1 Das Penas Concurso de Crimes

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Transcrição:

Das Penas Concurso de Crimes Pode ocorrer que várias pessoas, unidas pela mesma identidade de propósito, se reúnam com o fim de cometer determinada infração penal, e, neste caso, teremos aquilo o que o Título IV do Código Penal denominou de concurso de pessoas. Também pode acontecer que uma só pessoa pratique uma pluralidade de delitos, surgindo o fenômeno do concurso de crimes. O Código Penal, antevendo a possibilidade de o agente praticar vários delitos, regulou o tema relativo ao concurso de crimes pelos seus arts. 69, 70 e 71, que preveem, respectivamente, o concurso material (real), o concurso formal (ideal) e o crime continuado, cada qual com suas características e regras próprias, que servirão de norte ao julgador no momento crucial da aplicação da pena. CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES: O art. 69 do CP prevê o chamado concurso material ou real de crimes, com a seguinte redação: Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. O primeiro aspecto a ser observado diz respeito ao conceito de ação, que pode ser concebido segundo uma concepção causal, final ou social. Resumidamente, para os causalistas, que adotam um conceito naturalista, ação é a conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo exterior. O conceito final de ação, criado por Welzel juntamente com sua teoria, diz ser ela o exercício de uma atividade final. A teoria social, que surgiu com a finalidade de ser uma ponte entre as duas teorias anteriores, traduz o conceito de ação como sendo a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Além do aspecto próprio de cada definição, é preciso salientar que a ação pode ser composta por um ou vários atos. Os atos são, portanto, os componentes de uma ação e dela fazem parte. Isso quer dizer que os atos que compõem uma ação não são ações em si mesmos, mas sim partes de um todo. Optamos pela conduta finalista da ação e com base nela desenvolveremos o nosso raciocínio. Também é importante salientar que adotaremos o conceito analítico de crime em sua divisão tripartida, ou seja, o crime como um fato típico, ilícito e culpável, e não aquela conceituação proposta por Damásio, Mirabete e Delmanto, que afirma ser o crime um fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade um pressuposto para a aplicação da pena. Requisitos: O chamado concurso material possui dois requisitos: a) mais de uma ação ou omissão b) prática de dois ou mais crimes A questão do concurso material cuida da hipótese de quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, poderá ser responsabilizado em um mesmo processo em virtude da prática de dois ou mais crimes. Caracteriza-se o concurso material ainda quando alguns dos delitos venham a ser cometidos e www.sandrocaldeira.com.br 1

julgados depois de os restantes o terem sido, porque não há necessidade de conexão entre eles, podendo os diversos delitos ser objeto de processos diferentes. Contudo, uma vez afirmada existência de concurso material, a regra a ser adotada será a do cúmulo material. Como dito linhas atrás, o juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal praticada pelo agente. Após o cálculo final de todas elas, haverá o cúmulo material, ou seja, serão as penas somadas para que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado que, por sua vez, poderá somar-se a outras para efeitos de início de execução, sendo ainda possível a unificação. Soma é a simples operação matemática que tem por finalidade reunir, adicionar, a fim de se chegar a um resultado final de todas as penas aplicadas ao condenado. A unificação, embora não deixe de ser uma soma, destina-se a manter do total das penas aplicadas ao condenado o tempo que supere ao limite de trinta anos para cumprimento de pena determinado pelo art. 75 do CP.. CONCURSO FORMAL OU IDEAL DE CRIMES: O art. 70 do CP prevê o chamado concurso formal ou ideal de crimes, com a seguinte redação: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicase-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente a uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Fundada em razões de política criminal, a regra do concurso formal foi criada a fim de que fosse aplicada em benefício dos agentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados também previstos como crime. Segundo a definição de Maggiore, concurso formal (concursus formalis) é, tipicamente, o realizado pela hipótese de um fato único (ação ou omissão) que viola diversas disposições legais. Fontán Balestra preleciona que duas teorias disputam o tratamento correspondente à natureza jurídica do concurso formal, a saber: teoria da unidade de delito e a tese da pluralidade. Preleciona o mestre argentino que a primeira das teorias enunciadas afirma que, não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. Na realidade, a expressão concurso ideal denota, por si mesma, a inexistência de uma verdadeira pluralidade de delitos, e indica que, ainda quando se tenham concretizado várias figuras, somente se há cometido um delito. Para a tese da pluralidade, a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. O fato de que no concurso ideal exista tão-somente uma ação, resulta sem significado para esta doutrina, sendo que ao final de seu raciocínio o renomado autor aponta a teoria da unidade de delito como a de sua preferência. Requisitos e Conseqüências: O art. 70 nos fornece os requisitos indispensáveis à caracterização do concurso formal, bem como as consequências pela sua aplicação, a saber: Requisitos: www.sandrocaldeira.com.br 2

