ele é considerado um alérgeno principal. 6 Cada indivíduo atópico apresenta um marcador alérgico, manifestado por hiperreatividade somente a certos antígenos e determinado primariamente por fatores genéticos e exposição ambiental. 7,8 A resposta não se limita à síntese de IgE, incluindo IgG e IgA específicas, assim como respostas 31

32 mediadas por células. ARSHAD e cols, 1992, mostraram que crianças com risco elevado para doença atópica (predisposição genética), submetidas à redução na exposição a alérgenos alimentares e inalantes (ácaros da poeira domiciliar), diminuem a freqüência de manifestações alérgicas na infância. É possível que o controle dos alérgenos simplesmente retarde o aparecimento de manifestaçoes alérgicas. 9 Ácaros da poeira doméstica do gênero Dermatophagoide constituem-se na mais importante fonte de alérgenos da poeira e uma causa comum de sintomas em doenças mediadas por IgE. 10 A identificação de ácaros em amostras de poeira de residências em vários países tem demonstrado a ocorrência de 3 espécies principais: Dermatophagoides pteronyssinus (Dpt), Dermatophagoides farinae (Df) e Dermatophagoides microcera (Dm). 11,12 O Dpt é um dos ácaros predominantes em nosso meio 13,14, assim como em muitas partes do mundo. O mais importante alérgeno deste ácaro é uma proteína com peso molecular de 24000 daltons, Derp I, derivada predominantemente de seu trato gastro-intestinal. 15,16 Esta proteína foi clonada e identificada como uma cisteína proteinase. 17 A Derp I pode ser determinada na poeira doméstica fornecendo um índice de concentração de antígenos de ácaros, por meio dos quais têm sido realizados estudos que determinaram concentrações ambientais de risco para o desenvolvimento de asma. 18,19 A presença de ácaros da poeira na maioria das residências significa que a primeira exposição a estes alérgenos ocorre precocemente na vida. A exposição alergênica precoce pode ser especialmente importante, já que produzirá uma marca no paciente para subseqüente produção de IgE. 20 Resultados de muitas pesquisas têm demonstrado que os alérgenos derivados dos ácaros são os mais importantes, mas não os únicos componentes da poeira domiciliar. 21,22,23,24 A presença de IgE específica a alérgenos inalantes produzidos pelo gato (Felis domesticus) tem sido demonstrada em 20 a 30% dos pacientes asmáticos nos Estados Unidos, sendo que em nosso meio há trabalhos mostrando uma menor sensibilização. 13,14 O alérgeno principal do Felis domesticus, Feld I, foi originalmente purificado de pelo de gatos, e sabe-se atualmente que sua principal fonte concentra-se na saliva do animal. 25,26,27,28 O aparecimento de rinite alérgica, conjuntivite e asma por exposição a esporos de fungos tem sido claramente documentado, enquanto que a associação com urticária e dermatite atópica permanecem no campo especulativo. 29 Existe muita controvérsia a respeito da importância e incidência da alergia alimentar no desenvolvimento de dermatite atópica e asma brônquica. A principal causa desta controvérsia é a dificuldade no diagnóstico da alergia alimentar. A história clínica pode ser a ferramenta mais importante, entretanto, ela nem sempre nos mostra um alimento específico. O teste cutâneo e a dosagem sérica de IgE específica constituem-se nos testes de rastreamento mais utilizados, apresentando confiabilidade variável. 