Só a antropofagia nos une. Socialmente. Filosoficamente. Economicamente. [...] Tupi, or not tupi, that is the question. [...] Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. [...] A alegria é a prova dos nove. Trecho do Manifesto Antropófago, 1928. Oswald de Andrade O Brasil começa a viver o século XX: Movimento Modernista O século XX inicia-se no Brasil com muitos fatos que vão moldando a nova fisionomia do país. Observa-se um período de progresso técnico, resultante da criação de novas fábricas surgidas principalmente da aplicação do dinheiro obtido com o café. Ao lado disso, outro fato contribuiu para fazer o Brasil crescer e alterar sua estrutura social: a espantosa massa de imigrantes que em apenas oito anos chega a quase 1 milhão de novos habitantes. Assim forças socais que atuam na realidade brasileira já em 1917 são bem complexas. Em São Paulo, por exemplo, ocorre uma greve geral que tomam parte de 70 000 mil operários, construindo principalmente por imigrantes, os primeiros a questionar o capitalismo paulista. Esses tempos novos vivem, então, à espera de uma arte nova que exprima a saga desses tempos e do porvir. O nascimento de uma arte nova e a Semana de 22 Essa arte nova aparece incialmente através da atividade crítica e literária de Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Mario de Andrade e alguns outros artistas que vão se conscientizando do tempo em que vivem. Mas ao mesmo tempo, Oswald de Andrade alerta para a valorização das raízes nacionais, que vem ser o ponto de partida para os artistas brasileiros. Assim, cria movimento, como o Pau Brasil, escreve para os jornais expondo suas ideias renovadoras e participa de grupos de artistas que começam a se unir em torno de uma nova proposta estética. Dois grandes artistas anteciparam as primeiras imagens modernistas brasileiras, com identidades e rupturas radicais para pintura brasileira. São realizadas duas exposições de pintura que colocam a arte moderna de um modo concreto para os brasileiros: a de Lasar Segall, em 1913, e de Anita Malfatti, em 1917. A arte moderna no Brasil não surgiu com a Semana de 22. Ela é o marco histórico de um momento a partir do qual os modernistas começaram a se organizar e divulgar as suas ideias. A mais conhecida é provavelmente a exposição, em 1917, da artista Anita Malfatti.
Antecedentes da semana Anita Malfatti A mostra de Anita Malfatti foi conhecida pela polêmica com adeptos da arte acadêmica, acostumada com os princípios tradicionais de pintura, técnicas e tendências expressivas. Anita teve uma importância muito grande nos acontecimentos que antecederam o Movimento Modernista no Brasil de 1922. Ao retornar de um período de estudos nos Estados Unidos tendo antes estudado na Alemanha, Anita Malfatti mostrou obras que procuravam dialogar com a discussão sobre uma identidade nacional, que começava a tomar força, como a obra Tropical, pintada depois que a artista voltou ao Brasil. A Estudante Russa, de Anita Malfatti. Tropical, de Anita Malfatti. Monteiro Lobato elaborou severas críticas à arte de Anita, e, muitos artistas se uniram à pintora e trabalharam para o desenvolvimento de uma arte brasileira livre das limitações que o academicismo impunha. A pintura histórica brasileira é formada por retratista e paisagistas, que abrangem toda a pintura histórica, centralizada em cenas narrativas, realizadas no Brasil até o final do século XIX. Anita, diferentemente do que até então foi produzido, demonstra o sentimento do artista em relação à realidade, trabalha com a deformação e uso da cor como forma de expressar os sentimentos e as reações humanas. Com as críticas desfavoráveis a Anita Malfatti, muitos artistas uniram-se a ela em busca de uma arte brasileira livre das regras impostas pelo academicismo. Eis a sua importância histórica: ao ser criticada, chamou a atenção dos artistas inovadores e revelou que sua arte apontava novos caminhos, principalmente no uso da cor. Lasar Segall Segall nasceu na Lituânia, mas foi na Alemanha para onde se mudou em 1906 que estudou pintura. Em 1913, se mudou para o Brasil, onde realizou uma exposição de sua pintura, já com nítidas características expressionistas - que se tornou um dos primeiros acontecimentos precursores da arte moderna no Brasil. A partir de 1924, o artista assume uma temática brasileira: seus personagens agora são mulatas, prostitutas e marinheiros, sua paisagem são favelas e bananeiras. Bananal, de Lasar Segall, Pinacoteca do Estado, São Paulo
A exposição de Lasar Segall em 1923 não causou polêmica. Afinal, tratava-se do trabalho de um estrangeiro, que teria, portanto, o direito de apresentar uma arte estranha do gosto brasileiro. Perceba que com a exposição da pintora Anita Malfatti a reação foi bem diferente. SAIBA MAIS! A atitude de Anita Malfatti e dos modernistas da semana foi chocante ao propor uma nova arte com a qual o público não estava acostumado. Mas a arte tradicional e acadêmica, com a qual a elite da época mais se identificava, já vinha sofrendo aos poucos algumas mudanças. Ainda no século XIX, é possível perceber entre alguns artistas elementos da modernização, que ocorreram, no entanto, sem muito alarde, absorvendo influênciais europeias e antecipando propostas de valorização da cultura popular. Observe imagem ao lado do Caipira Picando Fumo, de Almeida Junior. José Ferraz de Almeida Junior foi um desses artistas de formação acadêmica que, no século XIX, inseriu em sua produção alguns elementos que não faziam parte da tradição artística vigente. Como a maioria dos artistas renomados de