O TERCEIRO SETOR E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO:



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Transcrição:

O TERCEIRO SETOR E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO: adoção do Programa Gestão Nota 10 pelo Governo do Estado do Maranhão como estratégia de melhoria dos indicadores sociais da educação Ildoana Paz Oliveira 1 Maisa Cunha Pinto 2 Resumo O artigo analisa a gestão da educação na perspectiva do terceiro setor, abordando o movimento das políticas educacionais no contexto da reforma do Estado; objetivando discutir mecanismos que fundamentam a parceria entre a Fundação Instituto Airton Senna e o Governo do Estado do Maranhão, na implantação do Programa Gestão Nota 10 pela Secretaria Estadual de Educação, junto às escolas da rede pública por 05 anos, iniciado em meados de 2009. Busca-se em uma análise histórica, compreenderas políticas sociais de educação como rica totalidade de determinações e relações diversas. Para isso, este trabalho adota fundamentação teórico-metodológica pautada no materialismo histórico-dialético. Palavras-Chave:Terceiro Setor. Gestão da Educação. Programa Gestão Nota 10. Abstract The article analyzes the educational management in the perspective of the third sector, addressing the movement of educational policies in the context of state reform; aiming to discuss mechanisms underlying the partnership between the Foundation Instituto Ayrton Senna and the Government of the State of Maranhão, in the implementation of the Program Management Note 10 by the State Department of Education, along with the public schools for 05 years, beginning in mid- 2009. Search on a historical analysis, to understand the 1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: ildoana@uol.com.br 2 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: maisaprtcunha@yahoo.com.br

social policies of education as rich totality of several determinations and relations. To this end, this paper adopts theoretical-methodological guided in dialectical historical materialism. Key words: Third sector. Education management. Program Management Note 10. 1 INTRODUÇÃO Pretende-se, neste trabalho, analisar o movimento das políticas sociais de educação, considerando-sea inserção do terceiro setor na legitimação de programasvoltados para a escola pública, no contextoda crise do capitalismo, que implicou de forma decisiva na reforma do Estado e sua trajetória no ordenamento das políticas sociaisimplementadas, na década de 1990,via adoção dos pressupostos neoliberais. Cabe-nos destacar que a crise do capitalismo deve ser apreendidanuma dimensão de totalidade,o que nos conduz a perceber um duplo movimento: de conservação (reprodução das relações) e de transformações (rupturas), constituindo assim a essência histórica do modo de produção capitalista. Para se desvelaros aspectos que envolvem o atual estágio de desenvolvimento histórico do capitalismo é necessário compreender que ele se caracteriza em meio a uma multiplicidade de determinações históricas. (NORONHA 1998, p.33). É nesse contexto, portanto, que se captao modo como se constituem os aspectos que configuram a problemática educacional contemporânea, frente às relações de parcerias entre o público estatal e o terceiro setor na gestão da educação, de maneira a construiralternativas de intervenção teórico-práticas nessa realidade. 2 A GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DO TERCEIRO SETOR O debate sobre a gestão da educação está intimamente ligado ao par dialético público/privado. O debate sobre o público como sinônimo de estatal difundiu-se de forma generalizada em decorrência da ideia de que caberia ao aparelho estatal, ao governo da

