Qual a finalidade do Projeto de Lei de Novo Código de Mineração?

Documentos relacionados
Ministério de de Minas Minas e e Energia PROPOSTA DE NOVO MARCO DA MINERAÇÃO

VISÃO EMPRESARIAL DO FOMENTO GOVERNAMENTAL À EXPLORAÇÃO MINERAL NO BRASIL. Elmer Prata Salomão Maio 2010

POLÍTICA MINERAL & NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO

LEGISLAÇÃO MINERÁRIA BRASILEIRA: Avaliação e Perspectivas. ANA SALETT MARQUES GULLI Procuradora-Chefe/DNPM

VISÃO DA ABPM SOBRE O NOVO ELMER PRATA SALOMÃO

MINERAÇÃO E SUA NOVA AGÊNCIA REGULADORA

AUDIÊNCIA PÚBLICA SENADO FEDERAL: SUBMINERA - SUBCOMISSÃO PERMANENTE DE ACOMPANHAMENTO DO SETOR DE MINERAÇÃO

Práticas de controle e fiscalização da CFEM

Gestão de Recursos Minerais como Fator de Desenvolvimento

Visão Empresarial sobre o Novo Marco Regulatório. Maio/2010

Política Governamental Brasileira de Fomento à Exploração Mineral e Propostas de Aprimoramento

Nº da aula 05 MINERAÇÃO:

Minérios Abrangidos Bauxita Caulim Carvão Mineral Cobre Ferro Fosfato Manganês. Níquel Ouro. Potássio Rochas Ornamentais Zinco

Claudio Scliar Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral. Curitiba, 26 de agosto de 2010.

Royalties e Desenvolvimento Socioeconômico. VII Encontro Executivos ADIMB Brasília Junho 2017

Revitalização do setor mineral brasileiro sob a perspectiva legal

MINERAÇÃO REGIME LEGAL

Regime jurídico da mineração brasileira na vigência do decreto-lei 227/67

NOVO REGULAMENTO DO CÓDIGO DE MINERAÇÃO. Principais alterações promovidas pelo Decreto 9.406/2018 na legislação minerária

Gestor dos Recursos Minerais do Brasil Compete ao Departamento Nacional de Produção Mineral a execução do Código de Mineração e dos seus Diplomas

Alterações ao Código de Mineração Promovidas pela MP Nº 790/2017

Legislação: Ações para a Revitalização do Setor Mineral Brasileiro

ABPM Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral

Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira: Os Novos Normativos

Clínica 2: Painel: Por dentro das mudanças da CFEM

Proposta de MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO: Regimes de Aproveitamento e Aspectos regulatórios

MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Transformar Recursos Minerais em Riquezas e Desenvolvimento Sustentável SEMIM CEULP/ULBRA

CFEM: ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 789/2017

CÂMARA BRITÂNICA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA NO BRASIL

Novo Regulamento do Código Minerário (Decreto federal nº 9.406/2018)

Reforma da Legislação Mineral

RODOLFO GROPEN A D V O C A C I A

Decreto nº 9.406/2018

EFEITOS DO FIM DO DIREITO DE PRIORIDADE NAS Junior Companies

1. Conforme quadro disponível na MP. 2. Novas alíquotas vigoram a partir de

A legislação mineral e o novo marco legal. II Curso Básico Nacional do MAM

Princípios Fundamentais da Legislação Mineral de Sucesso

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL PORTARIA Nº 441, DE 11 DE DEZEMBRO 2009.

A POLÍTICA MINERAL E O NOVO MARCO REGULATÓRIO A DESCENTRALIZÃO DO REGIME DE LICENCIAMENTO MINERAL (?)

