A construção de hipóteses. Manuel Portugal Ferreira ESTG - Instituto Politécnico de Leiria globadvantage. Working paper nº 112/2014

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Transcrição:

A construção de hipóteses Manuel Portugal Ferreira ESTG - Instituto Politécnico de Leiria globadvantage 2014 Working paper nº 112/2014

globadvantage Center of Research in International Business & Strategy INDEA - Campus 5 Rua das Olhalvas Instituto Politécnico de Leiria 2414-016 Leiria PORTUGAL Tel. (+351) 244845051 Fax. (+351) 244845059 E-mail: globadvantage@ipleiria.pt Webpage: www.globadvantage.ipleiria.pt Citação: Ferreira, M. A construção de hipóteses, working paper º 112/2014, globadvantage Center of Research in International Business & Strategy Citação atualizada: Ferreira, M. A construção de hipóteses, Revista Ibero Americana de Estratégia, Vol. 12, n. 4, p. 1-8, 2013.. Com o apoio 2

A construção de hipóteses INTRODUÇÃO Neste artigo continuo a tratar alguns dos aspetos essenciais na escrita e publicação de artigos académicos em Administração e, especificamente, a construção de hipóteses. O objectivo continua a ser proporcionar um conjunto de sugestões e dicas para melhorar o manuscrito com vista a melhores publicações em periódicos nacionais e estrangeiros. Todos os artigos têm uma componente de desenvolvimento conceitual onde o autor avança com as suas novas propostas e análises que materializa num conjunto de hipóteses (em artigos empíricos) ou proposições (em artigos conceituais). Neste artigo foco na explicação do que são efectivamente hipóteses e proposições e proponho um pequeno exercício que o autor pode utilizar para verificar a coerência do seu modelo. Este exercício, que recebe dos ensinamentos de David Whetten (recomendo ler o artigo de 1989), pode ser usado nas aulas com alunos de Mestrado e Doutorado. As hipóteses e proposições Em especial os estudantes de Mestrado e Doutorado costumam ter alguma dificuldade em entender o que são hipóteses e como se distinguem de proposições. Uma forma simples de entender a diferença entre hipótese e proposição é que as hipóteses tratam de propostas de relações entre variáveis portanto, passíveis de ser mensuradas mais ou menos directamente -, enquanto as proposições tratam de construtos. Efetivamente, esperamos que um artigo que apresente hipóteses inclua os dados e testes estatísticos (ou, eventualmente, outros métodos de natureza qualitativa) das hipóteses. Em contraponto, um artigo com proposições sinaliza o seu carácter conceitual. Por exemplo, beleza é um construto, enquanto o índice de massa corporal é uma variável. Em alguns casos, os pesquisadores preferem definirem as suas hipóteses usando construtos mas, depois, na seção de método, explicam como medem o construto ou seja explicam que variáveis usam para medir cada construto. Se, como apresentei acima, as hipóteses são propostas de relações entre duas ou mais variáveis, o que isto significa na prática? Primeiro, que, no mínimo, uma hipótese precisa ter duas variáveis: uma dependente e uma independente (situação(1) na Figura 1), mas pode ter mais que duas, se incluir, por exemplo, uma variável moderadora (situação (2) na Figura 1) ou mediadora (situação (3)). Importa notar que o último caso (3) envolve na realidade duas hipóteses. Segundo, que as hipóteses devem indicar uma direcção e sentido. Na figura representamos os sinais +, -, U e U invertido para evidenciar as relações mais frequentemente usadas. Ou seja, é crucial indicar não apenas a relação esperada 3

mas como essa relação existirá. Obviamente, o suporte conceitual para a relação e sua direcção antecede cada uma das hipóteses formuladas. Na parte dos resultados, o autor mostrará o resultado, como o nome indica, para o teste estatístico de cada hipótese individual e sequencialmente. Figura 1. Tipos de hipóteses independente + - U U dependente (1) independente dependente (2) moderadora independente (3) mediadora dependente Fonte: o autor. Como sustentar as hipóteses: O argumento As hipóteses formuladas não devem surgir como uma surpresa para o revisor e, posteriormente, para o leitor. Isto significa que cada hipótese precisa ser bem argumentada (Sutton e Staw, 1995). Nesta argumentação importa usar um conjunto de referências relevantes e que sustentam, pelo menos em parte, os seus argumentos. Mas, a argumentação não é apenas conceitual ou geral sobre a literatura a literatura já foi analisada na seção de revisão de literatura antes, precisa ligar uma e outra variável. Há várias formas de fazer isto. Uma é procurar uma relação lógica dada pela teoria, mostrando como a teoria sustenta a relação que é proposta de tal modo que o leitor entenda a explicação do porquê esta relação poder existir (se efetivamente existe ou não é o que aferimos nos resultados dos testes estatísticos das hipóteses). Outra forma de construir a relação entre as variáveis é procurar evidência empírica que dê suporte à proposta. Eventualmente, a evidência pode não ser sobre o fenómeno exato mas a relação proposta pode ser inferida por proximidade conceitual. Por exemplo, em certos casos podem ser inferidos conceitos e relações da literatura 4

