Ortopedista Pediátrico e Cirurgião de Coluna do Serviço de Ortopedia do Hospital Jaraguá e Hospital São José Jaraguá do Sul - Santa Catarina, SC.

Documentos relacionados
26ª Imagem da Semana: Imagem da Semana Fotografia

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Escoliose Idiopática no Adolescente: Utilização de Auto-enxerto e Homoenxerto no Tratamento Cirúrgico Posterior

Tratamento cirúrgico das deformidades vertebrais na neurofibromatose Surgical treatment of spinal deformities associated to neurofibromatosis

Descritores: Escoliose/cirurgia; Fusão vertebral; Doenças da coluna vertebral; Curvaturas da coluna vertebral.

Tratamento cirúrgico da escoliose idiopática com o uso do instrumental de Cotrel-Dubousset *

Escoliose idiopática do adolescente: análise do grau de correção obtido com o uso de parafusos pediculares

Técnicas em Ortopedia Tratamento cirúrgico da escoliose idiopática com instrumentação de terceira geração e manobra de desrotação

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DO TRATAMENTO CIRÚRGICO DA ESCOLIOSE NA ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 2

Estagiário de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas (SP), Brasil.

Trabalho realizado pelo Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente AACD São Paulo (SP), Brasil.

Mensuração da rotação vertebral na escoliose idiopática tratada pelo instrumental de Cotrel-Dubousset

ÍNDICE DE ASSUNTOS ÍNDICE DE ASSUNTOS - VOLUME

Avaliação do tratamento cirúrgico da fratura toracolombar com material de terceira geração *

ARTIGO ATUALIZAÇÃO / UPDATING ABSTRACT RESUMO INTRODUÇÃO. Robert W. Gaines. Versão original aceita em português

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE. RESUMO Objetivos: comparar os resultados radiográficos

Trabalho realizado no Hospital Mário Covas da Faculdade de Medicina do ABC FMABC Santo André (SP), Brasil.

Existem indicações para utilização do fixador occipi,0to-cervical em detrimento de outras técnicas de artrodese posterior?

Estudo de casos clínicos com Easyspine. Tratamento e Correção de Deformidades Severas Na Coluna

Médico Cirurgia de Coluna

Abordagem Posterior no Tratamento da Malformação da Junção Crânio-Vertebral

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE. RESUMO Objetivo: avaliar o poder de correção do parafuso pedicular em comparação

Chefe do Grupo de Coluna do I Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia INTO Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2

Tratamento cirúrgico da escoliose idiopática do adolescente utilizando parafusos pediculares: análise dos resultados clínicos e radiográficos

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

Projetado por renomados. cirurgiões da coluna, o. Easyspine apresenta. uma simplificada técnica. cirúrgica e implantes. adaptáveis para se ajustar

Fixação monossegmentar das fraturas da coluna toracolombar

Estudo por imagem do trauma.

Correção cirúrgica da escoliose pelo método de Zielke *

TEMA: MONITORIZAÇÃO NEUROFISIOLÓGICA NA CIRURGIA CORRETORA DA ESCOLIOSE CONGÊNITA

RESUMO ABSTRACT. Descritores: Coluna vertebral; Escoliose; Radiografia; Curvaturas da coluna Vertebral; Adolescente.

RETALHOS ÂNTERO-LATERAL DA COXA E RETO ABDOMINAL EM GRANDES RECONSTRUÇÕES TRIDIMENSIONAIS EM CABEÇA E PESCOÇO

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DA UTILIZAÇÃO DO VEPTR EM PACIENTES PORTADORES DE ESCOLIOSE

II Adolescent idiopathic scoliosis (Lenke B and C): Prediction of coronal decompensation. ABSTRACT

Trabalho realizado no Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente AACD São Paulo (SP), Brasil.

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

Autoria: Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica

Cirurgião de Coluna do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD São Paulo (SP), Brasil. 4

1. Santa Casa de Misericórdia de Santos, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Grupo de Coluna Vertebral, Santos, SP, Brasil.

