CARACTERÍSTICAS DOS ATOS NULOS E ANULÁVEIS NO DIREITO BRASILEIRO

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Transcrição:

CARACTERÍSTICAS DOS ATOS NULOS E ANULÁVEIS NO DIREITO BRASILEIRO Paulo Rodrigo Pantusa 1 RESUMO O presente artigo visa destacar as características dos atos jurídicos, analisando os seus critérios de validade e de invalidade à luz da legislação pátria vigente, bem como as consequências jurídicas desses atos. ABSTRACT This article aims to highlight the characteristics of legal acts, analyzing their criteria of validity and invalidity based on the current Brazilian legislation and the legal consequences of those acts. 1 Advogado, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Faculdade Batista de Minas Gerais.

1 INTRODUÇÃO 1 A vida em sociedade é da essência do ser humano. Sem ela, provavelmente, não seria possível a existência humana, eis que na vida coletiva, com divisão das tarefas dentro da sociedade, estruturação dos afazeres sociais, estão presentes as características da própria personalidade do homem. Sem dúvida alguma, foi a facilidade no conviver, a harmonia e o conforto da presença de seu semelhante, que fez com que houvesse esse agrupamento social. E é inevitável nesse agrupamento social a relação e interação total entre os seus membros, ocorrendo constantemente fatos, atos e negócios regulados pelo direito. Entretanto, para que se confira valor e eficácia nestas relações inter-pessoais que foram travadas, mister se faz o preenchimento de requisitos elencados na lei (que se presume ser de vontade popular), a fim de se ter a validade dos mesmos, bem como proteger os próprios membros criadores destas relações. O ato jurídico, portanto, não possuindo os seus requisitos legais, faltando algum elemento ou sendo utilizado para lesar terceiros, conforme o caso específico, como veremos mais adiante, pode ser considerado nulo, anulável ou ineficaz, como uma regra (imposição) para a boa convivência e harmonia social, variando de acordo com critérios axiológicos (valorativos) utilizados pela sociedade. Daí o objetivo do presente estudo, discorrer sobre os defeitos dos atos jurídicos e suas consequências, vez que todos os atos são pensados ou criados para que possam surtir os seus devidos e legais efeitos. Contudo, nem todos, por vícios de consentimento ou por vícios sociais, ou até mesmo por afrontar à lei, produzirão os seus devidos e esperados efeitos. 2 FATOS JURÍDICOS É de notória sabença que o objetivo do Direito, enquanto instrumento para regular as relações sociais, é estabelecer normas e imposições que regulem os

chamados fatos sociais. Daí o velho adágio ONDE ESTÁ A SOCIEDADE ESTÁ O 2 DIREITO. Define a professora Maria Helena Diniz 2 que o fato jurídico lato sensu é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando as normas jurídicas. Deste modo, todos os fatos jurídicos entram no domínio do direito, contribuindo com outros a produzir as conseqüências jurídicas. Este envolve qualquer acontecimento relacionado com a vida humana. A chuva, por si só, não pode ser considerada um fato jurídico, por exemplo, mas, ao transbordar um rio, causando dano a alguém, toma imediatamente a feição de fato jurídico para fins de averiguação do sinistro ocorrido. O fato jurídico (acontecimento), portanto, é aquele que, oriundo de uma ação humana ou ação da natureza, encontra respaldo e amparo no ordenamento jurídico em vigor, criando, modificando e extinguindo direitos. Quanto a sua classificação, conforme se verá a seguir, a doutrina clássica divide os fatos jurídicos em: 1) fato jurídico strictu sensu ; 2) ato jurídico (ato jurídico em sentido estrito e negócios jurídico); Fato jurídico em sentido estrito é o acontecimento que não advém da vontade humana, sendo um acontecimento de ordem natural, que é capaz de criar, modificar ou extinguir direitos. Como regra, o Código Civil de 2002 3 prevê que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior se expressamente não se houve por eles responsabilizado. Segundo Washington de Barros Monteiro 4, os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser classificados da seguinte forma: 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 1 o Vol., São Paulo: Saraiva, 18 a edição, 2002, p. 319. 3 BRASIL. LEI 10.406/2002 Código Civil 2002, Art. 393.

