Uma aproximação Ortega/Spengler num contexto pós- Moderno



Documentos relacionados
COMPETÊNCIAS E SABERES EM ENFERMAGEM

A evolução da espécie humana até aos dias de hoje

A Alienação (Karl Marx)

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Elaboração de Projetos

QUESTÕES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS: HEIDEGGER E O HUMANISMO

A EDUCAÇÃO PARA A EMANCIPAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM DIÁLOGO NAS VOZES DE ADORNO, KANT E MÉSZÁROS

HEGEL: A NATUREZA DIALÉTICA DA HISTÓRIA E A CONSCIENTIZAÇÃO DA LIBERDADE

Classes sociais. Ainda são importantes no comportamento do consumidor? Joana Miguel Ferreira Ramos dos Reis; nº

SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

Katia Luciana Sales Ribeiro Keila de Souza Almeida José Nailton Silveira de Pinho. Resenha: Marx (Um Toque de Clássicos)

3.4 DELINEAMENTO ÉTICO JURÍDICO DA NOVA ORGANIZAÇÃO SOCIAL

A crítica à razão especulativa

Resumo Aula-tema 01: A literatura infantil: abertura para a formação de uma nova mentalidade

Módulo 2 Custos de Oportunidade e Curva de Possibilidades de Produção

ÁREA A DESENVOLVER. Formação Comercial Gratuita para Desempregados

A FILOSOFIA HELENÍSTICA A FILOSOFIA APÓS A CONQUISTA DA GRÉCIA PELA MACEDÔNIA

Visão Sistémica e Contingencial da Organização

Um forte elemento utilizado para evitar as tendências desagregadoras das sociedades modernas é:

1.1. REDE SOCIAL EM PROL DA SOLIDARIEDADE

Uma reflexão sobre Desenvolvimento Económico Sustentado em Moçambique

A Sociologia de Weber

MARKETING E A NATUREZA HUMANA

Colégio Ser! Sorocaba Sociologia Ensino Médio Profª. Marilia Coltri

A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação

PRAXIS. EscoladeGestoresdaEducaçãoBásica

A União Europeia vive, hoje, uma verdadeira questão social. Uma questão que é, ao mesmo tempo, económica, financeira e política. São muitas as razões:

Motivação: Empresarial e Escolar

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

DIREITOS HUMANOS. Concepções, classificações e características A teoria das gerações de DDHH Fundamento dos DDHH e a dignidade Humana

Processo Seletivo Filosofia

Educação para a Cidadania linhas orientadoras

PLANO DE AULA OBJETIVOS: Refletir sobre a filosofia existencialista e dar ênfase aos conceitos do filósofo francês Jean Paul Sartre.

nossa vida mundo mais vasto

difusão de idéias AS ESCOLAS TÉCNICAS SE SALVARAM

1.1. O que é a Filosofia? Uma resposta inicial. (Objetivos: Conceptualizar, Argumentar, Problematizar)

BRINCAR É UM DIREITO!!!! Juliana Moraes Almeida Terapeuta Ocupacional Especialista em Reabilitação neurológica

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - IED AULAS ABRIL E MAIO

O CONFRONTO DAS TEORIAS DE HANS KELSEN E ROBERT ALEXY: ENTRE O NORMATIVISMO E A DIMENSÃO PÓS-POSITIVISTA

Weber e o estudo da sociedade

CONFERÊNCIA AS RECENTES REFORMAS DO MERCADO LABORAL EM PORTUGAL: PERSPECTIVAS DOS PARCEIROS SOCIAIS 1

A PRODUÇÃO AUTOBIOGRÁFICA EM ARTES VISUAIS: UMA REFLEXÃO SOBRE VIDA E ARTE DO AUTOR

METODOLOGIA DO ENSINO DA ARTE. Número de aulas semanais 4ª 2. Apresentação da Disciplina

DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS COMBINADAS

( ) Max Weber: a ética protestante e o espírito do capitalismo

Fraturas e dissonâncias das imagens no regime estético das artes

CURSO PREPARATÓRIO PARA PROFESSORES. Profa. M. Ana Paula Melim Profa. Milene Bartolomei Silva