Utilização da tração halo-craniana préoperatória no tratamento de deformidades vertebrais de alto valor angular

AVALIAÇÃO DO TRATAMENTO DA ESCOLIOSE IDIOPÁTICA POR ARTRODESE POR VIA ANTERIOR E POSTERIOR

MANUAL DE CODIFICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS EM CIRURGIA DA COLUNA VERTEBRAL

COMPARAÇÃO FUNCIONAL E RADIOgRáFICA DA INSTRUMENTAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR PARA CORREÇÃO DA ESCOLIOSE IDIOPáTICA DO ADOLESCENTE

Autoria: Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia

Descompressão póstero-lateral tipo Capener: estudo retrospectivo de 16 pacientes com deformidade vertebral e comprometimento neurológico *

Descritores - Cifose; Coluna vertebral; Doença de Scheuermann; Fusão vertebral; Osteotomia

Tratamento conservador das fraturas da coluna toracolombar *

Simpósio Interativo Avançado AOSpine: Trauma das transições da Coluna Vertebral

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA

Traumatismo Raquimedular Traumatismo Crâniencefálico

Programa de Especialização em Ortopedia Infantil e. Reconstrução (R4)

3. RESULTADOS DA REVISÃO DE LITERATURA

Deformidades Angulares dos Membros Inferiores I - Joelhos - Prof André Montillo

ESPONDILOLISTESE TRAUMÁTICA DO AXIS FRATURA DO ENFORCADO

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA PROJETO PEDAGÓGICO

Is it really necessary to restore radial anatomic parameters after distal radius fractures? Injury, Int. J. Care Injured 45S(2014) S21-S26

Corrección de las deformidades sagitales fijas por la técnica de osteotomía de sustracción pedicular (PSO)

Ortopedista e traumatologista do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória Vitória (ES) e do Hospital Meridional Cariacica (ES), Brasil.

ARTIGO ORIGINAL ABSTRACT. Keywords Scoliosis; Arthodesis; Adolescent; Radiography, Bone Screw

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DO PACIENTE IDOSO INTERNADO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA

Diagnóstico por imagem da coluna lombar

PROCESSO-CONSULTA CFM nº 4/2016 PARECER CFM nº 9/2017 INTERESSADO: Dr. A.D.C. ASSUNTO:

KEYWORDS: Spinal fusion; Intervertebral disk displacement; Transplantation, autologous

PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO E EDUCAÇÃO CONTINUADA DA SBOT-RJ ORTOCURSO SBOT-RJ/COLUNA CURSO PREPARATÓRIO PARA O TEOT 22 de Agosto de 2015 NOME:

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Assistente do Grupo de Coluna de Botucatu; Médico Cirurgião de Coluna do Hospital Estadual de Bauru ( SP), Brasil. 2

Ensaios mecânicos com espaçadores vertebrais ( cages ) *

Avaliação da telelaringoscopia no diagnóstico das lesões benignas da laringe

Reunião bibliográfica

MANUAL DE CODIFICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS EM CIRURGIA DA COLUNA VERTEBRAL

A Triagem Escolar: um instrumento de detecção precoce das alterações posturais

01 - BRANCA PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO E EDUCAÇÃO CONTINUADA DA SBOT-RJ ORTOCURSO SBOT-RJ/COLUNA CURSO PREPARATÓRIO PARA O TEOT 22 de Agosto de 2015 NOME:

Fixação transpedicular percutânea em fraturas toraco-lombares

Fratura toracolombar tipo explosão: classificação de McCormack e falha de instrumentação posterior

LESÕES TRAUMÁTICAS DA COLUNA

NEUROCIRURGIA o que é neurocirurgia?

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Juliano Silveira Luiz Vieira 1 Carlos Fernando Pereira da Silva Herrero 1 Maximiliano Aguiar Porto 2 Helton LA Defino 3

ALTERAÇÕES DAS CURVAS DA COLUNA VERTEBRAL

Tumores benignos da coluna cervical*

Princípios do tratamento das fraturas

TRABALHO DO PROFESSOR ANDRÉ VIANA RESUMO DO ARTIGO A SYSTEEMATIC REVIEW ON THE EFFECTIVENESS OF NUCLEOPLASTY PROCEDURE FOR DISCOGENIC PAIN

TRAUMATISMO RAQUIMEDULAR

Sistema de parafusos pediculares no tratamento de deformidades vertebrais: análise da correção e das complicações imediatas *

ÓRTESES PARA TRONCO E PESCOÇO

Avaliação da perda da correção no tratamento cirúrgico das fraturas da coluna torácica e lombar

