Monitoramento da fertilidade de solos no cultivo orgânico de hortaliças durante 20 anos.



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Transcrição:

SOUZA JL; PEREIRA, VA; PREZOTTI, LC. Monitoramento da fertilidade de solos no cultivo orgânico de hortaliças Monitoramento da fertilidade de solos no cultivo orgânico de hortaliças durante 20 anos. durante 20 anos. 2010. Horticultura Brasileira 28: S2803-2810. Monitoramento da fertilidade de solos no cultivo orgânico de hortaliças durante 20 anos. Jacimar Luis de Souza 1 ; Victor A. Pereira 2 ; Luiz Carlos Prezotti 1. 1 INCAPER Centro Regional Centro-Serrano; 2 Bolsista do CNPq. BR 262, Km 94, 29375-000, Venda Nova do Imigrante ES. jacimarsouza@yahoo.com.br; victorap1@hotmail.com; prezotti@incaper.es.gov.br. RESUMO O manejo orgânico estabelecido no presente projeto tem sido realizado através da reciclagem de biomassa e restos culturais, baseado na compostagem orgânica, cobertura morta, adubação verde, manejo de ervas espontâneas, rotação de culturas, dentre outras. A área experimental localizase no município de Domingos Martins ES, onde durante vinte anos têm sido cultivadas 15 espécies de hortaliças, em rotação com as culturas de milho, feijão e adubos verdes. O objetivo desse trabalho foi avaliar a evolução das características dos solos no período de 1990 a 2010, de dez talhões experimentais, através de amostragens múltiplas realizadas anualmente. Os resultados médios do sistema indicaram elevações significativas do teor de matéria orgânica e do teor de nutrientes, com reflexos positivos na CTC, Soma de Bases e Saturação por Bases. O ph do solo foi elevado pelo manejo orgânico, atingindo níveis adequados para a disponibilização de nutrientes devendo, porém, ser monitorado para evitar a alcalinização do solo. Podemos afirmar que o manejo orgânico de solos permite melhorar e manter substancialmente suas características químicas ao longo dos anos, com potencial para sustentar excelentes níveis de produtividade. Palavras-chave: Agricultura orgânica, fertilidade de solo, manejo orgânico. ABSTRACT Monitoring the soils fertility in organic culture of vegetables during 20 years. Organic management established in the present project has been realized via recycling biomass and agricultural byproducts, based on organic compost, mulch, green manure, management of plant cover and weeds, and rotation of cultures, among others. The experimental area is located in the municipality of Domingos Martins ES, where 15 species of vegetables have been grown during twenty years, in rotation with crops of corn, beans and green manure. The objective of this work was to evaluate the evolution of the characteristics of the soils of ten experimental fields during the period from 1990 to 2010, via multiple sampling carried out annually. Mean results of the system indicated significant increases in the level of organic matter and level of nutrients, with positive reflex in CEC, Sum of Bases and Bases Saturation. The ph of the soil was increased by organic management, attaining levels sufficient to make needed nutrients available, however, it is being monitored to avoid alkalinization of the soil over the years. We can affirm that organic management of soils permits maintenance and improvement in the chemical characteristics of soils over the years, with the potential to sustain good levels of productivity. Keywords: Organic agriculture, soil fertility, organic management. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2803