a) uma só ação ou omissão b) prática de dois ou mais crimes Consequências: a) aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade b) aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade c) aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de desígnios autônomos Não raro pode acontecer que o agente, mediante uma só ação ou omissão, produza dois ou mais resultados incriminados pela lei penal. A conduta do agente se distingue em dolosa e culposa. O concurso formal admite ambas as modalidades. A última possibilidade se traduz na hipótese em que o agente, querendo os resultados, pratica uma única conduta dolosa, aplicando-se a última parte do art. 70 do CP, pois que, in casu, teria agido com desígnios autônomos. Concurso formal homogêneo e heterogêneo O art. 70 do CP deixa entrever a possibilidade de se distinguir o concurso formal em homogêneo e heterogêneo quando diz que o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Isso quer dizer que as infrações praticadas pelo agente podem ou não ter a mesma tipificação penal. Se idênticas as tipificações, o concurso será reconhecido como homogêneo; se diversas, será heterogêneo. Se homogêneo, o juiz, ao reconhecer o concurso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da prática de uma mesma infração penal, devendo aumentá-la de um sexto até metade. Se heterogêneo o concurso, o juiz deverá selecionar a mais grave das penas e, também nesse caso, aplicar o percentual de aumento de um sexto até metade. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito): O concurso formal ou ideal de crimes ainda pode ser dividido em próprio (ou perfeito) ou impróprio (ou imperfeito). A distinção varia de acordo com a existência do elemento subjetivo do agente ao iniciar a sua conduta. Nos casos em que a conduta do agente for culposa na sua origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a esse título, ou na hipótese em que a conduta era dolosa, mas o resultado aberrante lhe é imputado culposamente, o concurso será reconhecido como próprio ou perfeito. Situação diversa é aquela contida na parte final do caput do art. 70 do CP, em que a lei penal fez prever a possibilidade de o agente atuar com desígnios autônomos, querendo dolosamente a produção de ambos os resultados. Desígnio autônomo que dizer que a conduta embora única, foi dirigida finalisticamente, vale frisar, dolosamente, à produção dos resultados. Quanto ao concurso formal próprio ou perfeito, seja ele homogêneo ou heterogêneo, aplica-se o percentual de aumento de um sexto até metade. Quanto ao concurso formal impróprio ou imperfeito, pelo fato de ter o agente atuado com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os www.sandrocaldeira.com.br 3

resultados, a regra será a do cúmulo material, isto é, embora tenha praticado uma conduta única, produtora de dois ou mais resultados, se esses resultados tiverem sido por ele queridos inicialmente, ao invés de aplicação do percentual de aumento de um sexto até metade, suas penas serão cumuladas materialmente. Concurso material benéfico: As regras do concurso formal foram criadas em benefício dos agentes que, por intermédio de uma conduta única, produziram dois ou mais resultados incriminados pela lei penal. Em virtude desse raciocínio, o parágrafo único do art. 70 do CP ressalvou que a pena não poderá exceder a que seria cabível pela regra do art. 69. Isso quer dizer que, no caso concreto, deverá o julgador, ao aplicar o aumento de pena correspondente ao concurso de crimes, aferir se, efetivamente, a regra do concurso formal está beneficiando ou se, pelo contrário, está prejudicando o agente. Assim, no caso concreto, deverá o julgador analisar se, efetivamente, nos termos do p. único do art. 70 do CP, terá aplicação o cúmulo material. CRIME CONTINUADO: O crime continuado encontra-se previsto no art. 71 e parágrafo único do CP, assim redigidos: Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único: nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. Das três hipóteses de concurso de crimes, é sem dúvida o crime continuado que apresenta maiores discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Criado também por razões de política criminal, o crime continuado deverá ser aplicado sempre que vier a beneficiar o agente, devendo-se desprezá-lo quando a ele for prejudicial, conforme determina a última parte do parágrafo único do art. 71 do CP. Natureza jurídica: Três principais teorias disputam o tratamento sobre a natureza jurídica do crime continuado, a saber: a) teoria da unidade real; b) teoria da ficção jurídica; c) teoria mista. A teoria da unidade real entende como crime único as várias condutas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais. A teoria da ficção jurídica entende que as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já se consistiam em infrações penais, são reunidas e consideradas fictamente como um delito único. Finalmente, a teoria mista reconhece no crime continuado um terceiro crime, fruto do próprio concurso. Nossa lei penal adotou a teoria da ficção jurídica, entendendo que, uma vez concluída pela continuidade delitiva, deverá a pena do agente sofrer uma exasperação. www.sandrocaldeira.com.br 4