DOENÇA DE GRAVES EM IDADE PEDIÁTRICA: AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DOS ANTITIROIDEUS

GUIA TÉCNICO FIXADORES EXTERNOS

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L DO P A R A N Á ISABEL CRISTINA NERY

RASTREIO DA ESCOLIOSE EM PACIENTES PRÉ PUBERAL E PUBERAL

TRATAMENTO CIRÚRGICO DA ESCOLIOSE NA AMIOTROFIA ESPINHAL PROGRESSIVA

Luxação Congênita do Quadril (Displasia Acetabular) Doença de Legg-Perthes-Calvet Epifisiólise. Prof André Montillo UVA

Escoliose idiopática do adolescente: Avaliação do efeito da densidade dos parafusos na correção

COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE 189 Análise dos resultados do tratamento cirúrgico da escoliose distrófica secundária à neurofibromatose Surgical treatment of dystrophic scoliosis in neurofibromatosis: analysis of results Análisis de los resultados del tratamiento quirúrgico de la escoliosis distrófica secundaria a la neurofibromatosis André Boss Demo 1 Carlos Abreu de Aguiar 2 Edson Pudles 3 Luis Eduardo Munhoz da Rocha 4 Luiz Antonio Munhoz da Cunha 5 RESUMO Objetivo: os autores têm por objetivo avaliar os resultados do tratamento cirúrgico das curvas distróficas secundárias da neurofibromatose realizado no Hospital Pequeno Príncipe (HPP). Métodos: este é um estudo retrospectivo realizado no período entre 1990 a 2005, no qual 17 pacientes foram submetidos ao tratamento cirúrgico com artrodese circunferencial, sendo 14 curvas cifo-escolióticas (cifose>50 ) e três escolióticas (cifose < 50 ). Resultados: o tempo médio de seguimento foi de 5,8 anos (1-15 anos). A média de idade do aparecimento da deformidade foi de 5,7 anos (1-13 anos). Com relação aos critérios para o diagnóstico de neurofibromatose, a presença de manchas café com leite foi a mais freqüente. Com relação às alterações distróficas, a subluxação rotatória foi encontrada em 11 pacientes. Cinco pacientes apre- ABSTRACT Objective: the authors analyzed the results of surgical treatment in dystrophic spinal deformities caused by neurofibromatosis at Hospital Pequeno Príncipe (HPP). Methods: this is a retrospective study from 1990 until 2005. Anterior and posterior fusion s were performed in 17 patients. The patients were divided into two groups: 14 were kyphoscoliothic curves (kyphosis more than 50º) and three scoliothic curves (between 20º and 50º). Results: the mean follow-up period was 5,8 years (range, 1-15 years). The beginning of symptoms range from one to 13 years old (average 5,7 years). Café-au-lait spots were the most frequent clinical disgnostic criteria of neurofibromatosis. For dystrophic changes, vertebral scalloping was found in 11 patients. Neurological deficit was present in five patients at the first visit. After RESUMEN Objetivo: los autores tienen por objetivo evaluar los resultados del tratamiento quirúrgico de las curvas distróficas secundarias a la neurofibromatosis realizado en el Hospital Pequeno Principe (HPP). Métodos: este es un estudio retrospectivo realizado en el periodo entre 1990 a 2005. Diecisiete pacientes sometidos al tratamiento quirúrgico con artrodesis circunferencial. Catorce curvas fueron cifoescolióticas (cifose>50 ) y tres escolióticas (cifose<50 ). Resultados: el tiempo promedio de seguimiento fue de 5.8 años (1-15 años). La edad media del aparecimiento de la deformidad fue de 5.7 años (1-13 años). Con relación a los criterios para el diagnóstico de neurofibromatosis, la presencia de manchas café con leche fue la más frecuente. Con relación a las alteraciones distróficas, la subluxación rotatoria Trabalho realizado no Hospital Pequeno Príncipe (HPP) de Curitiba Paraná, PR. 1 Ortopedista Pediátrico e Cirurgião de Coluna do Serviço de Ortopedia do Hospital Jaraguá e Hospital São José Jaraguá do Sul - Santa Catarina, SC. 2 Ortopedista Pediátrico e Cirurgião de Coluna do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) - Curitiba, Paraná, PR. 3 Chefe responsável pelo Serviço de Cirurgia da Coluna do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) Curitiba, Paraná, PR. 4 Ortopedista Pediátrico, Cirurgião de Coluna e Preceptor da Residência de Ortopedia do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) e responsável pela Cirurgia da Coluna. 5 Chefe do Serviço de Ortopedista Ortopedia do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) e Diretor Geral do IESP. Recebido: 17/07/2006 - Aprovado: 04/10/2007 12_pag194_199.pmd 189

