Churchill e o discurso que mudou a hibória



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Transcrição:

John Lukacs Churchill e o discurso que mudou a hibória Sangue, trabalho, lágrimas e suor Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges Rio de Janeiro

Capítulo 1 Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor. Frases são lembradas e evocadas com frequência por várias razões diferentes. Sua permanência e o respeito que lhes é dedicado depois de muitos anos são os únicos indícios de seu valor. Isso se aplica a qualquer obra de arte, seja uma pintura ou uma música, não importa como tenha sido julgada na época de seu aparecimento. Um mau poema não sobreviverá por muito tempo, um bom poema sim. Consideremos agora outra questão: o que ele significou no momento em que surgiu? Terá mudado desde então? Em 1940, alguns discursos de Winston Churchill alteraram o curso da história britânica, europeia, mundial. Sangue, trabalho, lágrimas e suor, porém, não teve esse efeito pelo menos não em 13 de maio de 1940, quando Churchill pronunciou essas palavras, ou nos dias seguintes. Por que então dirigir nossa atenção a essas palavras? Porque elas soam impressionantes em retrospecto? Sim, mas isso não é tudo. Elas lançam um súbito golpe de luz sob sob, não além o timbre sonoro da retórica de Churchill. Elas iluminam algo. Refletem algo que estava e que permanece sob sua 9

bravura. A bravura de Churchill estava viva em maio de 1940; as pessoas, especialmente na Grã-Bretanha, estavam impressionadas com ela. Outras a reconheciam, mas qualificavam-na em termos diferentes: bravura, se quisessem, mas a bravura de um homem embriagado por suas ambições, instável, volúvel, imprudente, trombeteando com braggadocio, uma palavra nãoinglesa, ou com orgulho antes da queda, uma expressão muito inglesa. No devido tempo, muitos dos homens e mulheres que tinham aversão a ele se provariam errados. Mas não ainda. O que eles não sabiam e que muita gente, inclusive alguns historiadores, não sabe até agora, quase 70 anos depois era que sob a bravura de Churchill estava sua compreensão de uma tragédia iminente, ainda inimaginável para a maioria: de que era tarde, provavelmente tarde demais, e de que Adolf Hitler estava vencendo, estava prestes a vencer, estava quase vencendo a Segunda Guerra Mundial, a sua guerra. R R R Maio de 1940 a data evoca pouco ou nada na mente da maioria dos americanos. Mas na mente dos europeus ocidentais, cujos países foram invadidos e devastados pelos exércitos alemães de Hitler durante esse mês, ela evoca lembranças vastas e sombrias, por vezes desconfortavelmente reprimidas. No tocante aos britânicos, a lembrança de maio de 1940 é mais simples. As notícias que chegavam do outro lado do canal da Mancha eram ruins. No entanto, Churchill tornara-se primeiroministro, e eles estavam inspirados por sua determinação; ele e eles estavam unidos, ele e eles acreditavam que a Grã-Bretanha 10

resistiria e acabaria por vencer a guerra. Durante a guerra e muito depois dela, era disso que Churchill queria que eles, e os povos anglófonos do mundo, se lembrassem: foi assim que ele escreveu sobre maio de 1940 em sua inimitável história da Segunda Guerra Mundial. Isso não deixava de ser verdade, mas não era inteiramente verdade em maio de 1940 certamente não no dia 13 daquele mês. E Churchill sabia disso também. Ele sabia que Adolf Hitler estava vencendo a guerra. Sua guerra, que era nada menos que a Segunda Guerra Mundial. Quase um século depois da deflagração da Primeira Guerra, historiadores e outros ainda ruminam e debatem sobre quem foi mais responsável pelo que aconteceu em 1914: Áustria, Sérvia, Alemanha, Rússia, França, Grã-Bretanha; monarcas, primeiros-ministros, embaixadores, estados-maiores etc. Todos eles foram responsáveis em alguma medida. Com relação a 1939, não pode (ou melhor, não deveria poder) haver semelhante questão. Um homem, Hitler, iniciou a guerra. As responsabilidades de outras pessoas e outros governos em 1939 foram, na pior das hipóteses, as de omissão, não de execução. No entanto, Hitler não ficou feliz quando, dois dias depois de seu exército penetrar na Polônia, os governos britânico e francês, ainda que de maneira relutante, declararam guerra contra seu Reich alemão. Ele esperava que fossem ceder no último minuto como haviam cedido um ano antes em Munique, especialmente agora, quando a União Soviética de Stálin estava do seu lado e havia feito um pacto com ele. Apesar disso, as declarações de guerra britânica e francesa chegaram ainda que, como logo se revelou, esses países estivessem despreparados para lutar com força total. A principal razão, porém, 11