Projecto para a Auto-suficiência e Desenvolvimento Sustentáveis do Município de Almeida

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DE EDITH STEIN. Prof. Helder Salvador

Unidade 3: A Teoria da Ação Social de Max Weber. Professor Igor Assaf Mendes Sociologia Geral - Psicologia


Violações das regras do ordenamento do território Habitação não licenciada num parque natural EFA S13 Pedro Pires

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E VIDA MORAL. Monise F. Gomes; Pâmela de Almeida; Patrícia de Abreu.

ABCEducatio entrevista Sílvio Bock

Social-Commerce IT CARLOS MASSA SIMPONE

LISTA DE EXERCÍCIOS RECUPERAÇÃO FINAL 3 ano

Max Weber. Sociologia Compreensiva

A Ciência, o Poder e e os os Riscos

1.3. Planejamento: concepções

Todos os sonhos do mundo

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COMO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO E INCLUSÃO

CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA. A educação artística como arte de educar os sentidos

Reestruturação sindical: tópicos para uma questão prévia

NO CAMINHO PARA CASA ÂNGELA SALDANHA doutoramento em educação artística FBAUP

Tipos de Conhecimento

O papel do CRM no sucesso comercial

Consumidores da Felicidade 1 : Um estudo sobre Consumo, Narcisismo e Pós- Modernidade. BRAGA, Moema Mesquita da Silva

SEMINÁRIO OPORTUNIDADES E SOLUÇÕES PARA AS EMPRESAS INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS OPORTUNIDADES E SOLUÇÕES

SEMINÁRIO A EMERGÊNCIA O PAPEL DA PREVENÇÃO

alegria, prazer, desejo e entusiasmo

GRUPO I Escolha múltipla (6 x 10 pontos) (circunda a letra correspondente à afirmação correcta)

Marxismo e Ideologia

PROJECTO DE TEXTO. Assunto: PROPOSTA DE REVISÃO DOS REGULAMENTOS DO SECTOR ELÉCTRICO. DOCUMENTOS SUBMETIDOS À DISCUSSÃO PÚBLICA

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

Índice. Prefácio...9. Palavras Prévias...13

DISCURSO SOBRE LEVANTAMENTO DA PASTORAL DO MIGRANTE FEITO NO ESTADO DO AMAZONAS REVELANDO QUE OS MIGRANTES PROCURAM O ESTADO DO AMAZONAS EM BUSCA DE

KARL MARX ( )

A INDÚSTRIA CULTURAL E SEU DOMINIO SOBRE A CLASSE TRABALHADORA. Aurius Reginaldo de Freitas Gonçalves

QUALIDADE E INOVAÇÃO. Docente: Dr. José Carlos Marques

Conteúdo: Habilidades: A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia

Filosofia da natureza, Teoria social e Ambiente Ideia de criação na natureza, Percepção de crise do capitalismo e a Ideologia de sociedade de risco.

A LIBERDADE COMO POSSÍVEL CAMINHO PARA A FELICIDADE

ESTA PALESTRA NÃO PODERÁ SER REPRODUZIDA SEM A REFERÊNCIA DO AUTOR.

Perguntas e Concepções presentes sobre a natureza do Psicológico e da Psicologia. I Natureza Humana

MARINHA DO BRASIL CAPITANIA DOS PORTOS DO RN O NOSSO LIXO, O QUE FAZER?

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

1. Tradicionalmente, a primeira missão do movimento associativo é a de defender os

Senhor Presidente da Assembleia Senhoras e Senhores Deputados Senhor Presidente do Governo Regional Senhora e Senhores Membros do Governo

Sendo manifesto que estas incertezas e insegurança económica sentidas por. milhões de cidadãos Portugueses e Europeus são um sério bloqueio para o

A origem dos filósofos e suas filosofias

Funções de um objecto. na comunicação visual

INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO

A Educação Artística na Escola do Século XXI

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Perguntas mais frequentes

O que é Administração

Resumo. Leonel Fonseca Ivo. 17 de novembro de 2009

estão de Pessoas e Inovação

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, p.