190 Demo AB, Aguiar CA, Pudles E, Rocha LEM, Cunha LAM sentaram alteração neurológica préoperatória. Após o tratamento três destes melhoraram totalmente, um parcialmente e um permaneceu paraplégico. A pseudoartrose foi observada em um paciente tratado com artrodese in situ. Nos pacientes submetidos à instrumentação não se observou pseudoartrose e tampouco progressão da curva (pe 0,05). Conclusão: a cirurgia precoce com a artrodese circunferencial e instrumentação posterior mostrou-se segura e eficaz na obtenção da correção e estabilização das curvas distróficas secundárias à neurofibromatose. DESCRITORES: Escoliose/etiologia; Escoliose/cirurgia; Neurofibromatoses/ complicações; Neurofibroma; Fusão vertebral; Curvaturas da coluna vertebral surgical treatment, three obtained complete recover, one had partial recover and one stayed paraplegic. One patient, submitted to an in situ fusion, had pseudoarthrosis. The instrumented patients didn t have failure neither deterioration of postoperative correction (p e 0,05). Conclusion: careful planning, precocious combining anterior and posterior fusion with instrumentation showed to be a safe procedure to active correction and fusion of dystrophic spinal deformities in neurofibromatosis. KEYWORDS: Scoliosis/etiology; Scoliosis/surgery; Neurofibromatosis/ complications; Neurofibroma; Spinal fusion; Spinal curvatures fue encontrada en 11 pacientes. Cinco pacientes presentaron alteración neurológica preoperatoria. Después del tratamiento tres de estos mejoraron totalmente, un parcialmente y un permaneció parapléjico. La seudoartrosis fue observada en un paciente tratado con artrodesis in situ. En los pacientes sometidos a la instrumentación no se observó seudoartrodesis así como tampoco progresión de la curva (pe 0,05). Conclusión: la cirugía precoz con la artrodesis circunferencial y la instrumentación posterior mostró ser segura y eficaz en la obtención de la corrección y estabilización de las curvas distróficas secundarias a la neurofibromatosis. DESCRIPTORES: Escoliosis/ etiología; Escoliosis/cirugía; Neurofibromatosis/ complicaciones; Neurofibroma; Fusión vertebral; Curvaturas de la columna vertebral INTRODUÇÃO A neurofibromatose (NF) é uma doença autossômica dominante de expressividade variável com 100% de penetrância e alto índice de mutação 1. Atualmente, dividemse os pacientes portadores de neurofibromatose em três grupos: NF tipo 1 (periférica, associada a manifestações ortopédicas), NF tipo 2 (central, associada a Schwannomas vestibular e espinhal) e uma terceira forma, mosaico da NF1, Neurofibromatose segmentar que envolve um dimídio 2. A escoliose é a manifestação ortopédica mais freqüente da NF1. Dois tipos de desvios estão descritos na literatura: curvas não-distróficas, que clínica e radiograficamente são semelhantes à escoliose idiopática, e curvas distróficas que são mais freqüentes e caracterizam a doença 2-5. A curva distrófica é identificada radiograficamente quando se observa deformidade vertebral associada a curto raio com grande aumento de rotação, defeito nos pedículos, subluxação vertebral, luxação costo-vertebral associado à costela afilada em ponta de lápis. Quanto mais graves as alterações distróficas, mais rápida é a progressão 5. Classicamente esses desvios são divididos em três grupos: escolioses com perfil sagital normal (cifose entre 20º e 50º); cifo-escolioses (cifose maior que 50º) e lordo-escolioses (cifose menor que 20 ). As cifo-escolioses tem maior potencial de progressão, pseudoartrose, alteração neurológica e são mais rígidas 3-,6. As lordo-escolioses estão descritas com menor freqüência na literatura, porém sabese que predispõem à diminuição da capacidade pulmonar e prolapso da válvula mitral 4,7. O tratamento conservador com colete é ineficaz e o tratamento cirúrgico precoce está bem indicado mesmo em pacientes jovens com curva progressiva 5. O objetivo deste estudo é avaliar os resultados do tratamento cirúrgico da escoliose distrófica por neurofibromatose. MÉTODOS Após aprovação pela comissão de ética em pesquisa do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) foi realizado um estudo retrospectivo de 21 prontuários de pacientes portadores de escoliose distrófica associada à neurofibromatose tratados no Hospital Pequeno Príncipe (HPP) no período entre 1990 a 2005. Para o diagnóstico de neurofibromatose foram utilizados os critérios do consenso da Conferência de Desenvolvimento do Instituto Nacional de Saúde de 1987 (Tabela 1) 8. O diagnóstico das curvas distróficas foi estabelecido quando estavam presentes um ou mais dos seguintes critérios: curva com angulação de curto raio (menos que seis corpos vertebrais) e com grande rotação apical, costelas em ponta de lápis, alargamento foraminal, defeito nos pedículos e subluxação rotatória vertebral 2-5,8. 12_pag194_199.pmd 190

