ISSN 1984-8218 Modelo de determinação da meia vida para troca dos isótopos estáveis, contendo dois pools metabólicos Maria Márcia P. Sartori, Juliana C. Denadai, Carlos Ducatti Departamento de Física e Biofísica, Centro de Isótopos Estáveis, IBB, UNESP. 186-, Botucatu, SP. Email Resumo: Técnicas de linearização de dados isotópicos para obtenção de pools metabólicos têm sido usadas. No entanto a modelagem da teoria ainda não se encontra bem definida. O objetivo deste trabalho é mostrar um modelo de determinação da meia vida geral para isótopos estáveis, este modelo pode auxiliar não só na determinação deste parâmetro como também para verificar outros parâmetros obtidos pela técnica de linearização. Pode-se testar o modelo em vários dados do projeto temático do Laboratório de isótopos estáveis IBB/UNESP/Botucatu. Como exemplo é apresentado resultados obtidos para o músculo peitoral de frangos de corte, os quais confirmam a possibilidade de utilização deste modelo para determinar a meia vida geral. Turnover Isotópico, meia-vida e modelo de determinação Cada tecido ou fração bioquímica pode apresentar memória isotópica própria em função do conteúdo isotópico da alimentação e da taxa de renovação bioquímica ([3], [6]). Entende-se turnover isotópico como sendo a renovação contínua dos elementos químicos e, conseqüentemente, de seus isótopos que compõem o tecido corporal ou o organismo como um todo. O turnover pode ocorrer por meio de renovação tecidual resultante do processo de síntese e degradação em tecidos adultos e/ou pelo próprio crescimento nos tecidos em formação (diluição isotópica) [9]. Ducatti et al. [4] fundamentados em resultados da literatura, propuseram um modelo teórico-experimental capaz de exprimir os resultados do enriquecimento relativo de carbono (δ 13 C) em função do tempo de alimentação, fornecendo dietas contrastantes em δ 13 C (formuladas com grãos de plantas dos ciclos fotossintéticos C 3 e C 4 ) à animais adultos. Partindo do pressuposto que o metabolismo de determinado tecido animal depende da taxa de entrada de compostos de carbono da dieta e da taxa de substituição dos compostos preexistentes, os autores propuseram o uso da equação: δ (t) = δ f + [δ i δ f ]e kt (1) na qual, os δ s referem-se ao enriquecimento isotópico relativo nas seguintes condições: em qualquer tempo (t) de troca isotópica, tempo inicial (i), tempo infinito (equilíbrio) ou final (f), os quais são adimensionais. A taxa de renovação ou turnover (k) expressa-se em unidades de tempo -1 e o tempo de troca (t) em unidades de tempo. Segundo os autores o modelo é adequado para determinar o tempo de substituição total ou parcial (meia-vida, T=ln2/k) de carbono nos tecidos em estudos com aves e animais de pequeno porte. Estes conceitos são ilustrados na Figura 1. Segundo Criss [2] e Cerling [1], a variável progresso de reação normaliza a troca isotópica e permite que o sistema seja tratado como funções lineares e não como funções exponenciais. Considerando que somente duas fases (alimentação, tecido) são empregadas na obtenção da equação do turnover, a expressão do balanço de massa e isotópico pode ser descrito por: f (δ i ) + F (δ f ) = δp; f + F = 1 ou (1 - F) = e -kt. Na qual, o peso participativo (F), recebe a denominação de variável do progresso da reação, com o seguinte comportamento: Para t= então F=; Para t= então F=1. Na expressão geral do turnover (δ t - δ f )/(δ i δ f ) = 1- F, estas condições de F fornecem que: Para F=, tem-se δ(t)= δ i e para F=1, tem-se δ t = δ f. ou seja, a variável do progresso da reação (F) indica que no tempo zero, o sistema como um todo encontra-se nas condições iniciais (i) e no tempo infinito, o sistema se encontra no equilíbrio ou condição final (f). Assim procedendo, F é a variável que representa a fração que se aproxima do equilíbrio, variando de zero a um. 1245