sociedade cuidar dos interesses comuns, administrá-lo (SEVERINO 3 apud LOMBARDI, JACOMELI & SILVA, 2005).Contudo, o plano de reformas do Estado de modo racional e técnico buscou operar mudanças nas concepções de público e estatal, identificando o público como organização burocrática e o Estado como arrecadador e controlador de impostos. (GANDINI & RISCAL, 2002). A lógica dessa nova gestão é determinar o esvaziamento das políticas de bemestar social por meio de corte de gasto do governo e repassar parte das políticas sociais para o setor privado. Para tanto, o governo adota um conjunto de políticas orientadas pelos organismos internacionais, destacadamente, o Banco Mundial focada na racionalidade financeira. Os investimentos em educação passam a ser definidos a partir da compreensão de que o Estado só pode arcar com as despesas que resultam em retorno econômico. Dessa forma, o compromisso do Estado com a educação pública obrigatória e gratuita mantém-se no limite do ensino fundamental, apesar da aprovação de fundos de financiamento para toda a educação básica. A partir deste nível e também na educação infantil o Estado mantém o financiamento restrito, apenas para contornar as demandas por formação de quadros de produção de ciência e tecnologia, para atender aos interesses do mercado internacionalizado (FERREIRA, 2011). Krawczyk (1999) afirma que o tema gestão escolar esteve em debate durante a ditadura militar, quando a escola pública, em quase todos os Estados e Municípios, era dominada por uma estrutura administrativa centralizante e burocrática. Anos depois, isso implicaria resistências contrárias a essa tendência e no ganho de forças com as reivindicações dos educadores pela autonomia escolar; dando destaque para alternativas pedagógicas, curriculares e didáticas que viessem diminuir os altos índices de evasão e repetência escolar. Contudo, cabe destacar que a autonomia escolar resulta de uma confluência de interesses políticos, sociais, profissionais e pedagógicos. Para alguns autores como Ferreira (2011), deve-se reforçar a autonomia da escola não como um processo de posse e concessão, mas sim como reconhecimento à sua organização em benefício das aprendizagens dos alunos, para tanto, a autonomia não pode ser decretada 3 SEVERINO, Antônio J. (1986). Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo, EPU.

como uma forma de o Estado aligeirar as suas responsabilidades, mas, sobretudo, na criação de condições que permita a escola gerir de forma competente seus princípios e objetivos. Na década de 1980, a gestão escolar e sua autonomia ganharam destaque oriundo dos debates políticos e pedagógicos sobre a escola pública, numa acirrada luta pela construção de uma sociedade democrática. Nesse processo, a participação da comunidade escolar nos espaços de poder da escola representou grande vitória para escola no campo político-educativo. A partir da década de 1990, a gestão escolar volta a ser debate político, agora, sob o contexto de reforma do Estado, tendo como ponto de partida a descentralização. Essa vertente no campo da gestão da educação ganha fôlego em decorrência do mau desempenho das escolas públicas no Brasil, tornando-se palco de muitos acordos e aquisições de programas com o objetivo de induzir mudanças na gestão do ensino. E, nesse processo, as reformas educacionais, pós-década de 90, trouxeram como marco um novo ordenamento na organização do processo educacional. As escolas passaram a gerenciar ttodo o espaço escolar e seus sujeitos, tornando-se co-responsáveispelos resultados positivos ou negativos,como contrapartida para aquisição de sua autonomia financeira e administrativa. Segundo Adrião (2008) essa responsabilização tem a preocupação de inibir as desigualdades educacionais que os sistemas descentralizados tendem a gerar. Argumenta-se que as perspectivas descentralizadoras para a gestão pública sedimentou-se a partir do ideário neoliberal em decorrência da minimização do Estado na intervenção das políticas sociais. Nesse propósito, a discussão da agenda internacional a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, trouxe orientações gerais para as políticas de gestão da educação, tendo como principal medida a reconfiguração do papel do Estado, com vistasa atender com prioridade a educação básica. No contexto das orientações nacionais estão as diretrizes para a oferta de educação, a gestão escolar, a formação do educador, o currículo, a avaliação em todos os níveis e modalidade de ensino e, como centralidade, a política de fundos voltada para o financiamento dessa política, a exemplo do FUNDEB.

