SOBRE O MÉTODO MARXIANO PARA O CONHECIMENTO DO SER SOCIAL

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Transcrição:

SOBRE O MÉTODO MARXIANO PARA O CONHECIMENTO DO SER SOCIAL Franci Comes Cardoso 1 O objeto da reflexão sistematizada neste texto é o método marxiano para conhecimento do ser social. Para sua configuração aproximada, resgatam-se alguns elementos, de caráter essencialmente metodológico, dos estudos que realizados sobre algumas obras de Marx: Crítica à Filosofia do Direito dc Hegel, Ideologia Alemã e Miséria da Filosofia. São destacadas nessas obras as categorias: história, contradição e totalidade. Faz-se, ainda, uma abordagem sobre o ser social em Marx. considerando-se a relação que este teórico revolucionário estabelece entre esse ser e o método utilizado pelo sujeito que se dispõe a captá-lo. INTRODUÇÃO A discussão teórico-metodológica de Marx se esboça, a partir de 1843, em sua crítica à filosofia do direito de Hegel. Desenvolve-se no período 44/46, amadurecendo ao longo de 46/47, quando se fecha o ciclo de elaboração teórico-metodológica do pensador revolucionário. Nesse percurso intelectual que Marx desenvolve entre 1 843 e 1847 são destacadas em suas obras (Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, Ideologia Alemã e Miséria da Filosofia) as categorias fundamentais: - história. contradição, totalidade, constitutivas de sua concepção teórico-metodológica. as quais atingem o ápice de desenvolvimento no texto Introdução à Crítica da Economia Política, de 1857. Assim, ao tratar, neste trabalho, das categorias e do processo de reconstrução do real, faz-se um resgate dos meus estudos sobre as obras acima citadas, abstraindo-se elementos de caráter essencialmente teóricometodológicos, no sentido de configurar o método marxiano para conhecimento do ser social. Para isto, faz-se também, na 1ª parte do trabalho, urna abordagem sobre o ser social em Marx, considerando-se do ponto de vista metodológico, Marx separa nitidamente dois complexos: o ser social, que existe independentemente do fato de que seja ou não conhecido corretamente; e o método para captá-lo no pensamento, da maneira mais adequada possível (LUKACS, 1979, p.35). Isso reafirma a visão de Marx quanto à anterioridade do concreto, em relação ao sujei o que se dispõe a captá-la e, ao mesmo tempo, quanto ao vínculo necessário que se estabelece entre o como e o q conhecer, quando SC trata ia concepção teórico-metodológica marxiana. Nessa 1 Doutora em Serviço Social, área de concentração em Política Social e Movimentos Sociais. Professora Adjunta IV no Departamento de Serviço Social e do Mestrado cm Políticas Públicas da UFMA.

concepção, o método expressa o movimento da elaboração teórica, não podendo, portanto, desvincular-se do objeto historicamente determinado. No decorrer da minha exposição expressa-se este entendimento, 1 O SER SOCIAL EM MARX Num estudo cuidadoso do pensamento marxiano, é impossível não perceber que suas formulações teóricas referem-se a um determinado tipo de ser, isto é, são afirmações ontológicas Com diz LUKÁCS 1979, p11). São enunciados que expressam as formas de ser do ser social na sociedade burguesa. Trata, portanto, das determinações desse ser, reconstruídas pela sua investigação ontológica. Neste sentido, (LUKACS 1979, p 14) entende q há na trajetória de Marx uma clara orientação nos sentido de concretizar, cada vez mais, as formações, as conexões, etc, do ser social, que - em sentido filosófico - alcançará seu ponto de inflexão nos estudos econômicos marxianos. E nos manuscritos econômicos/filosóficos que como resultado dos estudos feitos Marx, dos economistas ingleses e franceses - vão aparecer, pela primeira vez, na história da filosofia, as categorias econômicas como categorias de produção e reprodução humana, o que permite uma descrição do ser social em bases materialistas. É nas discussão de trabalho alienado, ainda com uma débil compreensão da sociedade burguesa, mas já iniciando a sua familiarização com a economia política, que Marx trabalha com a noção de homem com ser prático-social, ser ativo. Critica, nos manuscritos econômicos e filosóficos de 1844, a noção parcial da economia política, que coloca o trabalho apenas como força produtiva. ou como elemento incluído nos custos de produção. Para Marx, o trabalho é essencialmente atividade humana. E, para criticar os economistas burgueses e fundamentar tinia nova compreensão da relação homem trabalho, busca em Hegel elementos teóricos. HEGEL fornece esses elementos em a Fenomenologia do Espírito (1805-6), onde coloca o trabalho como corolário do problema do homem. de origem hegeliana. conduz Marx à descoberta de que todas as contradições da sociedade burguesa têm sua origem no trabalho alienado. Esse, (considerado, aqui, como trabalho que produz objetos para outros) produz riqueza para o burguês, miséria para o trabalhador. O trabalhador fica mais pobre à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo das coisas. O trabalho não cria apenas bens; ele também produz a si mesmo e o trabalhador como urna mercadoria e, deveras, na mesma proporção em que produz bens. (MARX, 1 844, p.90) Marx considera o ato de alienação da atividade humana, o trabalho, sob dois aspectos: 1) o da relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto alheio que se coloca ao produtor como um poder que o domina; 2) e o tia relação do trabalhador com sua própria atividade corno uma atividade

