IDENTIDADE E ESPAÇO: MUDANÇAS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

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Transcrição:

IDENTIDADE E ESPAÇO: MUDANÇAS EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO Daniel de Castro Dias Universidade do Estado do Rio de Janeiro daniel.geografo@yahoo.com.br Resumo: O fenômeno de globalização pode ser considerado como uma realidade complexa e multidimensional, que teria como elementos constituintes diferentes interfaces: política, econômica, cultural e espaço-temporal. De modo geral, o fenômeno se refere a uma complexa série de eventos que têm redefinido a lógica da produção, do consumo, da comunicação e dos valores entre diferentes grupos de pessoas em todo o mundo, possibilitado por inovações tecnológicas dos meios de comunicação e de transportes ao redor do globo. Entretanto, esse fenômeno possui um caráter de ocorrência profundamente assimétrico, podendo ser visto como um processo dialético que estimula simultaneamente dinâmicas de integração e de fragmentação, universalismos e particularismos, diferenciações e homogeneizações. Com o fenômeno de globalização, novos processos passaram a constituir as tradicionais dinâmicas e características existentes entre os distintos lugares. Nesse contexto, as identidades ocupam um lugar de destaque, sobretudo pelo seu caráter paradigmático na medida em que sofrem importantes mudanças em seu significado. Grande parte das identidades são (re)significadas com novos conteúdos que, em muitos casos, chegam a alterar profundamente seus significados anteriores. Dessa forma, o propósito deste trabalho consiste em explorar algumas questões sobre o conceito de identidade, a sua dimensão espacial e sua propalada crise resultante da compressão do espaço-tempo e, sobretudo sua relação com o conceito de Lugar, encarado nesse trabalho como fonte de identidade. A perspectiva adotada seguirá um procedimento teórico baseado na leitura dos principais textos sobre o tema em questão, com o propósito de reflexão sobre as interpretações teóricas desvendadas a partir da interação entre elas. Com isso, destina-se compreender os processos de construção de identidades, assim como sua relação com a dimensão espacial e sua ligação ao conceito de Lugar, como também, compreender o que muitos teóricos afirmam ser a crise das identidades na pós-modernidade. 1

INTRODUÇÃO O surgimento e a consolidação do projeto de Estado moderno incorporou, ao longo dos séculos, a categoria de nação como a principal forma de identificação das lealdades dos indivíduos inseridos em cada Estado específico. Dessa forma, o desenvolvimento de um sistema de Estados nação passou a operar de tal modo que as identificações passaram a estar ancoradas em referenciais valorativos particulares, como o território, a cultura e a identidade étnica, a língua, e outros supostos atributos de uma mesma nacionalidade. Esses elementos formadores do que nomeamos Nação e sua respectiva identidade cultural são orientados, sobretudo, para percepções de ordem psicológica, fundada na existência de um suposto vínculo essencial de apego que uniria pessoas específicas por meio de um diferencial único, formador do que Benedict Anderson classificou como comunidades imaginadas (ANDERSON, 1983). A partir da segunda metade do século XX, após o fim da Segunda Guerra Mundial, uma nova reordenação política e econômica foi posta em prática para os países formadores do bloco capitalista. A institucionalização de organismos internacionais incorporou novas características à tradicional dinâmica existente entre os Estados, como também, a expansão de seus fluxos econômicos, culturais e informacionais. Já em meados da década de 1970, a crescente intensidade desses fluxos deu impulso ao fenômeno conhecido como globalização. Para Held e McGrew (1997), o fenômeno de globalização pode ser considerado como uma realidade complexa e multidimensional, que teria como elementos constituintes diferentes interfaces: política, econômica, cultural e espaço-temporal. De modo geral, o fenômeno se refere a uma complexa série de eventos que têm redefinido a lógica da produção, do consumo, da comunicação e dos valores entre diferentes grupos de pessoas em todo o mundo, possibilitado por inovações tecnológicas dos meios de comunicação e de transportes ao redor do globo. Entretanto, esse fenômeno possui um caráter de ocorrência profundamente assimétrico, podendo 2