sua época ele frequentou a Academia Imperial de Belas Artes e passou um período na Europa, patrocinado diretamente por D. Pedro II, que se impressionou com seu trabalho. Em Caipira Picando Fumo, percebe-se que o artista dominava e se interessava pelas técnicas tradicionais. A obra ainda segue regras acadêmicas de composição: a figura está centralizada no espaço do quadro, as partes superior e inferior se equilibram (a linha da base da casa divide a composição ao meio), o empreso de luz e sombra dão volume e profundidade à imagem. Apesar disso ele aborda um tema incomum na arte brasileira do século XIX: o homem do campo, o caipira. Almeida Junior era natural de Itu, no interior de São Paulo, e suas obras de temáticas mais regional provavelmente foram inspiradas por uma realidade com a qual ele estava familiarizado. Sentado em frente de sua casa de pau a pique, picando um pedaço de fumo de rolo para fazer um cigarro, o homem retratado é simples, de pés descalços no chão. Não há nele nenhuma idealização como nas pinturas de heróis, seres mitológicos, nem o status dos retratos de figuras da alta sociedade (as quais Almeida Junior também pintavam, por encomenda). Sua obra dialoga com o Realismo europeu: ao mostrar o caipira e seu entorno como o artista a via: a roupa suja da terra do trabalho, a pele enrugada e queimada de sol, a casa precisando de reparos. Caipira picando fumo é retratado em harmonia com seu ambiente e as cores utilizadas para representá-lo são as mesmas que da terra, da casa, criando uma unidade com tons terrosos e quentes. A forte luminosidade da obra de Caipira picando fumo, também não é comum na arte acadêmica. Ela aparece ser a busca da representação de uma luz brasileira própria de um país tropical. Embora Almeida Junior costumasse, como a maioria dos artistas da época, pintar em estúdio, ou seja, realizando suas obras no espaço interno de um ateliê, depois de muitos esboços e estudos preparatórios, a luminosidade da pintura remete as inovações do Impressionismo europeu, movimento que pregava o registro natural por meio da pintura ao ar livre. De que movimento artístico estamos falando?
Antropofagia Observe a imagem: Você viu que os modernistas tinham preocupações relacionadas à definição de uma cultura genuinamente brasileira, que olhasse para as manifestações locais e populares. Oswald de Andrade, em 1924, dois anos após a Semana de Arte Moderna, publicou o Manifesto da Poesia Pau Brasil, propondo a criação de uma poesia brasileira que fosse considerada da mesma forma que a estrangeira, que não dependesse de modelos importados e que, assim como o pau-brasil no princípio da colonização, pudesse tornar-se produto de exportação. Em 1928 ele lançou um manifesto, que propôs uma definição da identidade brasileira a partir da assimilação consciente das influências estrangeiras: o Manifesto Antropofágico. Leia o primeiro trecho do Manifesto: Só a antropofagia nos une. Socialmente. Filosoficamente. Economicamente O que você entende lendo a frase? Seu significado é literal? O Manifesto foi inspirado na obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. Oswald, ao ser presenteado com a tela por Tarsila, na época sua esposa, ficou impressionado com aquela estranho e enorme figura nua, sentada numa paisagem sobre o sol forte, em posição de reflexão. Ele e o escritor Raul Bopp (1898-1984) acharam que ela lembrava uma figura indígena, antropófaga. Tarsila lembrou-se de seu dicionário tupi-guarani, e a obra, que ainda não tinha nome, foi chamada Abaporu, que quer dizer homem que come gente aba= homem, poru+comer, devorar. Influências da Vanguarda Europeia no Modernismo Brasileiro Cubismo O artista cubista transforma paisagens, pessoas e objetos em formas geométricas, além de desenhá-los como se fossem vistos em vários ângulos ao mesmo tempo. Ou seja, como estudamos na fotografia, a percepção dos artistas cubistas previa a percepção da imagem plana a partir de seus diversos ângulos de visão. Mulher de Camisa sentada numa poltrona, Pablo Picasso
Expressionismo Demonstra o sentimento do artista em relação ao mundo e o espaço em que vive. Faz menção a fatos reais, porém, vai além da sua percepção convencional de realidade. Explora de forma intensa a expressão de seus sentimentos e as suas reações em relação ao mundo, aos fatos, à exploração do ser humano pela sociedade elitizada. Para isso trabalha também com a deformação, o excesso de cor, e ambiguidade das composições. O grito, Edvard Munch Tropicália - Nos anos 1960, o Brasil estava em um momento de contradições, social e culturalmente. Depois de ter passado por um clima de otimismo e modernização dos anos 1950, o país vivia, a partir de 1964, os primeiros anos do autoritarismo da ditadura militar. Nos anos 1960 surgiu no Brasil, um movimento cultural que reuniu artistas e intelectuais de várias linguagens: A Tropicália. O movimento retomou alguns dos princípios da Antropofagia adaptados ao contexto da época e destacou-se principalmente na música de Gilberto Gil e Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão, Rogério Duprat, o grupo Mutantes, entre outros. Os tropicalistas agitaram o cenário da música com a manifestação política em grandes festivais transmitidos pela TV, com a chamada música contestatória, bem humorada e irreverente, questionando o que era considerado de bom gosto na época e assimilando, numa atitude antropofágica, influências das mais diversas Referências: Proença, Graça. História da Arte. São Paulo, Editora Ática, 2001 Frenda, Perla. Arte em Interação. São Paulo, IBEP, 2013