em joint-ventures para estudar alianças estratégicas. Ainda assim, é preciso mostrar a evidência empírica e construir um argumento credível. Note que em alguns casos os autores podem estar efetivamente a estudar uma determinada indústria ou sector de actividade, por exemplo, ou a analisar um certo tipo de empresas. Nestes casos talvez seja recomendável mostrar o que há de específico no objecto de estudo que poderá ser diferente e assim sustentar as hipóteses face a outros objectos de estudo. No fundo, o que o autor faz é restringir a um dado objecto, ou contexto (uma indústria, um país, uma característica cultural, etc.), a sua argumentação e hipóteses. Em alguns artigos vemos que a sustentação teórica é dada pela combinação de diferentes teorias. Esta forma pode levar à construção de hipóteses alternativas, ou competitivas, e é nos resultados que se decide qual prevalece. Ou, o autor pode preferir explicar como, no contexto em particular do seu estudo, uma teoria pode ter predomínio face a outra. Isto é, o autor mostrará que nas condições que examina, as previsões de uma teoria podem ser mais ajustadas que as que resultariam de uma teoria alternativa. Ou, as diferentes teorias serem usadas complementarmente, para explicar diferenciadamente porque certas relações podem ser razoavelmente propostas. Em qualquer destes casos importa que o autor zele pela coerência de todo o seu modelo, evitando que o artigo surja como uma colectânea de hipóteses pouco relacionadas. É evidente que a seção das hipóteses usa teoria mas não é uma reprodução da revisão de literatura. A sugestão que dou para a construção do texto é que comece a escrever cada parágrafo com o argumento principal e, assim, remeter as citações a literatura existente para a função de dar sustentação aos argumentos que desenvolve. Sparrowe e Mayer (2011) sugerem que o autor escreva uma primeira versão desta seção sem qualquer citação, de modo a aferir se os argumentos são convincentes e coerentes. Depois, na revisão e reescrita do texto procurará, então, a sustentação conceitual que é absorvida de outros trabalhos. Ou seja, primeiro expõe o seu trabalho e depois procurará a inserção na conversação teórica vigente a que se refere Whetten (1989) e clarificará como o seu trabalho contribui para o conhecimento. É na parte de desenvolvimento conceitual que o autor expõe as suas hipóteses/proposições, pelo que a sustentação desta seção é exactamente proporcionar o fundamento para as hipóteses/proposições. O que isto significa é que o objectivo da escrita e selecção da literatura a referenciar nesta seção vai almejar três aspectos cruciais (Sparrowe e Mayer, 2011): (1) Referenciar literatura que sustenta conceitualmente as hipóteses; ou seja, posicionar as hipóteses numa dada linha de pesquisa ou, como designa David Whetten (1989), posicioná-las numa conversação. 5

