Jogos, psicologia e educação: teoria e pesquisas *

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Transcrição:

resenha

Jogos, psicologia e educação: teoria e pesquisas * Maria Thereza de Alencar Lima** O livro apresenta dez trabalhos que, no conjunto, possibilitam a análise dos mais importantes temas ligados à utilização dos jogos regrados nos campos da Psicologia e da Educação, com estrito respeito aos critérios científicos. A obra, organizada pelo professor Lino de Macedo, docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP e coordenador do Grupo de Trabalho Os jogos e sua importância para a Psicologia e a Educação, criado em 2002 na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia, traz uma ampla revisão bibliográfica sobre pesquisas com jogos, especialmente no Brasil, assim como análises teóricas fundadas em Piaget que expõem o valor cognitivo, afetivo e social das atividades lúdicas. Seguem-se ainda os relatos de pesquisas empíricas meticulosamente descritas, com a participação de pessoas de diferentes perfis e faixas etárias, oferecendo, além dos resultados, propostas e sugestões metodológicas valiosas para professores, clínicos, pesquisadores e todos os interessados na compreensão do papel instrumental que os jogos podem cumprir nos processos de apoio à aprendizagem ou, de modo mais geral, no desenvolvimento humano. O alcance de um número cada vez maior de interessados na temática das pesquisas, para benefício das tarefas psicológicas e educacionais no país, é de fato um dos grandes propósitos daquele Grupo de Trabalho, cujos colaboradores, representado instituições acadêmicas de diversos estados brasileiros, aportaram a este livro uma parte de seus mais recentes e significativos trabalhos. O primeiro artigo 1 analisa o estado da arte da pesquisa nacional com jogos, levando em conta sobretudo os trabalhos fundados no construtivismo piagetiano. Suas autoras assumiram a hipótese de que havia numerosas pesquisas acerca do valor dos jogos para o desenvolvimento e a aprendizagem, envolvendo especialmente crianças e adolescentes, mas seriam escassas as pesquisas aplicadas sobre a formação de agentes dedicados à implementação de jogos em situações educacionais. * Jogos, Psicologia e Educação: teoria e pesquisas. Lino de Macedo (organizador). Casa do Psicólogo, 2009. ** Professora Doutora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento Da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP. 1 Os jogos de regras em uma abordagem piagetiana: o estado da arte e as perspectivas futuras. Autoras: Marilda Pierro de Oliveira Ribeiro e Claudia Broetto Rossetti.

150 Resenha Os exaustivos levantamentos feitos confirmaram a hipótese. Entre outras relevantes conclusões, entenderam elas que novas e prementes pesquisas devem ampliar o conhecimento das concepções que os professores têm sobre o jogo, como recurso para favorecer a aprendizagem, além de avaliar os procedimentos para sua capacitação como condutores de jogo em salas de aula. Ao artigo anterior junta-se um segundo 2, que inclui comentários sobre 17 trabalhos acadêmicos realizados com base na experiência do Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP e cuja temática envolve a pesquisa com jogos. O texto evidencia questões relevantes para o estudo das relações entre inteligência e afetividade e entre ensino e aprendizagem, com apoio no uso de jogos e sob uma perspectiva piagetiana. No terceiro capítulo do livro 3, seu autor, o professor Lino de Macedo, promove uma fecunda reflexão sobre o jogo de regras na perspectiva dos processos de equilibração, pelos quais, segundo Piaget, o sujeito constrói conhecimentos sobre um objeto. O texto redunda em uma instigadora análise dos jogos na Psicologia e na Educação, tendo como fundamento teórico a Epistemologia Genética e como fundamento metodológico a Psicologia Genética, nos termos propostos pelo pesquisador suíço e com realce ao conceito de Equilibração Majorante. A equilibração é sublinhada como o problema central do desenvolvimento das estruturas cognitivas. Segundo o autor, a visão piagetiana apresenta dois desafios: um é analisar modos de interação entre sujeito e objeto do conhecimento; outro é demonstrar como, a partir dessas formas de interação, resultam transformações que modificam as estruturas em interação. Os processos de viver e conhecer se realizam na dialética de suas transformações e conservações, em um contexto de troca. Pergunta-se sempre, nessas interações, como converter algo do objeto em algo do sujeito. Pergunta-se também como as interações atuais se articulam com as precedentes ou com as que virão depois. No caso da atividade lúdica podemos considerar o sujeito como um aluno, um professor ou um profissional em situação de jogo e, como aspectos cognitivos e afetivos, as suas ações de jogar ou de pensar sobre o jogo. O objeto refere-se ao próprio jogo como sistema espaço-temporal, composto de objetos a exemplo de peças e tabuleiro, objetivos e regras que o caracterizam como tal. Isto posto, vê-se que o jogo é uma experiência que ocorre em um contexto de trocas, do sujeito com os objetos, as regras e as outras pessoas que fazem parte do sistema. Sua identidade como objeto sócio-cultural surge quando as pessoas o jogam, isto é, quando assimilam e 2 Pesquisas com jogos: relações entre inteligência-afetividade e ensino-aprendizagem. Autores: Heloisa Helena Genovese de Oliveira Garcia e Lino de Macedo. 3 Teoria da equilibração e jogo. Autor: Lino de Macedo.