Esse novo modelo de gestão da educação trouxe como pano de fundo as relações de parcerias público/privado, com o discurso de que a qualidade da educação depende da eficiência do sistema público de ensino em estimular a produtividade. A falta de produtividade da escola está alicerçada nos padrões de qualidade determinados pelo mercado. Esse discurso ideológico levou o Estado a firmar parcerias com o setor privado na execução de programas de intervenção pedagógica; modificando, assim, a lógica do público e trazendo a simbólica eficiência do setor privado à educação pública. A gestão burocrática passa a ser substituída por uma gestão empreendedora, de ação e estimuladora de parcerias com o terceiro setor. No Brasil, a expressão terceiro setor ainda é pouco utilizada, definida como organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, em âmbito nãogovernamental. Segundo Fernandes (1994), suas ações se traduzem no interior das atividades filantrópicas e mecenato. Elas se distinguem claramente das do primeiro setor governo, responsável pelas tarefas peculiares à esfera pública e do segundo Setor mercado, representado por atividades com fins lucrativos. Pesquisando-se o contexto político-social de surgimento do terceiro setor, verifica-se que este termo é revestido de múltiplas abordagens e formas de definição. Tem-se como primeira premissa que o terceiro setor surgiu como uma alternativa viável à ineficiência estatal no trato da questão social e, a segunda, advém da análise que considera que o terceiro setor emerge do projeto político neoliberal que prima pelo esvaziamento da dimensão pública do Estado (BARBOSA, 2006). Reafirma-se uma tese de que esta política a ser implantada supunha um desafio gerencial, porquanto a crise mais ampla (do Estado) era de ordem gerencial. Assim, tendo em vista combater os problemas graves que assolam o espaço escolar maranhense como a evasão, a repetência, a distorção idade/série, o baixo desempenho na aprendizagem etc. justificavam-se as parcerias com os diversos segmentos da sociedade, entre estes o terceiro setor. Um exemplo da gestão, sob essa concepção, ocorre no Maranhão. Em meados de 2009, o governo firma uma parceria da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e

Desporto com o Instituto Ayrton Senna IAS, através do programa Gestão Nota 10, visando a implementação de uma série de medidas pontuais, denominadas metas para o desenvolvimento de uma gestão de qualidade, em que se espera alcançar uma gestão nota 10. O IAS, como uma organização do terceiro setor, funciona exatamente como uma consultoria de gestão de negócios: faz diagnósticos, propõe soluções, dá treinamento de pessoal, mas não executa diretamente os projetos ofertados. As secretarias de educação e escolas é que se encarregam da execução das ações 4. Nesse intuito, o Programa Gestão Nota 10 foi direcionado aos gestores das escolas públicas, por meio do gerenciamentodas unidades e escolas de ensino fundamental,trabalhando com indicadores e metas visando à capacitação destes profissionais em serviço e com informação em tempo real; o que permitiria, segundo seus idealizadores, a identificação dos principais entraves para o sucesso da aprendizagem no ensino fundamental da rede pública. Por meio detreinamento dos gestores prioriza-seensinar a preencher formulários previamente elaborados pelo programa, visando controlar as ações de ensino na escola. O treinamento é dado obedecendo a uma hierarquia: primeiramente a equipe técnica do Instituto Airton Senna treina os coordenadores estaduais do programa no Maranhão (Coordenação geral e os coordenadores regionais das unidades regionais - URE), em seguida, esses coordenadores, da SEDUC, já treinados, qualificam os supervisores que atuarão junto aos diretores escolares, no acompanhamento do preenchimento dos formulários e, por fim, esses supervisores dão treinamentos, denominados de formação continuada, aos diretores escolares que, tentarão, diante de tantos processos fragmentados, informar sua equipe pedagógica (professores e técnicos administrativos) sobre o projeto. Denota-se, após leitura nos informativos do Instituto Airton Senna, que o resultado de uma gestão Nota 10 está relacionado com as estratégias desenvolvidas pelo programa focadas nos resultados, o que, segundo os idealizadoresdo programa, contribui para 4 Informativo disponível em: <http://www.educacao.rr.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1521&itemid=29>.acesso em 31 de mar. 2012).