A utilização de matéria orgânica é uma prática fundamental para a preservação e melhoria da qualidade dos solos cultivados, visto que fornece nutrientes essenciais para as plantas, melhora a retenção de água, aumenta a população de organismos e microrganismos benéficos, melhora as condições físicas do solo, além de possuir substâncias de crescimento, que aumentam a respiração e a fotossíntese das plantas. Todas estas características são bases fundamentais da viabilidade e sustentabilidade de sistemas orgânicos de produção. Na agricultura orgânica, torna-se imperativo conhecer a evolução da fertilidade dos solos numa escala temporal, de forma a entender a possibilidade de manter um estoque de nutrientes no solo que seja capaz de sustentar bons níveis de produtividade comercial, sem provocar desequilíbrios por excesso de aporte de adubos orgânicos ao sistema. Nesse sentido, objetivou-se com este trabalho monitorar as características químicas das unidades de solo constantes da Unidade de Referência em Agroecologia do INCAPER, no período de 1990 a 2009, submetidas a manejo orgânico, visando avaliar a evolução das diversas características dos solos, no intuito de se conhecer o potencial de suporte nutricional que os mesmos podem oferecer ao desenvolvimento de plantas. MATERIAL E MÉTODOS A área experimental de agricultura orgânica, implantada em 1990, hoje denominada Unidade de Referência em Agroecologia, localiza-se no município de Domingos Martins- ES, a uma altitude de 950 m em uma área de 2,5 ha, dividida em diversos talhões de solo, conforme mostra a Figura 1. O manejo orgânico dos solos tem sido realizado através da reciclagem de biomassa, que envolve restos de cultura e produção de biomassa em capineiras e legumineiras, associado à importação de esterco de aviário para inoculação das pilhas de composto. Neste processo emprega-se a compostagem orgânica, adubação verde, prática de cobertura morta, rotação de culturas, aplicações de biofertilizantes via solo e foliar, e outras práticas que conduzam à reciclagem, mobilização e disponibilização de nutrientes. O sistema orgânico de produção vem sendo trabalhado a 20 anos, cultivando 15 espécies de hortaliças, em rotação com as culturas de milho, feijão e adubos verdes, de acordo com as normas técnicas da produção orgânica praticada no Brasil. Dez unidades de solo desta área experimental (10 talhões) foram caracterizadas individualmente, no ano de 1990, por ocasião do início dos trabalhos com manejo orgânico, e anualmente têm sido avaliadas suas características químicas, por meio de análises laboratoriais em amostras de solo coletadas por talhão experimental. As adubações têm sido realizadas com composto orgânico, na base de 15t ha -1 (peso seco) para a maioria dos cultivos, com a composição média mostrada na Tabela 1. Ressaltase que, considerando a média de 1,5 cultivos de hortaliças por ano por talhão, o aporte anual médio tem sido equivalente a 22,5 t ha -1 de composto, totalizando um aporte de 450 t ha -1 nos últimos 20 anos. Foram avaliadas as seguintes características químicas do solo: Matéria orgânica, ph, P, K, Ca, Mg, Capacidade de Troca de Cátions (CTC), Soma de Bases (S) e Saturação por Bases (V) (EMBRAPA, 2009). Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2804

RESULTADOS E DISCUSSÃO Matéria Orgânica: A média dos teores de matéria orgânica (MO) dos solos mostrou elevações significativas (Figura 2), revelando aumento do teor médio observado de 1,70% em 1990, atingindo o valor máximo de 3,7% em 2006 (elevação de 118%). Os dados estimados pela curva de regressão apresentaram ajuste quadrático, com a matéria orgânica elevando-se de 2,1% até 3,6% em 20 anos (elevação de 71%). Conhecendo-se os benefícios que pequenas frações de matéria orgânica representam para o solo e todo o sistema produtivo, pode-se afirmar que esta elevação dos teores, tem propiciado a manutenção e melhoria da fertilidade, com reflexos extremamente benéficos nas demais características do solo e no desenvolvimento das culturas. Capacidade de Troca de Cátions (CTC) e Soma de Bases (S): A CTC é uma característica do solo resultante do somatório das cargas positivas das argilas e dos radicais orgânicos. De modo geral, há grande dificuldade de se alterar a CTC dos solos, a qual se dá pela aplicação de altas doses de matéria orgânica. Esta alteração pode ser visualizada na Figura 3, onde os dados observados revelaram uma elevação de 2,9 cmol /dm 3 e os dados estimados mostram uma elevação de 0,9 cmol /dm 3, durante o c c período de 20 anos. O aumento da CTC ocasionada pela adição de MO é uma das principais vantagens deste sistema de cultivo, pois a maior adsorção dos cátions pelas cargas negativas evita que estes sejam perdidos por lixiviação, além de proporcionar a liberação gradativa destes nutrientes para as plantas. A Soma de Bases desses solos apresenta uma elevação mais intensa nos primeiros anos (Figura 3), atingindo o valor máximo de 8,8 cmol /dm 3 no 12º ano (2001), devido ao c manejo orgânico mais intenso neste período, proporcionando expressivo aumento dos teores de nutrientes. Nos últimos anos verifica-se uma tendência de decréscimo da Soma de Bases, pela redução da intensidade de plantios e aportes de adubos orgânicos, finalizando uma melhor estimativa dos dados pelo modelo quadrático para todo o período de 20 anos. Potássio: Os materiais orgânicos utilizados (esterco e material vegetal compostados) apresentamse como o principal responsável pela disponibilização de potássio no solo. A forma livre que este elemento se encontra nos tecidos vegetais e no solo, facilita aportes e perdas por lixiviação, fazendo com que haja grande variação nos teores deste elemento (Figura 3). Intensas variações nos níveis médios de potássio foram observadas durante todo o período, motivo pelo qual o melhor ajuste ocorreu com o modelo cúbico. Independente destas variações, observa-se que o manejo orgânico proporciona teores de potássio suficientes para atender as necessidades nutricionais das culturas olerícolas estudadas. Fósforo: Obteve-se um efeito expressivo na elevação dos teores de P com as adições anuais dos materiais orgânicos (Figura 3). Esta elevação foi mais acentuada nos primeiros três anos em função da utilização de fosfatos naturais associados ao processo de compostagem, na base de 5 kg/m 3, no momento do empilhamento, distribuído entre as camadas. Ao longo dos vinte anos, os dados observados indicaram que os teores médios de P foram elevados em até 555%, passando de 51 mg/dm 2 no início dos cultivos para 334 mg/dm 3 atualmente. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2805