de ter ele optado por invadir a Polônia e arriscar uma guerra com a Grã-Bretanha e a França em setembro de 1939 não foi a obsessão de um fanático. Ele achava que o tempo trabalhava contra ele e sua Alemanha. Tinha de cumprir sua missão a dominação alemã da Europa Ocidental e sua consequente supremacia sobre a maior parte da Europa antes que as democracias ocidentais se armassem e se tornassem mais fortes. Seu amigo e aliado Mussolini sugeriu-lhe que não seria assim: os franceses e os britânicos não estavam prontos para tal esforço. Para Hitler, no entanto, se a guerra tinha de acontecer, quanto antes melhor. 1 E ele não estava inteiramente errado: em 1940, os franceses desmoronaram e a Grã-Bretanha ainda estava em grande parte desarmada. Havia outro elemento na mente de Hitler com relação à guerra. Era uma questão não de escolha do momento, mas de ideias. Ele acreditava que a Alemanha era então em grande parte sua (o que não era de todo falso) e que o povo alemão tinha agora uma qualidade que superava de longe as qualidades de seus inimigos. Não se tratava de uma qualidade de raça ou de composição física. Ela era mental, não material; espiritual, não biológica. Era o resultado da adoção e aceitação do nacionalsocialismo. Pouco antes de maio de 1940, em conversa com Goebbels, Hitler disse que essa guerra não passava de uma repetição, em escala maior, do que estivera acontecendo na Ale- 1 Havia um outro elemento, pessoal. Em algum momento, sobretudo em 1938, ele se convenceu, provavelmente de maneira equivocada, de que não lhe restavam mais muitos anos de vida. Tinha portanto de concluir sua missão. Há muitos indícios dispersos dessa estranha hipocondria pessimista, uma de suas poucas fraquezas. 12

manha antes de sua chegada ao poder. Nas brutais lutas de rua dois ou três anos antes de 1933, um membro de uma tropa de assalto nacional-socialista valia por dois ou três de seus adversários, digamos, dois ingleses ou três franceses. Não por causa do equipamento e do melhor treinamento dos soldados alemães, mas por causa da determinação, da coragem e do espírito superiores: porque a Wehrmacht, a Kriegsmarine e a Luftwaffe, a despeito de suas diferenças e comandantes, eram uma nova força armada alemã modelar. Ele estava convencido da verdade inerente disso. Pensava que as relações e as disputas dos Estados, exércitos e nações eram como as dos indivíduos. 2 Antes de 1933 ele estava certo de que iria, quase inevitavelmente, chegar ao poder na Alemanha. Antes de 1940, acreditava que sua Alemanha podia dominar a Europa. Em maio de 1940, tinha razões para acreditar nisso. Não estava sozinho nessa crença. Os alemães de Hitler, escrevera Robert Boothby, um churchilliano, alguns meses antes, representavam a incrível concepção de um movimento jovem, viril, dinâmico e violento que avança irresistivelmente para derrubar um mundo velho e decadente; devemos ter isso sempre em mente, porque é a principal fonte da força e do poder nazistas. Germany Turns the Clock Back foi o título de um livro muito vendido e bem-escrito sobre Hitler e a Alemanha, da autoria de Edgar Mowrer, um inteligente jornalista ameri- 2 Estaria inteiramente errado? Proust num fragmento de 1915: A vida das nações apenas repete, numa escala maior, a vida de suas células componentes; e aquele que é incapaz de compreender os mistérios, as reações, as leis que determinam os movimentos do indivíduo nunca poderá esperar dizer coisa alguma que mereça ser ouvida sobre as lutas das nações. 13