ser visto como um processo dialético que estimula simultaneamente dinâmicas de integração e de fragmentação, universalismos e particularismos, diferenciações e homogeneizações (HELD e MCGREW, 1997). Na esfera político-econômica, a influência do fundamentalismo econômico de Thatcher e Reagan; o declínio e o desmembramento das economias centralmente planejadas; a crise econômica/financeira prolongada de muitos países e regiões (com destaque para a América Latina) na década de 1980; e a imposição de ajustes estruturais aos países não-industrializados; podem ser considerados fatores que deram forte impulso à mundialização do capital. Wallerstein (2002), ao elaborar sua teoria sobre o desenvolvimento de um verdadeiro sistema-mundo, expõe como a expansão do capitalismo possui caráter genuinamente global, não restrito aos limites nacionais (WALLERSTEIN, 2002, p. 98). Nesse contexto, os atributos característicos formadores das identidades nacionais sofrem influência das consequências que o fenômeno de globalização tem gerado sobre o sistema de Estados nacionais existente. Dessa forma, o propósito deste trabalho consiste em explorar algumas questões sobre o conceito de identidade, a sua dimensão espacial e sua propalada crise resultante da compressão do espaço-tempo e, sobretudo sua relação com o conceito de Lugar, encarado nesse trabalho como fonte de identidade. A perspectiva adotada seguirá um procedimento teórico baseado na leitura dos principais textos sobre o tema em questão, com o propósito de reflexão sobre as interpretações teóricas desvendadas a partir da interação entre elas. Com isso, destina-se compreender os processos de construção de identidades, assim como sua relação com a dimensão espacial e sua ligação ao conceito de Lugar, como também, compreender o que muitos teóricos afirmam ser a crise das identidades na pós-modernidade. IDENTIDADE CULTURAL E GLOBALIZAÇÃO 3

Ao considerar paralelamente a evolução do sistema de Estados moderno e a mundialização do sistema capitalista, também conhecida como globalização, Stuart Hall enuncia três possíveis consequências desse fenômeno sobre as identidades culturais fundadas com a modernidade. Stuart Hall (2005) desenvolve uma análise do impacto da globalização sobre as identidades culturais, relacionando as dimensões de espaço e de tempo em sua explicação. Para o autor, o tempo e o espaço são coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Ou seja, todo sistema de representação deve traduzir o seu objeto em dimensões espaciais e temporais. Dessa forma, considerando a identidade também como um meio de representação, o autor constata que diferentes épocas culturais possuem diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo (HALL, 2005, p. 70). Hall compara a identidade aos demais meios de representação como a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a simbolização através da arte ou dos sistemas de telecomunicação. Em todos eles, é possível observar relações de espaço-tempo sendo definidas. Hall ainda cita Harvey (1989), para demonstrar o contraste do ordenamento racional do espaço-tempo da Ilustração, com seu senso regular de ordem, simetria e equilíbrio, com as rompidas e fragmentadas coordenadas espaço-tempo dos movimentos modernistas do final do século XIX e início do século XX (HALL, 2005, p. 71). Portanto, o autor afirma que todas as identidades estão localizadas no espaço e no tempo simbólico. Elas possuem suas geografias imaginárias, suas paisagens características, seu senso de lugar, como também suas localizações no tempo, nas tradições inventadas que ligam o passado e o presente, em mitos e narrativas de nação que conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes (HALL, 2005, p. 72). Ao observar as novas características provenientes do fenômeno de globalização, Hall analisa a influência que esse fenômeno exerce sobre as identidades culturais. Segundo ele, a 4

identidade torna-se uma celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). O autor ainda expõe duas consequências distintas da globalização sobre as identidades: o fortalecimento das identidades locais e a produção de novas identidades. Em relação ao fortalecimento das identidades locais, esse processo constitui uma conseqüência que a globalização gera na escala local, através da articulação global X local, onde este atua no interior da lógica da globalização. Um exemplo pode ser visto na ascensão dos nacionalismos na Europa e em outros lugares, produzindo tensões xenófobas e o estreitamento dos direitos concedidos aos imigrantes. Um outro exemplo está presente no recuo, entre as próprias comunidades comunitárias, a identidades mais defensivas, em resposta à experiência de racismo cultural e de exclusão. Tais estratégias incluem a re-identificação com as culturas de origem; a construção de fortes contra-etnias; ou o fortalecimento do tradicionalismo cultural, da ortodoxia religiosa e do separatismo político (HALL, 2005 p. 85). Sobre a produção de novas identidades, o autor afirma que o processo de globalização tem possibilitado a geração de novas identidades em todo o mundo. Esse movimento pode ser explicado a partir da concepção de identidade como um meio de representação, conforme já foi descrito anteriormente. Dessa forma, a alteração da concepção de espaço-tempo vivenciada atualmente pelos indivíduos afetados, de alguma forma, pelo movimento globalizador capitalista, promove uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e torna as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais, e diversas e, ao mesmo tempo, menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Para o autor: Por toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns num mundo globalizado (...) As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidades distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia (HALL, 2005 p. 89). 5