Análise dos resultados do tratamento cirúrgico da escoliose distrófica secundária à neurofibromatose 191 TABELA 1 - Critérios diagnósticos de NF1 1. Seis ou mais manchas café-com-leite maiores que 5mm de diâmetro em indivíduos pré-púberes ou maiores que 15mm em indivíduos pós-púberes 2. Dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibroma plexiforme 3. Sardas axilares ou inguinais 4. Glioma no nervo óptico 5. Dois ou mais nódulos de Lisch na íris (hamartomas de íris) 6. Lesões ósseas distintas, displásicas ou em região cortical de osso longos, com ou sem pseudoartrose 7. Parentes de primeiro grau que reúnem critérios diagnósticos de NF1 Dois ou mais dos sete critérios confirmam o diagnóstico Fonte: Traduzido e modificado de: Neurofibromatosis. Conference Satement. National Institutes of Health Consensus Development Conference. Arch Neurol 1988;45(5):575-8. Foi montada uma ficha específica para a coleta dos dados do prontuário. Os pacientes incluídos no estudo apresentavam os seguintes critérios: realizaram correção cirúrgica com artrodese da coluna vertebral, não perderam o seguimento durante o acompanhamento ambulatorial, apresentavam mais de um ano de evolução após a cirurgia. Todos os pacientes eram avaliados por meio de exames clínicos, neurológicos e de radiografias ortostáticas em ântero-posterior e perfil sendo as curvas mensuradas pelo método de Cobb. O diagnóstico de sub-luxação rotatória era feito quando havia deslizamento entre os corpos vertebrais maior que 3mm na vértebra torácica e 4mm na lombar 6. Devido à gravidade de algumas deformidades eram realizados exames complementares para estudo préoperatório: mielografia, tomografia axial computadorizada (TAC) e a partir de 1998, a ressonância magnética (RM). Os pacientes foram divididos em dois grupos conforme o padrão da curva: escoliose (cifose entre 20º e 50º) e cifoescoliose (cifose maior que 50º). O tratamento cirúrgico era realizado com artrodese anterior e posterior (360º) através de três técnicas: fios de amarria sub-laminar com retângulo de Hartchill, implante híbrido de terceira geração (parafusos pediculares e ganchos) e artrodese in situ. Em toda a artrodese era colocado enxerto ósseo e este era selecionado conforme disponibilidade no ato operatório. Para a análise estatística foi utilizado o teste t de student. As diferenças foram consideradas significativas quando p 0,05. RESULTADOS Dos critérios para diagnóstico de neurofibromatose, as manchas café-com-leite foram encontradas em todos os pacientes, as sardas axilares em 40% deles, os nódulos de Lisch e gliomas ópticos não foram encontrados em nenhum paciente, as lesões ósseas associadas em 35%, os neurofibromas em 50% deles (destes 64% eram de coluna) e o neurofibroma plexiforme em 10%. Dos 21 pacientes, 13 são do sexo masculino (62%) e oito do sexo feminino (38%). Estes 38% têm história familiar positiva (oito pacientes). O diagnóstico da deformidade foi realizado em média com 5,7 anos (1-13 anos). A idade no momento da primeira consulta foi com 10,1 anos (1 ano e seis meses - 16 anos). Dos 21 pacientes, quatro foram excluídos do estudo. Destes, dois aguardam a realização da cirurgia, um deles que é portador de cifo-escoliose recusou-se ser submetido à cirurgia, tendo uma curva torácica de 82º e cifose de 58º e um deles, tratado cirurgicamente, foi excluído por falta de seguimento. O exame neurológico pré-operatório apresentava alteração em cinco pacientes, sendo um com paraplegia no nível de T8 (subluxação rotatória com 21mm) e 11 pacientes com sub-luxação rotatória (Figura 1). Sobre os exames de imagens, 17 pacientes apresentavam radiografias no pré-operatório, pós-operatório imediato e no final do seguimento. Um paciente foi submetido a mielografia, quatro a tomografia computadorizada e quatro à ressonância magnética. A idade média na cirurgia foi de 10,7 anos (3 a 17 anos). Dos 17 pacientes, todos foram submetidos à liberação e à artrodese via anterior através de toracotomia e via posterior, sendo em nove no mesmo tempo cirúrgico. Destes, oito ficaram em média 45 dias sob tração craniana após a liberação anterior e apresentaram um valor médio da escoliose de 88.3º e da cifose 78.9º. O tempo médio de seguimento foi de 5,8 anos, variando de 1 à 15 anos e cinco meses de pósoperatório. Em relação às deformidades, 14 pacientes apresentavam curvas cifo-escolióticas e três escolióticas. Foram encontradas curvas torácicas em 14 pacientes e dupla curva torácica em três. A localização da curva mais freqüente nas torácicas foi de T5 a T9 e nas duplas curvas de T2 a T12 com vértebra de transição em T8. A artrodese foi realizada com enxerto autólogo de ilíaco em 15 pacientes, homólogo de banco em três (corticoesponjoso), hidroxiapatita em três, fíbula em dois e costelas em três. Houve associação de dois tipos de enxerto em nove pacientes. Dos cinco pacientes que apresentavam alteração neurológica pré-operatória, três evoluíram com recuperação 12_pag194_199.pmd 191