Os teores de P e K apresentados foram obtidos utilizando-se o extrator ácido Mehlich- 1. Por esta característica ácida, este extrator solubiliza quantidades destes elementos superiores àquela realmente disponível para as plantas, superestimando assim estes teores, quando comparados aos utilizados como referência das classes de disponibilidade para solos manejados no sistema convencional (PREZOTTI et al., 2007). Assim, é necessária a realização de trabalhos de calibração para a determinação de classes de disponibilidade deste nutriente para solos orgânicos ou manejados organicamente. Cálcio e Magnésio: Os dados estimados revelaram acréscimos nos teores de cálcio até o ano de 2003, iniciando-se a redução destes teores a partir de 2004 (Figura 4). Os teores de magnésio mostraram comportamento semelhante, porém com maior redução relativa nos últimos anos, o que indica necessidade de monitoramento da relação Ca:Mg após este período, especialmente porque a composição da principal fonte de adubo orgânico utilizado no sistema (composto) também originalmente apresentar uma alta relação (9,6:1) entre estes elementos (Tabela 1). Os incrementos nos teores de cálcio e de magnésio podem ser atribuídos à presença significativa de tais elementos na constituição da matéria orgânica. Especificamente para o cálcio, o uso de fosfato natural no composto orgânico, nos três primeiros anos, também teve contribuição considerável nos teores desse elemento, visto que a fonte de fosfato natural usada apresenta alta composição em cálcio. Saturação por Bases: Como reflexo das elevações nos teores das bases K, Mg e principalmente o Ca, a Saturação por Bases do solo apresentou elevação crescente até o 10º ano, estabilizando-se entre o 11º e 12º ano, e com reduções da saturação a partir do 13º ano, sendo o modelo quadrático o de melhor ajuste (Figura 4). Com base nos dados observados, a saturação inicial média dos solos sofreu uma elevação relativa de 18%, aumentando de 64,8% para 76,5% em 20 anos. ph: O ph elevou-se até o 11º ano, com decréscimos a partir deste período, reflexo da diminuição da intensidade de aporte de adubos orgânicos neste sistema nos últimos anos (Figura 4). O ph médio de 7,3 do composto orgânico e o seu alto teor de cálcio (Tabela 1) são os principais responsáveis pela elevação do ph do solo, devendo, portanto, serem constantemente monitorados para evitar alcalinização do solo e a consequente redução da disponibilidade de alguns nutrientes, principalmente zinco, cobre, manganês e ferro. Outro fato importante é a intensa elevação do ph do solo pela adição de fosfato natural ao sistema, que no presente caso foi o emprego de fosfato de Araxá via compostagem, que nos primeiro três anos elevou o ph de 5,83 para 6,56. Os índices de ph dos últimos 6 anos estão situados numa faixa considerada ideal para o melhor desempenho produtivo das hortaliças. De maneira geral, após análise das condições químicas dos diversos talhões, podemos afirmar que o manejo orgânico de solos permite melhorar e manter substancialmente suas características químicas ao longo dos anos, visto que os índices verificados neste estudo representam elevado nível de fertilidade do solo e permitem obter boa nutrição e desenvolvimento de plantas, com potencial para sustentar excelentes produtividades. Isto indica viabilidade técnica e econômica da produção orgânica de alimentos com padrão comercial e rendimentos competitivos para o mercado. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2806

