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Transcrição:

RESENHAS BOOK REVIEWS Movimento Negro Brasileiro Brazilian Black Movement Petrônio Domingues Michael George Hanchard. Orfeu e o poder: o movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. No Brasil, já existe uma tradição das ciências sociais se debruçarem acerca de as história dos movimentos sociais, focalizando fundamentalmente temas ligados à história do movimento operário. Mas esse quadro está mudando. Já não se admite que a categoria movimentos sociais se restrinja, exclusivamente, ao movimento operário. Essa categoria é mais ampla e abarca outros atores sociais. Assim, emerge uma tendência de se pesquisar a história de outros tipos de movimentos sociais, como o feminista, o gay e o negro. É justamente nesse quadro de inovações nos estudos da história dos movimentos sociais que se insere o livro Orfeu e o poder: o movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988), de Michael George Hanchard. Hanchard é brasilianista. Ele, aliás, faz parte da nova geração de afro-americanos que vêm se especializando no estudo das relações raciais e da história do negro no Brasil. Atualmente, é professor da Universidade Northwestern, nos EUA. O texto originalmente foi apresentado como tese de doutorado em ciência política. Em 1994, foi publicado em forma de livro nos EUA, gerando considerável debate entre os brasilianistas. Sete anos depois, cie foi traduzido para o português e publicado no Brasil. Aqui, a

Movimento Negro Brasileiro 381 repercussão não foi distinta: o livro vem despertando polêmica entre os especialistas das relações raciais e da história do negro. O livro examina o movimento social negro brasileiro de 1945 a 1988, no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Para realizar a pesquisa empírica, Hanchard Utilizou como fonte alguns documentos de arquivo e, principalmente, entrevistas. Foram exatas 60 entrevistas, com os ativistas do movimento. O livro está dividido em seis capítulos (a política racial: termos, teoria, metodologia; a política racial brasileira: visão geral e reconceituação; democracia racial: hegemonia à moda brasileira; formações da consciência racial; movimentos e momentos; política racial e comemorações nacionais: a luta pela hegemonia). Dois são os objetivos gerais do livro: primeiro, mover um exame crítico da política racial no Brasil e, em segundo lugar, fazer uma análise teoricamente instrumentada que vincule os elementos históricos e contemporâneos desta política racial a debates mais amplos sobre raça, a classe e a cultura (p.22). Hanchard realiza uma das primeiras tentativas de se teorizar acerca da história do movimento social negro no Brasil. Este, aliás talvez seja o maior mérito da obra. Sua tese principal é de que os brancos desenvolveram uma política de hegemonia racial no país, sob a qual vem se perpetuando a desigualdade entre negros e brancos. O movimento negro, entretanto, buscou forjar uni projeto de contra-hegemonia racial, mas que não vingou. Ele utiliza pioneiramente o conceito de hegemonia formulado por Antônio Gramsci, para entender a dinâmica das relações raciais no Brasil. Como assevera Gramsci, hegemonia é a liderança intelectual e moral de um grupo social sobre outro, que combina dominação e consenso. Por esse prisma, Hanchard argumenta que os brancos mantinham uma hegemonia racial no país que se baseava não só na força, mas, também no consentimento dos negros. E a principal base de sustentação da hegemonia racial teria sido a ideologia da democracia racial, pois esta sempre difundiu uma falsa premissa de igualdade entre negros e brancos. Hanchard abre o livro contando sua primeira experiência concreta com as relações raciais no Brasil. Em 1988, para realizar a pesquisa empírica, ele veio para o país c se instalou no Rio de Janeiro. Após arranjar um apartamento, foi a um supermercado e lá foi vítima de discriminação racial. Esse episó-

382 Petrônio Domingues dio teria suscitado o problema inicial da pesquisa: o porquê daquele tipo de discriminação racial. E foi desta indagação inicial que ele formulou a pergunta que norteia a obra: por que não existiu nenhum movimento social afro-brasileiro sistemático no Brasil, comparável ao movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos ou às insurreições nacionalistas da África subsaariana, no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial? (p. 19). A resposta, em síntese, é que aqui a hegemonia racial das elites brancas foi eficaz: ela teria contribuído muito para retardar a perspectiva de uma grande sublevação dos afro-brasileiros (p.21). E, ao mesmo tempo, o movimento negro brasileiro teria traçado uma estratégia equivocada de combate à hegemonia racial dos brancos. Tal estratégia é denominada de culturalista. Segundo Hanchard, o movimento negro transformou a afirmação das práticas culturais (religião, música, dança e outras formas) no eixo da contestação à ordem racial vigente, em detrimento da luta na esfera política. A cultura teria sido utilizada como um fim em si mesma e não como um meio de mobilização e ação política na reivindicação de direitos civis (p.39). Em outros termos, ao concentrar sua atenção quase que exclusivamente para a afirmação de uma identidade cultural (ou racial), o movimento negro brasileiro não teria forjado um projeto conseqüente de enfrentamento à dominação branca. Isto explica, em parte, seu esvaziamento (e falta de poder de pressão). O insólito é que Hanchard não só apresenta o diagnóstico dos impasses que permearam a história do movimento negro no Brasil, mas, na conclusão da obra, ele também prescreve a suposta receita para a superação de tais impasses. Na avaliação dele, o movimento negro terá que adotar uma estratégia de luta anti-racista de caráter eminentemente político. Além disso, este movimento terá que selar alianças com outros setores sociais: uma possibilidade seria a criação de uma organização suprapartidária cujo objetivo fosse criar uma plataforma mínima nacional de direitos civis, baseada num consenso dos diversos grupos a respeito das necessidades básicas dos brasileiros negros (p.188). Para Hanchard, somente com uma política de coalizões (mobilizando negros e brancos, trabalhadores e patrões, enfim, o conjunto da sociedade civil) é que o movimento negro brasileiro vai reunir forças para minar com