Ministério de Minas e Energia. Marco. da mineração. Perguntas e Respostas. Perguntas mais frequentes sobre o marco regulatório da mineração

WORKSHOP DA COORDENADORIA DE CÂMARAS ESPECIALIZADAS DE GEOLOGIA E ENGENHARIA DE MINAS (CCEGM)

Alterações na Legislação sobre Mineração em Faixa de Fronteira: visão empresarial

SEMINÁRIO Revitalização da mineração: as Medidas Provisórias 789, 790 e 791 e suas consequências jurídicas, estruturais e mercadológicas

CFEM: REAJUSTES NEGATIVOS DE PREÇO E VARIAÇÃO CAMBIAL PAULO HONÓRIO DE CASTRO JÚNIOR

Indústria Mineral Brasileira e Paraense Belém, 20 de março de 2013

MINERAÇÃO REGIME LEGAL

Clipping Sindiminério

Decreto nº 9.406/2018

AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO ANM

EQUACIONAMENTO JURÍDICO E AMBIENTAL DA RENCA VII ENCONTRO DE EXECUTIVOS DE EXPLORAÇÃO MINERAL A AGENDA MINERAL BRASILEIRA ADIMB 29 DE JUNHO DE 2017

Compete ao Departamento Nacional de Produção Mineral a execução do Código de Mineração e dos seus Diplomas Legais Complementares Art.

Novo Marco Regulatório Brasileiro no Contexto Internacional

Panorama atual da CFEM ANDRÉ ROBERTO DE SOUZA MACHADO ADVOGADO

ANÁLISE DO PL 5.807/13 E SEU IMPACTO NA MINERAÇÃO BRASILEIRA

Projeto de Lei nº 5.807/2013 Marco Regulatório da Mineração

PROJETO DE L-EI Nº DE 2011 (Do Sr. Beto Faro)

O Novo Marco Regulatório da Mineração Brasileira

O ENCERRAMENTO DE MINA E AS COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. Ricardo Carneiro

DECRETO Nº 9.407, DE 12 DE JUNHO DE 2018

NOVO CÓDIGO DE MINERAÇÃO: PL 5263/2016, DO DEPUTADO FEDERAL SARNEY FILHO, DE 12 DE MAIO DE CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

DIREITO AMBIENTAL. Proteção do meio ambiente em normas infraconstitucionais. Recursos Minerais e legislação correlata- Parte 1. Prof.

ECONOMIA MINERAL DO BRASIL. Março/2018


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

I 7% (sete por cento) para Municípios com população de até ( cem mil ) habitantes;

Todos os direitos reservados 2017 Sion Advogados. É vedada a reprodução total ou parcial desta obra, seus componentes e conteúdo.

Mineração brasileira perspectivas e desafios. Geólogo Elmer Prata Salomão

Marco Regulatório da Mineração e seus Impactos Socioambientais. Jessica Bogossian Movimento Consciência Mineral

Gestor dos Recursos Minerais do Brasil Compete ao Departamento Nacional de Produção Mineral a execução do Código de Mineração e dos seus Diplomas

Atual Contexto da CFEM para a Competitividade da Indústria Mineral. Senado Federal/SubComissão Permanente de Acompanhamento do Setor de Mineração

Objetivo do estudo. Análise comparativa dos principais tributos e contribuições incidentes sobre as atividades das empresas de mineração no mundo:

APRESENTAÇÃO. IBRAM-Instituto Brasileiro de Mineração. Organização privada, sem fins lucrativos, que representa a Indústria Mineral Brasileira;

Problemas do Setor: (i) Principais questões existentes hoje; e. (ii) Situações que podem se configurar com o novo marco regulatório do setor.

NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MINERAÇÃO

ANÁLISE DAS VARIÁVEIS _ APL CERÂMICA DO NORTE GOIANO Áreas Concedidas às (registradas pelas) Grandes Mineradoras

Mineração, Desenvolvimento e Soberania.

O QUE É A CFEM? COMPETÊNCIA SOBRE A CFEM

Instituto Brasileiro de Mineração IBRAM

IX Congresso Catarinense de Municípios. Exploração de Cascalheiras pelos Municípios

Secretaria de INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO - SEICOM PLANO DE MINERAÇÃO DO ESTADO DO PARÁ

MINERAÇÃO REGIME LEGAL

O QUE MUDA COM A NOVA LEGISLAÇÃO SOBRE FAIXA DE FRONTEIRA

LEI Nº 7.886, DE 20 DE NOVEMBRO DE Regulamenta o art. 43 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.