Ao CNPq, pelo apoio financeiro. AGRADECIMENTO REFERÊNCIAS PREZOTTI LC; GOMES JA; DADALTO GG; OLIVEIRA JA. 2007. Manual de Recomendação de Calagem e Adubação para o Estado do Espírito Santo 5º aproximação. Vitória, ES, SEEA/INCAPER/CEDAGRO, 305p. EMBRAPA EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. 2009. Manual de análises químicas de solos, plantas e fertilizantes. 2 ed. Brasília: 627p. il. Tabela 1. Composição média de compostos orgânicos no período de 1990 a 2009 (Average composition of organic composite in the 1990 to 2009). INCAPER, Domingos Martins, 2010. 1 Adubo orgânico M.O. MACRO (%) MICRO (ppm) C/N ph (%) N P K Ca Mg Cu Zn Fe Mn B Composto 52 16/1 7,3 2,0 1,2 1,2 4,8 0,5 54 188 12.424 793 25 1 Média de 50 pilhas (Average of 50 composts). Figura 1. Vista parcial da Área Experimental de Agricultura Orgânica, mostrando os diversos talhões de solo (Partial view of the Experimental Area of Organic Agriculture, showing the various plots). INCAPER, Domingos Martins, 2010. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2807

4,0 3,5 3,0 ) (% 2,5 Ọ M 2,0 y =- 6452,4777 + 6,3755x- 0,0016x 2 R² = 0,87 1,5 1,0 Figura 2. Evolução da Matéria Orgânica dos solos submetidos a manejo orgânico durante 20 anos (Organic matter evolution of soils under organic management for 20 years). INCAPER, Domingos Martins, 2010. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2808

12,0 CTC S 10,0 3 m l/d o m C 8,0 6,0 4,0 2,0 y =- 102161,2622 + 102,0724x - 0,0255x 2 R² = 0,78 y =- 25573,3032 + 25,5175x- 0,0064x 2 R² = 0,38 0,0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 300 250 ) g /K g (m io s tá o P 200 150 100 y = 123,3 + 33,51x - 3,392x 2 + 0,092x 3 R²=0,46 50 0 350 300 250 ) g /K g 200 (m ro s fo 150 ó F 100 y = - 3427567,593 + 3419,411x - 0,853x 2 R²=0,76 50 0 Figura 3. Evolução da Soma de Bases (S) e CTC (acima), do Potássio (meio) e do Fósforo (abaixo) de solos submetidos a manejo orgânico durante 20 anos (Sum Bases and CEC (above), Potassium (middle) and Phosphorus (below) evolution of soils under organic management for 20 years). INCAPER, Domingos Martins, 2010. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2809

7,0 Ca Mg 6,0 5,0 3 m4,0 l/d o m3,0 C 2,0 1,0 0,0 7,00 6,50 6,50 6,56 6,68 6,75 6,61 6,81 6,70 6,95 7,05 7,19 7,10 6,94 6,88 6,82 6,74 6,62 6,50 6,46 Índice 6,00 5,83 6,13 5,50 5,00 Figura 4. Evolução do Cálcio e Magnésio (acima), da Saturação por Bases (meio) e do ph (abaixo) em solos submetidos a manejo orgânico durante 20 anos (Calcium and Magnesium (above), Bases saturation (middle) and ph (below) evolution of soils under organic management for 20 years). INCAPER, Domingos Martins, 2010. Hortic. bras., v. 28, n. 2 (Suplemento - CD Rom), julho 2010 S2810