Resenha 151 acomodam suas ações ou, melhor dizendo, seus esquemas de ações. Trata-se, nas palavras de Macedo, de um sistema de complementaridades - objetivo e regras, tabuleiro e peças, jogador e jogador, vez de um e vez de outro jogar, perda e ganho, jogada atual e próxima jogada - que estruturam modos de viver e pensar a vida. Diante de tais aproximações de perspectivas, que ao longo do trabalho passam pelo exame de questões como a afetividade e sua função motivacional, os vários modelos de interação entre sujeito e objeto de Piaget, as ações de professores e alunos ou, ainda, a estruturação do jogo no espaço e no tempo, emerge uma idéia dominante, que constitui a hipótese por excelência de Macedo: a teoria da equilibração aplicada a uma situação de jogo é um modo de refletir e uma metodologia de estudo sobre processos de construção do conhecimento. Por esse meio, acrescenta o autor, é que crianças e adultos poderão encontrar uma forma privilegiada de exercitar, simbolizar e construir normas afetivas, cognitivas e sociais, sem as quais a vida é pura imperfeição ou arbitrariedade. Nos meios acadêmicos já é amplamente reconhecida a importância dos jogos de regras, não só para o estudo do sistema lógico contido nos jogos como para a investigação de suas utilizações como instrumentos de avaliação e intervenção na aprendizagem. Os trabalhos de pesquisa da obra aqui focalizada confirmam a potencialidade dessas ferramentas sobretudo na área do ensino de conteúdos escolares, envolvendo o grande contingente de crianças e adolescentes. Cresce, agora, de maneira destacada, o interesse pelas questões que cercam o envelhecimento, abrangendo indagações tanto sobre o declínio físico como sobre o cognitivo. No quarto trabalho do livro 4, os autores abordam essa temática ao relatar uma pesquisa que visou a dois objetivos: primeiro, discutir o envelhecimento considerando a variabilidade individual, isto é, o fato de que cada um tem uma maneira singular de envelhecer; e, segundo, analisar a necessidade de serem investigados métodos eficazes de intervenção para lidar com aspectos cognitivos no envelhecimento. O trabalho utilizou um jogo de regras, o Quaridor, e mostrou várias de suas boas possibilidades instrumentais. Além de expor em detalhes os aspectos metodológicos e as análises microgenéticas das partidas, os autores fazem considerações teóricas sobre o experimento. Entre outras observações, apontam que o contato com o jogo permitiu às participantes aprender e construir novos esquemas, o que sugere que as intervenções por meio de jogos de regras podem ser válidas para idosas que 4 O jogo Quoridor no contexto de uma pesquisa com idosas. Autores: Claudimara Chisté Santos e Antonio Carlos Ortega.