I Ordinários: Como morte, nascimento, maioridade, menoridade, e outros: II Extraordinários: Como o caso fortuito e a força maior, que se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento. 3 Deve-se diferenciar, portanto, dentro do gênero amplo dos fatos jurídicos, de um lado, os eventos alheios a vontade humana, sem o elemento volitivo, que são os atos jurídicos em sentido estrito, e de outro lado os atos em que há o concurso da vontade humana, que são chamados de negócios jurídicos. Segundo Maria Helena Diniz 5 O ato jurídico em sentido estrito é o que gera conseqüências jurídicas previstas em lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada. De forma que o ato jurídico stricto sensu seria aquele que surge como mero pressuposto de efeito jurídico, preordenando pela lei, sem função e natureza de autoregulamento. No ato jurídico em sentido estrito, conforme se dessume do conceito supracitado, a ação humana ou manifestação da vontade funciona como mero pressuposto de efeitos preordenados pela lei. Imperioso, neste ponto, não confundir ato jurídico em sentido estrito e fato jurídico em sentido estrito. A ação humana neste caso apenas realiza o ato, sem se preocupar com os seus futuros efeitos, dando suporte para criar o fato e fazê-lo entrar no mundo jurídico. O ato jurídico em sentido estrito é fruto da ação humana, de uma atitude, de um comportamento, da manifestação de vontade. Porém, embora careça disto para existir, os efeitos ocorrem inexoravelmente, independentes de serem queridos ou não pelo agente. 4 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1966, p. 173 5 DINIZ, op. cit. p. 362

Por sua vez, completamente ao revés se mostra o negócio jurídico, que é 4 sobretudo uma declaração de vontade, por força da qual se declara querer a produção de um determinado efeito jurídico. Enquanto o fato jurídico é um acontecimento produtor de uma modificação no mundo jurídico voluntário ou não, o negócio jurídico é sempre manifestado através da vontade, destinado a produzir os seus efeitos atribuídos pela ordem jurídica. Lecionando também sobre o negócio jurídico, o doutrinador espanhol, Federico de Castro y Bravo 6, afirma que El derecho común recibe de los textos romanos, la idea de que el particular puede estabelecer reglas de valor jurídico, análogas a las leyes. El ciudadano, el hombre libre, conserva así una parcela de soberanía, que se manifesta en poder crear derecho. Citado pensamento encontra também fundamento jurídico no Código Civil Francês de 1807 - Código Napoleônico - que também previa que o contrato (negócio jurídico por excelência) faria às vezes de lei entre as partes contratantes. Embora esse entendimento tenha sido mitigado pela função social do contrato, boa fé objetiva, dentre outros, a autonomia da vontade não pode ser totalmente tolhida, tendo ainda muita força nos contratos empresariais, por exemplo. E vale destacar ainda que tal divisão dos atos jurídicos, em ato jurídico em sentido estrito e em negócios jurídicos, foi concepção dos pandectistas alemães do século XIX, que serviram, inclusive, para separar os atos jurídicos em sentido estrito do princípio da autonomia da vontade, que embasa toda a teoria do negócio jurídico. Das categorias de fatos jurídicos, é o negócio jurídico o mais importante. O negócio jurídico, portanto, constitui o meio posto pela ordem jurídica à disposição da pessoa privada para modelar como lhe aprouver as suas relações jurídicas, pondoas de acordo com os seus interesses, tais como os entenda e aprecie, embora exista, como falado, mitigações, que tem origem na visão constitucional do Direito Civil. 6 COSTA Y BRAVO, Federico. El negocio juridico. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p25.

E para ter validade, os negócios jurídicos devem obedecer os preceitos 5 legais 7, sob pena de serem inválidos (nulos, anuláveis ou ineficazes), não realizando o seu objetivo de criar, modificar e extinguir direitos. 3 DAS NULIDADES Ato jurídico inválido é aquele que não possui os seus requisitos legais para ter a sua eficácia, ficando, assim, desprovido de validade. E uma das formas de invalidade é a nulidade. O professor Zeno Veloso 8 define nulidade como o estado do negócio que ingressou no mundo jurídico descumprindo requisitos de validade considerados essenciais, de interesse social e ordem pública. No ordenamento jurídico brasileiro a lei prevê a nulidade como uma sanção, uma pena, face ao seu descumprimento. A função da nulidade dentro do ordenamento, portanto, é tornar sem efeito o ato ou negócio jurídico, que esteja em desconformidade com a lei. No direito brasileiro, os atos nulos estão elencados no artigo 166 9 do Código Civil de 2002. Entretanto, houve uma importante mudança, no que se refere aos atos nulos, que foi a inclusão da simulação 10 do negócio jurídico, que sob a égide do Código de 1916 fazia parte dos atos anuláveis. 7 BRASIL. Lei 10.406/2002 - Código Civil de 2002. Art. 104 A validade do negócio jurídico requer: I Agente capaz; II Objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III forma prescrita ou não defesa em lei; 8 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico, nulidade e anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 37. 9 BRASIL. Lei 10.406/2002. Código Civil Art. 166 É nulo o negócio jurídico quando: I celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV não revestir a forma prescrita em lei; V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI tiver pó objetivo fraudar lei imperativa; 10 Art. 167 É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