30 Etiologia da doença atópica em crianças... - Rizzo, MCFV et alli. No presente estudo, tentamos estabelecer a porcentagem de sensibilização a alérgenos inalantes e alimentares em indivíduos portadores de asma e ou rinite, procedentes de várias regiões e serviços de alergia do Brasil. Casuística e Métodos Trezentas e seis crianças (180 meninos e 126 meninas) com idades entre 3 e 16 anos, acompanhadas em 8 Serviços de Alergia de diferentes regiões do Brasil, participaram do presente estudo. Esses pacientes tinham história clínica de asma brônquica, rinite e outras manifestações atópicas (dermatite atópica, conjuntivite alérgica). Os serviços que participaram do estudo foram das regiões Nordeste (MA,AR); Sudeste (JHMR, MCVR, NFW,CKN,DS) e Sul (LAB, NRAFº). 60% dos pacientes eram procedentes da região Sudeste, 20% da Nordeste e 20% da Sul. Todos os pacientes foram submetidos a testes de hipersensibilidade imediata utilizando-se a técnica de puntura na face volar dos antebraços. A inclusão dos pacientes no estudo obedeceu à faixa etária previamente estipulada e à demanda natural de cada serviço quanto à marcação dos testes. Nenhum paciente havia recebido anti-histamínicos (clássicos e não clássicos) há pelo menos 30 dias. A reação foi avaliada medindo-se o maior diâmetro da pápula de induração formada e o seu perpendicular. Os resultados foram expressos pela média desses diâmetros, sendo considerados positivos os superiores a 3 mm. Para a realização dos testes foi utilizada uma bateria padronizada (IFIDESA- ARISTEGUI), composta pelos seguintes extratos alergênicos: Dermatophagoides pteronyssinus (11,290 mg/ml), Dermatophagoides farinae (4,325 mg/ml), escamas dérmicas de cão (9,8 mg/ml), escamas dérmicas de gato (9,45 mg/ ml), penas (1 mg/ml), mistura de fungos (10 mg/ml), Penicillium sp (10 mg/ml), Lollium perene (1,415 mg/ml), leite de vaca (20 mg/ml), trigo (3,5 mg/ml), soja (3,55 mg/ml), cacau (20 mg/ml), ovo (10 mg/ml), amendoim (20 mg/ml), milho (3,55 mg/ml), excipiente e solução de histamina (10 mg/ml). Para análise das variáveis foram utilizados os seguintes testes estatísticos: Kruskall-Wallis e Friedmann, fixando-se o alfa em 5%. Resultados A asma brônquica foi relatada por 15% das crianças avaliadas, rinite por 32%, a associação de ambas por 45%, esta significantemente superior à de asma brônquica isolada (p < 0,05). 4% dos pacientes restantes apresentavam quadro de dermatite atópica e 4%, de conjuntivite alérgica (Tabela 1). Não observamos diferenças quanto ao sexo e idade, com distribuição semelhante em todas as regiões estudadas (Tabela 2). Todos os pacientes apresentaram reação positiva à histamina e negativa ao excipiente da solução. Na Tabela 3 estão listados o número de testes cutâneos positivos para todas as crianças avaliadas para cada antíge-

Etiologia da doença atópica em crianças... - Rizzo, MCFV et alli. 33 Tabela 1 - Prevalência de doença atópica nas regiões estudadas Sudeste Nordeste Sul Total (%) Asma/Rinite 83 21 36 140 (45%) Rinite 61 24 14 99 (32%) Asma 31 13 2 46 (15%) Derm. atóp. 4 0 7 11 (4%) Conj. alérg. 5 1 4 10 (4%) no, assim como a percentagem de positividade de cada antígeno por região estudada. 68 crianças (22%) tiveram testes negativos para todos os alérgenos utilizados. Nas 3 regiões estudadas, houve maior freqüência de positividade para os alérgenos inalantes sobre os alimentos: os ácaros D. pteronyssinus e farinae apresentaram as maiores freqüências (66,6% e 66,0%, respectivamente). Observamos testes positivos para alimentos em 28 pacientes (9,1%). 