não pertencente a ele, alheia a si próprio. São apontadas, aqui a autoalienação do homem e a alienação do produto de sua atividade, como determinações cio trabalho alienado. É na sociedade burguesa, evidentemente, que o trabalho aparece em sua forma alienada. Entretanto, para os economistas burgueses não interessa a condição humana cio trabalhador, nem a relação deste com o seu trabalho e nem com o produto de sua atividade. O trabalhador para eles é capital, cujo valor varia na mercado. Portanto, na lógica da Economia Política burguesa, o homem é reduzido ao nível de tini ser mental e fisicamente desumanizado (MARX, 1844, p.111). Examinando a condição de alienação do homem na sociedade capitalista. Marx expõe nos manuscritos filosóficos do homem, alguns comentários gerais a respeito da dialética de Hegel, a partir do que faz uma descrição do ser social. Dessa descrição, recuperam-se, aqui, alguns elementos fornecidos por LUKACS (1979), destacando-se que o ser social pressupõe o ser natural (orgânico e inorgânico) e a supressão deste suprime o primeiro. Assim, o ser social não é independente do ser da natureza, pois não há entre o social e o natural urna relação excludente, como quer grande parte da filosofia burguesa, ao se referir aos domínios do espírito. Do mesmo modo, Marx exclui, em sua ontologia do ser social, a transposição materialista vulgar das leis da natureza, corno ocorreu na época cio darwinismo social. As formas de objetividade do ser social se desenvolvem, à medida que surge e se explicita a práxis social, a partir cio ser natural, tornando-se cada vez mais claramente social. (LUKÁCS, 1979, p17). Esse é um processo longo e dialético que se inicia com o trabalho - uma condição de existência humana. Através do trabalho, o homem se auto-recria, se transforma e, ao mesmo tempo, transforma a natureza externa sobre a qual atua. E nesse processo que as propriedades da natureza, sua relações, etc., independentemente tia consciência do homem - são postas em movimento e se convertem em coisas úteis, em valores de uso. Daí ser o primeiro ato histórico a produção dos meios que permitem a satisfação de necessidades para manter o homem vivo, ou seja, a produção da própria vida material, corno condição fundamental de toda história. A ação desenvolvida para satisfazer essa primeira condição e a produção dos meios para essa satisfação conduzem a novas necessidadessociais. É na produção dessas novas necessidades, a partir do atendimento das primeiras, que o homem se separa da animalidade, se socializa, se autorecria corno ser social e começa a criar outros homens, reproduzir. Essa conversão da natureza em valores de uso é um processo teleológico, pois o ser social não apenas produz e reproduz, mas tem urna intencionalidade, tem um projeto. No rim do processo de trabalho, emerge um resultado que ã estava presente desde p início na ideia do trabalhador que. portanto já