6 Ao se declarar ou prever a declaração da nulidade, busca o legislador proteger o próprio corpo social dos negócios jurídicos que não cumpriram os seus requisitos, podendo, graças a este caráter eminentemente social, ser alegado por qualquer uma das partes, em qualquer momento ou fase processual, pelo juiz ex oficio, ou até mesmo pelo Ministério Público, quando for obrigado a intervir no feito. Na mesma direção, doutrina o mestre Silvio Rodrigues 11 Nos casos de nulidade existe um interesse social, a par do individual, a exigir a absoluta ineficácia do ato jurídico. Este consiste, como vimos, num ato de vontade a que a lei atribui efeitos jurídicos, dados certos pressupostos: a capacidade das partes, a liceidade do objeto, a obediência à forma, quando prescrita. O desatendimento a um desses requisitos constitui sério pecado, que provoca, como reação do ordenamento jurídico, a decretação da ineficácia. Vale destacar, ainda, a divergência existente na doutrina pátria sobre a subdivisão da nulidade, em absoluta e relativa. Segundo Serpa Lopes 12, analisando os dispositivos previstos no Código Civil de Bevilácqua, assevera que respectivamente nos arts. 145 e 147 do Código Civil, constam duas categorias de nulidades: nulidade absoluta e a nulidade relativa. Entretanto, sem embargo do brilhantismo do mestre supracitado, não se pode considerar como idênticos os atos relativamente nulos e os atos anuláveis, sob pena de se incorrer em erro. O ato relativamente nulo se mostra intermediariamente, em matéria de invalidade, entre os atos totalmente nulos e os anuláveis. Assim também entende Zeno Veloso 13 Alguns autores, então, admitem a existência de nulidade relativa, uma figura intermediária, distinta da nulidade de pleno direito e da anulabilidade. Representaria espécie eclética, autônoma de invalidade. A nulidade relativa é um tipo de nulo que não é o absoluto. 11 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 32 a ed., Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 292. 12 SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, Vol. I, 5 a ed., Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1971, p. 448. 13 VELOSO. op. cit. p. 84.

7 Este também é o entendimento do jurista italiano Emílio Betti 14 que prescreve que (...) não conseguimos ver porque a nulidade não possa ser relativa. Como sustentáculo para o entendimento mencionado, entende a doutrina haver um tipo de nulidade (relativa) que não pode ser alegada pelo Ministério Público, pelo juiz de ofício, e muito menos por qualquer interessado. Isto aconteceria nos casos em que estão envolvidos direitos patrimoniais privados, disponíveis, que não se referem à ordem pública. Têm-se como exemplo clássico da existência da nulidade relativa no direito brasileiro o art. 208 15 do Código Civil de 2002. E tal existência se prova por uma razão muito simples. Se se trata de nulidade, não deveria existir a possibilidade de se sanar tal irregularidade, conforme determina o final do mencionado artigo. Fica patente, portanto, as diferenças e nuanças da nulidade relativa, que não se confunde de maneira alguma com a anulabilidade, asseverando Francisco Amaral 16 que a nulidade relativa não se confunde com a anulabilidade; a primeira é espécie de nulidade que só determinadas pessoas podem invocar. A segunda é sanção de grau inferior àquela. A nulidade relativa deve ser vista por todos como um grau intermediário ao da nulidade absoluta e a anulabilidade, portanto, possuindo características de ambos os institutos, temperando os rigores da nulidade com a maneira um pouco mais branda da anulabilidade. 4 DAS ANULABILIDADES 14 BETTI, Emílio. Teoria Geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Editora, 1969, t. III, n. 58, p. 36. 15 BRASIL. LEI 10.406/2002 Código Civil Art. 208 É também nulo o casamento contraído perante autoridade incompetente (arts. 192, 194, 195 e 198). Mas esta nulidade se considerará sanada, se não se alegar dentro em 2 (dois) anos da celebração. 16 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 2 a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 506.