ISSN 1984-8218 δ Dieta δ final T δ inicial Figura 1 Turnover isotópico e meia-vida (T). Tempo Aplicando o logaritmo neperiano na expressão (1 - F) = e-kt, obtém-se: 1 t ln(1 F) k, na qual permite determinar o tempo decorrido (t) para qualquer valor de F, dado o parâmetro (k). Por exemplo, se a metade dos átomos no tecido já foram trocados (F =,5), obtém-se a expressão conhecida para a meia vida (T). Segundo Cerling [1] essa teoria possibilita a determinação de pools metabólicos pelo ajuste linear dos resultados da taxa de renovação isotópica obtida experimentalmente. Objetivo deste trabalho foi determinar o modelo matemático para determinar a meia vida quando a troca isotópica apresenta dois pools metabólicos. Modelo de cálculo da meia vida para dois pools metabólicos Descrição do modelo Como a teoria descrita por Criss e Cerling [1] apresenta a possibilidade da determinação de dois pools metabólicos, tornou-se necessária a determinação do parâmetro de ordem prática T, chamado de meia vida geral, para dois pools metabólicos. Considerando a lei da conservação de massa e isotópico do sistema formado por n componentes [2], ser expressa por: n δ sistema = j 1 n xj δj, xj=1 (2) j 1 para as quais xj e δj referem-se ao fator peso apropriado e o enriquecimento isotópico relativo para o enésimo componente, respectivamente. Adimensionais. Considerando também que estes n-componentes obedecem ao comportamento da equação geral do turnover isotópico (expressão 1), nota-se que: δf + (δi δf)e kt = x1[δf + (δi δf)e k1t] +...+ xn[δf + (δi δf)e knt], ou seja, todos os n-componentes na formação do produto, partem da mesma condição inicial ( i) e atingem a condição do equilíbrio ( f), na condição de k k1 kn. Podendo ser expressa por: e kt = x1e k1t + x2e k2t +...+ xn e knt 1246 (3)
ISSN 1984-8218 Utilizando-se da aproximação e -x 1-x para x pequenos, observa-se que a expressão (3), fornece a seguinte condição: k= x 1 k 1 +x 2 k 2 +...+ x n k n, (4) ou seja, a constante do turnover geral é a somatória das constantes dos turnover individuais dos n-componentes metabólicos na formação do produto final, multiplicado pelos seus respectivos pesos participativos. Como a T i = ln 2/k i pode-se explicitar a meia vida geral no caso da existência de dois pools metabólicos, por: T = T 1 T 2 /(x 1 T 2 +x 2 T 1 ), (9) Resultado da aplicação da teoria em dados experimentais Esse modelo foi testado em vários dados obtidos pelo projeto temático do centro de isótopos estáveis IBB/UNESP/Botucatu, confirmando a teoria descrita neste trabalho. No entanto é apresentado um exemplo de aplicação. Exemplo de aplicação Delineamento do experimento de criação dos frangos de corte para a obtenção das amostras de músculo. Os pintainhos foram obtidos de matrizes que receberam dietas compostas predominantemente por grãos de plantas do ciclo fotossintético C 4, e, portanto possuíam em seus tecidos corporais, ao nascerem, sinais isotópicos de carbono semelhante a estas dietas. Após o nascimento foram alimentados com dieta a base de plantas do ciclo fotossintético C 3 conforme necessidade nutricional da fase inicial de criação, adaptadas das recomendações de Rostagno et al. [8].. As amostras de músculo peitoral de frangos de corte foram obtidas nos ;,5; 1; 1,5; 2; 3; 5; 8; 11 e 14, sendo tomadas aleatoriamente quatro aves por dia de avaliação, e sacrificadas por deslocamento da articulação crânio-cervical. Para a realização das análises isotópicas, as amostras foram descongeladas e secas em estufa de ventilação forçada (Marconi - modelo MA 35) a 56 o C por um período de 24 horas. Todas as amostras foram moídas em moinho criogênico (Spex-modelo 67 freezer/mill), à - 19 o C. Neste moinho, cada