152 Resenha necessitem manter-se estimuladas. Assim, complementam, se o processo de desenvolvimento está relacionado às descobertas, estas devem fazer parte do cotidiano de todo ser humano, independentemente da faixa etária em que se encontre. Entre todas as considerações feitas, porém, os pesquisadores colocam duas em evidência, pela magnitude que as temáticas do envelhecimento estão assumindo hoje. Uma é a necessidade de discutir métodos de intervenção e a oportunidade de formular questões sobre o desenvolvimento cognitivo no envelhecimento; outra é a necessidade de desenvolver tecnologias para trabalhar com pessoas idosas, considerando que momentos lúdicos podem melhorar não apenas aspectos cognitivos, mas afetivos. Aludem eles inclusive, para reforço de tais proposições, as afirmativas de Piaget, pelas quais o fim do crescimento, para as mentes sãs, de modo algum marca o começo da decadência, antes permite um progresso espiritual que nada tem de contraditório com o equilíbrio anterior. O quinto trabalho do livro 5 constitui uma investigação sobre modos de aprender e de ensinar de professoras em situação de jogo. Trata-se de iniciativa particularmente interessante, a começar pelo fato de que, como ficou claro na revisão bibliográfica referida nesta resenha, são relativamente escassos ainda os trabalhos voltados à formação de professores para emprego dos jogos no cotidiano escolar. Os autores ressaltam que um dos recursos apropriados ao trabalho com professores, em um projeto de formação profissional, é o jogo de regras. Com efeito, os jogos são adequados quer para avaliação de processos cognitivos e intervenção, quer como instrumento propício à reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem. Não obstante, poucos estudos a respeito destes aspectos foram realizados com professores, agentes relevantes em tal processo. No caso de sua pesquisa foi utilizado o Traverse, entre os muitos jogos de regras disponíveis, inclusive por ser um jogo ainda pouco estudado em pesquisas empíricas com uma perspectiva construtivista. Duas situações foram envolvidas, a de aprendizagem e a de ensino. Muitas foram as observações ensejadas pelo experimento, todas registradas nas descrições do trabalho e especialmente nas considerações finais. Parte significativa delas diz respeito a dificuldades das professoras em organizar uma situação de ensino com procedimentos adequados, domínio do como fazer ou transposição didática do conteúdo. Para os autores, as reflexões suscitadas pelo trabalho sinalizam a necessidade de repensar e reformular as práticas de formação docente. 5 Modos de aprender e de ensinar de professoras em situações com o jogo Traverse. Autores: Meire Andersan Fiorot e Antonio Carlos Ortega.