A outra categoria dos atos inválidos são os atos anuláveis. Como já fora 8 visto, os atos anuláveis são distintos dos atos nulos (absolutos), e também, não obstante a semelhança, dos atos relativamente nulos. Segundo o brilhante mestre Clóvis Bevilacqua 17, um dos mentores do Código Civil de 1916, denominam-se os que se acham inquinados de um vício capaz de lhes determinar a ineficácia, mas que poderá ser eliminado, restabelecendo-se, assim, a normalidade do ato. E o Código Civil de 2002 18 é claro ao elencar quais os atos que devem ser considerados anuláveis. E o negócio anulável se caracteriza por estar em uma situação indecisa e transitória. Sua validade depende sobretudo de quem esteja legitimado a pedir a anulação. Enquanto que, em caso contrário, poderá sanar o negócio por confirmação ou caducidade daquela ação anulatória. Ao contrário do que ocorre com as nulidades, que são consideradas muito mais graves, uma vez que protegem os interesses públicos e os aspectos sociais, a anulabilidade refere-se ao interesse privado, servindo também de elemento social, mas exercendo esta função para regular os interesses particulares. É uma medida menos grave e menos séria que a nulidade. O legislador foi menos enérgico neste caso. E por ter esse caráter privado e afetar os interesses particulares, somente podem ser alegadas pelas partes, não cabendo o reconhecimento ex offício pelo juiz, pelo Ministério Público, tendo ainda o seu momento certo para alegação, sob pena de prescrição. Pelo mesmo motivo podem ser sanadas, retornando-as aos status quo ante, produzindo os seus efeitos normais. Além dos efeitos da anulabilidade serem considerados somente após o trânsito em julgado da sentença declaratória, por ter efeitos ex tunc. O que de forma alguma não acontece com a nulidade. 17 BEVILACQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 2 a ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929, p. 338. 18 BRASIL. LEI 10.406/2002 Código Civil Art. 171 Além dos casos expressamente declarados pela lei, é anulável o negócio jurídico: I por incapacidade relativa do agente; II por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

9 E uma mudança significativa com o Código Civil de 2002 foi a volta dos institutos do estado de perigo e da lesão, figuras estas que foram suprimidas do direito brasileiro após o advento do Código Civil de 1916, e que agora retornam ao ordenamento positivo. No caso do estado de perigo 19, objetivou o legislador impedir a contratação desvantajosa, em nítido prejuízo a uma das partes que, em determinadas situações, fica com a vontade viciada, autorizando a anulabilidade do negócio celebrado. Por sua vez, com a inclusão da lesão 20, o legislador pátrio almejou o equilíbrio na prestação e contra-prestação, sob pena de anulabilidade. 5 CONCLUSÕES Conforme já fora dito, todo negócio jurídico, que contém como principal elemento a vontade, é pensado e criado para que surta seus devidos efeitos. Contudo, nem sempre entram no mundo jurídico. Por uma razão ou por outra. Este são os atos inválidos (sem validade), que não obedeceram os requisitos da lei, e que podem ser divididos, de acordo com o grau do seu vício, e o potencial de prejudicialidade a sociedade, em nulo (absoluto e relativo) e anulável. Fazendo um apanhando entre esses atos viciados, e traçando um paralelo entre eles, conclui-se que: 19 BRASIL. LEI 10.406/2002 Código Civil Art. 156 Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido d necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. 20 BRASIL. LEI 10.406/2002 Código Civil Art. 157 Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

10 I O ato nulo tem por escopo os interesses da coletividade, abarcando situações de ordem pública; a anulabilidade objetiva tutelar os interesses privados de uma das partes que figuram no negócio jurídico; II O ato nulo não sofre prescrição; O ato anulável sofre; III O ato nulo não pode ser sanado; O ato anulável pode ser confirmado; IV A nulidade pode ser declarada pelo juiz ( ex officio ), pelo Ministério Público ou por qualquer uma das partes; A anulabilidade só pode ser alegada pelas partes litigantes; V O negócio nulo jamais produz efeitos; Os atos anuláveis produz os seus efeitos enquanto a sentença anulatória não transitar em julgado; VI A anulabilidade deve sempre ser prevista em lei, enquanto a nulidade pode ser expressa ou implícita;

11 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS * AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 2 a ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1998. * BEVILACQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. 2 a ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929. * COSTA Y BRAVO, Federico. El negocio juridico. Madrid: Editorial Civitas, 1997. * DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 1 o Vol., São Paulo: Saraiva, 18 a edição, 2002. * MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 1966. * RÁO, Vicente. Ato jurídico. 4 a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. * RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 32 a ed., Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2002. * SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de Direito Civil, Vol. I, 5 a ed., Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1971, p. 448. * VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico, nulidade e anulabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.