(2) Desenvolver uma argumentação coerente no texto que antecede cada uma das hipóteses e lógica que permita sustentar que as variáveis, ou construtos, expostas nas hipóteses poderão ter a relação que é proposta. (3) Construir um texto coerente onde seja patente a linha de raciocínio do autor e que, simultaneamente, mantenha o foco da argumentação. Alguns problemas mais comuns com as hipóteses Como autor, revisor para periódicos e professor já me deparei inúmeras vezes com a dificuldade de entender as hipóteses e proposições que apresentadas um artigo. Penso que, efetivamente, a dificuldade resulta não apenas de má especificação das hipóteses mas antes que o problema começa antes, num texto que não tem um foco claro e não conduz às propostas de relações, ou hipóteses, que o autor apresenta. Quais são, então, os principais problemas? Os seguintes são largamente inferidas de experiências pessoais. De forma geral, as principais lacunas nas hipóteses prendem-se com: (a) falta de clareza, não se entendendo efectivamente quais são os construtos ou variáveis, (b) não se entende qual a relação entre as variáveis; ou seja, não têm direção, (c) não formulam realmente uma proposta de relação, sendo apenas afirmativas e não hipóteses, (d) apenas afirmam o óbvio não contendo qualquer novidade, (e) contém tantos elementos que não são realisticamente possíveis de testar, (f) as hipóteses que não derivam da questão de pesquisa definida no artigo, (g) não são explicadas, ou argumentadas, no texto que as antecede, (h) e, em alguns casos, são apresentadas na forma de listagens mais ou menos coerentes no final da seção. Discuto apenas quatro destas em seguida. Afirmativas não são hipóteses. Observo um erro frequente na formulação das hipóteses, que é o de as hipóteses não proporem uma relação entre duas variáveis X e Y, mas antes serem meras afirmativas. Compreendendo que as hipóteses precisam propor uma relação e o sentido dessa relação (positiva, negativa, U invertido, etc.) entre, pelo menos uma variável dependente e uma independente, é importante que o autor verifique a escolha de palavras na formulação das hipóteses. Coerência teórica das hipóteses. Uma oura dificuldade está em os autores não seguirem uma linha conceitual, ou teórica, convergente. Isto é especialmente visível quando para cada hipótese usam uma teoria distinta. Ainda que seja aceitável usar mais que uma teoria na construção de um argumento e na realidade vários artigos exploram as diferenças nas previsões que diferentes teorias sustentam -, é importante ter um foco conceitual único. Note que mesmo quando o autor usa mais que uma teoria para sustentar as hipóteses, o uso das teorias não pode ser um menu a la carte em que cada hipótese é sustentada com uma teoria diferente. 6

Hipóteses óbvias. Se uma hipótese apenas afirma algo que é óbvio, é mais provável que os revisores rejeitem o artigo por falta de nova contribuição. Uma forma possível de tentar ultrapassar este problema é repensar o argumento. Por exemplo, poderia ser de outra forma? A óbvia relação pode afinal não ocorrer? Em que circunstâncias? E será que a real relação é linear e positiva ou pode ser curvilinear? Haverá moderadores ou efeitos contextuais relevantes? No fundo, o que o autor estará a fazer é identificar e argumentar porque algo que seria óbvio (a crítica) pode não ocorrer. Hipóteses com demasiadas variáveis. Algumas hipóteses são de tal forma complexas que não são passíveis de testar, pelo menos sem o recurso a técnicas mais sofisticadas que as que o autor e o leitor usualmente estão familiarizados. As relações entre duas ou três variáveis são testáveis com as técnicas usuais. Efetivamente, em certos casos, os testes propostos nas hipóteses são condicionais à verificação conjunta de mais que um estado para que se possa concluir que uma hipótese é confirmada. Por exemplo, se o autor propõe que as empresas grandes e bem reputadas tenderão a ter maior desempenho, será necessário não apenas que as empresas sejam grandes ou que sejam bem reputadas, mas que estas condições se verifiquem simultaneamente. Embora não seja especialmente difícil este teste, acontece que a condicional (um e outro atributos) não foi argumentada ou não era pretendida realmente pelo autor. Um exercício Apresento agora um exercício que cada autor pode fazer individualmente para analisar o seu artigo enquanto constrói as hipóteses e que o Professor pode fazer com os seus alunos em especial os de Mestrado e Doutorado. Este exercício permite explicar não apenas o que são hipóteses mas, também, alertar para a necessidade de o conjunto de hipóteses ser coerente. Embora num artigo não seja obrigatório apresentar um modelo visual das hipóteses, é algo que os leitores usualmente gostam de ver. Para o exercício precisa de algumas folhas de post-it e uma caneta. Como utilizar? Nas folhas deve escrever uma de duas coisas: ou uma variável (e recomendo que se limite a escrever mesmo a variável e não designações vagas de uma ideia), ou uma direcção (pode simplesmente desenhar uma seta, com um sinal que corresponde ao tipo de relação esperada). Depois use os post-its para construir as hipóteses, juntando variáveis e direcções (veja exemplo na Figura 2). Assim, cada hipótese será representada nos post-its, com uma folha contendo o nome de uma variável dependente, outra folha o nome da variável independente e noutra folha uma seta com o tipo de relação que prevê (negativa, positiva, em U, ou outra). Faça este procedimento para cada uma das 7