Transcrição:

I Desde a Grécia Antiga que os discursos ou metanarrativas totalizantes sempre procuraram ordenar o mundo, a natureza e o Homem. Agora, em plena época pósmoderna, urbana e metropolitana, os sinais são de desordem, caos, inquietação, drama de já não existir história, excepto no que concerne aos supravalores do deus mercado lucro e poder. O dinheiro ascende a uma categoria do pensamento urbano, quantitativo e eminentemente conquistador. Num contexto marcado pela decadência do espírito, poder-se-á verificar que Oswald Spengler se assume como pessimista visceral. É que a estrutura civilizacional, pragmática e materialista da era técnica (ou hiper-técnica), impede qualquer veleidade futura. Tudo o que resta ao Homem, o animal de rapina é um imenso e deserto vazio (Cf. Baudrillard) há e haverá apenas lutas e vontades de poder que triunfam ou sucumbem, indiferentemente do universo, o qual continuará olimpicamente a sua marcha. A técnica apenas garante o controle pragmático da sociedade ocidental, nunca lhe dá a finalidade e sentido último da vida. Por isso, nada mais há a esperar, já que como remata Spengler no final de O Homem e a Técnica, o optimismo é cobardia. Do mesmo modo e em A Decadência do Ocidente se manifesta igual desiderato, quando, em palavras fortes e vigorosas Spengler parece manifestar a preocupação pela promiscuidade dos interesses económicos e políticos. Efectivamente, a problemática da crise do Homem Contemporâneo já se prefigura nas obras de Oswald Spengler. Há como que uma antevisão intuitiva do espírito dominante da época, espírito esse que é res extensa, em contraponto com o cogito, cuja substancialidade conformaria o indivíduo ao acto de criar e produzir. A partir do momento em que pela vontade de poder é criada a técnica, ela impõe o seu próprio domínio mesmo se transfigurada numa libertação da miséria ou da escravatura assalariada. Fica-se em presença de uma segunda natureza que se transforma em poder, e vai neutralizando o espírito, entendido como Razão. Dessa neutralização do espírito do Homem, este acaba por ser vítima de um apagamento e de um desencantamento consigo mesmo, se bem que aparentemente se instale uma nova forma de religião (o consumo, dir-se-ia) uma igualdade nos ócios, conforto e deleite artístico, o nosso bem conhecido panem et circensis romano. A meu ver, e através da captação dos factores históricos operantes e da constatação de uma uniformidade de estrutura vital, o tacto fisionómico spengleriano constitui-se como a primeira e mais válida