Aula 06. XVII aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

O mito da Petrobrás quebrada, política de preços e suas consequências para o Brasil

A UNANIMIDADE NO CONFAZ.

LICENCIAMENTO AMBIENTAL - TENDÊNCIAS - Perspectivas para os Seguros Ambientais

Agência Brasil Decretos assinados por Temer atualizam Código de Mineração

Brasil pede licença para explorar minérios no Atlântico Sul

Barragens de Rejeitos de Mineração: Cenário Atual e Proposições

O QUE É A CFEM? COMPETÊNCIA SOBRE A CFEM

LEI Nº 4.595, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1964

APRESENTAÇÃO PDAC participantes 135 países 486 empresas de mineração 413 empresas de serviços 68 estandes de países

Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira: Perspectivas e Desafios

Normas e Julgados do Setor de Mineração

PESQUISA MINERAL I. Professora: Thaís Dornelas

ILAESE. ANÁLISE ECONÔMICA DA VALE S.A. CAMPANHA SALARIAL - Agosto DE 2016

Transcrição:

Qual a finalidade do Projeto de Lei de Novo Código de Mineração? Luiz Alberto C. Bustamante 1 Em de junho de 2013, a Presidente Dilma Roussef enviou ao Congresso Nacional projeto para o novo marco regulatório da mineração. Trata-se do Projeto de Lei n 5.807, de 2013 - o qual será denominado de PL neste texto. Se aprovado, o PL substituirá o atual Código de Mineração, o Decreto-Lei n 227, de 28 de fevereiro de 1967. Nas palavras da Presidente da República 2, com a nova legislação objetiva-se: criar um marco legal favorável aos negócios, aos investimentos produtivos fortalecendo um novo ciclo de desenvolvimento de nosso país, mas tudo isso com ganhos para a sociedade, para os trabalhadores e para o meio ambiente. O presente texto busca analisar se, de fato, haverá estímulo aos investimentos na mineração. Mantida a redação original do PL, ao que tudo indica, o efeito será o inverso. A nova lei minerária afugentará os potenciais interessados, seja pela redução da remuneração líquida das empresas, seja pelo desestímulo à pesquisa mineral. No que se refere à rentabilidade líquida das empresas mineradoras, fica evidente no texto a intenção do Governo em aumentar a participação governamental nas receitas, em detrimento do lucro privado. Busca-se, em especial, aumentar a receita de estados e municípios advindas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A base de cálculo da CFEM deixará de ser o faturamento líquido e passará a ser a receita bruta da venda, deduzidos apenas os tributos efetivamente pagos incidentes sobre a sua comercialização, e a alíquota máxima subirá de 3% para 4%. O efeito das mudanças da base de cálculo e da alíquota da CFEM será o fechamento daqueles empreendimentos minerais cujos custos já estão próximos às 1 Consultor Legislativo do Senado Federal, Núcleo de Economia, Área de Minas e Energia. Doutor em Engenharia Metalúrgica e de Materiais. 2 Presidência da República, 2013. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseffdurante-cerimonia-lancamento-do-marco-regulatorio-da-mineracao-brasilia-df >. Acesso em: 04/07/2013. 1

