PCH: pequenos investidores, grandes ambições Setor que respondeu por 1,5% da expansão da geração na última década vê espaço para a contratação de 500 MW ao ano em leilões de reserva Mauricio Godoi, da Agência CanalEnergia, de São Paulo, Reportagem Especial 13/05/2016 Em tempos de promessas, acordos internacionais e iniciativas para aumentar a presença das renováveis na matriz elétrica nacional, uma fonte já tradicional no Brasil planeja como reverter o atual cenário de baixa contratação nos últimos anos. De um total de 956 usinas com potência total contratada de 68.589 MW na última década por meio de leilões de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica, as pequenas centrais hidrelétricas representaram apenas 1,47% desse total ou pouco mais de 1 GW distribuídos em 57 plantas. Os pontos que apareceram como motivos para a baixa penetração dessa fonte na matriz são vários. Passam atualmente pelo preço, mas já envolveram dificuldades no licenciamento, burocracia junto à agência reguladora, além da competição entre as fontes nos certames promovidos ao longo dos anos. Contudo, agora os representantes do setor preparam uma nova ofensiva para retomar o ritmo de contratação ao nível de 500 MW de capacidade ao ano, algo equivalente a 16,6 usinas em média, se considerar centrais com uma capacidade de geração de 30 MW. O caminho apontado para isso são os leilões de energia reserva, promovidos pelo governo federal. A tarefa deverá exigir um grande esforço do segmento já que o momento pelo qual o setor passa é delicado. Os preços no mercado livre estão em um nível abaixo do histórico, a demanda ainda patina em função da desaceleração da economia e os dois leilões de reserva anunciados até o momento são vistos como o único mecanismo que ajudará as fontes renováveis a manter o estímulo à cadeia industrial de máquinas e equipamentos nesse período turbulento.
A avaliação do novo presidente executivo da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, Márcio Severi, é de que a PCH não possui grande escala mas tem o potencial de ser estratégica no país por ser complementar. Diferente da eólica que tem escala e grande potencial de novos projetos. E o argumento é de que as pequenas centrais podem atrelar qualidade à matriz por serem naturalmente complementares às demais fontes de geração existentes. Segundo Severi, há cerca de 25 GW em potencial de geração por meio das PCHs no Brasil. Desses, 5,2 GW estão em operação, há 600 MW em construção, 2,9 GW em projetos já aptos a entrar em leilões de energia nova ou no mercado livre por já estarem aprovados na Aneel, e ainda 7,7 GW que estão no banco de projetos para análise da agência reguladora. Há ainda 8,2 GW de potencial em eixos disponíveis ou projetos que ainda estão em elaboração somando as CGHs, PCHs e usinas com até 50 MW. "Temos a ambição de colocar 500 MW de capacidade instalada por ano. Com o atual volume de projetos já aprovados na Aneel teríamos um fluxo de seis anos de contratação. Essa contratação seria por meio de leilões de reserva, porque os empreendimentos estariam ali como uma reserva técnica que permite calibrar a contratação de cada uma das fontes. Esse leilão deveria incluir todas as renováveis complementares", revelou o presidente executivo da Abragel. De acordo com o atual Plano Decenal de Energia, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, para 2024, o planejado é de que a fonte passará de 5 GW existentes ao final de 2014 para 8 GW ao final da década. Ou seja, a média de contratação prevista é de 300 MW anuais. Se essa previsão se confirmar, ficará à frente apenas da nuclear com 3 GW e da solar com 7 GW de capacidade instalada nesse horizonte de tempo. Ambição de contratar 500 MW ao ano em PCHs Márcio Severi, da Abragel Essa opção pela contratação de usinas por meio dos leilões de reserva é justificada por dois motivos principais e já apontados. O primeiro reflete o atual momento do setor elétrico com a sobrecontratação das distribuidoras que deverá levar os leilões ao baixo nível de contratação como o visto no A 5 deste ano, mas esse cenário pode mudar para o médio e longo prazo, até porque esse tipo de projeto é de uma maturação de cerca de 10 anos e, segundo Severi, é necessário olhar para além de cinco anos, um período no qual é difícil de se fazer qualquer previsão acerca da carga. Outro fator é a característica da PCH