Portanto, Hall acredita que as identidades estão, por toda parte, suspensas, em transição; e que seus elementos formadores, são retirados de diferentes tradições culturais. E ainda, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, é possível observar uma confrontação com uma infinidade de identidades possíveis. Ao pensar a noção espacial desse processo, Le Bossé (2004) argumenta que ao invés de validar uma dicotomia local/ global, separando duas formas escalares de identificação, é mais pertinente enxerga-las como pólos extremos de um mesmo continuum no qual as identidades geográficas se situam. Concordando com Stuart Hall, Le Bossé critica a idéia de homogeneização cultural. Para ele, embora a diversidade das identificações culturais parecesse ameaçada pelo efeito das forças globais, ela permanece e se afirma principalmente na escala local. O processo de formação de identidades locais consiste nas maneiras como os fragmentos da cultura global se combinam de diferentes formas em um lugar específico. Nessa mesma linha de pensamento, Hall (2005) afirma que a crença de que no interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficariam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas, é simplista, exagerada e unilateral. Le Bossé ainda retoma o conceito de vida de relações de Vidal de La Blache para afirmar que as relações espaciais que ligam cada lugar a outros lugares tornam-se um ponto essencial da abordagem contemporânea da identidade cultural. O autor parece convergir com Stuart Hall quando este menciona a formação de identidades híbridas resultantes da nova dimensão de espaço-tempo vivenciada atualmente pelos indivíduos afetados pela globalização. Para Le Bossé, 6

A interação socioespacial com outros lugares que nem sempre se limita à oposição ou ao contraste participa da construção da identidade local. Por ela são reconhecidas as identidades múltiplas do lugar, que não variam apenas em função das diversas consciências sociais presentes em seu interior, mas também segundo as diversas interpretações e orientações espaciais que essas consciências atribuem às relações voltadas para o exterior e ao seu impacto local. Reconhecer a abertura, a troca e o emaranhamento das identidades dos lugares em dinâmicas socioespaciais complexas que neles se cruzam, os envolvem e os ultrapassam não significa, no entanto, negar a especificidade ou a particularidade dos lugares (LE BOSSÉ, 2004 p. 172). Portanto, é possível perceber em Le Bossé o diálogo entre as escalas local e global, como também a defesa da particularidade dos lugares, negando assim, a idéia de homogeneização cultural. O autor defende o foco único do lugar baseado em sua história específica. IDENTIDADE E LUGAR Nesse ínterim, o Lugar pode ser considerado como suporte da identidade cultural. Isso ocorre devido a sua participação ativa na vida dos indivíduos e dos grupos, principalmente através de um enfoque humanista. Segundo Le Bossé, o enfoque humanista, ao descrever a ligação emocional aos espaços demarcados e fechados, é um objeto carregado de valor e de sentido e, nesse sentido, um foco identitário em todas as escalas espaciais, desde o espaço cotidiano e familiar do lar até o território da coletividade nacional (LE BOSSÉ, 2004 p. 167). Portanto, a identidade assume uma mediação espacial, onde o conceito de Lugar torna-se peça chave para o seu entendimento. Isto se deve, pois o lugar participa inteiramente da vida dos indivíduos e dos grupos, ele influencia e, até mesmo constrói, tanto subjetivamente como objetivamente, identidades culturais e sociais. 7

RESULTADOS PRELIMINARES Considerando que esta pesquisa encontra-se em estágio inicial, acredita ser possível definir identidade como parte da idéia que um indivíduo, grupo ou classe social tem sobre si, o pertencimento a uma categoria sócio-cultural, um espaço geográfico e um passado histórico comum. Estes constituem elementos que condicionam, por sua vez, a própria visão sobre si e a respectiva construção, apropriação ou reconstrução de valores e suas condutas psicológicas e sociais. De acordo com Alexander Wendt (1994) as identidades sociais, tanto individual como coletiva, possuem propriedades estruturais, sendo ao mesmo tempo, os esquemas cognitivos que permitem um ator determinar "quem eu sou / nós somos" em uma situação e as posições em uma estrutura de papéis sociais de entendimentos compartilhados e expectativas. Em relação ao processo de globalização, foi possível observar que as novas características espaço-temporal estão sendo responsáveis pela formação de identidades mais flexíveis, mais híbridas. Ainda sobre sua mediação espacial, conclui-se que o conceito de Lugar torna-se peça chave para o entendimento das identidades. Isto se deve, pois o lugar participa inteiramente da vida dos indivíduos e dos grupos, ele influencia e, até mesmo constrói, tanto subjetivamente como objetivamente, identidades culturais e sociais. Por fim, sobre o argumento de homogeneização das identidades culturais diante do processo de globalização, os autores pesquisados nos induzem a pensar esta afirmação como simplista e unilateral. Seria mais adequado, pois, pensar na formação de novas identidades híbridas reterritorializadas, através de em uma nova articulação entre o global e o local. Ao considerar a globalização como uma nova forma de acumulação flexível e de criação de nichos de mercado, seria pertinente pensar o Lugar atuante no interior da lógica da globalização, produzindo novas identificações globais e novas identificações locais. 8

BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. HALL, Stuart. Identidades Culturais na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 6a edição, 1996. HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. LE BOSSÉ, Mathias. As questões de identidade em geografia cultural algumas concepções contemporâneas. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (Org.), Paisagens, textos e identidade. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004. WALLERSTEIN, Immanuel. Após o Liberalismo: Em Busca da Reconstrução do Mundo. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. WENDT, Alexander. Collective identity formation and the International State. The American Political Science Review, Vol. 88, No. 2 (Jun. 1994), 384-396. 9