suas hipóteses. Depois, junte todas as hipóteses e construa o seu modelo conceitual. A figura 2 mostra um exemplo do resultado final. Figura 2. Utilização de post-its para construção de hipóteses Nota: este exercício foi-me apresentado por David Whetten, em 2004, numa sessão na Universidade de Utah. Veja como, na Figura 2, cada post-it inclui apenas uma variável. Outros post-its incluem a direcção e sentido da relação que é proposta. Assim, numa folha de post-it represento uma relação de U invertido, enquanto as outras denotam simplesmente um efeito positivo ou negativo. Este exercício é também útil para analisar a coerência do modelo conceitual. O modelo deve convergir para apenas uma variável dependente (ainda que esta possa ser mensurada de várias formas por exemplo, medindo desempenho pode usar medidas económicas, estratégicas ou contábeis). Portanto, caso não consiga reunir todas as suas hipóteses num modelo coerente, o problema não está no exercício, mas sim nas suas hipóteses que não são coerentes, por exemplo, na variável dependente, ou que não estão alinhadas ou que, simplesmente, não são realmente hipóteses. NOTAS FINAIS O desenvolvimento das hipóteses e proposições é uma tarefa fundamental com a qual muitos alunos de Mestrado e Doutorado se debatem. Neste comentário não foquei os trabalhos qualitativos que não visam testar teoria mas antes gerar nova teoria (Eisenhardt, 1989; Eisenhardt; Graebner, 2007), nem as especificidades envolvendo os trabalhos qualitativos (Gephart, 2004; Suddaby, 2006). No entanto, realço que a construção de teoria a partir de trabalhos 8

qualitativos, e nomeadamente de estudo de casos, envolve utilizar um ou mais caso para criar construtos teóricos e proposições utilizando-se dos dados colectados (Eisenhardt, 1989, 1991). Num artigo académico é fundamental ter hipóteses bem argumentadas, formalmente bem construídas e que, no seu conjunto, construam um modelo conceitual coerente. É nas hipóteses que o autor mostra como se propõe avançar a fronteira do conhecimento. Por exemplo, as hipóteses são o reflexo visível imediato das novas relações entre variáveis que o autor propõe, mas a sua força depende de toda a argumentação que se pretende baseada na teoria existente que é feita para as sustentar. Ou seja, não basta propor novas relações ou condicionar, através de variáveis mediadoras ou moderadoras, as que já conhecemos. A teoria constrói-se nesta argumentação. REFERÊNCIAS Eisenhardt, K. (1989) Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14: 532-550. Eisenhardt, K. (1991). Better stories and better constructs: The case for rigor and comparative logic. Academy of Management Review, 16: 620-627. Eisenhardt, K. & Graebner, M. (2007). Theory building from cases: Opportunities and challenges, Academy of Management Journal, 50(1): 25-32. Gephart, R. (2004). Qualitative research and the Academy of Management Journal. Academy of Management Journal, 47: 454-462. Sparrowe, R. & Mayer, K. (2011). From the editors: Publishing in AMJ - Part 4: Grounding hypotheses Academy of Management Journal, 54(6): 1098-1102. Suddaby, R. (2006). What grounded theory is not. Academy of Management Journal, 49: 633-642. Sutton, R. & Staw, B. (1995). What theory is not. Administrative Science Quarterly, 40: 371-384. Whetten, D. (1989). What constitutes a theoretical contribution? Academy of Management Review, 14: 490-495. 9

About the author Manuel Portugal Ferreira He received his PhD in Business Administration from the David Eccles School of Business, The University of Utah, USA, an MBA from the Portuguese Catholic University; Portugal and a BA in Economics from the University of Coimbra, Portugal. He is currently a Professor at the University Nove de Julho UNINOVE, in Sao Paulo, Brazil, where he teaches Strategy to the Masters and Doctoral program. He is the Director of globadvantage Center of Research in International Business & Strategy. His research interests lie on understanding firms international choices and delves on aspects as the institutional environments, multinationals strategies, knowledge and the resource based view, internationalization and cross-border acquisitions. He has published several books and articles. E-mail: manuel.portugal.ferreira@gmail.com 10