tentativa de sistematização da Decadência, irreversível da cultura fáustica, abrindo caminho, assim, á fundamentação filosófica do pós-modernismo pleno de um optimismo vulgar modelado pela crença de um progresso infinito, mas grandemente infestado de uma presença de tédio vital que é sinal do abismo. A morfologia da história universal é uma simbólica universal, realidade esta que permitirá a Spengler descobrir grupos com idênticas afinidades morfológicas. Não, como já se viu, a morfologia sistemática que trata a matéria e os seus nexos causais, mas a fisionómica que trata das formas orgânicas a vida e a história. Também é de salientar a dimensão projectiva das ideias de Arnold Toynbee, nomeadamente em Um Estudo de História, na categorização e problematização daquilo que esteve na base da reflexão de Spengler, e de uma corrente diria neo-positivista, por se aterem aos dados historicamente comprováveis visando detectar as leis basilares da história, este historiador inglês reexamina a questão da civilização ocidental em moldes relativamente menos fechados que Spengler, valorizando a ideia de que, no seu âmago, as civilizações são confrontadas com uma espécie de dialéctica tese-antítese-síntese (chamada por si lei do desafio e da réplica) a qual se torna o verdadeiro leitmotiv da história. Preferindo estão, o conceito de Civilização, ao de Cultura, seu equivalente no pensador germânico, Toynbee reconhece o primado da universalidade do mundo histórico, ou seja, uma grande civilização que em cada tempo histórico ousa transformar-se em estado universal. Segundo a sua ideia, existiria em cada civilização uma minoria criadora que responderia a reptos sucessivos levando a desenvolver-se, mas em cuja orgânica estaria presente um momento de desintegração. Nessa desintegração estaria a semente de um novo começo, o que conferiria à cultura pós-moderna, uma característica de ruptura com o seu momento anterior a cultura moderna. Daquilo que atrás fica registado, pode-se dizer que a tradição fáustica, personificada em Oswald Spengler se esforçou em radicalizar e desmascarar os falsos argumentos prometeicos, os quais associavam o domínio técnico da natureza a fins de libertação e emancipação da espécie humana. Mais do que apontar um rumo novo a uma civilização técnica que prenunciava a pós-história, e que advogava o seu próprio fim enquanto utopia cf. Fukuyama), isto é, pela exaustão, completude e consumação da noção de História que Spengler, com a sua visão fáustica e angustiada de um mundo premonitoriamente pós-moderno, vem concretizar esse esgotamento das concepções positivistas até então vigentes, as quais idealizavam o crescimento económico ilimitado, a inovação técnica infinita e o impulso capitalista para a acumulação obsessiva de capital.

Oswald Spengler formula, assim, a primeira grande visão daquilo que virá a ser o mundo pós-moderno globalizado, mundo este por si pintado a cores bem cinzentas, modelado por um pessimismo visceral e um decadentismo e uma ruína fáceis de entender, à luz do ingrediente básico a vontade de poder! Considero que esta sua moral da renúncia tem expressão fiel naquilo que a palavra alemã Gelassenheit significa: Serenidade. A Serenidade, para o pensador alemão traduz essa atitude de espírito simultaneamente de abandono e indiferença, pois estamos no âmago do mundo técnico mas ao mesmo tempo postos ao abrigo da sua ameaça. Esta serenidade spengleriana sendo uma atitude a respeito das coisas, uma atitude de espera, implica uma renúncia ao fazer e ao querer, isto é, a qualquer activismo, mas nunca uma atitude ascética. Ao contrário do que se possa pensar, A Decadência do Ocidente não é um simples lamento ou lágrima das formas pretéritas, mas sim uma metodologia inovadora á contemporaneidade. A perda de referencial, ou de sentido orientador e normativo para a Vida e outras transformações que caracterizam a pós-modernidade, acabam por estar subjacentes a toda a problemática desenvolvida nesta tese. O autor madrileno considera uma mania, diríamos hoje, uma obsessão, pelo cultivo quase mecânico e extravagante de uma dimensão puramente material e exteriorizada (corporal),imagem essa que pretendemos amplificar para o domínio do Outro numa relação de quase-poder, de um modo absolutamente servil e individualista. Banalidade quotidiana, actividade do corpo e consumo permanente, eis o retrato orteguiano, também nitidamente pessimista e desencantado. II O estímulo da personalização através da comunicação e do consumo faz-se agora tendencialmente pela via do hedonismo e do jogo, encarados como formas de ocupação na diversão, na evasão e na irrealidade, pela perda da civitas e na indiferença pelo bem comum. Enquanto jogamos, não fazemos nada! É interessante que no seu pequeno escrito A Ideia do Teatro, Ortega chama-nos a atenção para essa quase-necessidade da farsa, pela nossa necessidade de construirmos uma quase-irrealidade (um ultramundo ) que é apanágio do ludus como jogo evasivo. Significaria uma técnica de diversão e que, em última análise e bem à maneira do divertissement pascaliano, mais não visaria que suspender virtualmente a sua própria escravidão existencial dentro da realidade evadindo-se para uma outra vida irreal, imaginária, fantasmagórica.