elevar a qualidade da educação pública no país. O trabalho com indicadores e metas gerenciais, a capacitação dos profissionais em serviço e a informação em tempo real permitem contribuir para o sucesso da aprendizagem no ensino fundamental,conforme pressuposto do programa do IAS. Assim, a autonomia das escolas geridas por diretores tecnicamente competentes e com o apoio gerencial e pedagógico da Secretaria de Educação fundamenta uma gestão nota 10. Nesse estudo,verificou-se que, no Brasil, as reformas educacionais promoveram mudanças estruturais na escola, alterando os procedimentos administrativos e implantando uma gestão mais moderna que atendesse as necessidades do mercado. No Maranhão, não foi diferente, a Secretaria de Educação do Estado (SEDUC), iniciara, muito antes, uma longa etapa de implantação de programas e projetos voltados à gestão escolar.o governo do Estado firmouacordos com o Banco Mundial para o financiamento do Projeto Nordeste visando à capacitação de gestores e educadores e o Fundo de Fortalecimento da Escola FUNDESCOLA. À época, a Gerência de Desenvolvimento Humano implantou o Tele-Curso da Fundação Roberto Marinho, intitulado Viva Educação; realizou o programa de formação profissional com avale (antiga estatal Vale do Rio Doce). A SEDUC implanta os programas Gestão Nota 10, Acelera Brasil, Escola Campeã do Instituto Airton Senna, além de fazer parceria com diversas ONGs (COUTINHO, 2008). Notou-se que o aporte da nova gestão gerencialista,no Maranhão,implicou um leque de negociações do governo com as lideranças municipais, sociedade civil organizada e setor privado na aquisição e disseminação de pacotes de ajuda, principalmente, pela carência dos municípios em formular projetos sociais para que pudesse trazer recursos para os municípios e, como reflexo desse processo, ampliam-se as ações do terceiro setor, que se caracteriza por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, que vão realizar parcerias com o Estado na promoção dos direitos sociais, um setor público não-estatal que atua como quase-mercado. 3 A OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA GESTÃO NOTA 10 NO MARANHÃO A parceria entre o Instituto Ayrton Senna (IAS ) e a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC/MA) na implantação do Programa Gestão Nota 10 foi firmada no ano

de 2009, no então governo de Jackson Lago com o objetivo de desenvolver ações de fortalecimento da gestão educacional, no sentido de fazer com que a escola se aproprie da informação que pertence a ela por meio da disseminação de uma sistemática de acompanhamento de toda a equipe escolar em conjunto com a Secretaria, com especial atenção à figura do gestor. As ações do programa Gestão Nota 10 são administradas dentro de uma hierarquia assim distribuída: Coordenação Técnico-especialista, cargo esse ocupado por um Especialista da própria Fundação Airton Senna;Coordenação local do Programa, ocupado por um membro da SEDUC; equipe técnica administrativa de monitoramento, profissionais da educação, pedagogo, gestores e demais integrantes da escola. Essas ações são pautadas nos eixos político, gerencial e pedagógico, articulados com bases em indicadores e metas. O programa funciona com a colaboração do Estado que, através da secretaria Estadual de Educação, encaminha dadosaos Técnicos do IAS, sobre o desempenho dos alunos no tocante a frequência, cumprimento de metas de alunos e professorespara alimentar mensalmente o sistema próprio de informações relativo à educação do SIASI 5 (Sistema Instituto Airton Senna de Informações), controlado pelo Instituto Airton Senna. Os dados são coletados via formulários impressos que contemplam o número de alunos matriculados, relacionando idade-série; número de alunos aprovados nos anos anteriores; número de evasão e repetência por série; a relação de professores ativos na escola e a equipe administrativo-pedagógica. A partir desses dados, a gestão local do Instituto Airton Senna solicita que a escola estabeleça metas para diminuir e evasão e repetência escolar.o que acaba sendo estabelecido sem que haja espaços para discussões entre o pessoal envolvido do programa, a gestão da escola, a família e os próprios alunos. O IAS outorga-se ao direito de fiscalizar o andamento do projeto Gestão Nota 10, realizando auditorias, verificandoo cumprimento de metas etc. Essa estratégia de manutenção da hegemonia dos processos gerenciais, 5 O SIASI é um banco de dados on-line, concebido pelos segmentosenvolvidos na parceria,usadocomo ferramenta de gestão, desenvolvido pela Empresa Auge Tecnologia e Sistema, empresa parceira do IAS. Disponível em <http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/programas>. Acesso em 03 de dez. 2012.