cotações dos minérios, com a consequente perda de empregos, de geração de riqueza e de arrecadação. Diga-se de passagem, a arrecadação da CFEM, mesmo com a legislação vigente, é crescente, tendo saído de R$ 140 milhões, em 2003, para R$ 2,4 bilhões, em 2013, um aumento de 1.600%. Com as regras propostas no PL, o próprio Governo estima que a arrecadação da CFEM dobrará 3. A esse aumento da CFEM devem ser somadas as taxas incidentes sobre a mineração, criadas ou aumentadas pelo PL. Trata-se, portanto, de tentar capturar para o orçamento público parte dos ganhos das empresas, que cresceram substancialmente nos últimos anos, em função do apetite chinês por minérios. Já a pesquisa de novas áreas passíveis de exploração ficará prejudicada pela mudança radical proposta para o sistema de outorga de títulos minerários. O que se propõe é a extinção do atual sistema de direito de prioridade. Pelo atual Código de Mineração, qualquer interessado pode pleitear uma autorização de pesquisa em uma determinada área 4. A autorização de pesquisa é atribuída ao primeiro interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, isto é, a área que não seja objeto de nenhum outro requerimento de data anterior. Somente o titular da autorização de pesquisa pode requerer o direito de explorar minerais naquela área, ou seja, a concessão de lavra 5. Resumidamente, o direito de prioridade significa que quem requer primeiro, atendidos certos requisitos burocráticos, ganha o título minerário. Trata-se, portanto, de um regime de autorização e concessão. O PL substitui tal regime pelo sistema de licitação, para as áreas selecionadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Mineral (CNPM), órgão a ser criado, e pela chamada pública, quando o particular formalizar interesse nas áreas restantes. A concessão precedida de licitação ou chamada pública significa o fim do direito de prioridade, adotado pela legislação minerária da maioria dos países mineradores, 3 Presidência da República, ibidem. A CFEM a partir de agora incidirá sobre a receita bruta das empresas mineradoras tendo alíquotas de até 4%. Isso dará um incremento importante para o orçamento dos estados e municípios que convivem com a atividade mineraria. A mudança na regra de cálculo permitirá praticamente dobrar a arrecadação proveniente dessa atividade. 4 A autorização de pesquisa mineral depende de expedição de alvará de autorização do Diretor-Geral do DNPM. A pesquisa mineral tem como objetivo de executar os trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exequibilidade do seu aproveitamento econômico. 5 A concessão de lavra depende de portaria de concessão do Ministro de Estado de Minas e Energia. A lavra tem como objetivo o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver até o beneficiamento das mesmas. 2

como Austrália, Canadá, México, Chile, Peru, entre outros; devido ao incentivo que representa ao empreendedorismo no setor mineral. Como a prospecção mineral é uma atividade de baixo índice de sucesso da ordem de 0,1%, ou seja, de cada 1.000 trabalhos de prospecção mineral, somente 1 resulta em uma descoberta comercial só a expectativa de encontrar uma jazida de grande porte, e lucrar com sua produção, motiva as empresas a enfrentar empreitada de tão alto risco. Uma empresa, quando requer a autorização de pesquisa para determinada área, o faz porque algum tipo de análise preliminar indicou a possibilidade da descoberta de um depósito mineral. É uma informação estratégica da empresa, fruto da expertise de seus técnicos, efetivamente protegida pelo direito de prioridade. A empresa requer a autorização de pesquisa porque sabe que, se encontrar algo valioso, terá a prioridade na lavra. Com a chamada pública, introduzida pelo PL, a empresa não terá como resguardar das concorrentes o seu interesse por determinada área e correrá o risco de perdê-la no processo seletivo que pode se seguir. Ou seja, a empresa gasta tempo e dinheiro estudando uma determinada área e, ao constatar que a área é promissora, terá que tornar público seu interesse e disputar o direito de exploração em igualdades de condições com outras que nada investiram na pesquisa da área. Os demais concorrentes pegarão uma carona no tempo e dinheiro gastos pela empresa que se dedicou a estudar a área. Obviamente, nenhuma empresa terá incentivos para fazer tal estudo, preferindo aguardar que outras o façam. É evidente que o fim da prioridade é um poderoso desestímulo à iniciativa de buscar áreas minerais promissoras. E o setor mineral perecerá sem a descoberta de novas jazidas, pois os recursos minerais são esgotáveis e, assim, novas reservas têm que ser descobertas para repor as reservas exauridas. Os sistemas concorrenciais para acesso aos títulos minerários só se justificam quando há disponibilidade de informações geológicas detalhadas, de forma a permitir aos concorrentes fazer propostas bem fundadas nos certames. Quando essas informações geológicas não existem, o risco pode ser alto demais para os empreendedores fazerem lances, e eles se ausentam da licitação. Extinto o regime de prioridade, haverá o refluxo das empresas privadas de prospecção e pesquisa mineral. Só restará o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), empresa pública, para correr o risco de buscar novas áreas promissoras para a mineração. Conseguirá a CPRM realizar sozinha essa missão em todo o imenso território brasileiro? E a que custo? Os recursos privados serão substituídos pelos 3