14 pacientes da região Nordeste (23,7%), 12 da Sudeste (6,5%) e 2 da Sul (3,1%) apresentaram pelo menos 1 dos testes positivos para alimentos. A positividade ao leite de vaca ocorreu em 5,2%, seguido pelo amendoim, milho, cacau, soja, ovo e trigo (Tabela 4). Na região Nordeste obtivemos maior positividade, de modo significante, para testes com alimentos em relação às regiões Sudeste e Sul (p<0,05). Tabela 2 - Características dos pacientes segundo idade e sexo, nas 3 regiões estudadas. Sudeste Nordeste Sul n (%) 184 (60%) 59 (20%) 63 (20%) Idade (média ± 8,1 ± 2,7 9,4 ± 2,8 10,0 ± 2,6 desvio padrão) Sexo 105M (57%) 33M (56%) 42M (66%) 79F (43%) 21F (34%) 21F (34%) A freqüência de positividade para os ácaros da poeira domiciliar foi semelhante nas três regiões analisadas. Observamos predomínio da reatividade cutânea ao Lollium perene na região Sul, sem diferenças estatisticamente significantes. Discussão O mais rápido e fácil instrumento para o diagnóstico de sensibilização a aeroalérgenos ainda é o teste cutâneo. Os testes epicutâneos têm relevância clínica, pois correlacionam-se com testes in vitro para a detecção de IgEs específicas no estudo das doenças atópicas. 31 A síntese de IgE é favorecida pela imunização natural através de inalação, desde que os antígenos estejam diretamente em contacto com células produtoras de IgE localizadas no trato respiratório superior. No ambulatório de alergia pediátrica da Escola Paulista de Medicina (SP), cerca de 80% dos pacientes que procuram o serviço de alergia pediátrica apresentam testes cutâneos de hipersensibilidade imediata positivos para extratos de ácaros da poeira doméstica (espécies de Dpt). Optamos pelo estudo multicêntrico de sensibilização a alérgenos em regiões brasileiras, levando-se em conta as diferenças climáticas e de hábitos alimentares existentes na grande extensão do território brasileiro. Todos os pacientes apresentavam alguma queixa de manifestação atópica e observamos elevado índice de positividade nos testes cutâneos. A prevalência de positividade de aeroalérgenos sobre os alimentos é concordante com a literatura. 32 Dentre esses observamos o predomínio de testes cutâneos positivos a Dpt e Df. Entretanto, estudos realizados em nosso meio indentificaram apenas Dpt e a Blomia tropicalis como os ácaros prevalentes nas residências estudadas. 13,14 Mesmo sendo o Dpt a espécie mais prevalente em nosso meio, existe forte identidade antigênica entre as espécies. 33,34,35 É de interesse clínico notar-se que muitas Tabela 3 - Prevalência de positividade dos testes cutâneos (pápula > 3mm), nas 3 regiões estudadas Sudeste % Nordeste % Sul % Total % Dpt 117 63,5% 42 71,1% 45 71,4% 204 66,6% Df 108 58,6% 44 74,5% 50 79,3% 202 66,0% Pó Dom. 58 31,5% 17 28,8% 14 22,2% 89 29,0% Cão 43 23,3% 14 23,7% 2 3,1% 59 19,2% Gato 16 8,6% 9 15,2% 2 3,1% 27 8,8% Penas 7 3,8% 9 15,2% 1 1,5% 17 5,5% Fungos 6 3,2% 6 10,1% 1 1,5% 13 4,2% Penicillium 4 2,1% 3 5,0% 0 0 7 2,2% L. perene 0 0 0 0 2 3,1% 2 0,6% Alimentos 12 6,5% 14 23,7% 2 3,1% 28 9,1%

34 Etiologia da doença atópica em crianças... - Rizzo, MCFV et alli. Tabela 4 - Reatividade cutânea a alérgenos alimentares (pápula > 3mm), nas 3 regiões estudadas Sudeste % Nordeste % Sul % Total % Leite de vaca 8 4,3% 7 11,8% 1 1,5% 16 5,2% Amendoim 4 2,1% 5 8,4% 2 3,0% 11 3,5% Milho 2 1,0% 6 10,1% 2 3,0% 10 3,2% Cacau 2 1,0% 5 8,4% 0 0 7 2,2% Soja 1 0,5% 6 10,1% 0 0 7 2,2% Ovo 1 0,5% 5 8,4% 0 0 6 2,2% Trigo 1 0,5% 4 6,7% 1 1,5% 6 2,2% pessoas alérgicas, aparentemente tornam-se sensíveis a alérgenos comuns de Dpt, Df ou Dm, pela exposição apenas ao Dpt. 36,37 Por atingir dimensões quase continentais, o Brasil apresenta regiões com características climáticas e de vegetação muito diversas. Clima temperado com estações mais definidas ocorre na região Sul, onde tem se documentado raros casos de polinose. 