Demo AB, Aguiar CA, Pudles E, Rocha LEM, Cunha LAM 192 completa em até seis meses de pós-operatório. Um apresentou melhora parcial com força muscular grau quatro em membros inferiores e outro, que chegou com paraplegia estabelecida há mais de três semanas, não apresentou melhora. Nos pacientes sem alteração neurológica préoperatória não houve mudança no exame físico após a cirurgia. Na liberação e artrodese via anterior também foi identificado neurofibromas justa foraminais em 41% dos pacientes (Figura 2). O desvio angular médio da escoliose no pré-operatório foi de 82.4º (47º - 120º), da cifose 65.9º (20º - 144º). No pósoperatório imediato esses valores foram reduzidos para 38.5º (30º - 82º) e 52.6º (24º - 94º), respectivamente. No último seguimento a média da escoliose foi de 39.4º (30º - 83º) e da cifose 53.4º (24º - 97º). Não houve progressão da curva estatisticamente significativa do pós-operatório imediato até o último seguimento. A comparação da correção cirúrgica entre os dois tipos de materiais de implantes utilizados (Hartchill x parafusos pediculares), a diferença estatística entre as radiografias de frente e perfil foram de p=0,143 e p=0,490, respectivamente (sem diferença estatisticamente significativa) (Figuras 3 e 4). Foram pesquisadas como complicações precoces e tardias: infecção, soltura de material com perda da fixação e déficit neurológico que neste grupo de pacientes não ocorreu. Foram encontrados sinais clínicos e radiográficos de pseudoartrose em um paciente submetido a artrodese in situ. Um ano e seis meses após, foi constatada progressão da cifo-escoliose o que levou a revisão da artrodese para estabilização da curva com enxerto estruturado. Figura 2 Feminino, 6 anos. Ressonância magnética neurofibroma intracanal (seta) A B Figura 1 Masculino, 8 anos. Reconstrução tridimensional sub-luxação rotatória D C Figura 3 Masculino, 3 anos. A) Raio-X pré-operatório frente. B) Raio-X pré-operatório perfil. C) Raio-X pós-operatório frente. D) Raio-X pós-operatório perfil 12_pag194_199.pmd 192