Requisitos: a) mais de uma ação ou omissão b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes d) os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro Crimes da mesma espécie: O agente pode, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois crimes da mesma espécie. O que significa crimes da mesma espécie? Há duas posições. A primeira posição considera como crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido, ou, na linha de raciocínio de Fragoso, crimes da mesma espécie não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que representam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns. A segunda posição aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados. Para nós, crimes da mesma espécie são aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. A nossa jurisprudência também é vacilante. Há julgado do STJ entendendo que são crimes da mesma espécie o estupro e o atentado violento ao pudor, e outro do STF entendendo que tais crimes não são da mesma espécie. Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes Exige o art. 71 do CP que o agente atue dentro de um determinado tempo a fim de que sejam aplicadas as regras relativas ao crime continuado. Também com relação a esse ponto existe divergência doutrinária e jurisprudencial, em razão da ausência de um critério rígido para a sua aferição. Deverá, segundo entendemos, haver uma relação de contexto entre os fatos, para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa. Em que pese a impossibilidade de ser delimitado objetivamente um tempo máximo para a configuração do crime continuado, o STF já decidiu: Quanto ao fator tempo previsto no art. 71 do CP, a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal é no sentido de observar-se o limite de trinta dias que, uma vez extrapolado, afasta a possibilidade de se ter o segundo crime como continuação do primeiro. Também existe controvérsia quanto à distância entre os vários lugares nos quais os delitos foram praticados. O STF já entendeu que o fato de serem diversas as cidades nas quais o agente perpetrou os crimes não afasta a reclamada conexão espacial, pois elas são muito próximas uma da outra, e integram, como é notório, uma única região metropolitana. A maneira de execução dos delitos, ou seja, o modus operandi do agente ou do grupo também é um fator importante para a verificação do crime continuado. Permite o Código Penal, ainda, o emprego da interpretação analógica, uma vez que, após se referir às condições de tempo, lugar e maneira de execução, apresenta outras semelhantes. Isso quer dizer que as www.sandrocaldeira.com.br 5

condições objetivas indicadas pelo artigo devem servir de parâmetro à interpretação analógica por ele permitida, existindo alguns julgados, conforme noticia Alberto Silva Franco, que têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relações pode ser incluído no conceito de condições semelhantes. Crimes subsequentes como continuação do primeiro: Exige o art. 71 do CP, ainda, que, em razão das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, ou seja, as infrações penais posteriores devem ser entendidas como continuação da primeira. Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa: O parágrafo único do art. 17 do CP permite expressamente a aplicação da ficção jurídica do crime continuado nas infrações penais praticadas contra vítimas diferentes, cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa, podendo o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 do CP. Com a redação trazida pela parte geral de 1984, cai por terra a Súmula 605 do STF, que dizia não se admitir a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Hoje, portanto, será perfeitamente admissível a hipótese de aplicação das regras do crime continuado àquele que, por vingança, resolve exterminar com todos os homens pertencentes a uma família rival à sua, ou, na hipótese de roubo, julgada pelo STF, cuja ementa merece ser transcrita: Habeas Corpus Crime de roubo qualificado em diversos apartamentos do mesmo edifício Ocorrência de crime continuado qualificado (CP, parágrafo único do art. 71) Presente a pluralidade de condutas e a de crimes dolosos da mesma espécie, praticados com emprego de armas, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, ocorre a hipótese de crime continuado qualificado, ou especifico, previsto no parágrafo único do art. 17 do Código Penal. Consequências do crime continuado nas hipóteses de crime continuado simples, determina a lei que deve ser aplicada a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. No caso do chamado crime continuado qualificado, o juiz, após considerar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, poderá aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo. Concurso material benéfico A ficção do crime continuado, por razões de política criminal, foi criada em benefício do agente. Assim, não seria razoável que um instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, prejudicá-lo. Se o juiz, portanto, ao levar a efeito os cálculos do aumento correspondente ao crime continuado, verificar que tal instituto, se aplicado, será mais gravoso do que se houvesse o concurso material de crimes, deverá desprezar as regras daquele e proceder ao cúmulo material das penas. www.sandrocaldeira.com.br 6

Aplicação da pena no concurso de crimes: Merece destaque o tema relativo à aplicação da pena no concurso de crimes. Na sentença que reconhecer o concurso de crimes, em qualquer das três hipóteses até aqui analisadas (concurso material, concurso formal e crime continuado) deverão juiz aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal praticada. Após, segue-se a aplicação das regras correspondentes aos aludidos concursos. Tal raciocínio faz-se mister porque o próprio Código Penal determina no art. 119 que, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente, ou seja, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas isoladamente. Multa no concurso de crimes: Diz o art. 72 do CP que no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. Isso quer dizer que, nas hipóteses de concurso material, concurso formal ou mesmo crime continuado, as penas de multa deverão ser aplicadas isoladamente para cada infração penal. Embora com relação ao concurso material e ao concurso formal imperfeito não haja maiores discussões, no que diz respeito à aplicação da multa na hipótese de concurso formal perfeito e continuidade delitiva existe divergência doutrinária e jurisprudencial. www.sandrocaldeira.com.br 7