estava presente de forma ideal. Ele não efetua apenas uma mudança de forma no elemento natural; ao mesmo tempo realiza, no elemento natural, sua própria finalidade que ele conhece bastante bem, que determina como lei o modo pelo qual opera e à qual tem de subordinar a sua vontade. (MARX apud LUKCS, 1979, p.16) Desse modo, o trabalho é traço fundante do ser social, é próprio desse ser, mas não o esgota, porque o ser social também é consciência, à autoconsciência. Ele percebe a si, às suas finalidades e à sua relação com sua objetividade. E manifestação do ato consciente, o elemento que separa o trabalho animal do trabalho humano, o qual vai além da simples reprodução biológica. Vai além, mas não a suprime, pois a socialidade do ser exige um substrato orgânico e inorgânico, frise-se. Mas o ser social possui tinia legalidade própria, possui traços construídos historicamente, que lhe são imanentes e específicos. Daí o modo de conhecimento do ser natural não poder ser transportado para o conhecimento do ser social, Sobre um modo de conhecimento deste ser, discute-se na segunda parte deste trabalho. 2 AS CATEGORIAS E O PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DO REAL Na primeira parte deste trabalho, explicitou-se que os enunciados da teoria social moderna de Marx expressam formas de ser do ser social na sociedade burguesa e apontaram-se algumas categorias trabalho, história e o próprio ser social reconstruídas por Marx no interior se sua crítica à Economia Política burguesa. No contexto em que foram apontadas, tais categorias serviram ao autor de elementos para tinia descrição sucinta do ser social, em Marx. Aqui, pretende-se retornar à categoria de história e incluir, nesse contexto da discussão, mais duas categorias fundamentais na obra de Marx - totalidade e contradição - no sentido de expor nosso entendimento sobre o processo de reconstrução dessas categorias e sobre suas determinações no quadro da critica à Economia Política burguesa. Mas o que são categorias, no pensamento marxiano? Embora só em 1857 Marx desenvolva essa noção, já em sua crítica à Proudhon (1847), explicita o seu entendimento, tomando as categorias como abstração das relações reais, das relações sociais. E, estando essas saturadas de história, as categorias que as expressam também são históricas e só se explicam inseridas numa totalidade histórica. Não são determinantes do real, como pretende o idealismo de Hegel e o de Proudhon, onde o movimento do real segue princípios ideais e história passa a ser reprodução desses princípios. A crítica ao idealismo de Hegel é feita em 1843, no manuscrito de kreuznach, onde,marx. estudando a lógica interna do pensamento hegeliano, descobre que este pensador faz urna reflexão teórica invertida: pensa o real corno atributo (lo conceito; o movimento cio pensamento - a ideia - é o determinante da realidade, sendo esta a realização da ideia. Mas, se a crítica de 1 843 abre caminho para a construção da teoria social, é na miséria da Filosofia: 1847 -, na polêmica com Proudhon, que Marx expõe claramente uma nova

inteligibilidade do real histórico, que leva em conta o estudo da Economia Política, isto é, a compreensão totalizadora da sociedade burguesa. Marx critica a historicidade de Proudhon, mostrando sua incapacidade de pensar o presente corno história. Proudhon não nega a história, mas não vê o presente corno tal. Para ele há uma eternização das categorias que, imutáveis, não são históricas. Daí, a história só existe na ideia, isto é, a história que se reflete na razão pura (MARX, 1985, p111). Sobre a eternização das categorias, Marx faz referência ainda, na Miséria da Filosofia, aos economistas burgueses, pela singularidade de procedimentos, ao considerarem apenas duas espécies de instituições: as artificiais e as naturais. As primeiras, próprias da feudalidade; e as segundas, próprias da burguesia. Isso leva a crer que as relações de produção burguesa são eternas, porque é nelas que a riqueza se cria e as forças produtivas de desenvolvem, independentes da época, mas segundo as leis da natureza são elas mesmas leis naturais, leis eternas que devem reger a sociedade. Desse modo, a história existiu enquanto houve instituições feudais, mas hoje não há mais. E a sociedade burguesa, por ser natural, é eterna, segundo os economistas. Na perspectiva materialista de Marx, pensar a história é pensá-la como relação entre o homem ativo e real e seu modo objetivo, relação desse homem com a natureza e com outros homens na produção social. É, portanto. pensar a práxis-atividade humana que comporta a produção material, reprodução da sociedade e produção de representação, de ideias; é pensar nas formas de existência do ser social (ser objetivo, natural, de necessidades e sujeito de uma atividade vital consciente). E pensá-la, ainda, como ciência unitária, isto é, como recuperação do processo histórico real, como reconstrução dos processos ontológicos do ser social. Essa visão da história, como ciência unitária, enuncia com clareza que o método de Marx expressa e viabiliza o movimento de elaboração teórica na reprodução do movimento cio real. Nesse movimento, é evidente que o sujeito não atribui a lógica ao objeto, como queriam Hegel e Proudhon, mas é a lógica de construção do real que se eleva ao pensamento. Nesse sentido, MARX se refere a Hegel no posfácio da 2 edição alemã de O Capital, datada de 24 de janeiro de 1873, afirmando o seguinte: Meu método dialético não só difere basicamente de método hegeliano, é o seu exato oposto. Para Hegel, o movimento do pensamento. personificado sob o nome de ideia, é o demiurgo da realidade que é tão somente a forma fenomênica da ideia. Para mim, ao contrário, o movimento do pensamento é apenas a reflexão do movimento do real, transportado para o cérebro do homem. Em relação a Proudhon, Marx vai mais além em sua crítica: caracteriza a sua lógica de intelectiva e não ontológica e denuncia a falsa dialética Proudhoniana, em relação a Hegel, de quem Proudhon incorporou apenas a linguagem. Pois,