recursos do Estado em uma atividade de alto risco. É, no mínimo, discutível que o Estado, enfrentando dificuldades para prestar à população os serviços básicos de saúde, educação e segurança, entre outros, afaste o investimento privado e assuma mais um encargo. Quando se verifica os excelentes resultados econômicos da mineração brasileira ao longo do século XXI entre outros, o crescimento de mais de 500% e o saldo da balança comercial, que superou os 125 bilhões de dólares entre 2010 e 2013 causa estranheza o empenho governamental para realizar mudanças tão radicais em um setor que, sem sombra de dúvida, apresenta desempenho satisfatório. Decerto, a percepção de que o Estado não estava sendo adequadamente beneficiado pelo crescimento acelerado da renda mineral na década de 2000 foi um motivador importante para a alteração da lei minerária, ao menos, no que se refere à CFEM. Diferentemente de outros setores econômicos, a mineração transformou-se em alvo da atenção do Governo não por seus problemas, mas por seu sucesso. Mas essa não foi a única razão. Percebe-se também, na formulação do novo marco regulatório, a manifestação da linha de pensamento, prevalecente no Governo, de que o Estado deve intervir profundamente na atividade econômica. Isto é, o PL é a versão para o setor mineral das políticas econômicas intervencionistas, e malsucedidas, adotadas pelo Governo Federal nos últimos anos. Como defesa do PL, as autoridades governamentais preferem atacar o atual Código de Mineração, que, alegadamente, seria ultrapassado e daria margem a práticas especulativas. O desempenho econômico da mineração, por si só, desmente as críticas de anacronismo lançadas contra o atual Código, pois essa legislação minerária foi adequada o bastante para permitir que o Brasil, apesar dos problemas de infraestrutura bem conhecidos, se beneficiasse de um ciclo internacional positivo para a mineração. Quanto à especulação, sempre mencionada, mas nunca comprovada de forma objetiva, ela não deriva da sistemática de acesso ao título minerário, mas da forma de retenção da área concedida, sem o devido cumprimento das regras estabelecidas no atual Código de Mineração quanto aos prazos e a execução de trabalhos de pesquisa mineral. Ressalte-se, porém, que o atual Código contém os instrumentos de coerção e sanção, inclusive a caducidade do título minerário, aplicáveis aos titulares que descumprirem as regras de forma reiterada. Ou seja, o problema real não é o atual Código, mas a falta de fiscalização, que é realizada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), sem, contudo, alcançar a intensidade desejável. Diga-se em defesa do DNPM que faltam recursos para a Autarquia cumprir suas atribuições, vítima que é de repetidos contingenciamentos de 4