Neste sentido é que se deve compreender a ideia orteguiana apresentada em Meditacion de la Tecnica segundo a qual o jogo, enquanto programa vital extranatural não passa de um luxo vital ou uma zona de otium, por oposição à do nec-otium com a carga negativa que a perspectiva orteguiana lhe confere. A distracção seria assim uma dimensão paralela de ultravitalismo, consubstancial à vida real, tornando-se uma das grandes dimensões da cultura contemporânea. Socorrrendo-nos de autores bem conhecidos do panorama filosófico-sociológico europeu, como Adorno, Baudrillard, Jurgen Habermas e Gilles Lipovetsky, diria que Ortega y Gasset conseguiu de um modo certeiro e firme, antever as vicissitudes culturais das lógicas sedutivas e emancipatórias de um individualismo efémero e fugaz, vazio e primitivista, de uma política monocromática sem profundidade ideológica. Isto significa uma desafeição aos grandes sistemas de sentido ou metanarrativas, típicos de um niilismo globalizante puramente imagético. A moda, curiosamente não tem sido objecto de um tratamento suficientemente profundo, todavia ela encerra na sua inutilidade aparente, uma complexidade e dinâmica que devem ser objecto de reflexão e abordagem conceptual. Longe de ser um luxo da vida colectiva, tornou-se um processo estruturante do humano que encerra contornos filosófico-sociológicos globais, através da produção, consumo e publicidade. Actualmente, tudo parece girar em torno das grandes ideias de sedução, efemeridade e diferenciação marginal,ou o denominado destino geral da efemeridade, no dizer de Oswald Spengler. Isto acaba por ter reflexos ao nível do modo como nos encaramos aos outros e a nós mesmos e também á política que construímos. Tudo isto comporta riscos, como é evidente. Os riscos de hoje em dia afectam todos os países, povos e classes sociais, pois como dizia Ortega, já não existem ilhas de humanidade. As consequências serão sempre globais e já nunca e tão só, pessoais. Frente a isso, só existe a gestão do risco, a qual obriga o homem a ajustar-se e a responder constantemente às circunstâncias com vista a vencer e a superar as suas incertezas. Ortega y Gasset é, pois, obreiro dos tempos em que vivemos, ou seja, da mundialização da contemporaneidade (global) ou pós-modernismo, omnipresente nos mais singelos e ínfimos actos do quotidiano. Nada mais nada menos, afinal, que aquilo que Oswald Spengler afirmava, quando se referia ao sentimento universal faustico como expressão final de um ciclo orgânico que se fechava esgotando as possibilidades de expressão criação da cultura presente!

Na extensão desta ideia, e segundo Theodor Adorno e Jean Baudrillard, as palavras encaradas como signos são destituídas de qualidade, hoje já não significam nada. A sua repetição cega liga a publicidade á palavra de ordem totalitária, constituindo simulacros de coacção que se revelam na própria liberdade de escolher. Totalitário, o esclarecimento tornou-se mitologizado, pois comporta-se com as coisas tal como um ditador com os seres: conhece-os na medida em que os pode manipular. A ética transmuda-se em estética política, clone alienado, estetizando-a. A actual civilização técnica surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão instrumental, representa o domínio racional sobre a natureza e um domínio irracional sobre o próprio homem: fascismo e nazismo seriam mostras e manifestações concludentes dessa atitude autoritária de domínio sobre o Outro. A racionalidade da técnica identifica-se, pois, em última análise, com a racionalidade sob forma de barbárie, como o atesta a evidência da presença dos media como agentes de negócios da indústria cultural, determinando à medida dos seus interesses, as regras do próprio consumo de massas, mecanizando-as até mesmo nos seus momentos de ócio. Em Habermas, os critérios da acção instrumental sofrem de uma cada vez mais profunda racionalização do real, através da sofisticação e tecnificação dos sistemas de comunicação. Deste modo, a acção centrada na técnica serviria como exercício de controlos e legitimação de formas de domínio opressivo, podendo ser considerada uma ideologia do rendimento (ideologia tecnocrática), controlada pelo êxito, produtividade e operatividade do trabalho social.