Análise dos resultados do tratamento cirúrgico da escoliose distrófica secundária à neurofibromatose A B 193 D C Figura 4 Masculino, 10 anos. A) Raio-X pré-operatório frente. B) Raio-X pré-operatório perfil. C) Raio-X pós-operatório frente. D) Raio-X pós-operatório perfil DISCUSSÃO A escoliose distrófica por neurofibromatose é um desafio de difícil tratamento. O diagnóstico precoce, por meio dos sinais clínicos de neurofibromatose e a identificação radiográfica das curvas distróficas é de suma importância para o correto planejamento do tratamento. A idade no momento do aparecimento da escoliose variou de 3 a 8,7 anos na literatura mundial, o que coincide com nosso estudo (5,7 anos) 2-3,5-6,9. Weinstein et al. indicam o tratamento através de artrodese anterior e posterior em pacientes com escoliose acima de 40º e cifose maior que 50º 5. Todos os pacientes submetidos à cirurgia apresentavam curvas acima desta recomendação. O protocolo de tratamento do serviço nestes desvios é realizar artrodese 360º em todos os pacientes. O baixo potencial de crescimento da coluna no sítio da deformidade e a rápida progressão da curva são os motivos da indicação de tratamento cirúrgico precoce 5,10. O tempo entre o diagnóstico da curva distrófica e a realização da cirurgia foi de, em média, seis meses nos 17 pacientes operados. O padrão de curva mais comum é uma curva torácica envolvendo de quatro a seis vértebras com grave angulação e rotação apical em associação com alterações ósseas1-2,6. Parisini et al. encontraram 75% de curvas torácicas em 56 pacientes; neste estudo foi encontrado 80% e sem predominância de lateralidade6. Alguns autores chamam a atenção para a possibilidade de piora neurológica em pacientes com tumores intracanal2. Na avaliação deve-se afastar qualquer alteração intracanal para o melhor planejamento cirúrgico. Entre as causas de lesões neurológicas podem existir ectasia da dura-máter, pseudomeningocele, neurofibroma intracanal, compressão medular no ápice da deformidade e compressão medular pela cabeça de costelas. A compressão medular por qualquer dessas lesões pode ser a causa de déficit neurológico antes e após a correção cirúrgica 5-6,11-12. Dos cinco pacientes com déficit neurológico, houve associação de tumor intracanal e subluxação rotatória em 3 sendo que em apenas um havia subluxação rotatória isolada e noutro um tumor intracanal isolado. Um paciente apresentava luxação da articulação costo-vertebral com invasão do canal medular pela cabeça da costela. O diagnóstico foi feito através de TAC e a remoção da costela foi realizada antes da correção cirúrgica da deformidade. Este paciente não apresentou déficit neurológico pré e pós-operatórios. A literatura mostra que manchas café-com-leite é a manifestação clínica mais comum encontrada em pacientes com neurofibromatose 1,13-15. No grupo de pacientes estudado 100% apresentavam tal manifestação. DiSimone et al. relata neurofibromas e pseudoartrose de tíbia em 19%, já em nosso estudo foi encontrado 50% de neurofibromas e 35% de lesões ósseas associadas14. Nódulos de Lisch aparecem em mais de 90% dos pacientes adultos.2,15 mas nenhum dos pacientes revisados apresentou tal sinal. Isto pode ocorrer devido ao aparecimento gradual dos sinais na neurofibromatose (modulação)15. A pseudoartrose foi encontrada em apenas um paciente no qual não foi utilizado material de implante (5,9%).Outros autores encontraram 22% de pseudoartrose com aumento progressivo da escoliose e duas 12_pag194_199.pmd 193