de ser uma fonte complementar e que pode agregar qualidade à matriz já que as usinas estão próximas à carga, dispensando grandes obras de transmissão. "Mesmo com o PLD baixo ainda temos despachos térmicos, isso mostra que há um desequilíbrio no sistema. As PCHs agregam qualidade ao sistema porque 90% dessas usinas localizam se no Sul, Sudeste e Centro Oeste, onde está a carga. Isso traz aumento de confiabilidade e diminuição de perdas e custo global, essa é a pauta de qualidade e existe espaço para contratação no curto prazo e médio prazo, pois esses 500 MW que é um volume tão alto assim, faria sentido para se incrementar a qualidade no sistema", acrescentou. As alterações implementadas pelo governo a partir de 2014 com a separação das fontes nos leilões e melhoria nos preços são consideradas um avanço. Contudo, o ponto nevrálgico para a fonte ainda está centrado nos valores da tarifa teto dos leilões. Até porque o modelo das disputas e as regras para avaliação dos projetos, demandas históricas do segmento, mudaram, tanto que dos 2,9 GW aptos a entrar nos leilões, metade foi aprovada somente no ano passado. Na avaliação das duas associações que representam o mercado de PCHs, além da Abragel, a AbraPCH o valor que viabilizaria a fonte varia entre R$ 280 e R$ 290/MWh. Essa perspectiva de preços é alvo de estudos e propostas a ser apresentadas ao governo para que alcance preços que viabilizem a fonte. O presidente da AbraPCH, Paulo Arbex, admite que o MME não deverá chegar tão cedo aos valores indicados como ideais para a fonte. Contudo, destaca que a elevação é importante, pois a variância de custos para os projetos é bem diferente de um para o outro por diversos itens que compõem essa modalidade de empreendimentos, como área alagada, valores de terrenos, localização, as exigências ambientais e de construção civil, entre outros. Ainda vai demorar para o MME chegar a tarifa Paulo Arbex, da Abrapch "Não acho que o MME chegue nesses valores tão cedo e o que tentamos fazer é sensibilizar o governo de que é necessário aumentar a tarifa teto", afirmou Arbex. Ele argumenta essa posição ao comentar que uma PCH pode ficar ativa por vários períodos de concessão com a necessidade de pouco investimento mesmo em uma planta de 100 anos. "Hoje há usina com 135 anos de idade com a mesma barragem e casa de força. Após a concessão terminar o ativo fica ali para o governo, com energia a R$ 50 por pelo menos mais três períodos de concessão o que leva a média de tarifa em sua vida útil em cerca de R$ 110/MWh", exemplificou o executivo que lembrou ainda que o governo pode obter mais ganhos ainda com a cobrança de outorga por esses ativos, assim como ocorreu com as usinas relicitadas em novembro de 2015. Na avaliação da diretora executiva da Thymos Energia, Thaís Prandini, o cenário de leilões não se mostra atrativo para a fonte nos próximos primeiros anos. Para ela, no longo prazo, a tarifa deverá ficar no atual patamar que tem se visto nos leilões. Segundo levantamento da Agência CanalEnergia feito junto à Aneel, o preço médio para a fonte nos certames de 2005 a 2015 ficou em R$ 156,50/MWh sendo que o mais alto foi de R$ 207,64/MWh. "Não muda muita coisa no longo prazo, vejo que o preço deverá se situar entre R$ 190 e R$ 210 com a média rondando a casa de R$ 200/MWh", afirmou a executiva. "Aumentos de tarifas no leilão nesse momento só se tiver a atualização por conta da inflação. Com R$ 210 de tarifa é possível termos a viabilização de projetos no país, mas sem muito espaço para deságios. No longuíssimo prazo até é possível se chegar a R$ 260/MWh", estimou. Contudo, Thaís lembra que a questão de preços varia muito de acordo com a necessidade de o governo contratar energia. No momento, acrescentou, há sobra de energia, o que deixa o poder concedente mais tranquilo, e, como consequência, as tarifas máximas no atual patamar em que estão. Com o avanço da economia ela estima que o crescimento da demanda eleve preços de energia de forma mais significativa. A estimativa é de que podemos ver apenas no A 5 de 2017 ou ainda no A 3 para início de fornecimento para 2021 alguma contratação mais expressiva. Preços para PCHs estão entre R$ 190 e R$ 210/MWh Thais Prandini, da Thymos Energia