seu orçamento. Ora, se, de fato, o Governo considera que a especulação com títulos minerários é um problema sério, por que não foram repassados ao DNPM os recursos necessários para a fiscalização? Além de aumentar a renda governamental decorrente da exploração mineral, a intenção do Governo com o PL parece ser também a de controlar o ritmo da exploração mineral. Pela legislação atual, o requerente que atender a todos os requisitos constantes da lei e dos regulamentos, que não são poucos, tem que receber o título requerido. O DNPM e o MME não podem negar de forma discricionária, com base na conveniência e na oportunidade, os requerimentos em conformidade com a legislação. A forma encontrada para contornar essa vinculação foi a instituição da licitação. A frequência dos certames e as áreas oferecidas serão definidas pelas autoridades públicas. Não estão claros os propósitos desse controle, mas é prudente temer os resultados, mormente considerando as características particulares do setor mineral. Considerando que a margem de acerto da prospecção mineral é de 0,1% e que usualmente o tempo decorrido da descoberta do recurso mineral até a colocação da mina em produção é de dez anos ou mais, como é possível estabelecer o ritmo adequado da mineração por meio do controle do acesso às áreas para pesquisa mineral? Seria como dirigir por uma estrada sinuosa com um carro no qual entre o girar do volante e a movimentação das rodas fossem percorridos quilômetros. Ou seja, o desastre seria inevitável. Controlar talvez seja o primeiro passo de uma tentativa de planificação. Representantes do Governo já especulam se o aumento da produção de minérios para atender a China não ameaçaria o futuro fornecimento interno do Brasil. Logo, seria preciso estabelecer cotas de produção. Se todos os dados necessários estivessem disponíveis, já seria bastante complexo estabelecer o ritmo ótimo de produção mineral. Imagine-se, então, estabelecer o ritmo ótimo de produção sem conhecer a demanda futura do Brasil e do Mundo, as cotações dos minérios, a descoberta de novas jazidas no Brasil e no Mundo, as novas tecnologias que aumentam ou diminuem a demanda por determinados bens minerais, etc. As chances de acerto seriam extremamente diminutas. A única certeza seria o desinteresse das empresas mineradoras pelo Brasil ante a possibilidade do Governo limitar a produção. Em que pesem as melhores intenções de técnicos e ideólogos, o Governo, com o PL, opta por uma legislação minerária que percorre a avenida da mineração internacional na contramão. Não é sem razão que a avaliação da competitividade do negócio de mineração no Brasil vem caindo acentuadamente desde que foram sendo 5

delineadas as mudanças do Código de Mineração. De acordo com o Fraser Institute, organização canadense que desenvolveu índice específico para avaliar essa competitividade, a posição do Brasil, em 2013, é a 65 entre 112 países e entes subnacionais analisados 6. Em 2010, o Brasil estava em 40 entre 72 jurisdições analisadas. O resultado brasileiro de 2013 é muito ruim, mesmo quando comparado com outros países da América Latina que são importantes mineradores, como, Chile, em 30, México, em 48, e Peru, em 56. O nosso destino não pode ser a queda do índice a ponto de alcançar a Bolívia, em 99, ou a Venezuela, em 111. Infelizmente, esse tipo de posicionamento alheio em relação ao que se passa no Mundo não é inédito em nosso País. Os debates travados em torno do PL lembram aqueles da Constituinte de 1988, quando, ao final, prevaleceu a tese nacionalista, que introduziu na CF/1988 a vedação à participação de empresas de capital estrangeiro na mineração. O resultado foi a progressiva paralisação da pesquisa mineral no Brasil, só revertida pela Emenda Constitucional n 6, de 1995, que retirou essa vedação e criou as condições que permitiram a mineração brasileira tirar bom proveito do ciclo de altas cotações das commodities minerais nos anos 2000. Aliás, os melhores anos de tal ciclo parecem superados, e as consequências já se fazem sentir. De acordo com relatório do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), os investimentos em mineração no Brasil devem recuar para US$ 53,6 bilhões no período 2014-2018, contra cerca de US$ 75 bilhões previstos anteriormente para o período 2012-2016 7. Em suma, o PL é uma clara manifestação de política econômica intervencionista e contrária ao empreendedorismo, associada ao furor arrecadatório que acomete estados e municípios, beneficiários últimos da receita da CFEM. O PL é inoportuno e não vai cumprir seu objetivo de atrair novos investimentos, pois se baseia em uma lógica que repudia o lucro. Parece que os formuladores do PL gostam de investimentos, mas não gostam dos investidores. Cabe, então, ao Congresso Nacional introduzir as modificações no PL para harmonizá-lo com as necessidades de um setor mineral de grande porte, dinâmico, competitivo e inserido nas cadeias produtivas internacionais, como é o caso do setor mineral brasileiro. Este texto está disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2203 6 Fraser Institute. Survey of Mining Companies 2013. Disponível em: https://www.fraserinstitute.org/uploadedfiles/fraser-ca/content/researchnews/research/publications/mining-survey-2013.pdf. Acesso em 30/03/2014. 7 O Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,apetite-demineradoras-para-investir-no-brasil-cai,1139451,0.htm. Acesso em: 31/03/2014. 6