Movimento Negro Brasileiro 383 o mito da democracia racial e construir uma nova ordem racial, assentada na igualdade de oportunidades (para negros e brancos), no acesso aos bens, aos serviços e à renda. Para finalizar, ele se utiliza de um mito grego para tecer uma crítica à estratégia de luta que historicamente teria caracterizado o movimento negro. No filme Orfeu negro, adaptação francesa do mito grego que foi filmado no Brasil, Orfeu é um sedutor negro das favelas cariocas. Eurídice é uma bela mulata, que se apaixona por Orfeu, o deus da música e da dança (p.192). Mas, durante o carnaval, a morte leva Eurídice. Desesperado, Orfeu busca reatar o contato com seu grande amor numa cerimônia de candomblé. Lá, ele ouve, pelas costas, a voz de Eurídice, emanada de uma mãede-santo. Orfeu deseja virar para trás a fim de fitá-la, mas é aconselhado a continuar olhando para frente. A morte não lhe permitia mais do que aquilo. Mas Orfeu, como seu equivalente grego, dá uma súbita meiavolta. E como na história original, no instante em que seus olhos se encontram, Eurídice recua para o mundo dos mortos. Assim, ao olhar para trás, Orfeu a perde para sempre. Esse mito, segundo Hanchard, é uma parábola apropriada para qualificar a estratégia anti-racista do movimento negro brasileiro: com base nos dados apresentados e em minha análise dos movimentos sociais afro-brasileiros do Rio de Janeiro e São Paulo depois de 1945, parece que o problema fundamental do movimento tem sido esse olhar para trás, para uma África unitária e monolítica como base da identidade, ideologia e ação coletivas (p.193). Em outras palavras, o fato de o movimento negro brasileiro se preocupar, fundamentalmente, em fazer um discurso essencialista de afirmação racial, em prol de uma mítica negritude, seria olhar para trás, implicando na perda da oportunidade de construir um outro futuro para os negros no Brasil. E tal futuro só é possível, reitera Hanchard, esposando um projeto anti-racísta que tenha um conteúdo político e privilegie a arena da luta pelos direitos civis. O principal desafio do movimento negro brasileiro, assim, seria romper com seu culturalismo, que o deixa com Orfeu, mas sem o poder. O autor vem sendo acusado de perscrustar a história do movimento negro brasileiro pelo olhar da do norte-americano. Assim, ao ter supostamente postulado que, para prosperar, o movimento negro local terá que seguir os mesmos

384 Petrônio Domingues passos de seu congênere nos EUA, ele teria demonstrado sua insensibilidade para compreender as especificidades do sistema racial brasileiro. Ironicamente cerca de uma década depois da pesquisa empírica, as prescrições de Hanchard acenam serem cumpridas. É verdade que não chegou o momento histórico (p. 21) do movimento negro brasileiro, mas alguns indicadores (como a mobilização nacional em torno da implementação das ações afirmativas, cotas para negros, etc) permitem afirmar que o quadro da luta antiracista no Brasil está se alterando. E isso só está sendo possível porque o movimento negro brasileiro, cada vez mais, abondana o culturalismo e assume uma postura mais política, defendendo reivindicações no campo dos direitos civis, tal como aconteceu nos EUA. Hanchard comete alguns erros factuais. Por exemplo, ele afirma que a Conferência Negra Brasileira aconteceu em 1950 (p. 130), quando, na verdade, ela foi realizada em 1949. Neste caso, um outro problema é o de tradução. O nome correto do referido evento foi Conferência Nacional do Negro e não Conferência Negra Brasileira. Porém, esses erros não comprometem a qualidade de Orfeu e o poder, obra que, na minha avaliação, abre uma nova vereda interpretativa nos estudos dos das relações raciais e da história do protesto negro no país.