amostra foi colocada em um tubo diferente e cada material foi moído por três minutos, para se obter material homogêneo, com aspecto de talco ([7], [5]). Para a determinação da composição isotópica das amostras foi utilizado o espectrômetro de massa DELTA-S (Finnigan Mat) acoplado ao Analisador Elementar EA 118 CHN, do Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências da UNESP, Campus de Botucatu. Os resultados foram expressos em notação 13 C, em relação ao padrão Peedee Belemnite (PDB), com erro de análise da ordem de,2 e calculado pela equação: 13 C (amostra, padrão) = (R amostra /R padrão ) 1 x 1 3 onde: 13 C = enriquecimento relativo da razão 13 C/ 12 C da amostra em relação ao padrão PDB. R = razão isotópica ( 13 C/ 12 C) da amostra e do padrão. Procedendo a linearização (Figura 1) e ajuste linear pode-se concluir que este tecido apresenta mais de um pool metabólico. Essa conclusão é possível, pois pela análise de resíduos pode-se observar uma representação curvilínea, o que segundo Cerling [1], significa que há enriquecimento de carbono -13 pela proteína advinda provavelmente de mais de um órgão (Figura 2), portanto mais de um pool metabólico. 1247
ISSN 1984-8218 ln(1-f) -1-2 -3-4 2 4 6 8 1 12 14 Figura 1. Dados de delta de carbono-13 linearizados pela técnica de Cerling [1]. 1, Residual,5, -,5-1, 2 4 6 8 1 12 14 Figura 2. Análise de resíduos do ajuste linear dos dados totais de delta de carbono-13 linearizados 1, Residual,5, -,5-1, 1, 1,5 2, 2,5 3, Figura 3. Análise de resíduos do ajuste linear dos dados de delta de carbono-13 linearizados 1248
ISSN 1984-8218 2 Residual 1-1 -2 5 6 7 8 9 1 11 12 13 14 Figura 4. Análise de resíduos do ajuste linear dos dados de delta de carbono-13 linearizados No entanto verificando os dois períodos em questão (de 1 a 5 e de 8 a 14 ) pode-se concluir que para este tecido há dois pools metabólicos, uma vez que a análise de resíduos nesses intervalos apresentam comportamento retilíneo. (Figura 3 e 4). Pelo ajuste pode-se obter o valor de K o qual é o coeficiente multiplicador da variável tempo, este valor também é utilizado para o cálculo de cada meia vida Ti. A aplicação dessa técnica permitiu determinar as duas meias vida e a meia vida geral. Os valores encontrados para as meias vida para o músculo peitoral, após a linearização, foram T1= 1,7 e T2= 3, com taxas de troca de k1=,45 e k2=,235, representando aproximadamente 63% e 37 %, respectivamente, tendo uma meia vida geral de 3,16. Conclusão Pode-se concluir que o modelo definido para o calculo da meia vida geral e viável para dados de isótopos estáveis, apresentando maior confiabilidade na técnica utilizada para linearização. Referências Bibliográficas [1] CERLING, T.E.; AYLIFFE, L.K.; DEARING, M.D.; EHLERINGER, J.R.; PASSEY, B.H.; PODLESAK, D.W.; TORREGROSSA, A.; WEST, A.G. Determining biological tissue turnover using stable isotopes: the reaction progress variable. Oecologia, v.151, p.175-189, 27. CRISS R.E. Principles of stable isotope distribution. New York: Orxford University Press, 1999. 253p. [2] CRISS, R.E. Nonequilibrium fractionation and isotopic transport. In: Criss, R.E. (Ed.). Principles of stable isotope distribution. Oxford University Press, New York. p.139-142. 1999. [3] DENIRO, M.J.; EPSTEIN, S. Influence of diet on the distribution of carbon isotopes in animals. Geochimica et Cosmochimica Acta, v.42, p. 495-56, 1978. [4] DUCATTI, C.; CARRIJO, A.S.; PEZZATO, A.C.; MANCERA P. F. A. Modelo teórico e experimental da reciclagem do carbono-13 em tecidos de mamíferos e aves. Scientia Agrícola, v.59, n.1, p.29-33, 22. [5] DUCATTI, C. Isótopos estáveis ambientais. [Apostila] Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 24p., 27. 1249
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