38 Em nosso estudo observamos pequeno número de testes cutâneos positivos ao L. perene na região Sul, o que não se verificou nas outras regiões. Com relação aos alérgenos alimentares, o leite de vaca constitui o principal agente etiológico das manifestações alérgicas, sobretudo em lactentes. A sua participação como desencadeante de dermatite atópica e asma é controversa. Os extratos alergênicos alimentares disponíveis, em sua maioria, não são padronizados e sua estabilidade é mal definida. 39 A alergia alimentar como causa de quadro alérgico respiratório deve ser suspeitada quando: 1) a asma inicia-se em fases precoces da vida, especialmente se o paciente apresenta doença atópica 40 ; 2) a IgE sérica total é superior a 1000 UI/l pelo PRIST 40 ; 3) em pacientes asmáticos que apresentaram sintomas anafiláticos ou urticariformes devido à ingestão de alimentos. O critério clínico para diagnóstico de alergia ao leite de vaca, através de exclusão alimentar e posterior reintrodução, constitui-se no método diagnóstico de escolha. Neste estudo, observamos 5,2% de crianças com testes positivos para leite de vaca, com 11,8% de positividade proveniente da região Nordeste do país. Quanto à maior sensibilização observada na região Nordeste em relação aos antígenos alimentares testados, podemos supor que ocorra diferenças regionais quanto à época de introdução de alimentos, ou mesmo no tipo de dieta adotada nos primeiros anos de vida. O predomínio de positividade de testes cutâneos aos ácaros da poeira domiciliar sobre os demais antígenos nos alerta para a importância das orientações preventivas para a doença atópica, especialmente em indivíduos geneticamente susceptíveis. Existe a necessidade de investigação mais aprofundada para o estabelecimento da população acarina prevalente em cada região. Em São Paulo, devido a condições climáticas peculiares, na poeira domiciliar predominam o Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis, assim com outros ácaros anteriormente classificados como de estocagem. Com o conhecimento das realidades regionais podemos estabelecer metas de prevenção setoriais de controle ambiental, assim como a utilização de terapêuticas específicas, reduzindo a sensibilização e o desenvolvimento de quadros alérgicos. Referências bibliográficas 1. Platts-Mills TAE. The Biological role of Allergy. In: Lessof MH, Lee TH, Kemeney DM. Allergy: An International Textbook, Chapter 1, John Wiley & Sons Ltd., 1987: p. 1-35. 2. Marsch DG, Meyers DA, Bias WB. The Epidemiology and Genetics of Atopic Allergy. New Engl J Med 1981; 305: 1551-9. 3. Luoma R, Koivikko A, Viander M. Development of Asthma, Allergic Rhinitis, and Atopic Dermatitis by the age of five years. Allergy 1983; 38:339-46. 4. Ratner B, Silberman DE. Allergy: its distribution and hereditary concept. Ann Allergy 1952; 9:1-20. 5. Wittig HJ, McLaughlin ET, Leifer KL, Belloit JD. Risk factors for the development of allergic diseases: analysis of 2190 patient records. Ann Allergy 1978; 41:84-8. 6. Platts-Mills TAE, Chapman MD, Pollart SM et al. Establishing Health Standards for Indoor Foreign Proteins Related to Asthma: Dust, Mite, Cat and Cockroach. Toxicol Indust Health 1990; 6:197-207. 7. Marsh DG. Allergens and the Genetics of Allergy - In: Sila M, ed. The antigens. vol 3. New York, Academic Press, 1975:271-359. 8. Santilli JJr., Potsus RL, Goodfriend L, Marsh DG. Skin reactivity to purified pollen allergens in highly ragweed-sensitive individuals. J Allergy Clin Immunol 1980; 65:406-12. 9. Saarinen UM, Kajosaari M. Does dietary elimination in infancy prevent or only potpone a food allergy? A study of fish and citrus allergy in 375 children. Lancet 1980; 1:166-7. 10. Heymann PW, Chapman MD. Recent progress in mite allergen immunochemistry. Clin Rev Allergy 1990; 8:51-68.

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