Resenha 153 O sexto trabalho incluído no livro 6 relata pesquisa que se dedicou a formular, com base no jogo Lig-4, um conjunto de situações-problema a serem usadas como instrumento de avaliação e de intervenção. A investigação, feita em perspectiva piagetiana, permitiu a observação das soluções apresentadas pelos sujeitos diante das soluções-problema e a sua análise como indícios da compreensão do sistema lógico contido no jogo. O trabalho examina detidamente a caracterização das várias modalidades desse jogo de regra, considerando o interesse de utilizá-lo como instrumento de avaliação e intervenção, e faz cuidadosa explanação sobre a articulação do Lig-4 com a proposta de Piaget referente aos esquemas de ação e aos sistemas cognitivos. O sétimo trabalho do livro 7 volta-se especialmente à consideração da proposta metodológica adotada para análise da conduta e dos processos de pensamento do sujeito, em situação de jogo. Entendendo que o jogo pode ser um instrumento privilegiado nas avaliações relativas à construção do conhecimento, permitindo intervenções adequadas, os autores encarecem no entanto a adoção de metodologias teoricamente bem fundamentadas e de acordo com os objetivos de sua utilização. Só este pressuposto, ressaltam, assegura o bom emprego dos jogos. A pesquisa, baseada no uso do Mattix, reúne inúmeras observações, conceitos e recomendações úteis aos profissionais da psicologia, da psicopedagogia e de áreas afins que militam na clínica ou na escola. No oitavo trabalho 8, as autoras propõem-se a identificar os aspectos afetivos da conduta em crianças com e sem queixa de dificuldades de aprendizagem, à luz das idéias formuladas por Piaget. A investigação abrangeu situações que envolveram tarefas escolares e atividades lúdicas, permitindo comparar os dois grupos de crianças e, ainda, cada grupo de crianças nas duas situações. As pesquisadoras procuraram destacar os aspectos afetivos num contexto de sala de aula, incluindo atividades com jogos e outras apresentadas pelo professor, de conteúdos escolares específicos. Os resultados, revelando que existem diferenças entre as atividades escolares e as atividades lúdicas no grupo com queixa de dificuldade de aprendizagem, são amplamente discutidos. As causas possíveis das diferenças e muitas observações cruciais são igualmente analisadas, fazendo do trabalho uma fonte de referência valiosa. 6 O jogo Lig-4 como instrumento de avaliação e de intervenção. Autores: Autores: Antonio Carlos Ortega; Maria Célia Malta Campos; Meire Andersan Fiorot; e Simone Chabudee Pylro. 7 Como analisar o desempenho de jogadores no Mattix?: proposta metodológica. Autores: Cláudia Patrocinio Pedroza Canal; Sávio Silveira de Queiroz; e Juliana Peterle Ronchi. 8 Análise dos aspectos afetivos em atividades lúdicas e escolares. Autores: Betânia Alves Veiga Dell Agli; e Rosely Palermo Brenelli.

154 Resenha No nono trabalho 9, as autoras analisam as relações de interdependência espaço-temporais mostradas por diferentes níveis de jogo de alunos de diferentes séries escolares, no jogo de regras Xadrez Simplificado. Em sua pesquisa incluiuse também o estudo das possíveis relações entre a dialética construtiva no jogo e a tomada da perspectiva do outro. Os dados obtidos indicam a efetividade daquele jogo como recurso de observação das relações envolvidas na construção da cooperação e no desenvolvimento das condutas, desde o egocentrismo e a indiferenciação da perspectiva até a reciprocidade. A pesquisa insere-se entre os trabalhos que visam compreender como os jogadores aplicam o pensamento ao jogo de regras, direcionando-se aos que buscam conhecer melhor os procedimentos de crianças e adolescentes e procurar, para eles, um ambiente construtivo. O último trabalho 10 oferece abrangente reflexão, com base no jogo da Pirâmide, sobre aspectos metodológicos em torno dos procedimentos de aplicação e intervenção. Trata-se, na essência, de descrever modos de propor a ação de jogar que favoreçam a aprendizagem de esquemas de ação e que tenham valor transferencial para outras formas de conhecimento. Em todo o experimento projeta-se a luz da epistemologia piagetiana. Esse trabalho coroa a bem sucedida iniciativa do livro, cujos colaboradores utilizaram jogos e situações-problema como recurso para analisar processos de desenvolvimento e aprendizagem em sujeitos psicológicos. Sintetizando a idéia geral que presidiu o esforço, soma-se ao conjunto de contribuições que faz do livro uma referência imprescindível para qualquer estudo sobre o uso de jogos nos campos da Psicologia e Educação. 9 Relações de interdependência espaço-temporal e a adoção da perspectiva do outro no jogo Xadrez Simplificado. Autores: Francismara Neves de Oliveira; e Rosely Palermo Brenelli. 10 Jogo da Pirâmide e esquemas de ação: análise teórica e sugestões metodológicas. Autores: Cristina Dias Allessandrini; Lino de Macedo; Heloisa Helena Genovese de Oliveira Garcia; Camila Barnê Calia e Paula Estefano Ohta.