cano. Mas o que de fato acontecera fora o contrário. Hitler havia adiantado o relógio. A Alemanha era moderna: sua indústria, seu exército, sua força aérea eram mais modernos que os de seus adversários; o Terceiro Reich era mais moderno que Polônia, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, França, Grã-Bretanha suas vítimas e adversários. Assim também a ideologia do nacional-socialismo era mais moderna que liberalismo, parlamentarismo, marxismo; o novo Reich era mais moderno que as repúblicas em ruínas e as monarquias constitucionais remanescentes da Europa. A Alemanha nacional-socialista era certamente parecia ser uma encarnação de uma onda, talvez a onda, do futuro. Milhões de pessoas na Europa pensavam isso, ou pelo menos algo parecido com isso; e em maio e junho de 1940, muitos milhões mais passaram a pensar da mesma forma. Parte desse pensamento era oportunismo, uma reação assombrada aos sucessos formidáveis do exército alemão, mas havia mais envolvido. Os indícios disso, inclusive as inclinações e expressões de muitos pensadores, escritores e artistas em vários países da Europa, encheriam um livro de mil páginas. Todas essas coisas foram se acumulando ao longo de maio, junho e julho de 1940. Afinal, antes de 1940 havia três grandes protótipos de padrões políticos e Estados: a democracia parlamentar encarnada pelas nações anglófonas e a maior parte dos Estados da Europa Ocidental; o comunismo, representado pela União Soviética; e ditaduras nacionalistas, das quais a principal encarnação era a Alemanha nacional-socialista. Em 1940, como fora durante alguns anos antes e seria durante alguns depois, a Alemanha nacional-socialista era o mais forte dos três. Sabemos e muitas vezes esquecemos que por fim foram necessárias 14

as forças combinadas dos Estados Unidos, da União Soviética e da Grã-Bretanha para derrotá-la e conquistá-la, e que a aliança de quaisquer dois desses países não teria sido suficiente. O assunto deste livro, porém, é uma frase particular dita por um homem particular em 13 de maio de 1940, um homem que talvez de forma única e providencial compreendia Hitler. 3 R R R O dia 13 de maio de 1940 foi segunda-feira de Pentecostes, habitualmente feriado em grande parte da Europa antes da guerra. O que sabemos sobre Hitler é que nesse dia ele estava confiante, mas também nervoso. Três dias antes, no amanhecer do dia 10, uma sexta-feira, ele iniciara a grande ofensiva ocidental de seus exércitos contra Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França. No dia 13, ele estava em seu quartel-general atrás do front. Pondo e tirando os óculos que lhe haviam sido prescritos recentemente, esquadrinhava os mapas hora após hora, satisfeito com o ritmo de avanço de suas tropas, mas não inteiramente certo do que estava por vir, nem de quão cedo isso aconteceria. Hitler, cuja estratégia era uma espécie de inversão da de Clausewitz para ele a política era uma continuação da guerra por outros meios, prestou pouca atenção à política naquele dia, inclusive às informações políticas secretas vindas dos campos de seus adversários. Três dias antes, tarde da noite de seu dia mais longo, o 3 É digno de nota que eles nunca tivessem se encontrado. Em 1932, Hitler, que na época estava ávido por conhecer todo tipo de ingleses, recusou-se estranhamente a se encontrar com Churchill. Em 1937 foi Churchill que achou melhor não visitar a Alemanha e se encontrar com Hitler. 15