o movimento dialético para Proudhon é a distinção dogmática entro o bom e o mau. O lado bom e o lado mau, as vantagens e inconvenientes, tornados em conjunto. constituem para o Sr. Proudhon, a contradição em cada categoria econômica (MARX. 1985, p. 107-108). Para Proudhon, o problema da contradição é resolvido eliminandose o lado mau e considerando-se o lado bom. Para Hegel, o movimento dialético é a existência de dois lados contraditórios, sua luta e sua fusão numa categoria nova. (MARX, 1985, p. 109). Daí, pensar a coexistência de um lado bom e um lado mau, em qualquer categoria econômica e, eliminar o lado mau, significa a destruição do movimento dialético. Marx avança, ainda na Miséria da Filosofia, em torno dessa discussão quando, contrapondo-se aos economistas burgueses - que concebem a sociedade burguesa como eterna - mostra o antagonismo já existente da sociedade feudal, a presença, portanto, do lado bom e do lado mau, estando este último sempre sobrepondo-se ao primeiro. Indica, ainda, que é o lado mau que produz o movimento, que faz a história e constitui a luta. Para Marx, o importante na investigação de um processo histórico é a descoberta das leis que o governam, das leis de sua transformação e desenvolvimento, as quais independem da vontade, da consciência e das intenções dos seres humanos. E, sendo a consciência subordinada à história da civilização, a investigação crítica da própria civilização não pode ter por fundamento as formas ou os produtos da consciência; o que lhe pode servir de ponto de partida. portanto, não é a ideia, mas exclusivamente, o fenômeno externo (BLOCK, M. in Posfácio da 2 ed. alemã de O Capital. p. 15) No processo de investigação crítica, os fatos são confrontados entre si e não com a ideia, e constituem forças diversas do desenvolvimento histórico. Outro aspecto não menos relevante nesse processo é o estudo das ordens de relações em que os estágios de desenvolvimento aparecem. Pois, para Marx, não existem leis eternas; cada período histórico possui suas próprias leis. Outras leis começam a reger a vida quando ela passa de um estágio para outro, depois de ter vencido determinada etapa de desenvolvimento (BLOCK. M. in Posfácio da 2 edição alemã, p 15). Nesse sentido, Marx, prosseguindo a sua crítica aos economistas burgueses, lhes mostra que é preciso considerar a produção feudal corno um modo de produção fundado no antagonismo para avaliá-lo corretamente e verificar como se produzia a riqueza no interior desse antagonismo e como as forças produtivas se desenvolviam ao mesmo tempo que os antagonismos de classe, e como uma dessas classes, o lado mau, ia adquirindo condições materiais de emancipação, até alcançar a maturidade. Pergunta Marx:

não é o mesmo que dizer que o modo de produção, as relações nas quais as forças produtivas se desenvolvem, não são leis eternas, mas correspondem a um desenvolvimento determinado dos homens e das suas forças produtivas e que uma transformação nas forças produtivas dos homens conduz, necessariamente, a urna transformação nas relações de produção? (MARX. 1985, p 116). É nesse processo que a burguesia se forma, começando com um proletariado dos tempos feudais. E, à medida que essa classe se desenvolve, vai desenvolvendo-se, no seu interior, um proletariado moderno: desenvolve-se uma luta entre a classe proletária e a classe burguesa, luta que, antes de ser sentida por ambos os lados, percebida, avaliada, compreendida. confessada e proclamada abertamente, manifesta-se apenas por conflitos parciais e momentâneos, por episódios subversivos MARX, 1985, p. 116). Até aqui explicitou-se nosso entendimento sobre a noção de categoria em Marx, destacando-se a sua historicidade, o modo como cada uma se constrói e algumas determinações configuradoras das categorias: História e contradição. Daqui por diante, pretende-se tratar da categoria de totalidade ao fechar a discussão teórico-metodológica com uma reflexão final sobre o movimento do método, incluindo-se outros aspectos importantes ainda não abordados nesta reflexão. Para isto, toma-se como referência fundamental, mas não a única. o texto de 1857, onde a discussão da totalidade ganha relevância até então inexistente no percurso intelectual de Marx e onde suas concepções teórico-metodológicas são cristalizadas. Nesse texto, MARX (1857) está num momento de investigação e quer explicitar o percurso do seu pensamento nesse processo. Em Marx, a totalidade é uma categoria ontológica que se põe como a própria realidade social, da qual o sujeito arranca as mediações para determiná-la em totalidade. Pois, o caráter da verdade do conhecimento é o caráter de totalidade. A realidade social, enquanto complexo de totalidades, se dispõe segundo graus de maior ou menor complexidades. Estas complexidades são componentes constitutivos da realidade, mas não são partes cuja soma forma o todo, mas, sim, elementos em grau menor de complexidade que se articulam com a complexidade maior pelas mediações. O indivíduo (Social) é a menor totalidade da realidade social e se vincula a outras totalidades mais complexas (a família, as classes, etc.). Nessa vinculação entre as totalidades de maior e menor complexidade, o sentido da totalidade abrangente é que situa a dinâmica das totalidades parciais. Para Marx, pensar a dinâmica da totalidade social é compreender as regularidades, as leis que operam na sua estrutura. Parte-se das totalidades mais complexas, identificando-se o rebatimento nas totalidades menos complexas. Isto não significa que. necessariamente, temos que trabalhar o macros-social para obter a configuração da totalidade, pois a noção de totalidade em Marx não infirma os estudos setoriais, desde que estes níveis

não sejam considerados como parte de um todo, mas como totalidades menos complexas. Com a noção de que a estrutura da realidade social é a totalidade, Marx tenta apanhar esta totalidade e desvendar a estrutura da ordem burguesa. O método marxiano para compreensão dessa ordem é interpretado de forma diferenciada por estudiosos do seu pensamento, mas aqui assume-se a posição Lukaciana: o método em Marx é o método que se eleva do abstrato ao concreto. Nessa perspectiva, o sujeito se apropria da totalidade e de sua dinâmica, pelo caminho da abstração. Analisa, abstraindo do conjunto. alguns elementos da empiria (abstratos) para reconstruir o real, pois a empiria é elemento constitutivo do real, mas não é o próprio real. Neste processo, que não é simples, o sujeito vai avançando na apreensão de novas determinações que não são dadas imediatamente, e reconstrói o real, que é concreto, porque é síntese de múltiplas determinações. Atinge-se, portanto, o concreto, quando,se compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é. O concreto como unidade do diverso é, pois, o resultado do processo cio pensamento na reprodução do movimento do real. O concreto aparece no pensamento como resultado, embora seja, segundo o pensamento marxiano, o verdadeiro ponto de partida. Pois o pensamento parte do concreto (Real), ainda só se torne verdadeiramente cientifico quando retorna ao concreto, pensando-o a partir do abstrato, isto é, das determinações arrancadas do próprio concreto, pelo pensamento. Diz Marx: o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento, para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo corno concreto pensado (MARX 1857, p 117). Reproduzir portanto, a totalidade que não é dada imediatamente ao pensamento, mas é a síntese de diversas determinações, é unidade rio múltiplo. THE MARXIST METHOD OF UNDERSTANDING THE SOCIAL BEING The objective of this text is to reflect on the Marxist Method for the Knowledge of the Social Being, referring to some essentially rnethodological elements in the studies o the author on some works of Marx Crítica à Filosofia do Direito de Hegel; Ideologia Alemã e Miséria da FiIosofia. In these, the following categories are emphasized: History Contradiction and Totality,. The Social Being in Marx s is approached by taking into account the relamion5hip this revolutionary theorist establishes between that Being and the method used by the person willing to understand it.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA GARAUDY, G. Karl Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 125-194. LUKACS, G. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas. 1979. MARX, K. Introdução e prefácio a para a crítica da economia política e outros escritos. São Paulo: Abril, 1982 p.3-27. (coleção Os Economistas). Prefácio de pioneira edição e posfácio da 2 edição d O Capital. São Paulo: Abril, 1983. p.l 1-21 (coleção Os Economistas). Manuscritos econômicos-filosóficos, primeiro manuscrito_(parte final). In: Fernandes, F. org. Marx/Engels, História, São Paulo: Editora Ática,: 1983.. STÀECONE, Giuseppe. O homem e o trabalho nos manuscritos econômicos filosóficos de 1844. Nova Escrita Ensaio, São Paulo, v.5, n.11/12, 1983. (edição especial Marx hoje).