194 Demo AB, Aguiar CA, Pudles E, Rocha LEM, Cunha LAM complicações neurológicas associadas a deformidade 6,16. Betz et al. relataram 74% de pseudoartrose em 17 pacientes sendo necessárias 13 cirurgias de revisão 9. As curvas distróficas principalmente as com cifose tem maior chance de progressão da deformidade e a rigidez é uma característica 17. Neste grupo de pacientes a correção média da escoliose e da cifose foi de 55,7% e 15,5%, respectivamente. Betz et al. obtiveram um percentual de correção da escoliose de 26% e Parisini et al. Mostraram uma média de correção no mesmo padrão de curva de 33% nas escolioses e 47% nas cifoses 9,16. A escoliose distrófica por NF1 está associada a altos índices de complicações, inclusive paraplegia. Considerando-se a freqüência de lesão intracanal é recomendada à realização de ressonância magnética no préoperatório, bem como quando a deformidade óssea for muito grave, a TAC com reconstrução tridimensional trás subsídios que permitem uma avaliação mais precisa da deformidade e aumentam a segurança da abordagem cirúrgica 2,4-5,12,16. CONCLUSÃO A artrodese circunferencial com instrumentação nas curvas distróficas mostrou-se um método confiável, com baixo índice de complicações e de correção satisfatória no grupo de pacientes estudado. REFERÊNCIAS 1. Holt RT, Johnson JR. Cotrel- Dubousset instrumentation in neurofibromatosis spine curves. A preliminary report. Clin Orthop Relat Res. 1989; (245):19-23. 2. Crawford AH, Schorry EK. Neurofibromatosis update. J Pediatr Orthop. 2006; 26(3):413-23. 3. Crawford AH. Neurofibromatosis. In: Weinstein SL, editor. The pediatric spine. New York: Raven Press; 1994. p. 619-49. 4. Crawford AH. Neurofibromatosis. In: Weinstein SL, editor. The pediatric spine. New York: Raven Press. 2001. p. 471-90. 5. Kim HW, Weinstein SL. Spine update. The management of scoliosis in neurofibromatosis. Spine. 1997; 22(23):2770-6. 6. Parisini P, Di Silvestre M, Greggi T, Paderni S, Cervellati S, Savini R. Surgical correction of dystrophic spinal curves in neurofibromatosis. A review of 56 patients. Spine. 1999; 24(21):2247-53. 7. Winter RB, Lovell WW, Moe JH. Excessive thoracic lordosis and loss of pulmonary function in patients with idiopathic scoliosis. J Bone Joint Surg Am. 1975; 57(7):972-7. 8. Neurofibromatosis. Conference Statement. National Institutes of Health Consensus Development Conference. Arch Neurol. 1988; 45(5):575-8. 9. Betz RR, Iorio R, Lombardi AV, Clancy M, Steel HH. Scoliosis surgery in neurofibromatosis. Clin Orthop Relat Res. 1989; (245):53-6. 10. Basile Júnior R, Pedrosa FM, Lima RV, Bonetti CL, Castro FAV. Escoliose e neurofibromatose: estudo retrospectivo de oito casos. Rev Bras Ortop. 1996; 31(7): 584-6. 11. Crawford AH. Pitfalls of spinal deformities associated with neurofibromatosis in children. Clin Orthop Relat Res. 1989; (245):29-42. 12. Khoshhal KI, Ellis RD. Paraparesis after posterior spinal fusion in neurofibromatosis secondary to rib displacement: case report and literature review. J Pediatr Orthop. 2000; 20(6):799-801. 13. Vitale MG, Guha A, Skaggs DL. Orthopaedic manifestations of neurofibromatosis in children: an update. Clin Orthop Relat Res. 2002; (401):107-18. 14. DiSimone RE, Berman AT, Schwentker EP. The orthopedic manifestation of neurofibromatosis. A clinical experience and review of the literature. Clin Orthop Relat Res. 1988; (230):277-83. 15. Durrani AA, Crawford AH, Chouhdry SN, Saifuddin A, Morley TR. Modulation of spinal deformities in patients with neurofibromatosis type 1. Spine. 2000; 25(1):69-75. 16. Parisini P, Di Silvestre M, Greggi T, Miglietta A, Paderni S. Surgical management of dystrophic spinal curves in neurofibromatosis: A review of long-term results (average followup: 15 years) [abstract]. J Bone Joint Surg Br. 2000; 82 Suppl 1:41. 17. Funasaki H, Winter RB, Lonstein JB, Denis F. Pathophysiology of spinal deformities in neurofibromatosis. An analysis of seventy-one patients who had curves associated with dystrophic changes. J Bone Joint Surg Am. 1994; 76(5):692-700. Correspondência Carlos Abreu de Aguiar Rua Buenos Aires, 1020, Curitiba, Paraná, PR CEP 80.250-070 E-mail: aguiar.carlos@uol.com.br 12_pag194_199.pmd 194