consentidos através do amplo movimento de reforma, que se verificou ao longo da década de 1990, tem contribuído para reforçar a visão alienada de que a educação, por ser tratada como mercadoria, é um produto acabado. Nesse discurso, surgempropostas exitosas, visando atender aos interesses do capital no tocante a relação quantidade/qualidade do ensino público, que proporcionará mudanças significativas na gestão escolar.a exemplo, o Programa Gestão Nota 10 de autoria do Instituto Airton Senna, indicados no rol das boas tecnologias pelo MEC. O programa é um modelo de deslocamento do foco do problema para ações empreendidas por instituições do terceiro setor, com o repasse de recursos públicos para a iniciativa privada. Para o IAS os problemas de ensino/aprendizagem passam a ser analisados pelos resultados apresentados pelos alunos, sem contemplar nesta análise a totalidade da política educacional e sua inserção no mundo do real, que é constituído de relações sociais, econômicas e políticas (PERONI, 2006). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas últimas décadas, os sistemas públicos educativos sofreram um excesso de burocratização e rotinização da prática escolar deixando de responder às demandas sociais, perdendo, ainda mais, espaço para o setor privado. Oliveira & Rosar (2010) enfatizam que o papel da educação, no contexto atual, é de propiciar condições gerais de produção capitalista, o que nos permite entender a imposição dos organismos internacionais sobre os países em desenvolvimento para assegurarem uma educação escolar voltada à produção para o capital. E, para atender às demandas deste, a descentralização passa a ser o eixo da reforma como norte para a organização e administração dos sistemas de ensino. Enquanto o espaço escolar estiver focado aos interesses do mercado, a gestão continuará assumindo um papel meramente burocrático, de mensuração e de quantificação dos gastos para prestar contas, não lhe sobrando tempo para a gestão pedagógica. O ensino continuará a reproduzir sujeitos robotizados que atendam aos interesses do capital e, desse modo, o termo democratização da educação reduz-se à gestão racional da escola calcada na flexibilidade, participação e descentralização dos

recursos e das responsabilidades. O que delega, consequentemente, excesso de rotinas administrativas para a gestão escolar. RREFERÊNCIAS ADRIÃO, Theresa e PERONI, Vera (Orgs). Público Privado na Educação: novos elementos para o debate. São Paulo: Xamã, 2008, 128p. BARBOSA, Zuelene Muniz. Maranhão, Brasil: luta de classes e reestruturação produtiva em uma nova rodada de transnacionalização do capitalismo. São Luís: Editora UEMA, 2006. BARBOSA, Lia Pinheiro. Significados do Terceiro Setor: de uma nova prática. SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 1, JAN./JUN. 2006, P. 173-186 COUTINHO, Adelaide Ferreira. Política Educacional e ONGS. São Luís: EDUFMA, 2008. FERNANDES, Rubem C. Público porém privado. o Terceiro Setor na América Latina Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1994. FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios (Org). 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. GANDINI, R.P.; RISCAL, S.A. A Gestão da educação como setor público não estatal e a transição para o Estado Fiscal no Brasil. In: OLIVEIRA, D.A.; ROSAR, M.F.F. Política e Gestão da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. KRAWCZYK, Nora. Educação & Sociedade, ano XX, nº 67, Agosto de 1999. LOMBARDI, José Claudinei; JACOMELI, Mara Regina M; SILVA, Tânia Mara T da. (Orgs). O público e o privado na história da educação brasileira: concepções e práticas educativas. Campinas, SP: Autores Associados; HISTEDBR; UNISAL, 2005. NORONHA, Olinda Maria.História da Educação: sobre as origens do pensamento utilitarista no ensino superior brasileiro. Campinas, SP: Editora Alínea, 1998. OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Félix (Orgs). Política e Gestão do Trabalho. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica. 2010. PERONI, Vera. Mudanças na configuração do Estado e sua influência na políticaeducacional. In: PERONI, V. M. V.; BAZZO, V. L.; PEGORARO, L. (orgs.) Dilemas daeducação brasileira em tempos de globalização neoliberal: entre o público e o privado. PortoAlegre: Editora da UFRGS, 2006.