O consultor da Thymos, Renato Mendes, que já teve passagem pela Brookfield afirma que a questão do financiamento também está no centro das discussões, até porque os investidores nesse tipo de usina precisam do funding provido pelo BNDES e que só consegue ser obtido com os contratos de longo prazo ofertados nos leilões. Segundo ele, obter esses recursos para o investimento vendendo energia no mercado livre é muito difícil, a não ser que essa empresa tenha acesso a capital internacional e a taxas de juros competitivas quando comparadas ao banco de fomento federal, ou ainda, contratos bilaterais. "O leilão é o caminho a ser seguido para aquele empreendedor que depende do BNDES para ter acesso a financiamento", definiu ele. Pelo lado do investidor, a percepção é de que houve uma melhoria nas condições de participação da PCH nos certames da Aneel, apesar de ainda não refletir o valor da maioria dos projetos. Alguns mais ajustados podem entrar, mas ainda assim próximo ao preço teto que se apresenta atualmente. Na avaliação de Luiz Fernando Cordeiro, CEO da CER Energia, uma empresa de médio porte que vendeu uma usina no A 5 de 2015 há espaço para a PCH no mercado nacional e isso vem ocorrendo desde 2014. "A tarifa inicial está mais viável, mas vendemos energia sem muito deságio porque não dava mais para baixar em função do capex, juros, câmbio e as incertezas do mercado. Já vimos que a tarifa tem que estar alinhada com a realidade de cada fonte, não há milagre e vimos recentemente que as tentativas de indicar preços artificiais acabaram com ativos sem lances. Mas no caso da PCH vemos uma precificação diferente nos últimos dois anos", relatou o executivo. No campo das incertezas citadas está o aumento dos custos de investimento. Cordeiro apontou aumentos de custos com a construção civil impactado pelos preços de commodities no mercado internacional, principalmente cimento e aço. Até mesmo o segmento de equipamentos, que possui uma base industrial forte está exposta à questão cambial. Além disso, há em segundo plano o custo da dívida ao longo da vida útil do empreendimento. E lembra que o gerador que entrou em um leilão em 2013 ofertou a energia em uma época na qual a TJLP principal indexador do BNDES estava em 5,5% ao ano e hoje pulou para 7,5%. Então por conta dessas incertezas cada grupo deve fazer a análise de risco em diversos cenários para avaliar o patamar do serviço da dívida e as possibilidades para os leilões. Licenciamento ambiental Enquanto as questões econômicas são discutidas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis atua no sentido de buscar uma solução para os prazos mais racionais de emissões de licenças para as usinas. Apesar de poucas estarem sob sua jurisdição, já que o critério para o licenciamento ocorrer no órgão é a usina estar em divisa de estado, o instituto admite que a priorização no segmento de geração acaba indo para grandes usinas que são classificadas como estratégicas e que por isso acabam recebendo mais atenção de todas as partes envolvidas. Segundo a presidente do Ibama, Marilene Ramos, há um movimento dentro do instituto que trata da modernização e racionalização do licenciamento ambiental, seja este em qualquer nível. Essa atividade, disse ela, passa pela elaboração de manuais para os termos de referência de um determinado tipo de empreendimento. No momento o estudo está em uma primeira fase. Nesse momento o órgão se concentra na análise da experiência internacional por meio de 80 processos de licenciamentos realizados em sete países, entre eles Estados Unidos, Canadá e Chile. A meta é de trazer as boas práticas adaptadas à realidade brasileira e melhorar a qualidade desses processos por aqui. Manuais para padronizar licenciamento ambiental Marilene Ramos, do Ibama "O licenciamento de uma mesma tipologia de empreendimento tem níveis de exigências diferenciadas e que variam de acordo com a equipe que analisa os processos", afirmou a presidente do Ibama. "Na segunda fase do projeto partiremos para a manualização dos procedimentos de licenciamento que serão montados por tipo de projeto para que o empreendedor saiba com antecedência qual é o termo de referência que ele terá que atender para o seu EIA", revelou ela. A ideia é de que pelo menos 80% do que será exigido esteja nesses manuais até porque há especificidades regionais e locais. Além disso, os investidores já saberão que tipo de impacto é esperado para aquele tipo de empreendimento, bem como as condicionantes e programas ambientais deverão ser tomados o que aumenta a previsibilidade de custos. Ainda não há prazo para que o setor tenha esses documentos disponíveis, até porque a ideia do Ibama é de começar a liberar esses manuais para o que chamou de empreendimentos lineares como linhas de transmissão e estradas. "Os demais ainda serão desenvolvidos, em parceria com cada setor", finalizou Marilene. É vedada a utilização e/ou reprodução total ou parcial do conteúdo gerado pelo CanalEnergia sem prévia autorização.