dia 10, havia chegado a notícia de que Winston Churchill se tornara primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Naquela noite ele não prestara nenhuma atenção a isso. 4 R R R Churchill tinha, para um inglês, excepcionais conhecimento e compreensão da Europa, da história e do caráter de muitas de suas nações. Era um francófilo convicto e comprometido, não só por razões políticas uma inclinação que emergira muito antes da entente e da aliança franco-britânica antes e no decorrer da Primeira Guerra Mundial. Mais importante, para nossos propósitos, é sua visão sobre a Alemanha e os alemães. Já desde sua visita à Alemanha em 1909 ele se sentia ao mesmo tempo impressionado e repelido, ao menos em parte, pela rigidez militar do prussianismo. Sua reação não era incomum. A prusso- e a germanofobia preponderaram entre ingleses e americanos durante toda a Primeira Guerra Mundial, por vezes indevidamente. Com demasiada frequência eles atribuíam os elementos do prussianismo à Alemanha como um todo. Mais incomum e duradouro foi o respeito de Churchill respeito, e não admiração, mas de todo modo verdadeiro respeito pelo que a Alemanha e os alemães foram capazes de 4 Goebbels escreveu em seu diário tarde da noite do dia 10 de maio: Agora Churchill é o premier. O terreno está livre! É disso que gostamos. Mas notemos o que Goebbels escreveu no mesmo diário em 18 de junho de 1941 (três dias antes da invasão da Rússia pela Alemanha): Se não fosse por ele, esta guerra já teria terminado há muito tempo. 16

alcançar durante a Primeira Guerra Mundial. Ele pensava, e temia, que a derrota deles em 1918 poderia não ser o fim da ques tão. É revelador o que escreveu nos anos 1920, bem no final de sua volumosa história da Primeira Guerra Mundial, The World Crisis: O povo alemão merece melhores explicações do que a história superficial de que foi solapado pela propaganda inimiga. Durante quatro anos, a Alemanha lutou e desafiou os cinco continentes do mundo por terra, mar e ar. Os exércitos alemães sustentaram seus vacilantes aliados, intervieram em cada teatro com sucesso, mantiveram-se por toda parte em território conquistado e infligiram a seus inimigos mais de duas vezes o derramamento de sangue que eles próprios sofreram. Para dominar sua força e ciência e reprimir sua fúria, foi necessário pôr em campo contra eles todas as maiores nações da humanidade. Populações esmagadoras, recursos ilimitados, sacrifícios sem medida, o Bloqueio Marítimo, não puderam prevalecer por 50 meses. Pequenos Estados foram pisoteados na luta; um Império poderoso foi reduzido a fragmentos irreconhecíveis; e quase 20 milhões de homens pereceram ou tiveram seu sangue derramado antes que a espada fosse arrancada daquela terrível mão. Com certeza, alemães, para a história basta! [E] Será isso o fim? Deverá ser isso apenas um capítulo numa história cruel e insensata? Irá uma nova geração ser por sua vez imolada para acertar as lúgubres contas entre teutão e gaulês? Irão nossos filhos sangrar e arfar novamente em terras devastadas? Ou brotará das próprias chamas do conflito aquela reconciliação dos três combatentes gigantes, que uniriam seu gê- 17

nio e garantiriam para cada um, em segurança e liberdade, uma parte na reconstrução da glória da Europa? Em outubro de 1930 ocorreu na vida de Churchill um pequeno episódio que ele próprio não registrou ou do qual talvez nem se lembrasse. 5 Churchill e a esposa jantavam na embaixada da Alemanha em Londres. Ele não parava de interrogar seus anfitriões sobre Hitler. Um deles, funcionário da embaixada e descendente de Bismarck, achou isso tão estranho que o relatou a Berlim, numa comunicação de rotina. Hitler declarou, é claro, que não pretende iniciar uma guerra mundial, mas Churchill acredita que Hitler e seus seguidores agarrarão a primeira chance de recorrer às armas de novo. Um mês antes desse jantar, Hitler e seu Partido Nacional-Socialista haviam obtido impressionante resultado nas eleições nacionais alemãs. Mas ninguém na época pensava que um homem como Hitler poderia se tornar o líder ou o chanceler eleito da Alemanha. Hitler pensava. Ele se tornou chanceler em janeiro de 1933 num momento em que a carreira de Churchill, sua influência e suas perspectivas políticas estavam em sua pior fase. No curso da década de 1930, a carreira de Churchill foi de fracasso em fracasso, enquanto Hitler somava sucesso a sucesso. As duas coisas não deixavam de estar relacionadas. A reputação de Churchill nos anos 1930 sofreu, entre outras razões, por sua insistência no perigo alemão. 5 Ele pode ser encontrado na montanha de documentos diplomáticos do período entre as guerras, e até impresso entre os milhares de documentos escolhidos para inclusão em um de seus volumes. 18